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História Inside your heaven: uma nova chance - Coragem sob fogo


Escrita por: Verbenna

Notas do Autor


Olá a todos!

Sim, eu sei que o capítulo está atrasado... Mas esse está bem grande e com tantas coisas que nem vou contar aqui...

Espero que tenham uma ótima leitura.

Há algumas cenas que podem trazer gatilho a algumas pessoas sensíveis, nos dois últimos atos.

Capítulo 20 - Coragem sob fogo


Fanfic / Fanfiction Inside your heaven: uma nova chance - Coragem sob fogo

 

 

            Hasgard estava contente naquela manhã, pois buscaria Sofia em Sagitário para o pequeno passeio que fariam. Era um sábado e Sísifo não treinaria, ficando com a esposa enquanto a dedicada e tão querida serva se distrairia um pouco.

Ele havia imaginado as inúmeras possibilidades que poderia escolher como roteiro para o que fariam, porém, pensou em algo que poderia ser uma forma de mostrar um pouco de si mesmo, um pouco do que acreditava e fez. Ele não sabia bem em que daria essa aproximação entre os dois, mas procuraria ser sincero, afinal, não queria agir como algumas pessoas que conheceu.

Então, decidiu que a levaria para conhecer as crianças das quais cuidou antes da guerra santa. Por sorte, elas estavam seguras e bem cuidadas na casa de Agathia, que era ajudada por Selinsa.

Ele as visitava conforme podia, levando algo para ajudar, mas, como todas haviam se transformado na família de Agathia, ajudavam na floricultura, tomavam conta da casa e cuidavam uns dos outros. Inclusive, pensava se a madre permitiria que elas fossem estudar no orfanato, pois, em uma conversa com Dohko, soube que a esposa dele e a de Dégel ajudariam a prima de Violet, que era professora, já que passariam a lecionar com ela. Isso deu a ele a ideia de que pudessem estudar ali, já que matriculá-los na escola seria complicado.

Ele se arrumou com roupas civis, arrumando o longo cabelo num rabo de cavalo baixo, mais apropriado para a ocasião. Inclusive, ele pensava na possibilidade de cortar um pouco o cabelo, mudar um pouco, quem sabe. Sentia que o novo estaria chegando para ele também, desejando aproveitar da melhor maneira possível. Enquanto se olhava no espelho, estava feliz pelas cicatrizes do rosto não estarem mais ali, assim como percebeu que, sendo um ano mais novo que Sísifo, aparentava, no mínimo, ter uns dez a mais. Ainda era jovem para seus trinta anos.

Achando melhor ponderar mais sobre isso uma outra hora, foi até a nona casa, onde era esperado.

Sofia havia se arrumado, mas estava simples. Uma saia longa roxa e uma camisa branca com mangas de renda estavam muito belas em seu corpo de curvas bem delineadas. Nos cabelos, que haviam crescido um pouco, amarrou uma fita como uma tiara, tendo passado um pouco de perfume. Violet andava em volta da amiga serva, com um sorriso de lado, até que parou, bateu palmas e vibrou, constatando que ela estava maravilhosa.

— Violet, tem certeza de que isso está bom? Não que eu pretenda impressionar ou algo assim, mas quero estar bem apresentável, você pode imaginar.

— Sofia, impossível você não ficar bem apresentável! Já viu seu reflexo? Aposto que o senhor Aldebaran vai se perder vendo essas suas curvas magníficas!  Aliás, nem uma roupa pode impressionar mais do que suas qualidades indiscutíveis, além desse seu rosto lindo. Não precisa se esconder! Porém, me diga, você está mesmo interessada nele? O que sente?

Sofia abaixou a cabeça, um pouco enrubescida. Nem ela sabia muito bem, afinal, tudo era muito recente e novo para ela, porém, desde antes do convite, já havia reparado que Hasgard a olhava mais, embora com certa discrição. No entanto, era visível que ele parecia demonstrar algum interesse, por mais que sempre a tivesse tratado com muita gentileza. Esses olhares começaram a chamar a atenção da serva, que, sempre atenta a muitas coisas, acabou percebendo. Certa vez, ela devolveu o olhar, deixando-o totalmente desconcertado, mas isso não foi o suficiente para que cessassem essas sutis investidas.

Esse interesse, mesmo velado, começou a gerar um sentimento de curiosidade na serva, como se um repentino interesse em desvendar o mistério daqueles olhares a tocasse. Tinham a mesma idade, formas de pensar parecidas, habitavam a mesma colina. Os olhos dele a acalentavam, mesmo enigmáticos, então, quando o convite para o circo surgiu, ela não precisou pensar muito a respeito, logo aceitando. A companhia dele foi tão agradável, sentiu-se tão bem... Daí, a ideia de levar o bolo foi mais um pretexto para revê-lo e terem sobre o que falar. Ela não compreendia muito bem, mas estava interessada em descobrir.

— Violet, eu ainda não sei , mas eu gosto de estar com ele, de ouvi-lo falar sobre vários assuntos. Eu já amei, há muito tempo, mas não era para ser. Depois de minha família ter perdido tudo, foi a vez de as pessoas partirem e eu fiquei sozinha neste mundo, pois não tinha irmãos. A pessoa que eu amei não me amava, foi embora também. Então, eu me fechei para isso e, quando vim parar aqui, me dediquei ao serviço que fazia, deixando tudo para trás.

— Eu não imaginava que você tivesse uma história assim, minha amiga. Lamento tanto por isso! Bem, quanto ao Hasgard, imagino que vocês sejam livres para se conhecerem e avaliarem o quanto desejam estar juntos, se um sentimento vai brotar além do interesse mútuo. Às vezes, o amor vem rápido, como se tudo já estivesse pronto para isso, outras, ele vai chegando devagar, se enraizando nas brechas que vão aparecendo e, quando menos se espera, floresce. Aproveite o momento!

— Eu farei isso, Violet. Ele está vindo me buscar aqui! Eu disse que não era necessário, que bastava eu descer as casas, mas ele não aceitou, disse que fazia questão de vir me pegar pessoalmente, como um cavalheiro deve fazer. Ainda mais um cavalheiro que também é um cavaleiro de ouro. Eu não discuti mais nada depois disso!

Violet riu e comentou:

— Ele é extremamente cortês e gentil. Uma pessoa diferenciada e por quem eu tenho uma eterna gratidão e muita afeição! Ele salvou a minha vida e eu nunca poderei agradecer de forma adequada. Espero que descubra logo os sentimentos que essa aproximação trará a você.

Então, elas ouviram uma conversa, que reconheceram ser entre Sísifo e Hasgard. Assim, as mulheres se olharam e Violet adorou ver que, instintivamente, Sofia sorriu.

Enquanto o amigo e a serva seguiam para seu destino, Violet e Sísifo pegaram Aura e subiram as escadarias, pois tinham algo importante a fazer, também.

Após receberem a autorização necessária, entraram no décimo terceiro templo, sendo bem recebidos pelo mestre Sage. Ele se alegrou ao ver Aura, que sempre considerou uma neta. Então, após receber o afago da garotinha, perguntou:

 

— Ora, ora, faz algum tempo que não a vejo, Violet, minha neta. O que traz vocês aqui? Recebê-los todos juntos é muito incomum...

— Trazemos uma novidade, mestre — disse Sísifo.

— Uma novidade?

Violet anuiu com um movimento de cabeça, enquanto sorria.

— Sim, mestre. Tenho a imensurável alegria de informar que serei pai. Violet está esperando um filho meu, consequentemente, creio que seja o seu primeiro tataraneto.

Sage ficou parado por alguns instantes, absorvendo aquelas palavras. Então, sem mencionar qualquer coisa, levantou-se de seu assento e caminhou até onde os outros estavam. Ele parou bem diante de Violet e disse:

— É isso mesmo verdade, minha querida?

— Sim, vovô. Espero seu tataraneto, embora a gestação ainda seja bem recente.

