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História Indomável - Declínio



Notas do Autor


Boa noite, gente!
A atualização dessa vez foi bem rápida, né? Hoje eu trago, um dos meus capítulos preferidos de ter escrito e acredito que seja um dos melhores da fanfic inteira.
Quero agradecer a Yamantinha, Monoteta, DeiSenju, Madara-Uchiha- e Luchimiwi por terem comentado no capítulo anterior e por continuarem a acompanhar o desfecho de Indomável.
A arte de hoje é de いちまつ ( Pixiv )
Boa leitura!

Capítulo 16 - Declínio


Fanfic / Fanfiction Indomável - Declínio

O fogo parecia rezar por si, dançando embriagado no topo de diversos castiçais dourados que o cercavam. Deitado num futon, no chão de um cômodo escuro, iluminado somente pelo fogo que continuava a lhe encarar. Calado, ouvia a conversa dos próximos a si, era sussurrada como se estivesse tratando de um pecado. Entre tantas palavras, podia identificar uma que repetia-se inúmeras vezes como um martírio. Ômega. A palavra sufocava-lhe toda vez que a ouvia ecoar naquele quarto desalumiado.

Não sabia dizer há quanto tempo estava deitado naquele amontoado de tecidos estirados no chão, fingindo estar inconsciente somente para ouvir o seu destino sendo proferido pelos lábios daqueles homens que estavam no mesmo quarto que si, analisando sua saúde precária. Tinha consciência de que, por algum tempo, a vida havia se desprendido de seu corpo, indo de encontro a um breu desconhecido que não possuía nada esperando por si. Fora tragado novamente para um mundo onde tudo girava contra si.

— É reconfortante contemplar o vermelho de seus olhos uma outra vez, meu sobrinho. — Ouviu seu tio falar, enquanto ele aproximava-se de si ao perceber que estava consciente.

Para Hamura, o rosto alvo de Indra ainda resguardava a palidez de quem havia sido recentemente visitado pela morte. Os olhos dele, antes efervescentes, agora possuíam as cinzas de uma chama brutalmente apagada. Ajoelhou-se na borda do futon, perto do sobrinho.

— Você sabe por que está aqui? — Hamura inquiriu, analisando o outro com curiosidade.

— Eu... faleci. — Indra respondeu, rememorando-se de segundos antes de tudo ter acontecido. Do sangue escorrendo de seus lábios, da dor intensa e dilacerante, como se tudo dentro de si rasgasse ao mesmo tempo. — Como? 

— Aparentemente alguns de seus órgãos faleceram e outros explodiram... — Explicou, baseado no que viu enquanto o sobrinho morria. — Mas eu consegui restaurá-los, acha que sabe o motivo?  — Indagou.

Indra sabia o motivo, é claro que tinha consciência que manipular o seu chakra daquela forma não seria saudável e teria consequências, mas não imaginava que a morte era uma delas. Enquanto conversava com seu tio, percebeu seu genitor aproximar-se com um cajado na mão. O mesmo cajado que portava para cada canto que fosse, que denotava sua autoridade naquele reino. 

— Meu filho, por que ocultou sua natureza por tanto tempo? — Hagoromo indagou, postando-se diante do filho, fitando-o de cima, enquanto Hamura estava ajoelhado ao lado dele. 

— A ocultei porque não queriam que reduzissem o meu potencial à maldita capacidade de portar um herdeiro em meu corpo. — Indra respondeu com a voz marcada por um rancor. 

— Você foi contra as leis de seu povo. 

— Eu não me importo com as suas leis! — Ele esbravejou, levantando-se subitamente e posicionando-se diante o pai, aproximando suas faces o suficiente para encará-lo ameaçadoramente. — Quebrarei quantas leis forem necessárias para encontrar o mínimo de liberdade que os campos de batalhas me oferecem. — Proferiu, confrontando o pai com o peito descompassado de cólera. 

Os olhos nebulosos de Hamura contemplavam uma cena que achava que era impossível de ser vista: os olhos odiosos de um ômega que revoltava-se contra o seu próprio rei, um alfa, lutando pelo seu direito de viver. 

— Será condenado pelos seus atos. — Hagoromo refutou com uma voz calma de quem tentava manter sua superioridade. — Contrairá matrimônio.

— Irmão, renuncie! — Hamura tentou intervir, porém quando percebeu a expressão convicta do irmão e a face do sobrinho contorcer-se em incredulidade, soube que suas palavras não seriam suficientes para dissipar aquela tempestade instaurada entre os dois.

