História I Dont Wanna Fall in Love - Armando minhas defesas

A tigela de cereais com leite a encarava de volta, os grãos redondos de cores distintas inflando aos poucos.

O celular vibrou novamente. Evitou olhar, pois sabia o que encontraria ali. De toda maneira, as mensagens pulavam na tela sem pedir permissão.
 

“Vamos andar de skate hoje?”
 

…
 

“Você está em retiro social?”
 

…
 

“Me avise.”
 

Mitsashi Tenten estava confusa. E isso não haveria de ser muito grave. Na verdade, Tenten sempre fora muito bem resolvida nos assuntos relacionados ao amor e à sexualidade, estava sempre conhecendo garotos nas festas da faculdade, até mesmo por meio de aplicativos. Para ela, o lema era: eu quero, você quer, só vamos. Isso se aplicava a qualquer tipo de interação que tivesse com alguém.

O problema todo foi a reunião de amigos que havia participado no sábado. Ela nem queria ir, preferia ter ficado estudando, pois estava com séria preocupação em pegar uma dependência em Concreto. Mas Sakura a convenceu, quando argumentou que se ela tinha tempo para festinhas e baladas, também teria para seus amigos.

Como costumavam fazer sempre, havia pizza, bebidas e muito assunto. Tudo aparentemente inofensivo, até a ideia estapafúrdia de Naruto. Tenten deixou que a mente divagasse até o acontecimento.

— Eu acho que poderíamos repetir aquele kiss game que fizemos da outra vez. Sabem como é, amigos que se beijam e fazem faculdade de vez em quando — sugeriu Naruto, já alto, por consequência do álcool. Seus drinques improvisados e deliciosos tinham o poder de levantar até zumbis de tumbas.

— Depois do último kiss game, você e Hinata acabaram virando namorados — zombou Ino.
 

Naruto correu até Hinata e beijou o topo de sua cabeça. Ela, por sua vez riu, abraçando sua cintura.
 

— Eu penso que foi algo muito bom.
 

A ideia logo foi descartada, mas só até que todos estivessem bem alegres pelos efeitos do álcool. Uma garrafa vazia foi usada como seta e os beijos mais improváveis foram dados ali. O primeiro foi entre Ino e Lee, seguidos por Hidan e Naruto, Sakura e Kiba, Hinata e Shino, entre algumas repetições envolvendo-os. Mas o que parecia completamente normal e até divertido para Tenten, foi sua ruína.
 

— Tenten e… — Naruto aguardou que a garrafa parasse em Neji ou Sakura. — Neji! — vociferou.
 

Ela olhou para Neji com um sorriso descontraído, o qual ele correspondeu, rindo da coincidência. De repente, dois melhores amigos de infância que se viam mais como irmãos do que tudo, haviam sido sorteados. Tenten achou um tanto esquisito, mas a intimidade entre os dois era tamanha que sem delongas partiram para o beijo, que já havia empolgado a todos antes de acontecer.

De repente, não estava sóbria o bastante para ver os orbes claros de Neji tão de perto sem se sentir afetada de alguma forma, como se a levassem imediatamente aos seus lábios, que entreabertos, se aproximavam dos dela na velocidade da luz. Tudo isso foi vivido em segundos, até que as papilas gustativas de Tenten conheceram o sabor e a textura daquele beijo surpreendentemente… bom.

Foram separados por Sai, que se jogou no meio dos dois, sentenciando o final daquela troca tão interessante.

— Chega, gira logo essa garrafa!
 

Tenten arfou, nitidamente sem reação. Por Kami, se ela soubesse que seu amigo beijava tão bem, teria oferecido os lábios antes.

Algumas rodadas depois, Neji foi sorteado para beijar Ino e foi aí que Tenten começou a se sentir estranha. Não estava entendendo porque sorria amarelo, forçando uma diversão que não estava realmente passando por ela.

Após um tempo, a brincadeira foi dispersando e estavam todos falando sobre faculdade na sala da casa de Shino. Conforme o álcool deixava seus sentidos mais livres, a imagem do beijo voltou, fazendo com que Tenten se sentisse confusa. Talvez o fato de beijar seu melhor amigo não fosse tão natural assim, mesmo que isso a deixasse completamente surpresa. Nunca algo trivial como um beijo de brincadeira a deixara pensativa.
 

