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História Inverso. - Eu sou amiga da sua mamãe


Escrita por: TataWFan

Notas do Autor


Voltei!

Boa noite, pessoas.

*** LEIAM AS NOTAS FINAIS ***

Deixe-me explicar, para quem não está conseguindo acompanhar a passagem de tempo.

O jantar de Tatá com a mãe de Spot, foi em fevereiro; por volta do dia 14/15. "Meses depois", chegamos na formatura, que aconteceu um ano e meio depois do dia 14 de fevereiro de 2004. Ou seja, Tatá se formou grávida, em Agosto de 2005 — e a descoberta da gravidez será retratada, também, caso estejam se perguntando.
Por fim, estamos em Outubro do ano que se refere a formatura, onde ela, por influência de Caio, decide viajar e arejar os pensamentos, 2 meses depois do acontecido.

Capítulo 9 - Eu sou amiga da sua mamãe


Fanfic / Fanfiction Inverso. - Eu sou amiga da sua mamãe

Os dias jamais seriam os mesmos; o motivo não precisa ser apresentado. A dor da ausência, a dor de perder alguém com quem você estava predestinado a ficar. Estava? Quem sabe do destino?

Os olhos já não encontravam direção, em meio a tantas coisas. Um filho sendo gerado em meu ventre, o fruto de um amor tão puro e intenso.

Um olhar bastou. Éramos inatingíveis aos males que o mundo nos arremessava. Éramos um pelo outro, e os dois pelo nosso amor. Impossível, fora de cogitação separar. Nós estávamos felizes, sempre fomos.

Uma vez, deitada sobre o colchão macio de nossa cama, senti um frio percorrer por minhas costas. Eu precisava de inspiração para pintar um quadro, mas não a encontrava em lugar algum. Impulsionei o corpo, num completo susto e choque com o gélido pincel que percorria, com tinta, a extensão de minha pele. Eu seria sua tela naquela noite, encontraríamos o caminho juntos, como sempre fora. Amamo-nos intensamente, sujos de tinta, sujos de amor.

Seu olhar me venerava, mas nunca permanecia fixo ao meu. A culpa era nítida, minha dor crescia silenciosa a cada dia e, por medo de perder, eu arrisquei permanecer no conforto de seus braços. Dormimos, após horas de carícias e chamegos. Eu estava completa, estava inteiramente feita para você.

O dia amanheceu e, como em todas as manhãs, eu me encontrava deitada com o teu corpo envolvendo-me em um abraço. Eu dava o sinal de meu despertar e, na maioria das vezes, você me acolhia mais, beijava meus cabelos e pedia para ficar mais alguns minutos na cama. Daquela vez, nada disso. Nada meu, nada seu... O "nós" que havíamos criado, havia chegado ao fim. Você se foi, sem dar-me a chance de lhe agradecer pelos momentos que passamos juntos. E, o pior, você se foi sem me deixar saber o por quê. Mas eu soube, e hoje lhe agradeço por ter ido; talvez eu estivesse sendo enganada, ainda. Talvez o meu amor não fosse o suficiente para manter-nos de pé.

Não duvido de cada detalhe junto a ti, por Deus, eu acredito em todos os "Eu te amo", "Tudo vai ficar bem", que você disse. A única coisa que eu não acredito, é que você preferiu ir, ao invés de explicar-me, dar uma chance ao nosso amor. Você foi. Foi e, hoje, eu me lembro de cada verso de poesia feita a mim, de cada foto tirada  após nos amarmos no chão da sala. Lembro-me do seu sorriso, mas não como algo ruim, algo falso. Lembro-me do azul de nossas rosas, dos quadros que pintamos e de cada memória Inverso ao que eu adoraria viver contigo.

 

 

***

 

 

 

Um mês depois...

 

 

12 de Setembro de 2005

 

 

— Seu bebê deixou de ser um embrião há uma semana. Parabéns! — Tia Consuelo desliza o aparelho de ultrassom pela minha barriga. — 1,5 cm, bem seguro e quentinho aqui dentro.

— De quanto tempo estou?

— Quase três meses, amore mío... — Me oferece um sorriso. — Vou pedir alguns exames, de rotina de início e, bom, é importante você não se estressar por agora. Os três primeiros meses são os principais. — Entrega uma toalha de papel, para que eu limpe minha barriga que, nem em sonho, mudou alguma coisa. Os meus seios aumentaram, meus quadris; mas, a famosa curvinha, ainda não apareceu.

— O papai ficaria tão bobo se visse isso... — Aponto para a foto do ultrassom sendo impressa. — Ai... Vai ser difícil... — Suspiro, antes de sentar na cadeira em frente à titia, para que ela termine de me passar todas as informações que preciso saber.

