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História Identidade - "...apenas acontece..."


Escrita por: ISBB5H

Capítulo 5 - "...apenas acontece..."


Fanfic / Fanfiction Identidade - "...apenas acontece..."

Twitter: ISBB5H

 

Nas sextas a alegria se via espalhada por todo o campus. O céu parecia mais bonito, os pássaros cantavam mais alto e as pessoas sorriam mais largo. Conforme a tarde avançava, a maioria dos alunos começava a deixar as dependências da universidade afim de aproveitar o restante do dia e o início da noite.

A biblioteca do bloco 3, a maior e mais bem equipada de todo o campus, não estava cheia. Muito pelo contrário. Sobravam bancos, cadeiras, sofás, mesas e salas de estudo. E ainda sim, Camila e Lauren optaram pelo chão. Lauren de pernas cruzadas, tensa, concentrada. Camila de pernas esticadas, tranquila, sorridente. As duas tinham livros nas mãos, lápis e algumas folhas espalhadas pelo chão que as rodeava. Lauren franzia o cenho tentando se concentrar no volume biográfico dos grandes artistas clássicos, enquanto Camila sorria ao disfarçadamente olhar para a maior a cada novo par de minutos. Os olhos escuros rolavam por cima da brochura do livro segurado e se entretinham com a visão de uma garota muito emburrada. Contudo, pelo menos para Karla, Lauren era uma figura muito, muito divertida.

– Posso sentir seus olhos em mim, Camila. – A latina mordeu o lábio inferior envergonhada por ter sido flagrada.

– Sobre o que está lendo? – Tentou disfarçar.

– Picasso.

– Eu tenho uma curiosidade para você. – Lauren se permitiu olhar para cima e encontrar os olhos escuros cravados sobre ela, e desafiou erguendo as sobrancelhas.

– Vá em frente.

Camila abandonou o próprio livro para se preparar. – Você sabe o significado por trás dos nomes das cores?

Lauren pensou por um instante antes de responder. – Não, eu realmente não sei nada sobre o assunto.

– Bom, como você já imagina, a variedade de idiomas em nosso mundo é enorme. São muitas línguas em diferentes lugares, mas as origens desses tantos idiomas dizem de um número restrito de ancestrais em comum, como por exemplo, o latim. É nessas línguas que encontramos os significados para os nomes das cores. – Camila se colocou de joelhos para ficar um pouco mais perto da garota maior e tomou uma fina mecha de cabelo entre os dedos. – O preto, a cor do seu cabelo, a origem desse nome remete à escuridão, compressão, aperto…

– C-continue.

– O azul. – Devagar, Karla passou os dedos por cima da manga da blusa de frio usada por Lauren e arrepiou a pele alva. – Vem de brilho. Vem do nome de uma pedra preciosa também. – Trocou de cor sem sinalizar objeto algum e continuou. – O laranja. Vem da fruta.

– Esse não foi muito original.

Riram juntas do comentário. – É verdade, mas muitas cores receberam seus nomes graças a certas plantas, frutos ou mesmo animais. – Quando a morena achou que a menor retrocederia e voltaria ao seu lugar, foi pega de surpresa. Ainda de joelhos, mas agora perturbadoramente próxima, Camila foi mais séria ao dizer. – O verde. – Usou as duas mãos para contornar os olhos claros com extrema leveza. – A linda cor dos seus olhos. – Suspiraram juntas. – O significado vem do termo crescer. Florescer. Crescer.

Crescer. E quantas foram as vezes em que Lauren, durante a adolescência, temera crescer? Era assustador! Crescer, desenvolver-se, amadurecer, amplificar, acentuar, fortalecer! Mas desenvolver-amadurecer-fortalecer o que? Lauren já temeu o que todas essas palavras poderiam trazer à ela no futuro. Tinha medo de quem poderia se tornar, porque temia nunca se tornar o que mais desejava ser; Apenas Lauren. Crescer pode ser apavorante, mas fazê-lo na companhia de alguém tão certo de si quanto Karla, não parecia tão ruim. – Você já disse isso. – Falou para mascarar a reflexão.