Suspirou, encarando a tigela. Até que tentou vê-lo no dia seguinte, mas desde a fatídica brincadeira, não conseguia olhá-lo direito ou conversar naturalmente. Por que raios estava dando tanta importância a um mísero fim de semana? Neji aparentava total naturalidade com relação ao que aconteceu, como ela esperava se comportar também.

Confusa, acabou por evitá-lo, pois não queria sentir algo tão desconfortável e fora de controle.

Neji, por sua vez, enviou algumas mensagens, como aquelas que ela lia em tempo real. Presumiu que ele já tivesse notado o distanciamento.

Com a colher, mexeu vagarosamente os cereais inflados, levando relutantemente à boca. “Tenten, você é péssima”, pensou. O sabor murcho do café da manhã fazia combinação com o seu estado de espírito, mas ela precisava reagir, recuperaria o controle de tudo.

Em um impulso, encheu mais uma vez a colher e a levou até a boca, empurrando a tigela para trás, na sequência. Diria sim a Neji. Imaginou que tudo tivesse tomado uma proporção maior, graças à atenção exacerbada que estava dedicando à questão e talvez tudo já estivesse resolvido se parasse de evitar seu melhor amigo. Deslizou a tela do celular e foi até a conversa.
 

“Vamos!”
 

Alguns minutos depois, Neji respondeu. Tenten levantou, precisava se aprontar para sair, logo se atrasaria para a faculdade.
 

— Eu só espero estar normal hoje! — levantou os braços para cima, em súplica, enquanto se dirigia para a escada.

—-
 

Sobre rodas, Tenten se sentia livre, como se o corpo deslizasse no ar, como se pudesse controlar de tudo. Sentia o vento no rosto, as batidas da música no fone, a franja passeando pela testa, veloz. Desviou de um gato que se assustou com a aproximação dela e fugiu, assustado. Seu skate era o melhor veículo do mundo, como ela gostava de dizer.

Parou em frente ao seu local de trabalho e ergueu o skate, entrando na sequência. Trabalhava em uma loja de cd’s e discos havia dez meses. A loja em questão se chamava “Rústicos Music”. Era das mais antigas, porém popular, pois ali se encontrava de tudo; dos lançamentos às raridades.

Entrou, aspirando o aroma familiar de essência de cravo, a identidade olfativa do lugar. Iruka, seu chefe, estudava vibrações e equilíbrio do ambiente, além do bem-estar dos clientes.
 

— Oi, Sasuke! — cumprimentou-o de relance, enquanto corria para o andar superior, disposta a guardar seus pertences.
 

Sasuke resmungou em resposta. Ele trabalhava como atendente e caixa, assim como Tenten. Ela já havia se acostumado ao temperamento peculiar do colega, que normalmente não falava muito sobre si, embora fosse educado e sempre ouvisse seus assuntos diversos. Às vezes, trocavam preferências musicais e indicavam músicas um para o outro, ou falavam sobre o dia, os clientes; também falavam sobre Iruka. Tenten gostava de dividir as tardes com Sasuke, dizia a ele que os dois formavam um equilíbrio interessante para a loja.

Checou o celular uma vez mais, pois o professor de sua última aula havia combinado de colocar um material específico para estudo no grupo da sala. Juntou-se a Sasuke, atrás do balcão.

Por mais reservado que fosse, Sasuke reconheceu que Tenten estava muito silenciosa para ser considerado normal. Normalmente, estava sempre a ouvindo falar, puxar mil assuntos consigo, cantarolar, performar algumas músicas que tocavam na loja, entre outras excentricidades. Resolveu não perguntar nada, era até melhor usufruir do silêncio, que a qualquer momento poderia se esvair como fumaça.

Cerca de duas horas depois, o sinalizador de clientes tocou mais uma vez, revelando um rosto deveras familiar para Tenten.
 

— Sakura! — chamou.
 

