História Indesejada - Estamos quites

Ele balançou a cabeça em sinal de aprovação enquanto corria o olho pela folha que o entreguei.

-Muito boa. Sério Elizabeth, você é muito boa nisso. –me parabenizou.

-Acha mesmo? Obrigada. –agradeci tímida.

-A próxima fase é encaixar isso numa melodia, quer tentar agora? –perguntou pulando do galho e aterrissando no chão.

Fiquei parada sentada no galho.

-Eu vou te ajudar. –falou estendendo sua mão para que eu me apoiasse. –Confie em mim.

Hesitei por um instante mas segurei sua mão e pulei do galho, para minha surpresa caí perfeitamente bem.

-Viu? Salva. –disse ainda segurando minha mão e então corremos em direção ao prédio.

Não havia quase ninguém nos corredores, a maioria das pessoas estava comendo na cafeteria ou fazendo hora nas salas de aula. Henry soltou minha mão e foi até a porta da sala de música, depois de checar se havia alguém lá dentro ele sinalizou para segui-lo e sumiu na sala.

Henry pegou um violão e me sentei ao seu lado, algumas vezes discutimos sobre o ritmo da música, sobre a velocidade que ela devia ser cantada e por final Henry disse:

-Seria mais fácil se você cantasse.

-Eu não sei cantar. –adiantei.

-É só um teste. –insistiu ele.

No início estava bem nervosa, mal conseguia acompanhar o ritmo, mas depois me senti bem tranquila e já conseguia cantar sem fazer o Henry parar de tocar ou coisa assim. Henry terminou de tocar pela última vez e me olhou boquiaberto.

-Caralho, você canta bem também. –comentou.

-Obrigada. –disse abaixando a cabeça.

-É melhor você sair na frente, eu vou logo depois. –disse Henry já de pé.

Concordei e assim o fiz. Passei o resto da tarde cantarolando pelo meu quarto. Fiquei muito feliz por Henry dizer que eu cantava bem, me fez lembrar da minha mãe, ela também cantava muito bem, talvez tenha herdado isso dela, talvez devesse investir nisso. Não ficava tão feliz assim desde que minha mãe ainda estava viva ao meu lado.

De noite enquanto assistia minha série favorita alguém bateu na porta, me levantei resmungando e abri. Stela estava impecavelmente arrumada e parecia nervosa com alguma coisa, ela me empurrou para dentro do quarto e entrou.

-Tudo bem, preciso que você se arrume e venha em um lugar comigo.-disse.

Me apressei e vesti a melhor roupa que encontrei, fiz o possível para dar um jeito no meu cabelo mas como sempre ele se recusou a me obedecer.

Saindo do dormitório acabamos nos encontrando com Henry, ele parecia surpreso em me ver.

-Você vai sair? Cheguei atrasado então. –falou passando a mão por sua nuca parecendo nervoso.

Olhei para Stela que parecia paralisada por um momento.

-Você pode ir com a gente se quiser. –falou sem tirar os olhos do garoto, ela parecia encantada.

Henry, Stela e eu paramos na entrada de um bar onde havia vários casais se pegando, fumando e fazendo mil e mais coisas. Olhei para minha amiga em desespero.

-Me fala que esse não é o lugar. –implorei.

-Esse é o lugar. –disse com um sorriso forçado no rosto.

-Parece um lugar legal. –comentou Henry parecendo genuinamente feliz.

Stela e eu nos entreolhamos e tomamos coragem para entrar no lugar.

De mãos dadas com minha amiga atravessamos a multidão barulhenta até alcançar um lugar menos cheio.

-Por qual motivo exatamente você me trouxe aqui? –perguntei tentando cochichar mas como tinha muito barulho acabei gritando no ouvido da minha amiga.

Ela fez um sinal pra eu esperar e ficou na ponta dos pés olhando ao longe o que parecia ser um palco. Depois de dar uma ajeitada em seus óculos Stela me puxou pela manga da minha blusa e apontou o dedo para o palco.

-Aquele é...

-O  Kaius. –ela completou por mim. –Vou pegar umas bebidas para nós. –disse se enfiando no meio da multidão que gritava para o Kaius.

Minha cabeça rodou por um momento e acabei dando alguns passos para trás.

-Elizabeth, você está bem? –perguntou Henry preocupado.

Dei um sorriso para que se tranquilizasse e tentei focar no garoto que estava no palco. Dessa vez mais coisas me vieram a cabeça.

“-Claro que sim. –disse o Kaius de 6 anos –E eu vou ser o melhor guitarrista do mundo inteiro.

-E eu vou cantar com você Kali! –minha pequena eu disse.

-Claro que vai Elizy, você é a melhor das melhores das cantoras que já vi na vida. –ele disse dando tapinhas carinhosos sobre minha cabeça.”

 Na minha frente agora estava o Kaius de provavelmente uns dezenove anos, ele parecia mais frio, não sorria como em minha lembrança, e ao lado dele cantava uma garota que não era eu.

“-Promete pra mim? –minha pequena eu estendeu seu mindinho.

-Claro que sim, você vai sempre ficar comigo. –falou o garotinho passando seu mindinho em volta do meu –Eu te prometo.”

Permaneci em silêncio até que a música acabou.

Stela chegou segurando desajeitadamente três copos de cerveja, eu geralmente não bebo mas me sentia tão pra baixo que virei tudo o mais rápido que pude. Kaius veio em nossa direção com o braço em volta do pescoço de uma garota (que por pura coincidência era a menina do problema na sala de música), pude sentir o olhar de pena da Stela ao meu lado. Continuei o observando sem nem sequer piscar, quando ele finalmente me viu ele parou, seus olhos passaram de mim para o Henry, Kaius se virou e aproximou seu rosto do rosto da garota, faltavam praticamente milímetros de distância dos seus rostos quando Henry me segurou pelos ombros e me virou de forma que olhasse para ele.

-Olhe só para mim. –ele falou.

Virei minha cabeça em direção ao Kaius, mas antes que pudesse vê-lo os lábios de Henry encontraram os meus, meu copo escorregou da minha mão e se tornou pequenos cacos no chão.