— Casará com Ashura. — Insistiu, ainda mirando fixamente os olhos coléricos do próprio filho. 

— Não basta me acorrentar num abismo, quer arremessar Ashura junto de mim no inferno que você cultivou! —  Indra brandou, revoltando-se contra seu patriarca. Sentia o coração pulsar tão odioso em seu peito e seu corpo transpirar tanta ira que avançou contra seu próprio pai, um golpe que parecia eletrocutar os tendões de seu braço ao mesmo tempo que sua pele parecia esquentar a ponto de querer derreter. 

Com seus byakugans, Hamura pôde vislumbrar raios violentamente azulados surgirem no braço destro do sobrinho e ao prever, através de seus instintos, o golpe brutal que os músculos de Indra tencionavam, moveu-se para trás do primogênito e agarrou seu braço, segurando-o para trás de suas costas, imobilizando seu corpo que radiava raios tão possantes que jamais havia visto em todas as suas primaveras. 

— Quando me disse que temia que o seu ninshu pudesse se tornar uma arma, eu jamais imaginei que pudesse usá-lo contra seu próprio pai. — Hagoromo proferiu, observando o poder que pulsava em Indra e se manifestava através dos raios que acertavam todo o cômodo, inclusive eletrocutavam o corpo de Hamura. 

— Eu também não esperava que meu genitor conduzisse-me, contra minha vontade, para um fim tão deprecitiavo e humilhante. — Indra retrucou, espumando toda a raiva que consumia selvagemente seu coração efervescente. 

— Respeite os costumes de seu povo, meu filho. 

— Os costumes destas pessoas me reprimem e me confinam numa prisão dentro de mim mesmo! — Retorquiu, esbravejando tão alto como as pedras que despencam de um alto penhasco e se partem ao cair no chão.

As expressões duras de Hagoromo franziram-se ainda mais, desaprovando fortemente cada palavra que rispidamente saltava dos lábios de seu filho. Decidiu encerrar aquela discussão abandonando o cômodo, deixando sua prole imobilizada pelos braços de seu irmão gêmeo, pois não importasse o quão impactante fossem as palavras que Indra proferisse, nada poderia refutar sua decisão.

Notando a ausência do gêmeo, Hamura soltou o sobrinho, deixando que ele deslizasse pelos seus braços e caísse de joelhos no chão de madeira. Sentindo a raiva ainda bombear em seu corpo, Indra acertou seu punho no solo, descarregando os raios que estavam em sua pele e abrindo uma cratera com a força do golpe. 

— Você sempre será o meu melhor guerreiro. — O general verbalizou, observando as consequências do ódio de seu sobrinho com pesar.

— Do que isso adianta agora? — Indra inquiriu, sentindo a raiva ser substituída pelo medo do que se sucederia em seu trágico futuro.

Hagoromo aproximou-se de seu sobrinho, deixando seus dedos pálidos acariciarem as mechas castanhas do topo de sua cabeça cabisbaixa. Permitiu-se, pela primeira vez, consolar o outro. Quando sua falecida cunhada estava grávida do primogênito, imaginou-se consolando o garoto quando fosse uma criança, talvez ao falhar na caçada de algum animal, porém jamais pensou em acariciá-lo quando ele estivesse na beira de um penhasco extremante alto em suas míseras dezenove primaveras.

Deixou as mechas escorrerem pelos seus dedos e resolveu retirar-se do cômodo, deixando o sobrinho só com a cratera que havia em sua alma nebulosa. Caminhou em direção ao lado de fora do palácio, saindo por uma das portas que desembocava no jardim. Encontrou Hagoromo, em toda sua plenitude, encarando a lua que reluzia nos céus negros que estendiam-se pelo horizonte longínquo. 

— Você não vê? — Hamura indagou com a voz calma, acercando-se do irmão e atraindo sua atenção. —  Indra é como nossa mãe. Tiveram seus destinos arrancados de suas próprias mãos e foram obrigados a se casarem com amores que não eram seus. — Verbalizou, observando como a expressão de Hagoromo se contorcia em culpa. — Seu filho se tornará como ela, os olhos vermelhos dele serão opacos como os delas e a culpa será sua.

— Ele conhecerá o amor quando parir suas proles, assim como Kaguya conheceu ao nos ter. — O rei insistiu em sua decisão, certo de que o tempo poderia consertar os erros que estavam acontecendo agora.