 

 

***

 

 

15 de Outubro de 2005

 

 

Um sopro. Éramos eu e minhas memórias. Sair da C.Curcio Communication não estava em meus planos; principalmente agora, que terei de arcar com as despesas de um filho. Férias. Eu não queria tirá-las, não queria estar vaga em afazeres. Necessidade.

— Tire uns dias para você pensar, querida... Faça uma viagem, respire um pouco. — A voz de Caio ecoava em minha cabeça, enquanto fechava a última mala.

Passar uns dias fora, respirar novos ares e tomar posse de toda a intensidade que minha vida se tornou. Um bebê. Um bebê meu e do amor da minha vida; um filho nosso, que descobri estar esperando há quatro meses. Spot deixou algo para trás, algo que vai manter o nosso amor vivo por muitos e muitos anos. Nossa família crescerá silenciosa, tendo continuação de tudo o que fomos e somos.

 

 

O primeiro destino: Deli, na Índia. Eu sempre gostei da cultura indiana; acho-a muito rica e diversificada. É milenar, que recebeu, com o passar dos séculos, várias influências orientais e ocidentais. E, particularmente, algo que chama muito a minha atenção, também, é a religião. Sou religiosa, porém, não tenho uma religião pela qual sou fiel e praticante. Na Índia, tudo isso é muito forte, pois a região é considerada um dos berços religiosos das civilizações antigas. Hinduísmo é o que seguem, porém, o islamismo, budismo, jainismo, siquismo e cristianismo, também são fortes.

— Você precisa se alimentar direito, ouviu? — Ouço mais um dos conselhos de mamãe, que me ajuda a carregar as malas pela casa. — Me ligue sempre, me mande mensagem.

— Tudo bem!

— E cuidado com esse bebezinho, filha. A médica disse que pode, mesmo, viajar?

— Disse que sim, mãe... A senhora estava comigo na consulta. Estou grávida, não doente.

— Eu sei, meu amor, mas é que me preocupo com vocês...

— Obrigada por isso! — Ouço a buzina, anunciando que o táxi havia chegado. — Fica com Deus... Mando mensagens assim que chegar. — Pego a mala e arrasto até fora de casa.

— Vai com Deus! — Despede-se, antes de mim adentrar o carro.

 

 

Com um olhar no futuro, e outro no presente, permito-me pensar em como será minha vida a partir de agora. É necessário vivenciar o luto, para que haja o sofrimento e, por ventura, a dor. Caso não haja dor, dificilmente, haverá saudade. E eu já sinto tanta falta de Felipe. E, não, eu não quis vê-lo pela última vez naquele lugar, da forma como se encontrava; para mim, ele continuará me fotografando nos pés da cama, enquanto pensa que durmo. Seus olhos continuarão a brilhar, como pedras de esmeraldas, como uma praia de água doce. Meu anjo mais velho.

Fiz uma reserva em um centro de meditação, de Osho, onde ficarei por dois dias e três noites. Desligar-me de tudo e todos, talvez seja a melhor forma de estar em comunhão com o Felipe. Eu preciso desse momento, preciso desse tempo.

— Aapka Swaagat Hai — Uma moça, aparentemente, com seus vinte e dois anos de idade, cumprimenta-me, assim que passo pelo arco principal, que dá em uma enorme sala de recepção. Ela está mascando chiclete, o que me incomoda um pouco, já que não preciso ver o que tem dentro de sua boca.

Namastê! — Respondo, desconfiando de que suas palavras estavam me dando boas vindas.

— Brasileira? — Seu tom de voz muda completamente, logo abrindo um sorriso.

— Sim.

— Pode falar em português, porque também sou... — Estende a mão, incentivando um cumprimento entre nós. — Meu nome é Roxanne, e o seu?

— Talita... Mas pode me chamar de Tatá, já que é minha conterrânea. — Sorrio, ao vê-la iniciar uma dança lenta e calma.

— É como recebemos as pessoas... Você vai aprender mais tarde, quando formos receber os americanos. — Diz lentamente.

— Ahh, sim... Onde faço meu check-in? — Pergunto, ainda olhando ao redor da sala.

— É comigo, mesmo. Vem... — Ao virar-se, percebo que seus cabelos são maiores do que aparentam; loiros, lisos e brilhosos. Ela é do meu tamanho, e as roupas indianas, o Sari, em tons de rosa e vermelho. — Tem criança?

— Uma criança sendo gerada, conta? — Digo em um tom divertido.

— Grávida? Annnw, que amor! — Olha-me com um sorriso sereno. — MAMADI! — Grita, obrigando-me a tapar os ouvidos. Uma outra mulher aparece; esta é bem baixa, também, tem os cabelos ruivos, um pouco abaixo dos ombros, e usa alguns acessórios indianos, também, no nariz e nas mãos, fora os óculos de grau.

