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História Infortúnio Agreste - Era uma vez de novo, novamente.


Escrita por: SrtaFritzi

Capítulo 1 - Era uma vez de novo, novamente.


Fanfic / Fanfiction Infortúnio Agreste - Era uma vez de novo, novamente.

Após a passagem de inúmeras gerações de Severinos Retirantes, andávamos, nós,  sem rumo; saindo do nada para chegarmos à lugar nenhum. Não fazíamos ideia de como deveria ser o mundo afora - se é que existia algum em meio a todo aquele  sertanejo infernal. Todos os dias, ficávamos à mercê da fome, das doenças e da Morte. Esta nos observava e aproximava-se cada vez mais de nossas almas, como uma amiga inseparável que insistia em permanecer junto à nós e, gradativamente, nos sucumbir de dentro para fora.
 Hoje, eu consigo compreender o porquê de passarmos por tudo aquilo, de possuirmos uma existência inóspita de vida. Porém, naquela época, eu perguntava a Deus todas as noites, antes de dormir, por que havia nos abandonado e nos castigado tão severamente. 
 Na bíblia, está escrito que todos nascemos pecadores e caso não concretizarmos o ato de batismo, seremos indignos de entrar no Paraíso. Mas, eu não entendia tal afirmação, uma vez que nós não havíamos feito nada. Eu tinha 7 anos e meus irmãos, um menino e uma menina, tinham 16 e 4, respectivamente. Mal sabíamos nós que para ser pecador bastava existir. Deus parecia não se importar conosco.
 Estávamos condenados.
 Você deve estar se perguntando por que diabos estou contando tudo isso. Pois bem, gostaria que soubesse que, no fim, tudo tem um propósito - e isso não significa ser algo positivo. Com "positivo" quero dizer "imprevisível". Espera-se que a existência tenha algum escopo, o famoso máximo "Qual o sentido da vida?", mas sinto informa-lhe:  Não há objetivos. Não há sequer algum sentido, principalmente, para uma família de cinco pessoas miseráveis que não tem onde cair morta, a não ser numa cova mal cavada no meio da caatinga esquecida. Assim era nossa vida: Malignamente previsível. 

Minha mãe caminhava na frente com meu pai, ambos carregando nossa casa mas costas: Alguns cobertores enrolados em papelões gastos, trouxas de tecido armazenando poucas peças de roupas, suprimentos em uma sacola furada e vários outros panos surrados e utensílios.  Minha irmãzinha, logo atrás, segurava uma boneca sem uma perna e um braço, cujas roupas foram perdidas pelo caminho. E eu estava ao seu encalço, carregando um pequeno barril d'água quase vazio. E, na retaguarda, meu irmão segurava uma espingarda inutilmente, pois não havia mais indícios de vida por perto - um tédio.
 Eram 4 da tarde.
 Havia uma brisa quase imperceptível.
 Estávamos morrendo de fome. 
 Nós comíamos duas vezes ao dia, em pequenas quantidades,  e a água era distribuída da seguinte maneira: 
 ¤ Minha irmã podia tomar três goles não exagerados.  
 ¤ Eu tomava duas, assim como meu irmão.
 ¤ Meus pais tomavam um gole cada, apenas.
 Este era um acordo que cumpriamos rigorosamente, adotando-o como lei, a qual resultaria em pena de morte caso houvesse o seu descumprimento. Todos ficavam de olhos pregados em quem estava na vez de beber a água, para evitar qualquer infração. Nem um gole a mais. Nem um alimento a mais do que o limite estipulado. 
 Se meu pai dissesse - ordenasse - que poderíamos ingerir apenas dois trapiás por dia, qualquer desobediência em relação a quantidade excedente seria motivo de castigo. E quando eu digo castigo, amigo, eu quero dizer ficar sem comer mais tempo que os demais até a próxima refeição ou, dependendo do humor do meu pai, até o dia seguinte.
 Além disso, éramos proibidos de fazer brincadeiras que envolvessem gasto de energia, pois isso implicava em uma sede incontrolável que não poderia, nunca, ser saciada.
 Como você pode ver, havia muitas privações em nossa vida, que tornava-se cada vez mais estafada e maçante. A gente não tinha amigos, familiares, vizinhos. Não tínhamos nenhum bicho de estimação, nenhuma cadela raquítica chamada Baleia, nenhum jegue chamado Tião. 
 Só tínhamos a nós mesmos e isso era a única coisa disponível até o nosso último suspiro.
 Hoje, não restou mais nada. Ou talvez nunca houve algo para poder restar.
 Dessa forma, eu não tinha ninguém que me chamasse pelo meu nome. Somente recebia um "ei" daqui, um "moleque!" de lá. Por um tempo eu cheguei a esquecer como me chamava, pois minha identidade não importava nem para mim, nem para o mundo. 
 Aliás, estou a algum tempo falando e acabei por não me apresentar.
 Perdoe-me.
 Dizem que coincidências acontecem a todo momento, mas eu discordo.  Como eu disse anteriormente, no fim, tudo tem um propósito. 
 Então, vamos começar tudo de novo.
 Muito prazer, amigo. Eu me chamo Fabiano.
                                                                                                     ***



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