— Ela viveu e morreu infeliz! — Esbravejou, irritando-se com a ignorância do outro. — Você está revivendo uma história e não consegue ver!

— Você não consegue entender, Hamura! — Retorquiu, virando-se para o gêmeo. — Queriam que eu casasse meu filho com o rei de outras terras, desejavam que eu vendesse minha prole como um escravo! Eu tentei convencê-los do quanto isso era errado e violava os direitos de um humano; porém disseram-me que se nem minha mãe, que era uma deusa, pôde mudar essas leis, tampouco eu poderia. — Falou com pesar, desviando seus olhos nublados para o solo. — Tudo o que consegui foi convencer os anciões a deixarem meus filhos contraírem matrimônio entre si, para que eu pudesse manter Indra seguro dentro de meu reino; mas isso custou o amor que eles tinham por mim e o futuro próspero de ambos. 

As cordas vocais de Hagoromo vibraram dolorosamente e o coração de Hamura se apertou. Seu irmão não estava confinando o filho por não importar-se com ele, mas sim que existiam leis acima de si que o impediam de reverter aquele trágico destino. Acercou-se dele e envolveu seu corpo em um abraço que foi prontamente aceito. O general olhou para a lua, rezando para que sua mãe velasse o futuro do sobrinho.
 

Sua face alva sustentava uma máscara fria de porcelana que exalava inexpressividade, no entanto, se contemplada cautelosamente, poder-se-ia identificar a ruína de um homem que teve seu ápice interrupto precocemente e que estava destino a um futuro submisso e humilhante. Era com um tigre-de-bengala enjaulado que rugia clamando a liberdade, porém seus rugidos estavam resguardados em sua garganta, pois sabia que não importasse o quão alto esbravejasse, aqueles que o cercavam o ignorariam sutilmente, confinando-o em sua própria miserável natureza. 

As servas que o rodeavam escovavam suas mechas que despencavam como cascatas selvagens e enfeitavam-lhe a face com um pó de arroz branco que sumia na pele mais alva que o produto, ocultando qualquer possível efeito que pudesse ter sido causado. Seus olhos avermelhados que pulsavam em um ódio efervescente contido eram adornados por um delineado da cor de um vermelho delicado que tão pouco lembrava a sua ferocidade nos campos de batalha. Ao observar a cautela de uma das servas ao depositar um pó rosado nas maçãs de seu rosto, sentiu-se frágil. Todos aqueles adereços femininos e delicados para destruírem a imponência e a belicosidade avassaladoras que havia construído ao longo de todas essas primaveras efêmeras, apenas para torná-lo inferior. Os músculos de seu belo rosto contraíram-se sutilmente amargurados.

Sentiu seus fios de cabelos serem presos num coque alto adornado com uma presilha dourado com flores de cerejeiras. Alguns fios despencavam do penteado delicado e pouquíssimo firme. Estava tão enfeitado para parecer frágil que parecia ter a sensação que poderia despedaçar com um sutil toque. Observou uma das servas aproximar-se com um pincel tingido de vermelho para lhe colorir os lábios frios. 

— Não. Não me fragilize ainda mais. — Indra proferiu, movendo a cabeça e afastando os lábios do pincel. 

— Mas, meu senhor, é meu dever e de nossa tradição pigmentar-lhe os lábios. — A serva retorquiu, enchendo os pulmões para contradizer o primogênito de Hagoromo e o mais hábil dos guerreiros que poderia decepar-lhe a cabeça em um único segundo. 

— É uma ordem minha. Obedeça-me. — Ordenou com a voz alterada, embriagada por cólera, mirando a serva com ira efervescente. 

A mulher recuou o pincel e afastou-se com o corpo frágil encolhido pelo medo que aflorava em si. Alguns poucos outros detalhes foram alterados ou acrescentados em si e quando se encontrava pronto, levantou-se, encaixando os pés em sandálias de madeira clara com saltos. Ao ficar ereto, encontrou algumas dificuldades para manter-se equilibrado. O salto que costumava deixar as mulheres confiantes, consumia ainda mais sua alma, ruindo toda sua confiança e respeito impostos por si próprio. Engoliu a seco, controlando o desprezo dentro de seu corpo ao ser analisado com aquelas mulheres com tanto apreço. Os olhos negros delas brilhavam ao contemplar sua ruína. Sentiu o tecido branco e volumoso roçar-lhe a pele, era um quimono que alcançava e despejava-se majestosamente pelo piso. Suas mangas compridas encobriam-lhe as mãos marcadas por cicatrizes e calos de espadas que jamais poderia erguê-las novamente. 