— Não grite, menina! — Diz em um tom forte, chamando minha atenção. — Estamos em momento de oração, assim você atrapalha... — Junta uma mão na outra e respira fundo. — Quem é a moça?

— Tatá, brasileira como nossa família. — Aponta para mim. — E ela está grávida...

— Jura? Por Buda, que alegre isto. — Abre um enorme sorriso e se aproxima. — Posso sentir? — Meneio a cabeça, mesmo receosa. — Uma menininha está a caminho.

— Menina, mami? — Roxanne questiona, logo se juntando a nós. — Posso? — Estende a mão, também. Assinto.

— Será amada... Muito amada... Ah, huuuum... — Soltam-se de mim e começam a movimentar os braços de um lado para o outro. —“Así serás Virgen mia. Mereces el respeto y la veneración. Por eso you canto y te elevo mis plegarias. Y pido que escuches mis ruegos por favor...” — As duas cantarolam juntas, e eu fecho os olhos para sentir suas orações, mesmo sem saber o que estão falando.

— Mamadi, mamadi... — Uma menina mais nova do que Roxanne, deve ter uns sete anos, cruza a porta que, pelo o que presumo, dá no corredor que ficam os quartos. — O irmão está brigando, manda ele parar...

— Fêfa, tenha modos... Cumprimente a Sra... — Olha em minha reserva. — A Sra. Gutnick. — Sorrio internamente com o seu chamado.

Namastê, Sra. Gut... — Gesticula com o corpo, abaixando até a altura do próprio joelho e balançando um pouco a cabeça. — Mas, mami, peça Devi para parar... — A garotinha volta correndo.

— Vou dizer... Vou dizer... — Ela me olha como quem não fosse falar nada. — Inclusive, me chamo Maya.

— Prazer, Maya! Belo nome... — Cumprimento-a novamente. — Será que eu poderia ir para o quarto? Estou um pouco cansada da viagem, adoraria deitar um pouco.

— Ah, claro que sim... — Pede para que eu assine alguns papéis, e assim eu faço. — Fêfa, venha até aqui. — A pequena retorna a sala. — Ajude-a com as coisas, mostre-a o quarto dela.

— Qual quarto será? — Ameaça pegar minhas malas, mas eu a impeço, afinal, ela é muito pequena. — O perto da entrada do Ashram?

— Sim... — Entrega-a a chave. — Ela está acostumada com isso, querida, pode deixar...

— Não, tudo bem... Não tem tanta coisa, assim. Eu deixei para comprar a maioria aqui, pelos lugares que passarei.

— Hum... Tour pelo mundo, é? — A loira que, até então, estava entretida mexendo com alguns lápis de olhos, volta para perto de mim. — É o meu maior sonho. — Confessa.

— Eu passei por um momento muito difícil mês passado e, bom, precisava espairecer a mente, tentar esquecer um pouco as coisas. Na verdade, eu não queria viajar sozinha, mas, acabei sendo empurrada pelo meu patrão. — Digo, enquanto andamos pelos corredores. O cheiro de incenso é forte, porém, agradável. — Vocês são em quantos?

— Em sete: mamadi, baldi, eu, Fêfa, Devi, Arun e Arya, os gêmeos. — Gesticula, após pararmos em frente a uma porta, a qual Fêfa destranca. — Mamadi se casou três vezes, e o último marido dela não era pai, então, os gêmeos vieram ano passado. — Colocamos as coisas no centro do quarto, este, que segue o estilo minimalista; só o necessário: cama, cômoda, ar condicionado, uma pequena porta, que presumo ser o banheiro, um tapete no chão e apenas um quadro na parede, com uma imagem de algum dos deuses indianos. — Fêfa, vamos deixar a Tatá descansar, vamos?!

— Sim... — A pequena sai, antes da irmã. — Tatá... Você é muito linda! — Segreda, e sai correndo pelo corredor.

— Não liga para ela, é apenas uma criança. — Fala num tom preocupado.

— Ei... Fica tranquila. Elogios são comuns no Brasil, esqueceu? — Ela sorri tímida. — E, vem cá, me conta mais sobre você. Senta! — Deito na cama, apoiando-me em dois travesseiros, tiro o tênis e estico minhas pernas. — Não liga para o chulé... — Rio, e ela balança a cabeça de um lado para o outro. — Você tem namorado?

— Namorado? Não, não, não... Eu sou uma menina pura, não me envolvo assim. Nós... Nós casamos, não temos a fase do namoro. — Diz meio apavorada, mas logo se acalma.

— Ok... Eu entendo os costumes daqui. — Dou de ombros. — Lá no Brasil é meio diferente... Quer dizer, muito diferente. — Suspiro, enquanto prendo o cabelo em um nó frouxo.

