História (In)Compatível - Inacabado

Shikamaru levantou bruscamente ao ver quem estava parada bem na sua frente. Era ela, a única pessoa que havia namorado em sua vida. Um namoro de adolescente, mas que até os dias de hoje o assombravam.

 Tantos anos sem se verem, sem saber um do outro e, ainda assim, o coração dele insistia em se acelerar assim como era toda vez que a via na época de escola.

 Se lembrava da última vez em que o coração havia batido tão forte assim. Foi no dia em que terminaram, era um dia lindo, o sol brilhava, os pássaros cantavam, mas havia sido um dos piores dias na vida de Shikamaru.

 Apesar de ter tentado esquecer, era díficil fazer isso na prática. Por muito tempo a cena ia e vinha em sua mente. Ambos discutindo em voz alta no meio de tanta gente, Temari se controlando para não chorar e logo em seguida não ligando para as lágrimas que caíam de seus olhos. Ela virando as costas e sendo abraçada pela melhor amiga que a tirou daquele local.
 

Depois desse dia ambos passaram a se evitar. Estavam no final do ano letivo, então não precisaram fazer muito esforço pra isso. 
 

Ela se afastou dos amigos dele, e ele dos dela. Shikamaru foi ao baile de formatura na escola, ela ganhou uma viagem em um cruzeiro de alta classe.
 

A formatura foi a última vez em que Shikamaru teve notícias dela, e isso graças a Tenten que participou da festa. Na época a morena nutria uma paixão por um dos melhores amigos de Shikamaru, Kiba, e por isso foram ao baile juntos.
 

Tenten contou que Temari havia ficado abalada e foi fazer um cruzeiro. Shikamaru ficou mexido com aquilo e tentado a mandar uma mensagem pra ela, mas o orgulho falou mais alto e ele não fez nada disso.

 Logo depois do baile, a paixão de Kiba e Tenten sumiu e ambos vieram a se afastar, fazendo com que Shikamaru nunca mais tivesse notícias de Temari.
 

O homem analisava a mulher parada a sua frente. Estava linda, não tinha como negar. Usava um macacão vinho de alças grossas solto no corpo e uma sandália branca sem salto. Havia mudado o cabelo, não mais usava as quatro maria xiquinhas da época de escola, mas o corte ainda era o mesmo.

 Estavam com os olhares tão fixos um no outro que não notaram quando o garçom saiu e os deixou sozinhos.
 

Temari reparava o quanto Shikamaru havia encorpado, ao mesmo tempo que lembranças que não queria que voltassem bombardeavam sua mente.
 

Ele já não era mais o garoto magrelo e esquisito da época de escola. Continuava magro mas o tronco e os ombros estavam mais largos. Onde antes haviam espinhas, agora havia uma barba por fazer.
 

O tempo havia feito bem pra ele, estava bonito, sem sombra de dúvidas.

- Temari. - Ele falou quase que em um sussurro como se ela não fosse real.
 

O homem usava uma calça jeans com uma camisa simples na cor bege e  suspensórios, nos pés usava um sapatênis. Os cabelos batiam na altura do ombro e estavam soltos repartidos para o lado direito.

- O que está fazendo aqui? - Temari falou ríspida se recompondo do choque que havia tomado ao encontrar ele ali.
- Eu... É... - Shikamaru estava confuso, mexeu na nuca, ele sempre fazia isso quando estava nervoso. - Me diz você  o que está fazendo aqui! - Usou o mesmo tom de voz que ela havia usado em sua pergunta.
- Eu tenho um encontro. - A mulher falou em tom de superioridade.
- Ah é? - Ele perguntou levantando uma das sobrancelhas em tom de desconfiança. - Pois eu também.
- Você? - Temari riu ironicamente. - Quem em sã consciência aceitaria sair com você?
- Primeiro, caso você não se lembre eu faço isso, você costumava me chamar pra muitos encontros na época de escola. - A mulher mordeu o lábio inferior com aquela fala. - E segundo, parece que os anos passam mas você continua a mesma garota mimada que se acha e sempre vai se achar melhor que os outros.
 

Aquilo sim havia machucado Temari. Na época de escola, esse era um dos motivos por ela se sentir deslocada.

A garota era a única menina de três filhos. Os pais eram empresários, e tanto eles quanto os filhos sempre viveram bem de vida.

 Temari sempre teve tudo do bom e do melhor e quando entrou na escola de Konoha muitos a olhavam torto por isso. Achavam que ela não deveria estar ali, porque aquele não era seu ambiente natural. 
 