– E quis repetir. – Dividiram mais uma risada, mas essa agora mais contida e cedo demais, pelo que Lauren pensava, a outra se afastou para retornar a postura inicial. – Bom, basicamente é tudo o que sei, senhorita.

– Muito obrigada por dividir comigo os seus conhecimentos.

– É o mínimo que eu posso fazer. – Mordeu a língua de leve enquanto sorria. – Além disso, é pelo prazer da minha companhia que você vêm à minha biblioteca quase diariamente.

– Em primeiro lugar, a biblioteca não é sua, Cabello. E em segundo lugar, eu só venho até aqui porque ela é a maior e a mais confortável de todo o campus.

A menor fingiu ofensa diante do argumento. – Então quer dizer que não é pela minha companhia?

– Claro que não!

– Quer saber, Lauren Jauregui. Você às vezes é uma grossa.

– E eu avisei que seria, não venha reclamar agora. – Piscou para a outra. – Ei, Camila. – Pensou que aquela seria uma boa hora para esclarecer certo assunto. – Sobre o que eu te disse no outro dia.... Sobre Jeremy. – Apenas o nome já lhe enfurecia. Vinha tentando evitar a infeliz imagem do garoto fazendo algum mal à pequena. – Ele tentou alguma coisa contra você?

– Não, mas também não vou dizer que passei meus dias preocupada. Jeremy é um babaca, sempre foi e desconfio que sempre será. Não se preocupe com ele, por favor. Não vale o esforço.

– Normani tem certeza de que o ouviu dizer que estava tramando alguma coisa contra você, Camila. – Tentou alertar mais uma vez.

– Lauren Jauregui, eu já disse para não se preocupar comigo.

– E eu já disse para não me chamar pelo nome completo. – Bufaram juntas.

Isso é, até que a menor fez uma cara travessa e que não passou despercebida pela outra. – Tudo bem, posso fazer isso. Sem nomes completos. E de agora em diante vou chamá-la de…

– Nem me venha com um apelido estúpido! – Ameaçou em vão.

– Lolo! – Fechou o semblante na mesma hora. “Lolo” não era um bom apelido, definitivamente não. – Own, e você odiou! Isso torna tudo ainda melhor! – Camila explodiu em gargalhadas altas.

– Garota insuportável. – O velho relógio na parede atrás do balcão de empréstimos continuava a rodar, trazendo com o caminhar de seus ponteiros o tão desejado final de semana. O restante dessa noite de sexta abria um extenso leque de opções, quando internamente as duas garotas se agarravam a uma única vontade.

– Quais são os seus planos para essa noite, Lolo?

– Não tenho nenhum.

– Ótimo! – Camila vibrou. – Vou te levar a esse lugar incrível que conheço e…

– Camila!

– O que? Fiz algo de errado? Você disse que não tinha nenhum plano para a noite, logo.

– Logo o que?

– Logo, estou dividindo os meus planos com você. – Disparou como uma flecha e sem nem ao menos se dar contar de que pouco a pouco, de resposta em resposta, de pequena atitude em pequena atitude, começava a atingir em cheio o grande, vermelho e pulsante alvo escondido dentro do peito pálido.  

[…]

A noite fresca caía como um véu sobre a bela paisagem do parque. A latina havia arrastado a garota maior para uma feira ao ar livre, um dos seus programas favoritos, embora quase sempre lhe faltasse companhia para frequentá-la. Camila era fã dos eventos mais simples, dos bons músicos amadores, das comidas de barracas e dos brinquedos, sim é claro, dos brinquedos também. – Me desculpe por isso. – Ela disse ao deixar o celular de lado. – Minha mãe não para de me enviar essas imagens ridículas da última viagem em família. – Lauren continuou em silêncio, aquele mesmo que Camila pouco tolerava. – Sua família já veio conhecer a universidade e o seu novo lar, Lolo? – Referiu-se ao dormitório. A menor ainda se lembrava do primeiro ano de faculdade, quando também vivia nos dormitórios, e das visitas frequentes que recebia da família.

– Não, eles não vieram. E duvido que venham.