— As senhoritas poderiam dar licença para que eu pudesse ter um momento com meu sobrinho? — A voz masculina rompeu da porta de correr de madeira que havia sido aberta sutilmente. 

As mulheres assentiram e recolheram seus artefatos para adornarem Indra, retirando-se respeitosamente da presença dos nobres. Hamura aproximou-se do sobrinho, ficando de frente para ele. Semicerrou os olhos, admirando os traços delicados, embora que transbordassem rancor, do outro. 

— Meu sobrinho, seria um insulto dizer-lhe que está simplesmente magnífico? — Atreveu-se a dizer, analisando as minuciosas sobrancelhas curvarem-se ruidosamente. 

— Você sabe que sim. — Respondeu rispidamente, despertando um sorriso ínfimo no rosto do tio.

— Desculpe-me por te ter trazido a este melancólico fim. — Hamura proferiu, visualizando as feições do outro se suavizarem. 

— Não é sua culpa, meu tio. Você apenas me levou de encontro ao meu destino. Como ômega não poderia fugir da minha realidade depreciativa de servir apenas como um objeto para satisfazer desejos carnais e gerar descendentes que continuem nossa linhagem. — Indra respondeu, apertando ainda mais o coração do tio. 

— Você possuía um potencial inigualável. — Sussurrou piedosamente, encostando ambas as mãos cuidadosamente na face do outro, para não desmanchar a maquiagem. Fitou os lábios retos, esbranquiçados, ostentando a ausência de algo. — Por que não está tingido? — Inquiriu curioso.

— Não deixarei que esmaguem ainda mais meu ser com um simbolismo tão submisso. — Retorquiu, afastando-se do outro.

— Você continua ainda sendo o guerreiro que eu criei, afinal. — Hamura falou, observando os olhos do outro esquivarem-se melancólicos para o chão. — Vamos. Está na hora de encerrar esta história e iniciar uma nova trajetória. — Verbalizou, estendendo a palma de sua mão para o sobrinho. 

Indra apenas ignorou o tio e seguiu em direção ao corredor, segurando o quimono pelo tecido para evitar qualquer possível tropeço. Hamura suspirou com o coração apertado, seria ele a condenar o adorado sobrinho ao destino submisso e humilhante de um ômega. Caminhou para o redor para sinalizar aos servos e guardas que a cerimônia seria iniciada. 

As mãos de Ashura suavam visivelmente, já que o nervosismo explodia ansioso em seu peito. Possuía apenas dezesseis primaveras e já iria se casar. Iria se casar com Indra. Essas palavras martelavam cruelmente sua mente. De fato, tinha medo dessa ideia que soava tenebrosa para si. Como poderia ter nos braços o homem que praticamente o criou? Olhou o pai que estava posicionado no vão que ficaria entre si e o irmão, vestido em branco e dourado que representavam sua divindade incontestável. Sabia que seu pai havia apoiado aquele matrimônio apenas para proteger o irmão, porém se perguntava o quê pensaria o patriarca ao ver seu filho utilizando vestes matrimoniais e condená-lo à uma vida oprimida. Ouviu murmúrios ao seu redor, provindos dos convidados afoitos, e olhou para as escadarias de madeiras, enfeitadas com flores e tecidos, tendo o prazer de vislumbrar Indra trajando um majestoso quimono branco com alguns bordados de renda e com as bochechas coradas pela maquiagem. A pele leitosa e o cabelo harmônico faziam-no parecer uma ninfa. Hamura estava ao seu lado e ajudou-o a descer magnificamente as escadarias. Sentiu, subitamente, uma lufada de ar estufar seu peito ansioso. Seus dedos amassavam o quimono negro que vestia, apesar de ter recebido ordens expressas para não fazer isso. 