O que um burguesinha fazia numa escola pública? Era o que muitos se perguntavam. Inclusive ela, mas a resposta da mãe foi que o ensino público de Konoha era tão bom quanto o privado e por isso ela e os irmão frequentariam uma escola pública.

 Lee foi o primeiro a se aproximar de Temari, por interesse em seu irmão mais novo, Gaara. Logo em seguida, veio Tenten e assim eles montaram um grupo.
 

A aproximação de Shikamaru se deu alguns meses depois quando ambos foram obrigados a ficarem fazendo companhia um pro outro durante a aula de educação física. Ela não podia fazer aula porque havia torcido o pé, e ele fingiu que havia acontecido o mesmo por pura preguiça.
 

Conforme o tempo na escola foi passando, as fofocas e boatos sobre Temari ser metida, mimada e uma má pessoa foram cessando, mas sempre acontecia de alguém de fora do seu grupo olha-la torto ou soltar alguma ofensa achando que ninguém mais ouvia.
 

Porém, Shikamaru sempre a defendeu. Sempre disse que ela não era mimada, que aquelas pessoas é que tinham inveja da vida que ela podia levar.
 

Mas ali parada na frente dele, anos depois, com ele lhe dizendo aquilo, ela se sentia traída. Como se todas as vezes em que ele a defendeu, em que ele a apoiou por esse motivo tivessem sido uma desculpa, uma mentira.
 

Temari entreabriu os lábios e encarou o chão desolada, era nítido o seu desconforto e sua chateação quanto aquilo.
 

Ao perceber o que havia falado e o que talvez estivesse se passando na cabeça da mulher à sua frente, Shikamaru se arrependeu.

- Não foi isso que eu quis dizer. - Ele falou tentando consertar o que havia dito.
- Ah foi sim. Tenho certeza de que foi.
- Temari eu não... - Ele pensou em se aproximar dela mas voltou atrás com essa ideia, não sabia como ela reagiria. - Me desculpa.
 

Ela o encarou surpresa. Shikamaru nunca foi o tipo que pedia desculpas, podia reconhecer o erro mas pedir desculpas nunca, assim como ela.

- Tudo bem.
 Por mais curiosa que estivesse com relação a Shikamaru, ela ainda tinha muita mágoa e até rancor com relação a ele. E não podia esquecer o motivo de estar ali, o encontro com o Cervo Solitário, que provavelmente já devia estar pensando que ela não iria mais aparecer.
- Olha, eu realmente tenho em encontro com alguém e ele disse que estaria me esperando bem aqui. Na mesa 7, que é onde você está sentado.
- Eu também tenho um encontro e marquei com ela bem aqui, na mesa 7. Mas ela ainda não apareceu.
- Talvez nem apareça. - Temari falou simplesmente.
- Não que seja da sua conta, mas ela me mandou uma mensagem pedindo desculpas, que iria se atrasar mas já estava a caminho.
 

Temari arregalou os olhos com aquela informação. Ela havia mandado uma mensagem assim para Cervo Solitário.
 

Mas não, não podia ser. Shikamaru nunca entraria num aplicativo desses, e o destino não seria tão irônico ao ponto de junta-los num aplicativo de relacionamento criado por ela.

- Ai meu Deus. - Temari falou e ele a encarou sem entender. - Por favor, me diz que você não é o Cervo Solitário?
 

Shikamaru a encarou surpreso.