— E você, tem um marido, não é? — Faz cócegas nos meus pés.

— Eu? Tenho! — Meus olhos se enchem d’água. — Podemos mudar de assunto?

— C-claro. — Ela se ajeita nos pés da cama, levantando-se. — Eu vou voltar para lá, a mami briga comigo, se chegar alguém e eu não estiver lá para receber. — Anda até mim e me entrega a chave. — Qualquer coisa, é só me chamar. Fêfa anda de um lado para o outro o dia todo, então, não ligue se ela vier te encher o saco. — Revira os olhos, enquanto se afasta. — Bom descanso... Depois passaremos os horários das meditações.

— Obrigada, Roxanne! — Ajeito-me de lado, colocando um travesseiro no meio das pernas. — Ah, bebê, agora somos só eu e você. — Sorrio, acariciando a barriga, e acabo pegando no sono.

 

 

— As pessoas costumam dizer que não somos normais, que vivemos para adorar Buda. — Maya está com um dos bebês no colo, falando com algum turista. — Mas, Arun é o meu Sol, Arya é minha nobreza. São meus filhos, assim como os outros. Só não nasceram do meu ventre, mas, Lalita os amou cada segundo que os teve. — Beija o ombro do bebê, que aparenta ter um ano de idade. — Surya, as coisas não são tão boas quanto aparentam.

— Você não deve se importar com esses comentários, querida. Olha, Arun e Arya saberão a verdade e, com certeza, amarão vocês da mesma forma que os amam. — Tenta tranquilizar Maya, que chora acarinhando os cabelos do filho. — Só não conte para muitas pessoas, já qu...

— Com licença... — Falo, aproximando-me mais. — Sabe me dizer como faço para comer? — Brinco com as mãozinhas do bebê, que me oferece um sorriso.

— Ei, senhora. — Funga, limpando algumas lágrimas do rosto, antes de encarar-me. — É... Você quer comer o que, minha querida?

— O que tem?

— Vamos ali na cozinha, eu te mostro o que temos.

— Não vai me apresentar a moça, Maya? — A outra senhora que , olhando de perto, aparenta ter uns setenta anos, pergunta. — Desculpe os maus modos de minha filha. Eu sou Surya, mãe de Maya. — Cumprimenta-me como Fêfa havia feito mais cedo. — E você é...?

— Sou Talita. É um prazer, Dona Surya. — Tento imitar o cumprimento, e elas riem com minha espontaneidade. — E esse bebê lindo? — Viro-me para Maya, novamente, e pego nas mãozinhas do bebê.

— Este é Arun, meu filho homem mais novo. É gêmeo de Arya. — Explica, oferecendo-o para o meu colo.

— Opa! — Pego-o com todo o cuidado do mundo, engancho suas perninhas na minha cintura, deixando-o ao lado do meu corpo, para que não se incomode com a barriga e nem que fique desconfortável para mim. — Ei, Arun!

— Fale em Inglês. — Limpa a boquinha dele com um paninho. — Baby, say hi.

Hi, Arun! — Faço uma careta, e ele gargalha. — Você é um lindo bebê, garoto. — Continuo falando, ele encontra meu cordão e começa a brincar com ele.

— Leve a moça para comer, Maya. Nos falamos mais tarde, tudo bem? — A mais nova assente. — Está radiante, Sra. — Toca em meu ombro e sorri, antes de afastar-se.

— Vamos comer, então... — Sigo-a até a cozinha. — Temos masala. A Sra. gosta?

— Não sei o que é, para falar a verdade. — Sento-me, colocando Arun sobre meu colo.

— É um tempero, comemos com chips, ou com doce. — Aponta para um saco de batatas. — Mas são bem apimentados, então, não te aconselho a comer. — Entorta a boca e volta a me olhar.

— Eu adoraria uma salada simples ou, até mesmo, pizza. — Lambo os lábios ao me referir ao alimento. — Vocês comem pizza aqui?

— É desejo de grávida? — Arqueia uma sobrancelha. — Se não for, não. Senão, digamos que... — Olha para os lados e caminha até mim, cochichando. — Fazemos em casa, escondido, porque adoramos, mas não faz parte dos costumes. — Solta uma risadinha baixa. — Vamos lá na minha casa?

— Não... Não precisa, Maya. Eu compro algo, faço qualquer coisa, não esquente comigo.

— Não me esquentarei com você. Mas, não digo o mesmo sobre o bebê. — Lanço-lhe um sorriso, antes de levantar-me. — Deixa eu lhe ajudar, Sra.

— Não precisa me chamar de Sra. Pode me chamar de Talita, Tatá... — Entrego-a Arun, que se agita inteiro ao ir para o colo da mãe; ele é moreninho, com os cabelinhos lisos e caidinhos na testa e bem gordinho.