Então, o muviano pediu licença e tocou a barriga de Violet, fechando os olhos por um instante. Então, ele recolheu a mão e abriu os olhos, que estavam marejados por conta da emoção.

— Eu sou grato por ter vivido para presenciar esse momento. Um neto! Espere só quando Hakurei souber disso! Obrigado por virem me dizer. Não sei dizer o tamanho da minha felicidade!

Então, Sage abraçou Violet, emocionado com a revelação mais do que inesperada, mas que trazia consigo uma bagagem de alegria sem tamanho.

Sísifo estava feliz mas, fora a própria alegria que percebeu-o sentir, ver o que o mestre demonstrou foi muito importante, afinal, foi ele quem o direcionou para ser treinado por Ilias. Foi a pessoa que descobriu seu potencial para se tornar o novo cavaleiro de Sagitário. Era alguém muito especial.

 

 

Hasgard e Sofia seguiam para Rodorio a fim de visitarem a casa de Agathia. Sofia observava o cavaleiro, que mexia no cabelo várias vezes, ficando um tanto pensativo. Ela estranhou um pouco, então, perguntou:

— Senhor, se me perdoa o atrevimento da pergunta, o que há de errado com seu cabelo?

Hasgard ficou um tanto surpreso por ela ter notado. Na verdade, ele não percebeu que estava tão envolvido naquilo, então, sorriu sem jeito, coçando a cabeça, explicando em seguida:

— Ah, senhorita, por favor, peço mil desculpas por isso. Eu me distraí em pensamentos e fiquei um pouco aéreo. Estava pensando no meu cabelo, de fato.

— Oh, senhor, tudo bem! Eu compreendo! Mas, o que estava pensando sobre seu cabelo? Há algum problema?

— Na verdade, não há problema algum. Apenas estou pensando em fazer algumas mudanças pontuais. Eu sempre usei meu cabelo deste jeito, mas, nos últimos dias, penso em como seria se eu o cortasse, para mudar um pouco a aparência. Vida nova, algo novo em meu aspecto. Acha que seria ruim?

Ela sorriu, respondendo:

 — Quer minha opinião sincera?

Ele anuiu, movendo a cabeça. Então, ela respondeu:

— Acho que ficaria muito bem se mudasse, embora eu pense que deva usá-lo como se sente mais confortável.

— Eu não sou apegado a ele, apenas nunca me importei com a aparência, só deixei assim por comodidade. Mas, se a senhorita pensa que eu ficaria bem, acho que vou mudar. Afinal, ele poderá crescer, se eu não gostar da sensação dele mais curto.

— O quanto quer mais curto?

— Acima da nuca. Quero uma mudança real!

— Bem, caso queira, posso fazer isso pelo senhor...

Ele estancou os passos, olhando para Sofia admirado com o que escutara.

— Faria isso por mim? Mesmo?

— Eu não perderia essa oportunidade por nada. Confie em mim, tenho certa prática.

Hasgard sorriu com o que ouviu, dizendo que ficou muito alegre com a oferta da serva. Ele não entendia bem, mas sentiu um calor agradável no coração, um sentimento de muito conforto ao estar junto de Sofia. Não por comodidade, mas por uma genuína sensação de estar bem ao lado dela, como se estivesse... Protegido.

Sofia sentiu uma satisfação inédita ao oferecer aquele favor ao Touro, junto com uma muito agradável oportunidade de estar de braços dados com ele. Uma imensa curiosidade a atingiu, ansiosa para ajudar na transformação do taurino.

As crianças se alegraram muito ao ver Hasgard, assim como Selinsa e Agathia. Todos gostaram muito de ter Sofia ali, que se sentiu muito bem com as crianças e as moças. Prometeu levar algo bem saboroso para quando voltasse ali, alegrando Hasgard com essa proposta.

A serva apreciou muito a atenção que o Touro dedicava às crianças, como ouvia com atenção a cada uma. Esse lado diferente dele foi uma bela descoberta para Sofia, que verificou o quanto aquele enorme homem podia ser tão doce com os que queria bem. Chegaria ela a ser tão bem quista assim?

Após conversarem sobre vários assuntos, logo voltaram para o Santuário, enquanto Hasgard pediu que Sofia almoçasse com ele na Casa de Touro, o que ela logo aceitou.

Após a refeição, Hasgard pegou a mão da serva e a beijou, perguntando:

— Vai mesmo fazer isso por mim?

— Evidentemente! Sua serva até me arrumou esta tesoura! Vamos!

— Agora?

— Vai desistir?

— Não! Só não queria ocupá-la assim. Deve estar cansada...

— Sou mais resistente do que pareço! Venha, sente-se aqui, sobre esta almofada. Não tenho altura para a cadeira...

Assim, ambos se dedicaram às mudanças que o Touro desejou fazer. Quando Sofia lhe entregou a enorme mecha, ele suspirou um pouco, fazendo-a rir enquanto se despedia do cabelo. Assim, após algum tempo e acertos, a moça deu o serviço por terminado. A serva da casa trouxe um espelho e entregou a Sofia, então, ela mostrou ao taurino sua nova aparência.

Ao se olhar no espelho, Hasgard quase caiu para trás, pois quase não reconheceu a si mesmo. As mãos de Sofia eram boas, pois o resultado ficou muito bom.

— Eu fiquei... bonito...

— O senhor sempre foi bonito, só está revelando quem realmente estava sob todo esse cabelo. Está muito bem apessoado e eu gostei muito dessa nova versão. Se fosse o senhor, adotaria esse estilo! Bem, agora que está tudo terminado, preciso voltar a Sagitário, se não se importa.

— Eu vou acompanhá-la, senhorita. Por favor, me ajude com esses fios presos em minhas costas.

Sofia ria enquanto auxiliava o touro com os fios que ficaram em sua roupa, assim como os que se prenderam ao seu pescoço, mesmo sob a proteção do tecido que cobriu seu corpo.

Chegando à nona casa, Sísifo ficou estático ao ver o amigo, dando uma volta completa ao redor dele, para confirmar o que via.

— Está muito atraente, amigo! Quem diria que eu viveria para vê-lo sem seu cabelo!

— Sísifo, meu cabelo está aqui, porém, curto. Que bom que gostou. Mudar é bom, não é mesmo?

— Foi uma das melhores mudanças que o vi fazer, amigo. Estou admirado!

Após ouvir os elogios de Violet e se despedir de todos, Hasgard retornou para sua casa, onde pretendia banhar-se e descansar, afinal, estava escalado para a ronda noturna, junto com Defteros.

Após o merecido banho, Hasgard se olhou novamente no espelho, recordando as palavras de Sofia e confirmando que a mudança foi uma das melhores escolhas que fez nos últimos tempos. A outra... Bem, essa ainda estava em andamento.

 

 

 

Na casa de Nico, Alcmena está em seu quarto, lendo um dos livros que Rugonis lhe dera. A jovem adorava mitologia grega e aquele volume era muito rico em seu conteúdo. De onde estava, percebia o movimento incomum que a casa vivia naquele dia.

Tanto Nico quanto Noldor pareciam agitados, mas nada haviam falado com ela. Via o irmão carregando folhas com projetos e o pai refazendo alguns cálculos, enquanto dizia ao filho que seria bom bastante madeira para o que fariam.

O código de visitas seguro foi acionado por Rugonis, identificando-o como uma pessoa que poderia ser atendida sem reservas. Assim, Nico foi quem abrira a porta naquele momento, mesclando em sua fisionomia o medo e o entusiasmo. Ele sorriu para o pisciano, que se alegrou ao vê-lo menos apegado aos cálculos, mais acessível aos que estavam à sua volta.

— Senhor Rugonis! Seja bem-vindo! Peço que não repare a agitação em que eu e Noldor nos encontramos, afinal, faremos um teste muito importante hoje com uma invenção que foi ideia dele, a qual eu abracei também.

— Senhor Nico, sei que mentes brilhantes se comportam assim. Não se incomode comigo, pelo contrário, peço que me oriente caso possa estar atrapalhando. Se, contudo, houver algo em que possa ser útil, por favor, diga!

