História I Promise | CAMREN | - Rotina

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Minha cabeça estava prestes a explodir. O falatório dos alunos na sala lotada e a minha ressaca não estavam ajudando em nada para a melhora do meu humor. O arrependimento de ter bebido até esquecer o nome na noite passada me atingiu em cheio. Eu sentia o latejar do meu cérebro e a ânsia subindo pela garganta. Eu deveria ter ficado no alojamento.

- Você está péssima Mila - a razão de todo aquele problema disse em um tom debochado

- Eu te odeio Hailee, você é uma péssima amiga.

- Eu seria uma péssima amiga se tivesse te deixado largada na cama do jeito que estava.

- Pelo menos eu não estaria morrendo agora.

- Você precisava distrair um pouco, até a Ally concordou. Se afundar do jeito que você está fazendo não é a solução e .. - o professor entrou na sala e pediu silêncio para começar a aula, me livrando de um sermão chato e desnecessário que iria entrar por um ouvido e sair pelo outro.

Hailee e Ally eram as pessoas mais próximas que eu tinha naquele lugar e decidiram, de uma forma bem irritante, que eu deveria sair da cama depois de uma semana inteira dedicada as edições do meu documentário, músicas tristes e sorvete de banana. Elas me perturbaram tanto que eu fui obrigada a sair apenas para não cometer sessões de tortura seguidas por homicídio qualificado, duplo. 

- Hai, me diga que eu não fiz nada estúpido ontem - perguntei em um tom baixo enquanto o professor escrevia algo no quadro

- Depende o que você qualifica como estúpido - ela sorriu debochada e eu senti um arrepio percorrer minha pele - você ficou a noite toda no bar enchendo a cara como nunca e ainda treinou e pagou o barman pra afastar todas as pessoas que tentavam se aproximar.

- Eu estou falando sério, para de inventar história.

- Como era mesmo a frase? - ela arqueou a sobrancelha e olhou pra cima enquanto pensava até que sorriu e me encarou - Aah sim: "Se você não tiver olhos verdes e parecer a Megan Fox pode dar o fora". Era engraçado ouvir o barman dizer isso com a voz grossa que ele tinha, não sei qual de nós dois riu mais.

- Vou perguntar pra Allyson, não confio em você - peguei meu celular e procurei o contato da minha amiga, ela não mentiria pra mim.

Mila: Me diga que eu não aluguei um barman ontem a noite.

- Sabe, eu tenho um vídeo que comprova isso Mila - Hailee pegou o celular e começou a procurar por algo na galeria

Allycat: Alugou o barman e ligou para a polícia civil pedindo socorro porque alguém tinha roubado seu coração. Foi o ponto alto da noite kkkkkk

- Ah meu Deus, eu não acredito que fiz isso - deixei o celular na mesa e apoiei minha cabeça nas mãos, fechando os olhos em seguida. Hailee começou a rir ao meu lado e quando abri meus olhos vi ela encarando meu celular

- Essa parte foi legal. A policial que atendeu o telefone te deu uma bronca achando que era trote, só que você fez voz de choro e ela ficou com dó - olhei pra ela completamente incrédula - por fim ela deu risada da sua desgraça e desligou o telefone.

- Vocês me deixaram ligar para a polícia?

- Quando eu vi você já tinha ligado - deu de ombros - depois disso nós te levamos pra casa, você estava realmente bêbada.

- Se você não falasse eu nem imaginaria Hailee.

O professor começou a falar em seguida e nós não conseguimos conversar mais, aquela foi a aula em que nós entregamos os documentários e descobrimos que ele valia 25% da nota. Eu deveria ter caprichado mais na edição, pena que é tarde pra isso. A aula foi um tanto barulhenta e chata, os alunos estavam eufóricos por causa da festa de boas vindas da noite anterior e já marcavam novas festas para a primeira semana de aula.

- Esse povo não cansa de festa? Pelo amor de Deus é segunda-feira - estava saindo da sala com Hailee ao meu lado e implorei aos deuses para que aquele dia acabasse logo

- Você ia em todas as festas antes de sair de férias Mila - ela gargalhou ao meu lado e o som fez minha cabeça girar - foi só levar um pé na bunda que decidiu virar vovó.

- Vai se fuder.

Eu não tinha contado para ela as perdas que tive durante o verão e pedi para que a Ally também não contasse, a única coisa que eu disse é que namorei alguém e as coisas não acabaram bem. O fato de que eu não a acompanharia mais nas baladas da vida e a minha vontade insana de permanecer em casa foram motivos de revolta. Ela não compreendia como eu, que nunca quis compromisso, me deixei abalar por um namoro de verão. O problema é que não foi um "namoro de verão" e eu ainda não me sentia completamente abalada. Eu simplesmente não via sentido em sair, eu não ia me divertir e não ia ficar com ninguém. Minha cama era confortável, quente e ainda me possibilitava assistir algum filme em paz.