– Por que diz isso, Lolo?

Lauren encolheu-se no mesmo lugar que ocupava no gramado. – Minha família e eu, nós não temos uma boa relação. – Percebendo que a outra não se atreveria a aprofundar a questão, continuou sem muito pensar se era o certo a se fazer. – Meu pai e minha mãe sempre foram mais distantes, de certo modo mais frios comigo. Principalmente o meu pai. E acho que eventualmente meus irmãos aprenderam a fazer o mesmo… – Ainda lhe doía a má relação com Taylor e Chris. Depois de escancarada a verdadeira condição de Lauren, Mike havia pegado um atalho na trajetória da família, passando a simplesmente ignorar a presença da filha do meio sempre que podia. Não deixara de amar Lauren, apenas não sabia como enfrentar e tolerar tamanha situação. Assistindo diariamente o crescente afastamento do pai, logo foram os irmãos a reproduzir um comportamento semelhante.

– Eu não sabia que tinha irmãos.

– Tenho dois. Chris é o mais velho, acaba de completar vinte e seis. Taylor é a mais nova, tem ainda dezoito anos.

– E você não se dá bem com nenhum deles? – Para Karla era difícil de acreditar. Sua relação com a pequena Sofia era incrível.

– Temos relações complicadas, Camila. – Lamentou-se. – Eu queria poder me explicar melhor, mas não sei se sou capaz… Não ainda.

– Não para mim. – Concluiu cabisbaixa, mas não por muito tempo. – Não ainda. – Sussurrou o otimismo bem baixinho para que a outra não pudesse ouvir. – Eu sinto muito que as coisas sejam assim na sua família, Lolo.

– Sabe, não estou dizendo que brigamos o tempo todo, ou que nos odiamos, é mais como… Bom, nos falta de intimidade, entende? Como se eu fosse uma estranha dentro de casa. Sou bem tratada, nunca esquecida, mas ainda sim, uma estranha para eles. E piorou quando eu me assumi. – Quando distraidamente falou aquilo se referia a ter se assumido definitivamente como mulher.

Mas não foi como Camila entendeu. O coração latino bateu mais forte, e em silêncio Camila tratou de repreendê-lo pelo ato falho. – A sua orientação sexual? Não souberam aceitar a sua sexualidade?

Sexualidade. Tema difícil.

Houve um tempo, e ainda há quem diga, que a sexualidade está atrelada ao gênero. Pessoas de pensamento curto essas. Mesmo para Lauren, alguém em constante confusão, fora fácil perceber, afinal diferente das questões de gênero que dizem respeito exclusivamente ao indivíduo, orientação sexual diz respeito também ao outro. A algo que eu sinto em relação a esse outro, seja essa uma atração ou a falta dela.

– Sim. – A maior achou mais prudente dizer. Camila não entenderia toda a complexidade de sua questão. – Foi o que aconteceu.

– Eu não… Eu não consigo nem tentar compreender tamanha intolerância! – O tom de desabafo da pequena pegou a morena de surpresa. Karla estava agora de joelhos e tinhas os punhos fechados sobre a grama. – Me perdoe, mas me frustra a maneira como as pessoas, mesmo aquelas que mais amamos, podem nos crucificar por algo tão natural quanto a atração e tão puro o quanto o amor! – Os olhos verdes iam se arregalando conforme as palavras deixavam os lábios rosados da latina.

"Camila é... Não! Não poderia ser. Seria? Mas não parece. Não tem que parecer! Ela é? Então... Oh!" – Vo-você… Você?