Ela tranca a porta da cozinha e segue o corredor, comigo atrás, brincando com o bebê que não parava de sorrir. O corredor acaba, quando saímos dos limites do centro. Estamos no fundo, andamos mais um pouco e, ainda dentro do Ashram, é a casa de Maya e sua família; um pouco afastada, mais para dentro de uma mata. Ela me pede silêncio ao passarmos por uma espécie de cabana, e eu a respeito. Seguimos até a porta principal, esta, que é na cor vermelha e segue alguns desenhos indianos.

— Ali é a meditação noturna. Nossos guias ficam ali durante a noite, em comunhão, conectados, para que amanhã nos passe as energias positivas. — Fala em seu tom normal, ao passarmos pela porta. — Marido? — Chama. — Marido, temos visita!

— Mamadi? — Uma voz infantil invade nossos ouvidos. — Você demorou... — Um garotinho surge entre as cortinas da sala, oferecendo-nos um enorme sorriso. — Baldi saiu... Roxanne ainda não voltou e, bom, Fêfa está cuidando de Arya de novo. — Passa todo o histórico, e vejo Maya extremamente desconfortável com as informações.

— Pode segurá-lo para mim? — Pergunta ao filho, que presumo que seja Devi e seus quase treze anos de idade. Arun se parece com ele, para que entendam como ele é lindo, também. — FÊFA! — Grita.

— Já vou... — A menina responde em um tom mais baixo. — Senhora, mamadi. Estava colocando Arya na cama, ela acabou de dormir. — Desce as escadas sussurrando.

— Onde está sua irmã e seu pai?

— Eu não sei... — Responde com os olhos arregalados, já que o tom de Maya foi bem repreensivo. — Fui a escola e voltei, Devi estava cuidando de Arya.

— E seu pai deixou Arun comigo. Onde está Karan? — Levanta as mãos para o céu e começa a chorar. De imediato, não entendo o motivo de tanto desespero.

— Calma, Maya... — Tento ajudar. — Senta aqui. Fêfa, pode pegar água para ela? — Tiro a parte do Sari que cobre sua cabeça e alinho seus fios ruivos.

— Ele não pode sair sozinho, Tatá... Ele... Ele... — Começa a soluçar.

— Ele o quê? — Incentivo-a a falar, enquanto entrego o copo em sua mão. — Beba!

— Ele... — Respira fundo. — Tem Alzheimer. — Segreda, e logo os meus músculos se enrijecem. Aqui também tem isso?, questiono-me internamente. — Meu marido está doente, Tatá. Ele não pode sair sozinho, nem ficar sozinho. Sempre deixo os meus filhos cuidando dele, mas Roxanne saiu e, bom, as crianças estão aqui.

— Em que posso ajudar vocês? Me diga, eu posso sair com Fêfa para procurá-lo, posso cuidar dos bebês...

— Não, Sra. Por favor, não é sua obrigação... — Balança a cabeça de um lado para o outro. — Eu chamo Surya, ela olha os gêmeos. Devi, traga Arun aqui. — O garotinho se aproxima carregando o irmão. — Vem na sua mamadi, vamos dormir... — Embala o pequeno no colo, cantarolando alguma música deles. O garoto, já sonolento, começa a revirar os olhinhos, anunciando que o sono não estava tão longe.

— Seu cabelo é bonito! — Fêfa senta ao meu lado no sofá e pega uma mecha do meu cabelo, enrolando-a nos dedinhos. — Tem um bebê aí na sua barriga, tia?

— Tem... — Levo sua mãozinha em minha barriga, e ela sorri tímida. — Pode colocar a mão. — Ajeito minha franja, enquanto observo-a deslizar a mão por toda extensão da minha pele, por cima da blusa.

— Tem nome? — Pergunta.

— Ainda não. — Faço cócegas em seu pescoço. — Você é muito linda, também. — Ajeito os fios de seus cabelos, que caem sobre seus olhinhos negros como uma jabuticaba. Fêfa tem aparência de uma típica indiana; olhos grandes, cabelos negros abaixo da orelha, sobrancelhas cheias e grossas, boca fina e um sorriso encantador.

— O papai queria cortar o meu cabelo, Tatá. Eu disse a ele que não queria, mas ele cortou à noite, enquanto eu dormia com a Rox e a Arya. — Diz em tom entristecido.

— Ele cortou enquanto dormia? — Ela meneia a cabeça. — Às vezes ele é sonâmbulo e fez isso sem saber.

— Não... — Vejo Maya piscar um olho para mim, antes de subir as escadas com o bebê no colo, já dormindo. — Posso te contar um segredo? — Se ajeita no sofá, virando de frente para mim. — Eu ouvi a mamãe conversando com a nani, e elas estavam dizendo que o baldi estava doente, e que nós não poderíamos deixá-lo sozinho em casa.