Os dias seguiam em sua rotina, aula pela manhã e as vezes a tarde, filmes melosos acompanhado por cerveja e sorvete de banana durante a noite. As vezes, depois de muitas​ brigas e ameaças, as meninas conseguiam me arrastar para algum lugar nos fins de semana. Eu bebia, conversava com algum barman estranho e simpático enquanto elas me impediam de vender algum órgão no mercado livre ou tentar me alistar no exército por telefone, o que eu descobri ser impossível. As vezes eu simplesmente encarava o celular com o número dos olhos verdes esperando para ser discado ou escrevia textos enormes, arrependidos e apaixonados. Entretanto eu apagava as mensagens assim que atingia o ponto final, não enviei nenhuma e nem liguei para as esmeraldas que me encaravam no contato do celular. Não era justo comigo e nem com ela que eu fizesse isso. Em vez disso eu bebia ou me afundava nos sorvetes de banana. Evitei pensar sobre a vida e encontrei um estado confortável em que tudo o que importava era suportar a rotina e seguir em frente sem olhar para trás porque isso não machucava. No terceiro mês eu descobri que meu documentário teve o melhor desempenho da sala, o professor quis permissão para me inscrever em um concurso sobre algo que eu não julguei importante mas permiti. Foi também quando fui avisada que deveria ir para Miami no final do mês seguinte para testemunhar no julgamento contra o hospital. Depois disso os dias que seguiram foram agonizantes, eu revivia a morte do meu pequeno inúmeras vezes, quando não era durante o sono era em alguma divagação da minha mente. A sensação de estar sobrecarregada voltou mas as minhas emoções permaneciam estáticas. Cada vez que eu via o sangue escorrendo ou o bip constante do aparelho eu tinha certeza que estava perto do meu desespero, mas não tinha como prever quando a catástrofe chegaria.

É engraçado pensar sobre isso. Nós temos meios e técnicas para prever e lidar com desastres naturais, saber as alterações do clima, a hora do dia, até o trajeto de um míssel é possível controlar. Entretanto quando se trata de sentimentos ou da essência humana nós somos quase leigos, não é possível prever quando você vai passar por momentos difíceis, qual a intensidade em que seu sofrimento vai te atingir, ou simplesmente como controlar suas reações a isso. Quando se trata de sentimentos não há uma ciência exata. Não existe uma fórmula em que você substitui as variáveis da sua dor e prevê o tempo de cura.

Me perdoe por não poder ficar mas saiba que dentre todas as certezas que eu tive em minha vida nenhuma delas foi tão exata quanto a de que eu te amo. Obrigada pelo privilégio de descobrir esse sentimento com você. 

~ Camila

O bilhete que eu deixei para Lauren surgiu em meus pensamentos e eu procurava calar aquela voz irritante que tentava me induzir a refletir sobre ele e o fato de que eu a reencontraria em menos de uma semana, quatro meses sem que tivéssemos notícias uma da outra. Quatro meses em que eu a deixei chorando no meio do parque e fui embora sem olhar para trás. Respirei fundo enquanto encarava o teto do quarto e pensei em maneiras de dizer para minha mãe que eu ficaria em um hotel e iria embora no dia seguinte ao julgamento, ela sabia o porquê mas isso não significa que iria aceitar com tranquilidade.

Kaki: Oie Mama, eu iria ligar mas isso só causaria minutos incessantes de discussão. Só queria avisar que eu vou me hospedar em um hotel e irei embora no dia seguinte ao julgamento, não há necessidade de prolongar meu tempo aí e eu não vou mudar de ideia. Me desculpe, te amo.

Pouco mais de um dia, eu poderia suportar. Chegar no último vôo do dia anterior, descansar por algumas horas e dar um "oi" para os meus pais, comparecer no julgamento, voltar pro hotel e pegar um vôo de volta. Cronograma perfeito e que eu seguiria a risca, sem espaço para imprevisto. Eu poderia fazer isso.

Mama: O julgamento vai ser feito em dois dias Kaki e você vai precisar comparecer em todas as etapas, além do fato de que o advogado precisa conversar com vocês antes disso. Apesar de eu ser a responsável legal do Gustavo foram vocês que estavam com ele e sabiam de tudo o que acontecia. Então você precisa, no mínimo, estar aqui por três dias. Nós já tínhamos conversado sobre esse tempo, não há nada que eu possa fazer sobre isso. Saudades pequeña.