Indra sentia o coração palpitar humilhado. Enquanto sua mão alva era acolhida pela palidez dos dedos do tio que o auxiliava a descer as escadas, numa tentativa de fragilizar ainda mais sua imagem já ruida. Sua mandíbula forçou os dentes uns contra os outros ao sentir os olhares curiosos e emocionados dos convidados que o cercavam por todas as partes. Todos contemplavam deliciados à sua queda, sentados em confortáveis almofadas que estavam distribuídas uniformemente pelo gramado verde. Quando seus pés deixaram as escadarias e alcançaram o solo, sentiu-se afugentado para correr pelos gramados e adentrar a floresta ruidosa, fugindo do seu destino. Olhou para os olhos pálidos do tio que o fitavam com melancolia. Sentiu a mandíbula forçar-se ainda mais quando, entregue por Hamura, posicionou-se de frente a Ashura e reverenciou-o, curvando seu corpo. Com a cabeça baixa, pôde contemplar os seus primeiros passos em direção ao vácuo que o tragava para o fracasso.

Ashura estava hipnotizado por cada movimento que o outro executava. Sentiu seus olhos reluzirem e os joelhos estremecerem quando, ao desfazer a referência, ele fitou-lhe diretamente com seus efervescentes e imponentes sharingans. Indra era como uma boneca de porcelana de quinhentas primaveras: uma raridade que deveria ser cuidadosamente contemplada com os olhos. Observou lhe os traços e sentiu-se incitado pela ausência de cor nos lábios. A quietude e plenitude do outro o incomodavam sutilmente. Num momento tão importante, Indra expressava absolutamente nada. Percebeu seu genitor remexer-se onde estava, movimentando as vestes e ajeitando o cajado na mão enrugada.

— É um imenso prazer reunir todos numa ocasião tão espetacularmente especial. — Hagoromo iniciou seu discurso com clareza na voz firme, mirando cada presente que fora convidado cautelosamente. — Neste dia ensolarado, uno a vida de meus dois herdeiros por um laço estreito confeccionado por mim. — O pesar em sua voz era límpido. — Antes de iniciar definitivamente os votos da cerimônia, gostaria que cada presente fechasse seus olhos e agradecesse pelo furor da vida que crepita dentro de nossos corpos. — Proferiu, observando cada pessoa cobrir seus olhos com suas pálpebras, com exceção de Indra e Hagoromo. Sustentavam seus olhares que exalavam sentimentos contraditórios com a cerimônia. Pesar. Rancor. Culpa. Ódio. Não podia culpá-los, pois também sentia o peso sobre seus ombros. Ergueu seu cajado quando notou que os convidados começaram a abrir seus olhos. — Com o poder investido em mim pela senhora minha mãe e nossa falecida rainha, Otsutsuki Kaguya, e pelas nossas heranças culturais, inicio celebremente esse matrimônio. — Proferiu, batendo com o cajado no solo verde. — Otsutsuki Ashura, príncipe destas terras verdes e prósperas, desejas tornar Otsutsuki Indra, que deverá acatar toda e qualquer ordem decretada por você, seu submisso ômega? — Inquiriu palavras que rasgaram furiosamente o interior de seu primogênito que possuía seus músculos tensinados pela cólera. 

— Sim, meu rei, eu aceito. — Ashura respondeu, sentindo as palavras tremularem em suas cordas vocais. 

— Como submisso, Indra não possui o direito de aceitar ou recursar seu matrimônio, sendo este um príncipe, a escolha deve partir de seu progenitor. Como patriarca deste ômega, concedo a mão dele a Ashura. — Hagoromo proferiu, arrancando dos braços do filho todos os direitos que ele possuía de falar por si. — Quando os lábios do ômega tocarem a pele dos pés de seu dominador, o matrimônio estará concretizado. 

O rosto pálido de Indra adquiriu um descontentamento colossal com as palavras de seu patriarca. Sua raiva agora podia ser facilmente lida em cada linha de expressão contorcida. Fitou o rosto de seu pai que esperava que concretizasse o ato como se fosse sua obrigação. Mirou a face de cada presente que contemplavam o auge de sua ruína, adornada por flores e tecidos delicados. Em todas as primaveras que havia arduamente enfrentando, jamais pensaria que sua vida cairia por terra tão drasticamente. Para quem aguardava a morte enviada através de um corte de espada, aquele casamento parecia uma amargurada maldição. Olhou novamente a imensidão pálida como uma densa neblina dos olhos de seu pai, absorvendo a pressão que ele lhe empregava. Não adiantava mirar para trás e pedir socorro para o passado, pois naquele momento o guerreiro que um dia fora não podia salvá-lo e libertá-lo do destino.