— Hum... — Incentivo-a a continuar.

— E eu fiquei com medo de perder o papai... — A forma como mistura as línguas, torna o nosso diálogo, ainda mais, gostoso. — Tatá... Você tem um papai?

— Sim... Eu tenho um papai. — Sorrio, acariciando seus cabelinhos. — E ele se chama Alberto.

— Alberto. O nome é legal... — Ri, com as mãos em frente a boca. — E o bebê?

— O quê?

— Ele tem um papai, não é? — Volta a dedilhar minha barriga, mais para a lateral.

— Sim... Ele tem um papai.

— Como ele chama?

— Felipe. — Sinto umas cócegas na barriga, mas longe de ser por Fêfa estar tocando; há um tempo sinto o bebê mexer, mas nada tão aparente. É tipo um frio no estômago, misturado com um tremor gostoso. — Coloca a mãozinha aqui, para você sentir o bebê. — Posiciono sua mão por baixo da minha, mais para o lado esquerdo do meu corpo. Ela fica atenta, olhando para um ponto aleatório. — Sentiu? — Ela sorri, meneando a cabeça.

— É legal.

— É... Acho que ele gostou de você. Fala assim: “Eu sou a Fêfa, amiga da sua mamãe.” — Acarinho meu ventre calmamente.

— Sou sua amiga? — Ela levanta o olhar para mim, que assinto. — Eu nunca tive uma amiga, Tatá.

— Não? — Balança a cabeça de um lado para o outro. — Como não? Maya é sua melhor amiga, é sua mãe. Roxanne e Arya, também. São todas suas amigas, assim como os seus irmãos.

— Não. Eles são meus irmãos...

— Sim, mas são seus amigos, também. Minha mãe, a Cláudia, é minha melhor amiga. — Ela se deita em minhas pernas, deixando o resto do corpo na extensão do sofá, ultrapassando um pouco os braços do mesmo. — E tem o meu irmão, que se chama Diego.

— Diego?

— Sim... Diego! Ele é muito legal, e parece um lobisomem, de tão peludo. — Segredo, e ela arregala os olhos.

— Acho que tenho medo dele. — Esconde o rosto com as duas mãos.

— Não precisa ter medo, ele é bonzinho como o Devi, seu irmão.

— Mas Devi não é bonzinho, Tatá. Ele é chato, puxa o meu cabelo sempre. — Revira os olhos para me encarar, enquanto acarinho seus fios.

— Só que ele é seu irmão, do mesmo jeito. — Faço um beicinho. — E irmãos se amam, mesmo quando brigam.

— É, é verdade. — Lança-me um sorriso sereno, enchendo o meu coração de amor. Tão pequena, mas tão cheia de expressões. — Você tem uma casa grande?

— Um pouquinho só...

— Assim? — Mostra com os dedinhos. — Ou assim? — Abre os braços.

— Hum... Acho que assim... — Imito o gesto de abrir os braços, e ela se levanta do meu colo, ficando de frente para mim, ainda sentada no sofá.

— Eu sempre quis ter uma casinha grandona, assim. Nós moramos aqui há um tempão, sabia?

— Todos vocês moram aqui?

— Sim. Todos nós moramos aqui. E, Tatá, eu quase não caibo junto com minhas irmãs; às vezes tenho que dormir no chão, junto com a mamãe. — Segreda, olhando para a escada.

— É mesmo? E por que vocês não dormem lá no Ashram?

— Porque... Porque o Plutão, o moço que dá dinheiro para a mamãe, não gosta nem que vamos lá. Só a trabalho, quando tem muita gente e a gente tem que ajudar.

— Então, você trabalha junto com sua mamadi?

— É... Eu ajudo ela, porque ela fica cansada, né?

— Sim... E os seus outros irmãos?

— Devi?

— É... Devi e Roxanne.

— O Devi ajuda as pessoas a encontrar os lugares pela rua. Sabe uma vez, uma moça pediu para ele levar ela láaaa... — Diz arrastado. — No templo de Buda.

— Sério? E é longe?

— Muito longe. A gente tem que andar um monte. Mas, a moça deu muitas rupias para o meu irmão, e comemos pizza à noite.

— Uau! Isso me parece ótimo. — Toco a pontinha de seu nariz com o indicador. — Seu irmão é um guia turístico, então?

— Acho que sim... E a Rox ajuda a mamãe lá no centro. Elas são muito amigas, e eu fico até com um pouquinho de ciúmes. — Faz uma caretinha. — Só que a mamãe diz que nos ama igual.