Eu achei que ela só quisesse que eu ficasse um tempo a mais. Excelente. Por que eu ainda acho que o mundo pode conspirar ao meu favor? Três dias com brechas o suficiente para imprevistos, discussões e mais pessoas machucadas. Que maravilha.

Kaki: Tudo bem, só programe essa conversa com o advogado em momentos diferentes para mim e para Lauren. Eu queria evitar discussões e mais sofrimento entre nós, deixar as coisas como estão é o melhor a se fazer agora.

Mama: Vou ver o que eu posso fazer mas não ache que eu concorde com isso. Eu não vou entrar nesse assunto porque não é da minha conta, mas você jogou no lixo uma bela oportunidade de ser feliz.

Kaki: Imagina se a senhora estivesse entrando no assunto hein? Nos falamos em outro momento. Beijos Mama.

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Eu tinha chegado um pouco mais cedo da faculdade e aproveitei para arrumar minha mala para a viagem, conectei meu celular na caixa de som e deixei minha playlist no aleatório enquanto corria de um lado para o outro no quarto. Dizer que eu estava apreensiva era um eufemismo absurdo, pensar no tempo que vou precisar passar em Miami me deixava a beira de um colapso. Minha cabeça doía em antecipação pela quantidade de problemas que eu teria que resolver e por outros inúmeros que eu teria que evitar. Deitei na cama e fechei os olhos me deixando afundar em frustração​. Reconheci a música que começou a tocar e comecei a acompanhar baixinho, eu ouvia muito esse música ultimamente. Descrevia minha vida em relação a ela.

>  Here Without You - 3 Doors Down

A hundred days have made me older

( Centenas de dias me fizeram mais velho )

Since the last time that I saw your pretty face

( Desde a última vez que eu vi seu lindo rosto)

A thousand lies have made me colder

( Milhares de mentiras me fizeram mais frio )

And I don't think I can look at this the same

( E eu não acho que posso olhar para isso da mesma maneira )

But all the miles that separate

( Mas toda a distância que nos separa )

They disappear now when I'm dreaming of your face

( Ela desaparece agora que eu estou sonhando com seu rosto )

I'm here without you, baby

( Eu estou aqui sem você, amor )

But you're still on my lonely mind

( Mas você ainda está em minha mente solitária )

I think about you, baby

( Eu penso em você, amor )

And I dream about you all the time

( E eu sonho com você o tempo todo )

I'm here without, baby

( Estou aqui sem você, amor )

But you're still with me in my dreams

( Mas você​ ainda está comigo em meus sonhos )

And tonight girl, it's only you and me

( E está noite garota, somos só você e eu )

- Se eu disser que não aguento mais ver você ouvindo essa música eu vou ser uma péssima amiga? - senti meu coração parar quando escutei a voz vindo da porta 

- Vai, agora cala a boca - Ally começou a rir enquanto fechava a porta do quarto - você precisa para de chegar assim, eu quase morro de susto toda vez que você entra.

- Provavelmente porque você tá sempre perdida em pensamentos e não tem noção do que ta acontecendo ao redor.

- Provavelmente.. "I'm here without you, baby.." - continuei murmurando a letra da música

- Você devia conversar com ela Mila, já passou um certo tempo.

- Eu não tenho nada pra conversar com ela Allycat

- Isso é mentira e você sabe. Eu não gosto de te ver assim.

- Assim como? Eu estou normal.

- Se nós ignorarmos a bebedeira constante e seu isolamento talvez você esteja realmente normal.

- Eu sempre bebi Ally, isso não é novidade. A única coisa é que eu perdi o interesse por festas.

- Eu sei que você bebia mas não era diariamente. Você sente falta dela Camila. Eu já vi você querendo ligar​ ou mandar mensagem, por Deus.. - ela exclamou em indignação - Você até tentou se alistar no exército enquanto estava bêbada, só pra ir atrás dela. Por que não faz isso de uma vez?

- Eu tive motivos pra terminar, não é porque eu sinto falta que eles vão simplesmente desaparecer. 

- Você poderia tentar, pode valer a pena.

- Eu iria ao inferno por aquela mulher Allyson, mas isso é uma situação diferente - respirei fundo e me levantei olhando para minha amiga com um sorriso fraco - você vai poder me levar ao aeroporto mais tarde?

- Claro, eu te deixo lá.

- Ótimo, eu vou tomar um banho e terminar isso aqui - apontei para a mala antes de me dirigir para o banheiro - Pede uma pizza pra gente, tem dinheiro na minha carteira.

Tentei manter minha mente ocupada com o banho e as​ músicas que tocavam no ambiente, em vez do fato de que em quatro horas eu iria embarcar para Miami. Eu precisaria de um pouco de paz antes de enfrentar tudo o que estava por vir.