— Ah, com certeza, senhor! Bem, imagino que esteja aqui para ver Alcmena, vou chamá-la!   

Ao abrir a porta, Nico pôs a cabeça na fresta entre esta e o batente, chamando a filha:

— Mena, querida, está tudo bem?

A jovem voltou o rosto na direção da voz e se surpreendeu com a presença do pai ali, tanto que logo se endireitou na cama a fim de falar melhor com ele.

— Oh, meu pai, sim, tudo está bem! E o senhor, aconteceu algo?

Nico compreendeu a reação da filha, sentindo no coração o peso que a dedicação aos inventos lhe causava. Esperava que logo pudesse se dedicar mais a ela, contudo, deveria terminar os projetos que estavam em fase de conclusão.

— O senhor Rugonis está aqui para vê-la, vim avisá-la, minha querida.

Ela sorriu, agradecendo e pedindo ao pai que dissesse a ele que a aguardasse.

Logo ela estava na sala, encontrando a face tranquila e alegre do antigo cavaleiro. Ele tomou uma das mãos dela e beijou, como sempre fazia.

— Como tem estado, senhorita? O que está achando dos livros? Sei que há pouco tempo que os entreguei, mas, como sei que a senhorita é uma ávida leitora, imagino o quanto deve ter avançado!

— O senhor me conhece, de fato!. Bem, não avancei tanto pois estou me detendo a todos os detalhes que os textos me apresentam, como por exemplo o belíssimo exemplar sobre mitologia grega.

— Ah, compreendo! Bem, esse livro exige um cuidado a mais do leitor, afinal, são muitos detalhes a observar. Que bom que está apreciando! Aproveitando a oportunidade, quero fazer um convite, se não for muito atrevimento.

— Imagino que, com a minha agenda lotada, precise ponderar muito sobre isso. Do que se trata?

Ele riu da ironia que ela usou, fora a fisionomia faceira que ela tinha, complementando a graça do que dissera anteriormente. Assim, ele disse:

— Evidentemente, aguardarei sua ponderação ao meu convite para que me acompanhe no casamento do meu filho, que ocorrerá em pouco mais de uma semana. Será em um local não distante, assim como a acompanharei desde aqui até o haras onde acontecerá a festa.

— Bem, nesse caso, minha ponderação será breve! Aceitarei seu convite, certamente! Não perderei uma festa por nada!

— Sendo assim, combinaremos isso melhor depois. Ora essa, vejo que a casa está movimentada hoje. O que está acontecendo?

— Eu também gostaria de saber. Venha, vamos perguntar ao Nolzinho, pelo horário, ele deve ter dado uma pausa para o chá.

Chegando à cozinha, como Alcmena havia previsto, lá estava o irmão, sentado à mesa, com uma xícara de chá na mão. Assim, ela tomou lugar, acompanhada por Rugonis, que se serviram também. Havia bolo sobre a mesa, então, a moça se serviu, logo perguntando ao irmão:

— Mano, o que está acontecendo por aqui? Você e o papai estão muito agitados hoje...

Noldor levantou uma sobrancelha enquanto ouvia a irmã. Estranhou que ela não tivesse escutado os comentários que eles faziam desde a véspera, ou mesmo enquanto se moviam se parar dentro da casa, enquanto repassavam orientações um ao outro. Mas, vendo que a mana não estava brincando, ele respondeu:

— Faremos um teste.

— Teste de que?

— De um dos projetos. Mena. Estou comendo algo antes de começarmos. Estou um pouco ansioso porque quem projetou fui eu, então, se não der certo...

— Mano, eu conheço você e sei de sua genialidade. Tem se debruçado sobre esses croquis há muito tempo, despendido energia e trabalho incontáveis! Eu tenho certeza de que vai dar certo.

Noldor deu um leve sorriso de canto, meneando a cabeça como sinal de aceitação do que Alcmena dissera.  Então, foi a vez de Rugonis perguntar:

— Senhor Noldor, se importaria de me dizer do que se trata esse projeto? Não posso evitar de ficar curioso.

— Eu lhe direi, senhor Rugonis, mas só depois do teste, se não se incomoda. Ficarei mais à vontade assim. Por ora, estou me concentrando em cada etapa a ser seguida.

Rugonis compreendeu que deveria se tratar de algo muito importante, então, tal como Noldor fizera anteriormente, acenou com a cabeça sua concordância.

Então, Nico chegou e serviu-se de uma xícara de chá, pegando uma fatia generosa de bolo, pondo-se a comer logo após acomodar-se na vaga que sobrara à mesa. Todos os observaram, curiosos, já que quase não o viam comendo ou se enturmando. Ele notou os olhares e perguntou:

— Algo de errado?

— Está tudo certo, pai. Está pronto?

— Estou sim, apenas dando uma pequena pausa para esse lanche. Com tudo encaminhado, fico mais à vontade para realizar as coisas.

Assim, após a breve refeição, pai e filho se dirigiram ao projeto que estava construído num dos grandes cômodos da casa. Alcmena perguntou se também poderia ver, então, o irmão pediu que ela ficasse de longe, pois era perigoso.

Rugonis pediu que ela ficasse junto dele, à porta. Mas a moça compreendia os motivos desse cuidado, já que era o terceiro teste que realizariam com o projeto.

Dentro do cômodo havia uma enorme peça metálica em formato cilíndrico, apoiada sobre um grande fogão, cujas chamas estavam bem fortes. Da peça cilíndrica saíam alguns tubos, também de metal, que se conectavam a outras peças, de formatos e tamanhos variados. Tudo dava numa campânula de vidro, que estava equipada com várias peças de formatos variados.

Conforme a água estava aquecida numa temperatura adequada, era possível ver os dutos que saíam da peça cilíndrica enviavam o vapor ali formado para outra peça, então, após algum tempo, via-se que alguns pequenos e delgados raios se cruzavam dentro da campânula.

Esse processo levou algum tempo, mas, equipados com óculos especiais, pai e filho comemoravam o sucesso do teste, já que, finalmente, puderam produzir energia elétrica a partir de vapor, que foi produzido pela água aquecida.

Alguns sons foram ouvidos durante o experimento, o que não era estranho devido a todos os processos que ocorriam. Nico ria de satisfação, enquanto Noldor se abaixou, apoiando um joelho no chão, enquanto a outra perna estava flexionada e, sobre ela, apoiava um dos braços, com a mão sob o queixo, os dedos sobre a boca. Ele parecia estar assimilando os resultados do seu experimento, enquanto permanecia sério.

Só depois de se levantar e verificar a evidência da carga elétrica na campânula ele parou e cobriu a boca com uma das mãos, com o cotovelo apoiado na outra mão. Após refletir um pouco, ele murmurou:

— Funcionou... Funcionou... Consegui... Conseguimos...

Alcmena percebeu o que acontecia, não deixando de se emocionar com o sucesso que o irmão e o pai tiveram naquele experimento. Rugonis estava impressionado com o que viu, pois não era sempre que se via ciência praticada bem diante dos olhos. Realmente, havia um motivo para tamanho trabalho e tanta insistência. Ele não podia deixar de se alegrar com aquela conquista.

— Bem, essa era só a primeira etapa! Falta realizar mais um experimento para o novo medicamento ser confirmado. E, caso sim, possa ser um alívio para muitas pessoas. Não é hora de comemorar, vou começar a preparar a segunda fase.

Rugonis achou interessante aquela determinação, admirando mais ainda a força daquele rapaz. Nico estava encostado à parede do cômodo, com um sorriso de lado e, quando Noldor passou, apenas cumprimentaram-se num intenso aperto de mãos, sem palavras que fossem necessárias.

Assim, cada um seguiu para suas mesas de trabalho, onde o intuito era aperfeiçoar a utilização do invento, numa segunda etapa a ser completada, embora ainda houvesse outros projetos a se terminar. Não era de se estranhar que existiriam os que gostariam de pôr as mãos nos inventos que eram criados ali.