A menor assentiu sem o menor problema. – Eu não tive problema algum com meus pais, mas meus avós e alguns tios em contrapartida… – Deixou o restante ser subentendido. – Nem por tudo isso eu me desculpei. Sei o que sou, sei quem sou e sei que cada uma das minhas paixões, as que foram e as que ainda serão, jamais poderão ser apontadas como um erro. – Camila encontrou uma Lauren sem palavras próxima a si e não hesitou ao puxar as mãos pálidas para junto das suas. – Não é nenhuma vergonha para um homem, amar outro homem. Não é nenhuma vergonha para nenhuma de nós, amar a outra mulher. Querer, desejar outra mulher. Eu não sei dos seus pais ou da sua história Lolo, mas eu imploro, imploro para que jamais se envergonhe de ser quem é. De querer quem quer e de amar a quem quer que seja, homem ou mulher. Você é livre, assim como é a sua alma e são os seus desejos, e acredite, não há nada mais triste do que uma alma enjaulada. – Se já não estava engasgada antes, Lauren ficara agora diante dessas palavras. Olhou para o colo onde os dedos bronzeados da garota menor acariciavam suas mãos e sentiu o peito se encher de afeto. De todo o carinho que Camila exalava apenas por estar ali, e desejou se encher de todo esse prazer para sempre.

– Eu… Deus! – Negou abobada. – Você as vezes me deixa sem palavras, Camila.

Continuaram o passeio em meio a risadas, cochichos e falsas provocações, pois o jeito turrão e emburrado da morena mais alta insistia em permanecer. Para a garota mais despojada essa era uma noite divertida como há muito não tinha na companhia de uma amiga, e para a morena de olhos claros tudo foi pouco a pouco se tornando mais perturbador. A cada toque de Karla em sua pele, um novo arrepio lhe tomava o corpo pálido e um novo sorriso parecia querer brotar.

Em determinado momento se distraíram com a performance animada de um malabarista de rua já conhecido do público mais frequente. Ele girava, atirava e equilibrava pequenas bolas de fogo e construía seu show de maneira gradual e hipnotizante. Sentaram-se no pátio de grama, próximas a pequena multidão que urgia e aplaudia a cada novo movimento e observaram tudo com atenção. O espanto foi mútuo quando perceberam que em pouco tempo a platéia para o show do circense havia triplicado e os novos corpos que chegavam teimavam em esmagá-las ou por vezes até mesmo pisoteá-las a procura de novos lugares.

Um último acidente em especial, este envolvendo os dedos da mão direita de uma Camila agora com os olhos cheios d’água e um bico choroso levaram Lauren a se irritar com o senhor de meia idade que causara o incidente. Após discutir com o homem tornou a assentar puxando consigo a garota menor. Acomodou-a entre as pernas, de maneira a envolvê-la em uma redoma protetiva entre os braços e sussurrou palavras tranquilas para encorajá-la a repousar a cabeça contra seu peito.

Os dois corações batiam, pulavam, em êxtase. – Obrigada, Lolo.

– Deixe-me ver a sua mão.

Lauren examinou-a com cuidado. – Está tudo bem, não se preocupe comigo.

– Ainda sente dor? – A morena ignorou-a e perguntou com preocupação evidente.

– Um pouco. Bem pouco.

– Você precisa de gelo? Posso tentar conseguir algum para você.

– Não eu só… – Mordia o lábio inferior sentindo as bochechas se colorirem. – Só preciso ficar um pouco quieta. Aqui. – Se demorou para concluir. – Com você, Lolo.

– Tudo bem. E a propósito, eu continuo detestando esse apelido.

– Velha rabugenta, é isso que você é. – Sem que percebessem foram se apertando ainda mais dentro daquele abraço.

– Não sou não, Cabello!

– É sim!

– Não, eu não sou! É melhor parar de me provocar, Camila.

– Ou o que?

– Ou isso. – Pegando a menor de surpresa Lauren aproveitou a posição para morder o ombro bronzeado deixando ali a perfeita marca de seus dentes e quando terminou sorriu orgulhosa para o "trabalho" bem feito.

– Ouch, Lauren, isso dói como o inferno, droga! Você não pode fazer isso! Isso não foi justo! – E veja, esse foi o minuto em que ambas souberam. Esse é o problema com os corações, afinal de contas. Os pequenos ou os grandes, os bons ou os maus, todos aqueles que estão vivos correm o risco de baterem um pouco mais depressa por alguém. O amor não é refém das leis da geografia, das religiões ou da moral e dos bons costumes. Não é tradicional e nem radical. O amor não tem idade, não tem identidade ou restrições. Ele apenas acontece. Ele apenas já estava acontecendo.



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