— E ela não mente, quando diz isso. Olha... — Suspiro, levantando-me e alinhando a roupa no corpo. — Eu vou ficar aqui hoje, e mais dois dias inteiros.

— Só? — Faz uma expressão entristecida.

— Infelizmente, sim. Mas, o tempo em que eu ficar aqui, vamos ser amigas, pode ser?

— Pode! — Estendo a mão para que ela bata. — Amigas brincam, ta?

— Ah, ta... Eu adorarei brincar com minha nova amiga. Inclusive, amiga, que tal ir lá ver como está sua mamãe? — Ela sorri e meneia a cabeça. — Posso ganhar um beijo, antes?

— Sim. — Beija minha bochecha demoradamente. — Posso beijar o bebê, amiga? Porque ele está dentro de você e, se você é minha amiga, ele também vai ser, né?

— Você é muito esperta! — Ela se abaixa e beija o meu umbigo, por cima da blusa. Rio, por ter feito cócegas. — Vai lá, então, amiga.

— Já volto. Não vai embora, hein?! — Pisco um olho para ela, enquanto nego com a cabeça. Ela sobe as escadas e, como algo combinado, Devi aparece, sentando-se ao meu lado.

— Ei, querido! Como está? — Ele não me olha, apenas faz um sinal de joia com o dedo. — Você já comeu?

— Não. — Sequer me olha.

— Ok... — Pego meu celular e verifico as horas. Já está bem tarde, e eu ainda não me alimentei. — Sua irmã me contou que você é um guia turístico.

— Fêfa é uma fofoqueira, mesmo. Sra., a polícia não pode saber disso. A nani ainda não conseguiu o alvará para que eu possa fazer legalmente.

— Ei, fica tranquilo, ta? Eu não vou denunciar você, nem nada. Eu só quero pedir um serviço. Pode me ajudar?

— Tenho três grupos para atender amanhã. — Continua sem me olhar. — Aonde quer ir?

— Eu queria que me levasse a uma pizzaria por aqui, tem como? Eu não conheço nada, cheguei hoje e, bom... Se fizesse isso, eu até te levaria para comer comigo.

— Quanto isso vai custar?

— Nada, ué. Por que está perguntando isso? — Ele olha para o outro lado, mas logo me encara; suas íris esverdeadas, contrastam com sua pele morena.

— Porque todos são assim: oferecem, depois nos cobram. — Esbraveja. — Estamos morando aqui de favor, porque o baldi deve dinheiro para os donos do Ashram.

— E sua mãe trabalha para eles? Não entendo.

— É... O marido da mamãe, que eu chamo de baldi, está morrendo. — Fala na maior naturalidade, fazendo com que eu arregale os olhos. — Calma. Ele está muito mal, com uma doença chamada Alzheimer. Essa doença faz ele esquecer de tudo; até de como se digere um alimento.

— Eu sei como é... — Desvio o olhar, sentindo os meus olhos arderem em vontade de chorar. — Eu tenho uma avó com esse mesmo problema.

— E é a pior coisa do mundo, porque eu não vou mais para a escola, para ficar olhando ele. — Meu Deus... — E o Karan, marido de mamadi, devia muitas, mas muitas, rupias para o Plutão. Ele queria receber, mas como o Karan está mal, minha mãe é quem está trabalhando para pagar a dívida.

— Você não estuda?

— Não, não tenho tempo. O pouco tempo que me sobra, uso para ganhar uns trocados e comprar mistura, masala e feijão. — Engulo em seco; eu com tanta coisa, e eles com quase nada. — Mas essa é a nossa vida, e agradecemos a Buda todos os dias, ao amanhecer.

— Ei... Para de encher a cabeça da Tatá, moleque.

— E essa é uma chata, Tatá, não vire amiga dela.

— Roxanne? — Pergunto, soltando uma risada. — Ela é chata, mesmo.

— Ei, me respeita. — Leva uma mão até o peito, como se tivesse sido ofendida. — Chega pra lá, Devi... — Senta junto a nós. — Cadê a mamãe? — Pergunta, enquanto se livra de alguns acessórios no rosto.

— Ela está lá em cima, colocando Arun para dormir. Karan desapareceu. — Falo, ajudando-a a desenroscar um brinco dos cabelos. — Você o viu?

— Está no bar. — Faz uma careta, quando puxo sem querer um fio de seu cabelo. — Eu passei agora e o vi.

— Quem você viu? — Maya surge nos pés da escada.

— Seu marido. — Levanta-se e tenta passar pela mãe. — Vou tomar banho!

— Não, você não vai. — Segura-a nos braços. — Tatá, se importa de nos dar licença um minuto?

— Claro que não... Eu vou sair para comer. Posso levar Devi e Fêfa?

— Eles irão te incomodar, não?