Alcmena ficava cansada de tudo aquilo, mas aquela era a realidade de sua família. Gostaria de ver a mãe ali, junto com eles, assim como queria que o irmão vivenciasse as etapas comuns da vida de um homem, como se casar. Ela própria se sentia totalmente deslocada da realidade, mas, como dizia seu pai, tudo se destinava a um bem maior.

Rugonis observava a dinâmica que acontecia ali, não tinha mais a impressão de que havia dois homens geniais a gastar o tempo com invenções que desafiavam seus intelectos, isso havia mudado desde que viu Nico aflito, enquanto fazia e refazia complexos cálculos, dias antes. Parecia que havia algo maior como pano de fundo, ele apenas não sabia bem como analisar, já que seus possíveis interlocutores eram de bem poucas palavras, estoicos.

Como estava acima de suas possibilidades saber mais daqueles homens e suas obras, dedicar-se-ia a Alcmena, assim como possibilitaria, da forma como conseguisse, manter aquelas pessoas em segurança.

Assim, seguiu até a sala, com a bela dama cuja companhia só o encantava a cada dia mais, para conversarem sobre as leituras que ela fizera, passatempo que a afastava, pelo menos em sua mente, das circunstâncias ao redor. Mas havia algo que fazia o antigo cavaleiro admirar aquela família: o amor mútuo que havia dentro de cada um.

 

 

 

Em Dasos, algumas situações não eram exatamente fáceis para algumas pessoas. Depois do que houve na feira, quando Taylor confrontou Antônio na defesa de Larissa, o ruivo passou a sentir novas sensações em seu corpo. O calor que o tomou naquele dia foi indescritível, durando quase o dia inteiro. Apenas quando se afastou, fechando-se no aposento em que dormia na casa da família, conseguiu se acalmar verdadeiramente, acabando por pegar no sono.

 Mais à tardinha, já havia acordado e estava pensativo com os outros sintomas que passou a sentir. Não eram coisas ruins, pelo contrário, percebeu que, mesmo ainda embaçados, seus olhos pareciam estar se abrindo. Ele conseguia perceber o cômodo em que estava, num misto de euforia e receio.

A euforia cuidava da alegria e alívio de perceber que poderia voltar a ver, conseguindo, quem sabe, conhecer visualmente as pessoas de sua nova família, como ele fazia questão de considerar. Já o receio vinha por parte de seu ego, da pessoa que era em confronto com a que considerava que havia se tornado.

Perder a capacidade de ver o mundo externo o ajudou a ver o mundo interior. Conforme caminhava pelas ruas desse novo lugar, encontrou becos escuros, ruas esburacadas e, surpreendentemente, apenas barracos e casebres, que poderiam ir abaixo com um sopro. Não havia nada sólido o suficiente ali para resistir a tempestades ou outras intempéries, apenas construções que não resistiam a forças externas.

Não havia pontes ou riachos tranquilos, apenas rios caudalosos, que arrastavam, com força expressiva, o que encontrasse em suas margens. Não havia bosques frondosos ou florestas verdejantes e frescas, apenas um deserto árido, com um oásis, mas que, devido ao tempo, se enfraquecera também.

Encontrou uma cobertura aparentemente forte, mas com rachaduras e frestas, como se alguém tentasse proteger algo, mas com tantas falhas e exageros que a intenção não era alcançada.

No fim do caminho de sua exploração, restava um abismo, tão profundo e escuro que ele tinha real pavor de estar ali, mas foi onde caiu, sem proteção que o guardasse, sem nada que pudesse evitar sua queda. Então, ao tocar o fundo, não chegou a se ferir tanto, mas encontrou ali, com as verdadeiras caras monstruosas, as mazelas que o acompanhavam em sua existência. Encarou cada uma delas, assustando-se com a aparência que tinham, percebendo que era com elas que andava acompanhado, escurecendo as luzes por onde passava. Não as apagava, apenas escurecia, de modo que só ele não podia ver. Não sabia analisar qual era a pior cegueira, mas entendeu o tamanho de suas perdas e o resultado de seus enganos.

Mas ele encontrava, dia após dia, a luz que iluminava um pouco das trevas interiores. Ia, devagar, arrumando as ruas, regando as flores, enfrentando as correntezas, encontrando frutas nas árvores dos bosques e até pássaros, que voavam atravessando as florestas. Estava renascendo, após ser quebrado até onde não conseguia mensurar. Ela era sua luz, eles eram a claridade que ia iluminando sua senda, aquecendo-o o suficiente para encontrar o caminho para sair do terrível mundo interior em que estava. E estava conseguindo, um pouco por vez.

Ele deveria contar a eles sobre seu passado, sobre quem foi e quem passou a ser, na verdade, quem aprendia a ser um pouco por vez, tudo por causa do que foram na vida dele. Por não desistirem enquanto estava ferido demais para se cuidar, quando estava arrasado demais para lutar, quando passou a se achar miserável demais para ser digno de algo. Eles lhe deram o que precisava, com muita simplicidade, é verdade,   mas com tamanha verdade que ele jamais poderia imaginar ser possível.

Eles foram a família que sempre precisou, mas jamais teve acesso. Recebeu cuidados, foi alimentado, acolhido, não o julgaram uma só vez, Larissa nunca o adulou quando deveria lutar e persistir, foi defendido e recebeu consideração como nunca imaginou. Ele descobriu algumas verdades: ele os amava, ele a amava. Mas, seria digno de alguém como Larissa? Ela era um cristal, tão forte e tão suave, que tinha uma luta diária contra um fantasma que assumiu o lugar dos que lhe fizeram mal. Ainda assim, conservava sua delicadeza, era firme e sabia o que fazer.

E era ela que se aproximava do aposento, podia distinguir seus passos, que eram cadenciados e leves, como numa dança. Certamente ela deveria ter um andar elegante, ele pensava. Assim, logo ouviu-se leves batidas na porta, então, ele simplesmente respondeu:

— Pode entrar, senhorita Larissa.

Ela abriu a porta com cuidado, receosa de como ele iria reagir. Então, em voz  baixa, respondeu:

— Senhor Taylor, fiquei preocupada com sua reação, e, como não saiu para comer nada desde aquela hora, trouxe algo para o senhor. Como está?

Ele ficou calado por alguns instantes, então, voltou seu rosto para Larissa, levantou-se, pegou a bandeja das mãos dela e colocou sobre a cama. Depois, ficou de frente para ela, mirando-a por algum tempo. A visão que conseguia era bastante embaçada, mas podia identificar o cabelo escuro, assim como o rosto alvo, embora não discernisse as feições. Ele sorriu, balançando a cabeça em negação, quando, estranhando aquelas reações ela perguntou:

— Senhor, o que está acontecendo?

Então, ele voltou seu rosto a ela, respondendo:

— Acredito que minha visão está retornando... Acho que... Estou voltando... A ver...

— Consegue me ver? — ela perguntou um tanto assustada.

— Na realidade, não. Bem, posso ver poucos traços do seu rosto, mas distingo bem o seu cabelo, o formato do seu rosto. Mas não consigo ver com nitidez, então, não tenho muito sucesso nisso...

Larissa suspirou, aliviada por aquele momento. Mas, se ele vinha recuperando sua visão, ela precisava ser cuidadosa, pois não queria ser vista por ele. Assim, a moça apenas disse que aquilo era bom, pediu licença e se retirou, deixando Taylor confuso, afinal, ela não se agradaria com sua recuperação?

Alguns dias passaram e Larissa continuava evitando-o. Quando não havia como se distanciar dele, a jovem cobria a parte de sua cicatriz com uma mecha grande de cabelo, assim, não seria possível ser notada.

Taylor pensava sobre os motivos daquilo estar acontecendo, embora Tiana e Elpídeo se alegrassem com a possível recuperação da visão de Taylor. Talles também ficou animado, afinal, gostava do rapaz e se davam bem. Achava que seria muito bom que ele estivesse totalmente recuperado do acidente que sofrera.