Sakura entrou timidamente, aproximando-se do balcão. Ao ver Sasuke, o constrangimento aumentou, precisaria comentar urgentemente com Tenten que ela trabalhava com o maior gato e nunca havia dito nada. Não que tivesse desmaiado e visto anjos, longe disso. Era um garoto comum, com sua camiseta preta dos Beatles — o que logo lhe chamou atenção —, mas que realmente possuía uma aparência de “chuchuzinho”, como ela identificava homens bonitos e beijáveis.
 

— Tenten… hoje deu para vir. — Olhou ao redor da loja, avaliando o ambiente.

— Finalmente, não? Achei que nunca viria conhecer o meu cantinho. — Apertou as bochechas de Sakura, fazendo-a rir.

— Ai! Você sabe que eu já tinha a minha loja preferida, mas sabe como é, depois que fecharam, fiquei órfã. — Massageou a área dolorida.

— Então aproveita e dê uma olhadinha, dá para ouvir alguns discos também, se precisar.
 

Sakura assentiu e se distanciou, embrenhando-se entre as vastas prateleiras. Após dois minutos, Tenten sentiu o celular vibrar e sem que pudesse controlar, as batidas de seu coração aceleraram. “Droga, Tenten!”, praguejou em pensamento. Para sua surpresa, a mensagem não era de Neji, mas sim de Sakura. “Ué”, pensou.
 

Enviado agora:

“Amiga! Como não me contou que trabalha com esse homem chuchuzinho?”

Tenten riu, chamando a atenção de Sasuke. Digitou de volta.

“Você é maluca! Isso que dá não ter aparecido aqui antes.”

“Solteiro?” — enviou Sakura.

“ACREDITO QUE SIM! SAIA DAÍ”

“Calma! Estou escolhendo meu disco.”

A Sakura que saiu detrás das prateleiras não foi a mesma Sakura das mensagens. Sua timidez a atrapalhava às vezes, como naquele momento.

Tenten a socorreu.
 

— E aí, o que achou?

— Muito boa, já aviso que voltarei.

— Ótimo! Ouviu isso, Sasuke? Temos uma nova cliente. — Sorriu, aparentando inocência para o colega.

Sasuke se limitou a olhar para Sakura e assentir, logo voltou ao que estava fazendo.
 

— O Sasuke é tímido, nem liga — disse para Sakura. — Mas eu gosto dele.
 

Sasuke ignorou seu comentário. Tenten cobrou o valor e embalou o vinil, entregando-o à amiga.
 

— Espero que volte mesmo.
 

Sakura sorriu.

— Pode deixar. — Piscou discreta para Tenten. As duas se despediram com um beijo na bochecha e Sakura saiu.
 

Sasuke notou que a quietude de Tenten havia voltado, tão logo sua amiga saíra da loja. Apesar do silêncio, parecia haver um turbilhão ali, pois ela estava agitada e assim passou o dia.

Tenten, por sua vez estava em cólicas. Saindo dali, encontraria Neji na rampa de skate do parque. A cada cliente que chegava, esforçava-se para se manter concentrada no trabalho. Sairia em meia hora, então resolveu retocar a maquiagem. Escolheu um batom cor de cereja que não usava muito em dias de semana, passou mais uma camada de máscara nos cílios e refez os dois coques presos nas laterais da cabeça, desembaraçando com os dedos os fios soltos. Não queria parecer exausta quando visse seu amigo, frisou a palavra “amigo” na mente, algumas vezes.

Após o fim do expediente, Iruka apareceu para fechar a loja. Tenten e Sasuke o ajudaram e, após deixarem tudo pronto, despediram-se.
 

—-
 

Ao chegar no local combinado, Neji já estava lá, sentado em um banco. Tentou mostrar a si mesma que ele continuava sendo apenas o seu melhor amigo, cujos segredos e uma infinidade de assuntos eram compartilhados entre os dois. Não havia motivo para nervosismo desnecessário.
 

— Uau, o batom de sair… — Neji provocou divertido, enquanto oferecia seu abraço a Tenten.

E ali, percebeu que não, as coisas definitivamente não estavam normais. O abraço de Neji não estava mais confortável, como sempre fora. Respirou fundo e se afastou, olhando-o.
 

— Hoje resolvi inovar. — Sorriu como pôde.

— Está tudo bem? Você não tem falado muito esses dias.

