"Nunca deixei uma ferida me arruinar
Mas sinto que a ruína gostou de mim
Buracos de flecha nunca se fecham
[...]
Espere que a ferida cure, mas ela nunca cicatriza
[...]
Eu queria que as coisas boas superassem as ruins.
Essas cicatrizes de guerra parecem não estar sumindo
Parece que nunca irão embora
Elas nunca irão mudar
Essas cicatrizes...
Battle Scars — Lupe Fiasco
O garoto com aparência anêmica andava pelas calçadas sem movimento da cidade, os carros em alta velocidade passando ao seu lado, provocando assim um vento e um barulho estremamente irritante em sua orelha.
Ele respirou fortemente e levou a substância a boca, dando uma boa tragada. Pegou seu celular e encarou a tela luminosa, onde mostrava a foto que ele ficava dias vendo.
O garoto encostou na parede de cimento numa parte escura, coberta por árvores. Ele desviou o olhar do celular, vendo assim as formigas na terra, que chamava a atenção de um pequeno lagarto. O garoto sorriu ao ver o lagarto, afinal, fora nele que se inspirara o nome do canal.
Calango
Seu celular apitava diversas vezes, recebendo o normal das garotas inscritas de seu canal. Muitas perguntando se ele estava bem, pois perceberam a aparência do garoto nos vídeos e outras apenas dizendo que ele é bonito. "Senpai me nota".
Pk: Calango
Guaxibosta: Cara, onde c tá?
Ele entrou no Twitter, clicando tremulamente na tela.
"Vocês são demais. Foram uma das melhores coisas que aconteceram na minha vida. Vocês me apoiaram.
Me desculpem"
Ele colocou o celular no bolso e conferiu se sua identidade estivesse junto.
Thiago deu alguns passos no cimento, fazendo seu tênis fazer barulho ao tocar o chão. Ele parou, olhando para os lados com os olhos marejados
Os faróis dos carros ofuscavam a visão do garoto, que continuava encarando a luz.
— Porquê vocês me deixaram? – ele gritou, sentindo o primeiro carro passar ao seu lado. — Isso não é real.
O garoto que estava no meio da rodovia, apenas fechou os olhos e continuou parado, sentindo o segundo carro passando ao seu lado direito.
— Apenas um banque. – ele respirou fundo e virou de costas para os carros. — Isso vai me acordar desse horrível sonho.
Mais um carro passou, desta vez de raspão.
— Vou acordar vendo minha tia na lavanderia pendurando minha camiseta do colégio.
Mais um carro foi ouvido com o apito do vento.
— Minha melhor amiga dormindo na minha cama enquanto eu no colchão do chão.
Um carro quase se aproximando do garoto deu uma buzinada forte, fazendo-o abrir os olhos ao sentir o corpo sendo atingido.
Ele olhou para os lados e estava na calçada, mas como ele estava alí?
Estava do outro lado da calçada de onde andava, ele ainda deitado olhou para o lado, sentindo seus olhos lacrimejarem.
— Tia? – a moça sorriu e passou a mão nos cabelos bagunçados do sobrinho.
— Oi meu querido. – ela continuou o encarando, até desviar o olhar para as árvores, logo sorrindo.
— Está muito tarde? – disse a voz conhecida pelo garoto, que se sentou rapidamente e olhou para a mata, dando um sorriso enorme.
— Elly? – o garoto piscou e coçou os olhos.
— Oi, Lango. – ela correu ao encontro do garoto, dando um forte abraço no garoto, ele fechou os olhos e sentiu o cheiro da amiga.
Quando o abraço acabou o mesmo abraçou a tia, despejando toda a saudade.
Ele viu as duas sentarem uma ao lado da outra, encarando o garoto.
— Eu amo vocês. Me desculpe não fazer vocês se divertirem tanto quanto mereciam. Desculpe não dizer que as amava.
Celina apenas pegou na mão do amigo e apertou-a fortemente. A tia passou a mão no cabelo do garoto e deixou a mão encostada no rosto dele.
— Nós sabemos. – ela disse e soltou um sincero sorriso. — Aproveite a vida, querido. Você tem muito tempo para vivê-la. Aproveite.
— Também te amamos. Faça o que não pode fazer conosco, fale com sua mãe e com seus amigos. Não se destrua, apenas expresse o que você quiser.
Ele sorriu e fechou os olhos após sentir os lábios de sua tia tocando sua testa, assim como sua amiga, que beijou sua face.
— Te amamos, não esqueça disso. – as duas falaram o abraçando.
O garoto abriu os olhos e os sentiu marejados, logo se levantou, caminhando até o lugar onde já pensava em ir a tempo.
A placa com lâmpadas fluorescentes chamavam a atenção.
Ele bloqueou o celular e entrou no local, olhando em volta. Uma recepcionista e vários albúns de desenhos para se inspirar.
— Olá garoto. – disse a moça com diversas tatuagens. — O que deseja?
— Fazer uma tatuagem, obviamente. – ele disse e a mulher o encarou com o cenho franzido. — Desculpe.
— Sem problemas. – ela dá um sorriso e anda até uma sala escura, chamando um nome.
Um homem com a barba por fazer apareceu, suas tatuagens escondiam os músculos que ele tinha.
— Olá, filho. – o homem disse e colocou as luvas. — Qual seu nome?
— Thiago.
— Pode me dizer o que quer fazer?
— Duas flechas.
— Sem querer intrometer, mas o que elas significam?
O garoto respirou fundo e fechou os olhos, lembrando dos dois rostos que mais tiveram impácto em sua vida.
— Duas pessoas. – ele encarou o tatuador, que inclinou a cabeça, em modo de fazer o youtuber continuar. — Duas mulheres. Eu li que flechas é ligado a eternidade. Tornar algo eterno e imutável. Significa luta de um guerreiro.
— Posso saber quem são as duas?
— Minha tia, que morreu por conta fo câncer... E minha melhor amiga. Ela me ajudou a passar pela morte de minha tia, me incentivou a seguir em frente e infelizmente ela morreu também pela mesma doença.
— Sinto muito.
O tatuador olhou para o desenho e ligou a agulha, logo colocando na pele de Thiago, que travou o maxilar.
Essa era a marca que elas tiveram em sua vida.
A marca nunca iria sumir.
Nunca iriam embora.
Ele sabia que elas estariam lá.
Sempre o protegendo.
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