Mais alguns dias após, dois ou três, Taylor chamou toda a família, considerando que seus olhos estavam melhores, com um aumento considerável da nitidez, embora ainda imperfeitos. Ele reuniu todos na sala casa, para conversar sobre assuntos importantes, já que ele queria passar sua vida a limpo e não perderia tempo, pois considerava o que estava acontecendo mais uma oportunidade em sua vida. 

Todos já estavam cientes de sua melhora, aliás, sentiam-se muito felizes com aquele “milagre”, já que não houve nada que pudesse ter desencadeado aquela recuperação, como um medicamento ou uma intervenção médica. Porém, Taylor notava a reação de Larissa, que jogou boa parte dos cabelos sobre o rosto, tentando cobrir sua marca. Ele ficou um pouco confuso, afinal, imaginou que a jovem ficaria feliz com sua recuperação, já que era uma ferrenha incentivadora dos esforços do ruivo.

Mas a reação de Larissa era uma autodefesa instintiva, pois tinha receios de ser vista assim pelo agregado da família, já que, para ela, ele era especial demais em seu coração para que aceitasse ser vista como era. Sim, era irracional, ela sabia, mas estava reunindo forças para se permitir ser contemplada assim.

Todos reunidos na sala, Taylor sentou-se no chão, o que foi estranhado por Elpídeo e Tiana. Ele estava com o semblante cabisbaixo, mas ao encarar seus anfitriões e salvadores, viu que o casal não pôde deixar de sorrir, considerando a fala da mulher:

— Senhor Taylor, seus olhos... Eles são tão bonitos! Está mesmo conseguindo nos ver? Estou tão feliz, o senhor não consegue imaginar.

— Senhora Tiana, eu agradeço! Aliás, manteve meus cabelos cortados durante todos esses meses, quanto cuidado imerecido! Sua bondade é enorme... Aliás, todos vocês me demonstraram uma compaixão mesclada com sinceridade que eu jamais vi e que me tocou tão profundamente que, com certeza, completou a minha remissão. Eu preciso dizer a vocês quem eu sou, na verdade, quem eu era, ou não conseguirei olhar cada um à minha frente nos olhos...

O casal se entreolhou, então, dando de ombros, voltaram toda a atenção para Taylor a fim de ouvi-lo.

O ruivo começou contando sobre seu país de origem e sua família, mencionando sobre a mãe e o pai, que mal via. Falou sobre sua criação, a forma como sua educação era conduzida e de como sua mãe fora leviana nos conceitos de caráter e dignidade para com ele. Mencionou suas aventuras, tanto as com amigos quanto as amorosas, que não demonstravam dignidade e o quanto criou problemas.

Tiana apertava a mão do marido, assustada com as revelações de Taylor, enquanto Elpídeo pensava no tanto de coragem que o rapaz estava reunindo para dizer tudo aquilo para eles, pois via a vermelhidão no rosto daquele homem, o que demonstrava o enorme constrangimento que sentia.

Taylor continuou falando sobre a questão de sua vinda para a Grécia, assim como as questões que tivera com a prima, no passado. Contou da surra que levou de um cavaleiro de ouro, muito merecida, aliás e da força sobre-humana que aquele homem tinha enquanto defendia sua amada.

Contou sobre seu desejo de vingança, que encontrou uma oportunidade junto aos espectros que também queriam vingança, ajudando-os enquanto raptou a prima naquela noite. Contou sobre a mansão abandonada e de tudo o que aconteceu, assim como o momento em que tudo desabou, vitimando-o quase fatalmente.

Elpídeo o interrompeu:

— Você enfrentou um cavaleiro de ouro? Meu filho, por acaso, você é louco? E ele amava sua prima? Que situação!

— Eu não sabia nada sobre eles, achava que aquele homem era um dos empregados do meu tio. Se minha prima não tivesse intervindo, eu não estaria aqui hoje.

— Entendo, filho.

— Assim, vocês me salvaram naquela noite e estou aqui para contar tudo. Com a sensação de abandono e a cegueira, eu consegui espaço para ver a desgraça de homem que eu era. Vivendo aqui, com vocês, percebi a pessoa inútil que havia me tornado e o quanto eu significava nada. Vocês, sem me conhecerem, não me julgaram em momento algum, apenas cuidaram de mim, um completo estranho, me dando um teto, cuidados, comida, proteção... Meu espírito foi quebrado, e estou juntando os cacos, mas tenho aprendido tanto... Vocês são tudo o que eu sempre precisei, e me construíram de novo, pedaço por pedaço.

Tiana chorava, enquanto Talles tinha o brilho da curiosidade em seus olhos. Elpídeo falou:

— Senhor Taylor, caso, em seu coração, decida ser uma nova pessoa, com sinceridade, não há nada que possa impedir isso. Apenas use sua coragem para ser um homem de verdade, com seu caráter transformado e sua dignidade recuperada. Eu acredito em você, mesmo contando toda essa história. Seus atos nessa casa mostram quem você está se tornando.

— Isso é graças ao senhor, à dona Tiana, ao pequeno Talles e à doce senhorita Larissa, de quem espero me tornar digno um dia. Aprendi o que é uma família e o que é ser um homem. O senhor é o pai de que sempre precisei, a quem devo minha vida. Aquele que não desistiu de mim e que terá minha gratidão eterna.

Larissa se sobressaltou com a fala do ruivo, pois não esperava achar nele um sentimento como o que nutria em seu coração. Ser digno dela... Será que ela também era especial para ele?

Tiana se levantou e declarou, enxugando as lágrimas:

— Muito bem, seu menino! Venha cá e me dê um abraço! Não sei o que há com sua mãe, mas há outra feliz em tê-lo conosco aqui!

Taylor, se levantou, sendo abraçado com muita força por aquela mulher. Ele chorou em silêncio, sentindo o genuíno amor que vinha dela, então, disse:

— Não é certo que a senhora me chame de senhor. Sou apenas Taylor, muito orgulhoso por pertencer a essa família. Meu tio está em Rodorio, mas não estou pronto para encará-lo, não ainda. Quero melhorar ainda mais para conseguir isso.

Elpídeo disse:

— Muito bem, Taylor, minha filha sabe reconhecer a dignidade nas pessoas, então, se ela puder ver isso em você, já tem minha aprovação. Estou orgulhoso. Mas, me dê licença, pois preciso pôr algumas coisas em ordem, tenho uma sensação aqui, dentro de mim e não vou negá-la. Com licença.

A noite chegou e Larissa estava na lateral casa, enquanto olhava para o céu que se cobria de nuvens, gradativamente. Ela estava pensativa, enquanto suspirava profundamente, imaginando como deveria estar Taylor após as revelações que fizera mais cedo. Para ela, que só conheceu a nova face do rapaz, era difícil imaginá-lo em sua vida de antes, mas sentia-se feliz por essa nova fase e pela coragem de admitir tudo o que fez. Porém, quando o ouviu dizer que desejava ser digno dela, a surpresa que a acometeu foi boa, pois só imaginava seu lado da história, com o amor silencioso que ia nutrindo por ele a cada dia. Assim, por mais que fosse bem tratada por ele, e recebesse alguns gestos de carinho, não ousou pensar que seus sentimentos por ele pudessem, de alguma forma, ser correspondidos...

— Estou voltando a enxergar, mas não consegui ainda ver aquilo que mais quero.

Ela levou um susto ao ouvir, voltando o rosto levemente. Então, ele continuou:

— Ainda não consegui ver seus olhos azuis, nem o belo rosto que encantou tantos por aí. Depois de pensar muito, acho que eu estou entendendo seus motivos, mas saiba que eu também carrego uma enorme cicatriz. Essa marca está em minha alma, mostrando cada pedaço que se juntou, após eu ser totalmente despedaçado. Ela não é visível, como a sua... Mas, eu tenho certeza de que, quando eu vir esse traço em você, me lembrarei que ele existe porque você lutou por sua vida, porque é corajosa e digna, cheia de uma força que eu, sinceramente, invejo. Tenho um orgulho enorme de você, e um enorme sentimento, também. Por favor, não se esconda de mim...