Respirou fundo, enchendo os pulmões de uma brisa fresca. Diante de tantos olhares expectativos e dos castanhos ansiosos de seu irmão, abaixou sua face como um guerreiro que esperava um golpe misericordioso que lhe decepasse a cabeça. Ajoelhou-se, sentindo a humilhação forçar as suas costas para baixo. Aproximou seus lábios finos dos pés pouco bronzeados de Ashura e selou-os, sentindo o gosto amargo da humilhação. Sentia os olhos dos convidados, gozando da sua desgraça. O ódio subia de seu coração e se apossava de seus olhos que esboçavam a cólera de quem tem a glória arrancada de seus braços violentamente. Levantou-se, como quem possuía o inferno nos olhos e no coração.

Ashura podia jurar visto a própria morte dentro do olhar do próprio irmão. Tremia nervoso e suava tão ansioso que parecia ter um rio na palma das mãos. Estar diante de Indra era estar de frente com um abismo que poderia-te tragar para o fim. 

— Declaro-os eternamente casados. — Hagoromo verbalizou, concretizando a sentença de Indra.

O ultimogênito ergueu sua destra e a aproximou do rosto do outro, na tentativa de acariciá-lo; porém antes do seu ato se executar, Indra deu-lhe as costas e, subitamente, deixou o altar, causando espanto nos presentes. Os olhos dilatados e os lábios entreabertos deixavam pairar no ar a tensão que ninguém ousava dissipar. Quando Ashura tencionou em ir atrás de seu irmão, viu Hamura ser mais ágil e deixar seu lugar para encontrar o sobrinho.

Hamura adentrou a casa e caminhou apressadamente pelos corredores, procurando o cômodo onde Indra pudesse estar. O barulho de um estilhaçar de uma porcelana chamou sua atenção, só não sabia dizer se o som proveu do quebrar de um vaso ou da alma do sobrinho. Adentrou o cômodo visualizando os cacos de algum vaso espalhados pelo chão e os punhos do primogênito de Hagoromo vertendo sangue por ter acertado o espelho e partido-o. 

— Indra, acalme-se! — O general proferiu autoritário, aproximando-se do outro.

— Me acalmar?! — O primogênito inquiriu incrédulo, virando-se para o tio. — Olhe para mim! — Falou, transbordando cólera e apontando para si. — Ignoraram toda a minha glória e minha contribuição para este lugar imundo e me transformaram num indigente! Não tenho sequer direito de escolha! 

— Meu sobrinho, o seu casamento não apaga a sua história. — Hamura disse, tentando suavizar a tensão do outro. 

— Tem razão, ele não apaga, ele encobre e faz como se nada tivesse acontecido e todos simplesmente concordam com isso! — Retorquiu furioso. — É fácil você vomitar qualquer palavra que lhe pareça com um consolo, não é você que teve a vida inteira condenada! — Brandou, sentindo as cordas vocais roucas. — Por que você não me deixou morrer? — Perguntou com rancor na voz que começava a deixar a cólera para adquirir acidez e amargura. 

A face de Hamura contorceu-se em uma dolorosa melancolia, como se o ato de salvar uma vida tivesse se tornado o fato de ter matado lentamente o próprio filho. Engoliu a seco e decidiu retirar-se do cômodo, porém antes de sumir pelo corredor, resolveu deixar algumas palavras para o sobrinho: 

— Porque você é como um filho para mim. 

Só, Indra deixou-se cair de joelhos no chão de madeira do cômodo, sentindo o desespero ecoar dentro de seu corpo. Enjaulado dentro do próprio destino, não existia mais esperanças para aquele que afundava dentro de si e do seu amargor. 

Quando a noite aproximou-se traiçoeira e as nuvens tampavam a lua no céu, Ashura resolveu adentrar o quarto onde Indra se encontrava desde o fim inesperado de seu casório. Entrou cuidadosamente nas pontas dos pés, como se fosse novamente uma criança. Visualizou o irmão olhando, pela janela, o céu escuro. Resolveu aproximar-se cautelosamente com medo do homem que poderia matar-lhe com as mesmas mãos que um dia lhe acariciaram afavelmente. 

— Irmão, nós temos que...  você sabe, eu e você, juntos, porque a tradição diz que... — Ashura tentou começar a falar, completamente ansioso e atrapalhado, sentindo o furor tomar-lhe conta das bochechas. 