— Deve ser o cansaço… tive que recuperar o tempo perdido na festa para estudar.

— Ah sim, também precisei dar uma estudada. Vamos? — Posicionou o pé no skate, convidativo.
 

Tenten o olhou, esforçando-se para enxergar o seu amigo de sempre ali, sem que seu coração apresentasse batimentos descompassados. “Que beijo dos infernos”, lamentou mentalmente.

Ambos deram algumas voltas e praticaram manobras, e Tenten acabou por se sentir mais confortável, sem ter muito o que pensar. Neji era um homem calmo, sempre lhe passara tranquilidade e confiança. Talvez por isso, pensou que tudo estivesse voltando ao normal, mas só até que se sentassem sobre uma rampa vazia para descansar, enquanto assistiam às outras pessoas.

Tenten pensou que talvez só estivesse nervosa por ter pensado demais no assunto, então continuou se obrigando a olhá-lo, tentando resgatar o sentimento natural e intuitivo de outrora. Naquele momento específico, ele refazia o coque dos cabelos, pois, com os movimentos, havia soltado quase inteiro. Reparou nas mãos e punhos, tentando automatizar os pensamentos. E seus olhos passearam sozinhos até os lábios do Hyuuga.

Engoliu em seco, desistindo do plano de observá-lo. Era muito ansiosa, sem perceber estava mordendo os lábios, procurando inconscientemente algum ponto de ressecamento para puxar a pele com os dentes.
 

— Como foi na loja?
 

Tenten acordou de seu transe, desta vez evitando olhar muito diretamente para ele.

— Foi mais tranquilo. — Tossiu. — Ainda bem, porque ando muito ansiosa com as provas.

— Eu percebi. Você sabe que tem gastrite e isso pode atrapalhar. — Neji levou as mãos aos ombros de Tenten, chacoalhando-os levemente.
 

Era um comportamento costumeiro entre os dois. Ao menos era, até Naruto estragar tudo com aquela brincadeira. Agora, Tenten não mais se sentia à vontade com o pequeno choque prazeroso que aquelas mãos lhe trouxeram.
 

— Encontrei o Naruto hoje, ele disse que precisamos repetir a reunião logo.

As faces de Tenten coraram.

— O Naruto e suas ideias! — resmungou.

Neji riu.
 

— O que ele te fez?

— Nada, é que ele me irrita às vezes. Muito hiperativo.

— Tenten, você é a dona da festa, está no meio da maioria das festas da faculdade — provocou Neji, divertindo-se.

— Eu sei, mas eu tenho meus momentos de serenidade. — Juntou as palmas das mãos como em uma oração e cerrou os olhos, segurando o riso. Mentalmente, pedia insistentemente para que se sentisse normal novamente.
 

Neji a empurrou de leve, rindo. Logo depois, fitou a garota, pensativo. Notara algo estranho na amiga, não sabia dizer o quê, mas podia perceber uma certa inquietação. Por saber de sua ansiedade recorrente, principalmente quando estava perto de provas, preferiu não ficar perguntando, já que ela mesma havia preferido se reservar.

Ambos continuaram assim, conversando, até que resolveram voltar para casa. Neji era o vizinho de Tenten, então voltaram juntos, despediram-se entre as duas casas e entraram.

Sozinha em seu quarto, algum tempo depois, Tenten conseguiu atestar para si mesma que realmente havia algo muito estranho acontecendo com seus sentimentos em relação ao melhor amigo. Só não entendia como um simples beijo de brincadeira havia causado tanto estardalhaço, sendo que ela nem mesmo lembrava de quando se sentiu assim por alguém, que certamente havia lhe dado motivos mais coerentes para tanto, no caso.

Deitou na cama, revirando algumas vezes, com os pensamentos agitados, misturados à lembrança do encontro que tiveram na rampa. Decidiu que daria a volta por cima e não se apaixonaria pelo melhor amigo. O primeiro passo seria o evitar ao máximo, durante a operação de autorresgate. Pegou no sono enquanto esmiuçava cada momento de horas atrás, buscando razões para ter ficado tão nervosa e confusa. Haveria de ter um motivo concreto.
 

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Continua…