Larissa respirou fundo, então, virou o rosto para fitar Taylor, ainda insegura do que fazia. Ele se surpreendeu que ela respondesse tão rápido, mas sorriu ao ver o azul profundo de olhos incríveis, um deles com o traço da cicatriz, que não incomodou o ruivo. Ele tocou o cabelo, tão sedoso, que emoldurava o rosto tão belo. Nem em seus maiores esforços mentais conseguira imaginar Larissa tão linda.

— Posso tocar?

Ela meneou a cabeça em afirmação, então, ele levou uma das mãos ao rosto dela, secando uma lágrima que teimava em sair. Então, gradativamente, ele se aproximou dela, beijando seus olhos com ternura, depois seus lábios, onde dois corações se encontraram. Não repararam que eram vistos de longe, nem imaginavam o que estava por vir.

 

 

Já era muito tarde, passando da meia noite, quando Taylor sentiu sua respiração difícil, assim como o ambiente mais quente do que estava habituado. Um tanto atordoado, lutou contra o sono e sentou-se na cama, esfregando os olhos, pronto para se levantar, quando se deu conta do acontecia.

A fumaça já havia se espalhado pelo lugar, embora as chamas se concentrassem em metade da casa. Ele se levantou às pressas, desesperado com o que via, imaginando se os outros já haviam percebido. Correu ao quarto de Elpídeo e gritou, acordando o casal num enorme susto. Ao ver o que acontecia, ele se levantou, ajudando a esposa, que parecia incapaz de esboçar reação. Porém, ela se esforçou e procurou pegar o que conseguiu, sendo puxada pelo marido, que conseguira pegar a caixa com as economias da família e alguns documentos importantes que organizara na tarde anterior.

Larissa havia despertado, desesperada com o que acontecia. Ela foi em busca de água, gritando por socorro pela rua, esperançosa de obter alguma ajuda. Aos poucos, alguns vizinhos vieram ver o que acontecia, encontrando a casa de Elpídeo em chamas, assim, uma enorme corrente de voluntários começou a se formar, enquanto cada um buscava o que pudesse ajudar a apagar o fogo.

Todos já estavam fora da casa, tentando conter a tragédia que ardia em sua casa, onde baldes eram passados com a água que tiravam dos poços e jogados na casa, num esforço desesperado para ajudar.

Em dado momento, Larissa deu falta de Talles, então, não o encontrando, imaginou que ele pudesse ter entrado na casa, por uma parte não tão prejudicada , para buscar algo, então, desesperada foi atrás do irmão.

Pegando Baldes com os vizinhos, Taylor foi abordado por Elpídeo, que perguntava a ele sobre os filhos, que não via em lugar algum, enquanto Tiana chegava, aflita pois não achava Talles nem Larissa.

Tomado por uma estranha sensação, Taylor tomou o balde que segurava, despejando sua água sobre si mesmo, então, correu em disparada para a casa, onde algo lhe fazia sentir que os dois ali estavam. Ao contrário dos gritos que ouvia, ele seguiu firme, entrando pelas chamas que já consumiam boa parte da casa.

Tiana chorava, enquanto Elpídeo não acreditava que aquele homem tivesse feito aquilo, lançando-se para a morte certa enquanto tentava salvar seus filhos e um desespero tomou o artesão, que apenas se agarrou à esposa.

No meio das chamas que só aumentavam, Taylor se concentrava em achar os irmãos, até que ouviu um gemido, então, ao olhar para baixo, viu Larissa abraçada ao irmão menor, ambos desacordados, mas sem sinal de ferimentos graves. Então, com uma força que ele não sabia possuir, ajeitou Talles sobre um dos ombros e agarrou Larissa no braço livre, buscando sair dali o mais rápido possível.

Todos aplaudiram quando viram o que o ruivo havia feito, enquanto alguns vinham ajudá-lo a socorrer os irmãos. Após algum esforço, Larissa abriu os olhos, enquanto o irmão começava a despertar, tirando Taylor de seu desespero. Ele apenas conseguiu abraçar a jovem, aliviado por ter conseguido encontrá-los a tempo.

Após muito tempo de trabalho, conseguiram salvar pouco da casa. Houve tempo de retirarem alguns pertences e roupas, mas os móveis e a estrutura da casa não tiveram a mesma sorte. Apenas o barracão ao lado teve menos avarias. Uma vizinha querida pela família acomodou Talles, que estava exausto e acabou dormindo. Os outros também foram convidados para tomar um chá e comer alguma coisa, apenas um breve momento para respirar após a trágica noite em que lutaram contra a destruição e o fogo.

Elpídeo estava exausto, sentado em frente sua casa, observando o que havia sobrado. Em sua mente, ele pensava o que poderia ter acontecido. Não havia deixado velas pela casa, pois conferira pessoalmente, como todas as noites. Não conseguia entender como aquilo chegara a acontecer e temia pelo futuro que sua família teria, como conseguiria reconstruir a casa e se reerguer.

Já deveria ser pelas nove da manhã quando uma figura muito conhecida pela família chegava, a bordo de uma carruagem alugada. A moça ficou tão desconcertada com a visão que não conseguia acreditar. Thaís desceu do veículo e logo viu Elpídeo, correndo para abraçá-lo.

— Senhor, como isso aconteceu? E Larissa, sua esposa, Talles?

— Ah, senhorita! Veja a desgraça que se abateu sobre nós! Não sei de onde veio, mas o fogo levou tudo. Não há muito que se possa aproveitar. Mas, venha, vou levar você até Tiana.

Assim, seguiram até a casa onde o restante da família estava, então, quando Larissa viu Thaís, se abraçaram, enquanto a visitante chorava com a amiga o que sucedeu pela noite afora.

Thaís se sentou, pensando no que poderia fazer por aquelas pessoas tão queridas, enquanto ouvia os relatos do que haviam passado.

Mas, uma pessoa diferente estava ali, chamando a atenção da jovem, que estranhou a presença do ruivo. Então, após as apresentações feitas, ela mal tinha coragem de dizer o motivo de sua visita, mas não poderia deixar de contar então, acabou dizendo:

— Puxa vida, eu vim até aqui para convidar a família para o meu casamento! Mas encontro vocês nessa situação! Eu não sei o que fazer...

— Amiga, conte-nos sobre seu casamento! Uma notícia maravilhosa alegra o coração, mesmo em momentos assim. Vamos, quero saber!

Um tanto constrangida, Thaís acabou cedendo, concordando que serviria para um momento de distração, então, foi dizendo:

— Aposto que você não vai acreditar em quem é o noivo!

— Thaís, não me diga que...

— Ele voltou, embora eu te explique isso outra hora, mas ele também me amava e me pediu em casamento! Vamos casar em uma semana, então, eu vim aqui para trazer o convite, esperançosa que pudessem comparecer.

— Então, aquele cavaleiro de ouro está vivo e te pediu em casamento? Isso é tão maravilhoso! Bem, nesse caso, acredito que você vai se mudar para o Santuário, não é?

— Ah, sim, eu vou morar lá, então, deixarei a casa sozinha e... Meu Deus, é isso! É isso!

Todos olharam para a jovem, sem entender o que ela queria dizer. Foi quando ela explicou:

— Larissa, vocês podem vir comigo e ficarem em minha casa! Eu precisarei de ajuda com o ateliê, e vocês poderão trabalhar lá! Podemos dividir os lucros, então, enquanto isso, vocês podem decidir o que farão. O que me diz?

A moça de olhos azuis sorriu e abraçou a amiga com o alivio daquela notícia. A visita de Thaís, certamente, era uma provisão divina, então, foi chamar seu pai para que ele soubesse de tudo.