É claro que Indra sabia o que aquela maldita tradição ditava, que eles deveriam copular na noite de seu matrimônio para gerarem um maldito herdeiro. Ergueu sua cabeça, continuando fitando o manto negro que era o céu. Sabia que Ashura não possuía culpa e que estava apenas cumprindo as ordens que Hagoromo lhe dera; todavia tudo relacionado àquele maldito casamento o soava odioso.

— Você está lindo, sabia? — O ultimogênito recomeçou sem jeito, fazendo o outro franzir as minúsculas sobrancelhas. — Quero dizer, você sempre foi lindo, mas hoje... — Verbalizou ainda mais envergonhado, tomando fôlego para falar as próximas palavras que fizeram seu corpo destensionar, encantado com o homem que estava a sua frente. — Você está excepcionalmente magnífico.  

Ashura corou quando seu irmão virou seu rosto para olhá-lo. Os olhos vermelhos dele pareciam tragá-lo para um perigoso vácuo. Deixou sua mão se aproximar cautelosamente do pescoço dele, acariciando a pele pálida enquanto os olhos dele pareciam desvendar sua alma. Fez seus dedos escorrerem o quimono branco dele, fazendo suas digitais roçarem na pele alva dele. Quando ousou apropinquar seus corpos, os músculos dele tensionaram e vislumbrou o punho de seu próprio irmão vir na direção de seu rosto violentamente; todavia antes de acertar sua face, o golpe dele estancou a poucos centímetros.

— Você tem medo de mim. — Ele sussurrou, prestando atenção no medo de Ashura que manifestava-se através de sua expressão assustada, dos músculos retesados e da respiração alterada.

— Tenho... — Confirmou, assentindo com a cabeça repetitivamente, enquanto tentava aproximar-se do outro, encantado com seus hipnotizantes olhos efervescentes. 

Quando notou que o outro não tensionava assustá-lo outra vez, aproximou-se cuidadosamente do rosto pálido dele. Diante de seus lábios finos e claros, ousou selá-los num ósculo sôfrego, que sugava-lhe suas almas. As mãos de Ashura deslizaram pelo corpo do outro, ousando infiltrar-se entre os tecidos de suas roupas, tocando cada pedaço de carne pulsante. Deixou seus dedos tocarem toda parte do corpo do outro que era irrigando pelo sangue pulsado pelas veias. Seus pés guiaram-se até a cama larga disposta no cômodo, fazendo com que as costas de Indra fossem de encontro ao móvel. Os dedos do ultimogênito escorreram pelo corpo pálido, apossando-se da cintura dele e chocando seus quadris com força, adentrando-o ruidosamente. Podia chamar de benção estar dentro daqueles que consideravam uma besta divina nos campos de batalha. Por mais inexperientes que fossem, deixavam-se guiar por aquilo que chamavam de instinto, que florescia grosseiramente em seus corpos. Ashura afundava-se deleitosamente no corpo abaixo de si, sem saber que o odor de seus característicos hormônios alfas sufocava o outro. Para Indra, esse cheiro soava como a maldição que o fez reprimir sua natureza. Seu corpo parecia rasgar-se por dentro. Ao contrário do corte de uma espada que você o vê e sente, os golpes de Ashura podiam ser apenas dolorosamente sentidos. O corpo dele bombeava em si ainda a humilhação de ter lhe beijado os pés e, agora, de ser possuído por aquele que tinha o destino costurado ao seu por uma linha forçada e uma agulha afiada. O suor corria pelos seus corpos, não que eles se importassem com isso. Seus músculos contraídos expressavam a dor que Indra sentia e o esforço que Ashura empenhava. O primogênito sentia seu corpo ser empurrado para um abismo no fundo do oceano, onde somente encontraria a sua ruína e, se tivesse sorte, ao olhar no espelho, talvez pudesse achar um pedaço do guerreiro que um dia fora. Quando Ashura desfez-se no outro, escreveu as primeiras linhas da história que levaria o reino de seu pai de encontro ao fim.

Quando acordou no outro dia, o sol raiava mais forte do que em qualquer outro dia e ao notar-se deitado ao lado do próprio irmão numa cama extensa, marcado com as lembranças do dia anterior, Indra sentiu-se mais frágil do que em todas as suas primaveras.
 


Notas Finais


Chegamos ao fim de mais um capítulo que, acredito, que tratou melhor as relações entre Hamura e Indra e nos trouxe o cenário onde todo o drama realmente acontece.
Preparem os corações, porque Indomável está em sua reta final.
Até a próxima!


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