- Como você...
- Eu sou a Flor do Deserto.
- Não pode ser...
- Não me diga, fui tapeada pelo meu próprio aplicativo.
- O Compatível é seu? - Ele perguntou curioso, não estava entendendo mais nada.
- Meu e da Tenten.
- Isso é problemático. - Ele mexia nos cabelos desconfortável.
- Isso é bem mais que problemático. Eu passei anos tentando achar alguém que fosse "compatível" comigo. - Ela fez aspas com os dedos. - Criei um aplicativo com a minha melhor amiga e daí o nome, mas nunca havia usado. E quando eu decido usar, essa tecnologia idiota me junta com o último cara que eu iria querer.
- Tecnologia idiota? Não deveria falar assim de uma criação sua.
- É um erro do sistema, tenho certeza, ninguém juntaria a gente. Nós não somos compatíveis, somos o contrário disso...
- Incompatíveis. - Ele completou a frase dela. - Ou talvez nem tanto quanto achamos.
- O que quer dizer com isso? - Ela deixou que o turbilhão de hipóteses que se passava em sua mente fosse embora para focar no que ele falava.
- Sejamos honestos Temari, nós já namoramos e por mais tempo do que eu gostaria de admitir. Então não somos tão incompatíveis assim, mesmo que eu quisesse acreditar no contrário. Mas nossas conversas pelo seu aplicativo são a prova e você sabe disso. - Ele falou e ela apenas assentiu com a cabeça, odiava concordar com ele, mas o que ele falava fazia sentido. - Além do que, você foi a única pessoa com quem consegui ter um relacionamento que durasse mais que uma semana.
- Merda. - Ela falou puxando uma cadeira e finalmente se sentando na mesa combinada. - Merda, merda, merda. Eu não acredito que isso possa estar acontecendo. Isso é tão irônico que só rindo pra não chorar. - Ela falou soltando uma gargalhada.
- Acredite, também não é o que eu esperava. Mas pelo que falam do seu aplicativo ele não costuma errar, então deve ter nos juntado por algum motivo.
- Ah tenho certeza disso, nos juntou pra me dar um tapa na cara e mostrar que nunca vou conseguir ficar com mais ninguém.
 Shikamaru respirou fundo antes de falar novamente.
- Pode ser realmente que um bug tenha nos juntado, mas acredito que assim como eu, você sabe que temos alguns assuntos inacabados.
- Que assuntos inacabados? Nós terminamos e nunca mais nos falamos, isso é mais normal de acontecer do que parece.
- Nós discutimos no meio da nossa turma inteira, brigamos e falamos que estava tudo acabado por conta do calor do momento. E depois passamos a  nos ignorar e você nem foi ao baile.
- Ta bom Shikamaru, mas eu ainda não entendi porque você acha inacabado. Se te incomodou por que não foi atrás de mim? Por que não mandou uma mensagem? Por que também fingia que eu não existia? - Ela perguntava todas as coisas que haviam martelado em sua mente durante semanas após o término do namoro.
- E por que eu tinha que fazer essas coisas? Por que não você?
- Porque não sou eu que acha que tem algo inacabado...
- Mas pelo jeito queria que eu tivesse ido atrás de você, mostrado me importar... - Ele falou, mas foi interrompido por ela.
- É claro que eu queria. Queria saber que você se importava mesmo comigo, se me amava como eu te amava, mas pelo jeito não...
- Pelo jeito não? - Ele começou a sentir o choro vindo. - Temari eu te amava mais que tudo e eu não fui atrás de você por esse motivo, achei que você também me amava e que viria atrás de mim. Eu tinha esperanças disso, de que me amasse também, e eu tinha decidido falar com você uma última vez no baile de formatura que você não apareceu.
- Eu te amava sim Shikamaru, e sabe por que eu não fui naquele maldito baile? Porque eu não aguentava ver você e ser ignorada, doía demais. Eu não ia aguentar ver você se divertindo num baile com outras pessoas como se eu não existisse, por isso eu fui para uma viagem pra me manter o mais longe de você e ver se aquele sentimento passava...
- E funcionou? O sentimento passou? - Ele tinha mágoa na voz.
- O que você acha? - Ela falou deixando suas lágrimas caírem no mesmo momento em que acontecia o mesmo com ele. - Não dá. 

 Ela falou se levantando e indo em direção a saída do restaurante, as pessoas presentes no local se viravam curiosas para ver a cena.

- Temari não faz isso. - Ele falou indo atrás dela. - Não vai embora assim de novo. - Ela parou ao ouvir aquilo e ele segurou com cuidado seu pulso. - Não me deixa, não de novo, por favor.

 Ela o encarou por alguns segundos, desviando o olhar dos olhos dele para a mão dele em seu pulso.

- Não dá. - Ela falou se soltando e parando de frente pra ele. - Me desculpa.

 Ela o encarou uma última vez com lágrimas caindo sem parar de seus olhos, virou as costas e saiu.

 Shikamaru estava desolado, sozinho novamente. Ele chorava tanto quanto ela. 
 

Precisava conversar com alguém, Ino conhecia a história de cabo a rabo e era mulher, talvez conseguisse ajuda-lo, era pra lá que ele iria.

...

- Alô? - Temari ouviu a voz masculina do outro lado da linha, estava chorando em seu carro faziam 15 minutos.
- Gaara. - Ela falou com voz de choro.
- Temari o que houve? Aconteceu alguma coisa? - O irmão mais novo falou preocupado.
- Eu posso ir aí? - Ela pediu soluçando.
- Claro, vem, to te esperando já...
 

Temari respirou fundo e ligou o carro, iria para a casa do irmão. A primeira pessoa que pensou em ligar foi Tenten, mas a amiga estava no período final da gestação, não queria estressa-la nem nada, então o irmão foi a segunda opção. Temari tinha fé de que Gaara pudesse ajuda-la de alguma forma.