Elpídeo ouviu, coçou o queixo e olhou bem para Thaís, perguntando:

— Não vamos atrapalhar você, minha criança? Não quero dar trabalho...

— Senhor, vocês serão a solução de meus problemas! Eu vou morar em outra casa e não poderei estar todos os dias no ateliê, então, se ficarem lá, poderão ficar em segurança e me ajudar no serviço das peças para venda direta e encomendas. Tenho muito trabalho e podemos dividir os lucros. Todos sairão ganhando!

Elpídeo abraçou Thaís, dizendo:

— Seus pais te ensinaram muito bem, minha menina, fora isso, quanta generosidade! Eu vou aceitar, não seria tolo a ponto de dizer não. Mas tenho que arrumar um lugar para guardar as coisas que sobraram e já tenho onde. O Taylor vai me ajudar, então, por que não leva Tiana e as crianças com você? Iremos assim que terminarmos aqui. Esses vizinhos são uma dádiva dos céus e nos ajudarão.

Assim, seguindo o pedido do artesão, Thaís ajudou Tiana e Larissa a arrumarem o que haviam conseguido salvar, pois aproveitariam a carruagem para o trajeto de volta a Rodório.

Taylor agradeceu pela ajuda da visitante, então, ela perguntou quem ele era, então, Elpídeo disse que era um amigo da família que só ajudava a todos, como um filho adotivo. Ela olhou o rapaz e não respondeu nada, apenas aguardando arrumarem a bagagem na carruagem.

A vizinha ajudou aos que seguiriam a tomarem um banho, o que representava um pouco de dignidade diante de tudo o que havia acontecido.

Pouco tempo depois, as mulheres e o menino seguiam com Thaís para Rodório, enquanto Taylor ajudaria Elpídeo a desmontar as ferramentas do pequeno galpão. O ruivo sentiu um alívio enorme com a chegada da amiga da família, apenas ouviu sobre o noivo da jovem e um aperto no coração o afligiu, mas deveria buscar forças e coragem para enfrentar suas mazelas, pois o antigo Taylor estava morto, sob os escombros do desabamento. Ele era outro, o que teve o espírito despedaçado e a visão retirada, mas agora seguia sua nova chance.

 

 

Thaís e Albafica seguiam para encontrar Rugonis, que combinou com a dupla no entroncamento da saída de Rodorio com o caminho que vinha do Santuário e levava ao haras. O casal conversava sobre a ansiedade dos dias que antecediam o casamento, mas Thaís aproveitou para falar sobre os novos moradores da sua casa.

Albafica não havia entendido a situação, pois acontecera tudo tão rápido que a jovem apenas conseguiu instalar o grupo que havia chegado naquele domingo e se arrumado para o compromisso no haras.

Ela contou sobre o incêndio e como um rapaz que vive com a família, chamado Taylor, salvou os irmãos de entre as chamas. Contou que ele parece gostar da amiga, mas que vai conversar com ela melhor depois. Disse que tudo ficou acabado e que a família terá que recomeçar do zero, mas que, enquanto isso, ela os convidou para viverem na casa dela. Como são artesãos, poderão ajudar muito com o trabalho no ateliê, e, ao mesmo tempo, ficarão na casa, que não ficará sozinha.

Albafica ouviu o que ela contou e ficou admirado com a coragem do rapaz, embora aquele nome não lhe fosse estranho. Ele viu a alegria que a noiva demonstrava por ter conseguido ajudar os amigos num momento tão difícil e ficou muito orgulhoso, dizendo a ela que desejaria conhecer essas pessoas tão importantes para sua noiva, pois seriam importantes para ele também.

Logo chegaram ao entroncamento, e qual não foi a surpresa de Albafica ao encontrar, junto de Rugonis, seu companheiro de armas Shion.

— Senhorita Thaís, está lindíssima, como sempre! Albafica, meu filho, convidei Shion para nos acompanhar, pois acho que ele poderá ser de grande ajuda. Afinal, não se despreza a intuição de uma mulher, principalmente quando ela fica ligada a algo, não é mesmo, minha futura nora?

Thaís sorriu, surpresa com a importância que Rugonis dera à sua preocupação. Queria apenas o melhor para seu noivo e aquela mulher tão encantadora, que sofria daquele jeito.

Albafica não disse nada, apenas deixou que as coisas acontecessem.

Durante o trajeto, o cavaleiro de Peixes contou ao seu mestre e a Shion sobre os acontecimentos com os amigos de Thaís, sobre o rapaz que salvou os irmãos de entre as chamas e como aconteceram as outras coisas. Shion ouviu aquele nome e sentiu algo estranhamente familiar, até que se lembrou exatamente de quem falavam. Tudo coincidia, desde a descrição até ao local onde as coisas aconteceram.

Ao chegarem, a recepção de Heitor era certeira, pois reconhecia os cosmos dos antigos companheiros de armas, alegrando-se muito ao perceber o de Rugonis. Então, quando os viu chegando ao portão, deu as boas-vindas aos visitantes, acompanhando-os ao interior da propriedade.

Quando entraram pela cozinha, Rugonis adorou essa forma de recepção, comentando:

— É disso que eu gosto! Dessa recepção que te incorpora ao ambiente e te faz ficar á vontade como se estivesse acostumado ao local e às pessoas. Bem que meu filho comentou! O que você acha, Shion?

— Concordo com todas as letras!

Dona Agnes veio recebê-los, ficando encantada ao ver Shion e Rugonis, principalmente pelo último ser o pai de Albafica. Ele a olhou e, percebendo sua satisfação, comentou:

— Encantado por conhecê-la, senhora! Agora entendo o que meu filho dizia sobre a senhora e como é alguém especial na vida dele. Eu só posso agradecer por tudo o que faz por ele, na verdade, não tenho como agradecer adequadamente. Até do casamento está cuidando!

— Ah, senhor Rugonis, esses meninos são sempre bem-vindos aqui! Eu gosto muito de recebê-los e de oferecer o melhor tratamento que for possível. Merecem ser mimados por tudo o que fazem e são! O senhor Manigold se tornou meu primo, como deve saber!

Todos riram daquele fato, bastante contado por Albafica e constatado por todos que o encontravam. Assim, Rugonis entendeu o quanto Thaís se abalou com a história e o quanto percebeu semelhanças entre as circunstâncias de cada um. Mas logo isso seria resolvido.

Agnes convidou a todos que se sentassem, ao que Heitor os conduziu para a grande mesa da cozinha. Agnes levou chá e sucos para a mesa, servindo a todos que pudessem estar um tanto acanhados, como o senhor Shion, que visitava a propriedade daquela forma pela primeira vez.

Todos elogiaram a hospitalidade e a maravilhosa refeição, com tão saborosos itens para se degustar. Heitor não cabia em si de contentamento, pois se sentia muito feliz ao ver todos os seus companheiros sendo tão bem recebidos em sua casa.

Após o delicioso lanche, Agnes se sentou à mesa com o caderno onde estavam anotados todos os detalhes e a lista de tudo o que seria feito. Ela mostrou a Thaís e disse que o cronograma estava sendo muito bem seguido e a semana que iniciava estava com itens importantes, porém, confirmados para a entrega e montagem.

Thaís disse que gostaria de ajustar algumas coisas em Peixes, mas que precisaria encomendar um conjunto novo para a cama do casal. Foi quando Agnes sorriu e disse a ela:

— Ah, minha querida, isso já está resolvido! Acabaram de entregar aqui o conjunto que Violet encomendou e foi feito bem rápido. Ela prestou bastante atenção à conversa que vocês tiveram e pediu do jeito que você descreveu. Quando estiverem de saída vou entregar a você, assim o Albafica poderá levar para a casa.

Thaís mal acreditou, estava tão decepcionada que não poderia colocar um enxoval novo em seus aposentos que nem chegou a encomendar. Mas, saber que tal atenção foi dispensada a ela e a seu noivo trouxe muita alegria ao coração da jovem, que só pôde abraçar aquela mulher que conseguia pensar em milhões de coisas ao mesmo tempo.

Após todas as conferências, Rugonis pediu para falar, então, dirigiu-se a Agnes:

— Minha doce senhora, eu estou maravilhado com tudo e só tenho a agradecer. No entanto, meus filhos aqui me contaram sua história, muito triste e pela qual eu sinto muito. Mas, devido a alguns argumentos que Thaís apresentou numa conversa nossa, eu achei conveniente verificar algumas coisas. Peço que confie em dois cavaleiros de ouro que desejam só o bem, pois, se as coisas se acertarem, explicaremos o que está acontecendo, está bem?

Agnes ficou um tanto surpresa por virar o centro das atenções ali, depois, olhou para Thaís, que sorria num convite a que a mulher aceitasse e confiasse em Rugonis. A senhora viu que seria um mistério, mas, devido aos argumentos e circunstâncias, decidiu aceitar. Depois pediria que alguém explicasse o que estava acontecendo.

Shion se levantou e abaixou-se ao lado de Agnes, tomando sua mão e pedindo a ela que voltasse no tempo, para anoite em que aqueles fatos aconteceram. Ela suspirou profundamente, mas, mesmo assim, fechou os olhos e se concentrou. Shion sentiu que ela apertou sua mão, então, ele começou o trabalho que deveria fazer.

Através das lembranças de Agnes, ele visitava cada cena do que aconteceu naquela noite terrível, conseguindo perceber as nuances da dor aquela mulher. As lágrimas de Agnes desciam devido à dor rememorada, mas Shion a encorajava a continuar, abraçando-a, enquanto segurava sua mão. Então, quando ela cobriu o rosto para chorar, Shion a abraçou mais forte, enquanto Thaís se levantou e tomou o lugar do ariano, que se sentou ao lado de Rugonis.

— Muito bem, Rugonis, agora é sua vez. Mas vou te mostrar o que vi, então, concentre-se!

Rugonis fechou seus olhos, enquanto Shion tocava a testa do antigo cavaleiro. Então, o caminho inverso se fez para a mente do pisciano, onde Shion transmitiu a ele as memórias que viu em Agnes. Rugonis chorou ao ver a situação toda que Agnes viveu, assim como a maldade da mulher que tomou seu filho. Após ver tudo, ele abriu os olhos. Então, moveu a cabeça, liberando para que ele voltasse a Agnes.

Shion tornou a se abaixar ao lado da bela mulher, dizendo baixinho:

— Senhora Agnes, quer saber como terminou a noite de quem fez isso com você?

Ela arregalou os olhos e moveu a cabeça, aceitando o que ele lhe oferecia. Então, tal como fizera com Rugonis, repetiu com Agnes, mas, dessa vez, ela viu um campo de rosas vermelhas e, mais ao longe, um corpo caído no chão, coberto por uma capa preta. Ela chorou, pois era semelhante à da mulher que levara seu bebê. Então, ela viu que um bebê chorava e reconheceu o som que nenhuma mãe se esquece: o som do choro do seu próprio filho.

Ela derramava lágrimas, então, a lembrança a fez ver o bebê que chorava, enrolado numa manta azul, com cordões de bolinhas de lã, então, quando foi descoberto o rosto da criança, lá estava seu filho, então, ela falou alto, com sua voz embargada:

— Meu bebê, meu filho! Athos, meu filho!

Shion encerrou a visão, que foi a lembrança que Rugonis guardara daquele dia, pois, logo em seguida, a mulher caída foi reconhecida, considerando a forma como ela apertou a mão de Shion.

Então, após beber um pouco de água, ela olhou para os outros e viu Albafica com olhos arregalados, tentando digerir tudo o que havia presenciado ali e a constatação quase insólita que se havia conseguido.

Ao verem a confusão e o sofrimento no rosto de Agnes, Rugonis tomou a palavra:

— Senhora, Shion é capaz de ler mentes e ver as lembranças que alguém carregue e se preste a mostrar, através da rememoração dos fatos. Assim, ele viu o que lhe aconteceu naquela noite. Eu vivi uma experiência inesperada na mesma noite chuvosa em que aquilo tudo lhe aconteceu, então, mostrei a ele. Assim, eu vi o que a senhora viveu e foi-lhe mostrado o que eu vivi. Consegue entender o que está acontecendo?

— Oh, meu Deus. O bebê que foi tirado dos meus braços é o mesmo que surgiu em seu campo de rosas? A mulher que o arrancou de mim é a mesma que estava caída sob a capa escura?

— Isso mesmo. Aquele é o mesmo bebê. Sabe quem é aquela criança? O menino que trouxe sentido à minha vida cheia de solidão e que foi mais forte que eu. É o cavaleiro de ouro que eu criei como meu filho e que derrotou um juiz do submundo sozinho. Aquele bebê é Albafica. Não restam dúvidas do que houve! O bebê que foi tirado de seus braços naquele dia é este homem aqui: Albafica de Peixes.

Agnes ficou atônita por alguns momentos, olhando para a superfície da mesa, depois, elevou seus olhos até encontrar os de Albafica, estava tão estático quanto ela. Ele sempre pensou que deveria ser bom ter uma mãe e não entendia o motivo de ter sido abandonado pela sua. Mas seu mestre o aconselhou a não cultivar esses sentimentos, então, passou a não pensar nisso. Então, sua mãe jamais o abandonara, pelo contrário, sofreram ambos a mesma dor, mas com significações diferentes.

Thaís chorava, afinal, foram emoções demais para um dia só, então, mal percebeu quando seu noivo se levantou de seu lugar, mas foi parado por Rugonis, que tirou de dentro da jaqueta um embrulho e disse que deveria ser entregue a Agnes. Albafica entendeu o que havia naquele pacote, então, as lágrimas começaram a surgir em seus olhos, pois o mundo era um lugar muito menor do que se poderia imaginar.

Ele se aproximou de Agnes, que, ao vê-lo, levantou-se de sua cadeira e o olhou, sem saber o que fazer ou dizer. Então, ele entregou o embrulho a ela, que abriu seu conteúdo, então, ao ver a peça em suas mãos, saiu de seu torpor e entregou-se ao pranto que lavaria sua alma, mas que abriria espaço para as lágrimas de alegria. Então, ela abraçou Albafica com todas as suas forças, enquanto ele retribuía, ainda confuso em sentimentos, mas certo de quem era aquela incrível mulher, então, ele sentiu um enorme orgulho, junto de uma alegria nova, que ele desconhecia: o amor de uma mãe.

Enquanto estavam abraçados, nas mãos de Agnes pendia o que lhe foi presenteado por Rugonis, após ter sido guardado por mais de vinte anos: a manta azul com cordões de bolinhas de lã, aquela em que Agnes enrolara com tanto cuidado seu bebê, a mesma que Rugonis desenrolou para ver o menino. A peça final do quebra-cabeças foi colocada, trazendo um novo tempo para cada um.

Rugonis olhou para Thaís e sorriu, dizendo:

— Obrigada por ter insistido. Veja só o que suas desconfianças causaram, minha querida! Você ajudou uma mãe a encontrar um filho. Ah, sem falar em Shion, a quem também devo agradecer!

— Eu é que agradeço, amigo! Se fosse Asmita quem fizesse o que você pediu, eu não teria vivido esse momento! Olha só, quem diria! Quando a senhorita Athena souber...

Heitor estava sentado, observando tudo o que acontecia ali. Mal acreditava no que vira e escutara, mal podia compreender que o sofrimento da sua tão amada prima chegara ao fim, que o tormento findara. E imaginava a cena linda que aconteceria durante o casamento que chegaria dali a uma semana: uma mãe entraria com seu, agora encontrado, filho, no dia mais importante da vida dele.

Agnes voltou-se para Albafica:

— Seu nome é lindo, mas, saiba que eu mesma lhe dei um lindo nome, que é Athos, e seu significado é próprio para você, meu filho: Aquele que nada teme.

               

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



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