— Não... Eu não demoro, e é até bom para que eu conheça a cidade, não é? — Pisco um olho para o menino, que já vestiu uma camisa.

— Tudo bem... Se eles encherem o seu saco, pode beliscar. — Nego imediatamente com a cabeça. — Pode sim...

— Vamos, linda? — Falo, ao ver Fêfa descendo as escadas. — Seu irmão vai nos levar para comer pizza.

— Sério? — Seus olhinhos brilham. — Eu posso, mamãe?

— Claro. Obedeça a Sra., ouviu? — Deposita um beijo no topo da cabeça dela. — Divirtam-se, e não deixem  Tatá comer masala.

— Ta bom! — Despeço-me de Roxanne e saio com as crianças.

 

 

Aprendizado. A primeira noite em Deli, pode ser resumida nesta palavra.  Os olhos de Fêfa, expressivos e brilhantes, ao poder contemplar e saborear algo tão comum para nós. O sorriso de Devi, ao passarmos por uma barraquinha de brinquedos e, em agradecimento por ter me levado, parei e comprei para ele; não só, como também para os outros irmãos.

Dizem que você se dá conta da vida, de tudo o que tem, quando encara a simplicidade. Não a simplicidade falada, aquela que você diz: “Eu sou simples, porque vou à padaria de chinelo.”. Não, não essa. A simplicidade vivida, aquela que encontrei aqui na Índia, com a família de Karan e Maya. Mesmo com pouco tempo, com poucas coisas, eles emanam um amor tão grande, tão imenso, que é de se admirar. O afeto de Maya com o marido, a forma como se preocupa com ele, dizendo que tudo ficará bem, mesmo sem ter a noção de que se ficará ou não. A forma como Roxanne dança, transmitindo uma alegria ímpar, para todos que cruzam pela recepção do centro.

Não são irmãos de sangue, pelo o que pude entender; Roxanne é filha de um casamento, assim como Devi e Fêfa são de outro e, por fim, os gêmeos, que são filhos de Karan. Karan, tive a honra de conhecer no dia seguinte, pela manhã, enquanto ele passeava na porta de casa com Arya, mostrando-a as borboletas; sorri com a cena, principalmente, ao ver que Devi o espiava da janela.

Sabe o que mais me fascina nas pessoas? É que todas as pessoas do mundo, tem alguma coisa em comum. E, diga-se de passagem, eu sempre fui fascinada pelas histórias das pessoas. Eu tenho curiosidade sobre a história do mendigo, assim como a do homem de terno; sobre a menina que casou cedo, sobre a mulher que nunca casou. Tenho curiosidade sobre a mulher que não pôde ser mãe, sobre a mulher que nasceu pobre e, também, sobre aquela que descobriu uma fórmula e enriqueceu. Sinceramente, eu tenho muitas perguntas para fazer a essas pessoas, e talvez seja isso que me mova.

Saber da história dessa família, vivenciar parte dos desafios que eles enfrentam, foi essencial para que a simplicidade aflorasse em mim; preparar o meu filho para o mundo, ensiná-lo as melhores coisas e, acima de tudo, mostrar que o dinheiro não é nada perto do amor, incondicional, que terei por ele.

 

 

***

 

 

P.O.V NARRADORA

 

 

Dia 2 – Fim de Tarde

 

 

(Fata Morgana – Dessidenten & Lem Chaheb) ♪

 

 

— Vamos, hoje é o seu dia de virar uma indiana. — As filhas de Maya já estavam vestidas a caráter, cantando e dançando ao redor de uma fogueira no pátio; era o segundo dia, fim de tarde. Tatá meditou durante a manhã, no estilo tradicional, como era permitido pelo centro de meditação. Sentia-se renovada, conectada com Deus, com Felipe e, até mesmo, com seu bebê. — Primeiro, vista o Sari... — A filha mais velha de Maya, entregou a Werneck a roupa, que era toda trabalhada em tons de verde e azul, tirando a pedraria incrível que, de longe, dava para ver que era feita à mão.

— Você deveria se pintar, também. — Fêfa passa o pincel para a mão de Talita, que abre um sorriso enorme, e logo passa o objeto para Roxanne, dando-a permissão para tal ato. — Eu posso ajudar a Rox?

— Claro que sim, meu amor. — Abaixa na altura da menina, que começa a traçar linhas finas em seus braços e mãos.

— O que foi? — A pequena pergunta, ao perceber que a morena se encolhia a cada toque de pincel em sua pele. — Está doendo?

— Não... Está fazendo cócegas, geladinho... — As duas riem.

Para quem não sabe, Osho foi (ele morreu mas, segundo seus seguidores, sua essência ainda vive nos praticantes dos seus ensinamentos) um guru indiano que inovou a forma de meditar aproximando-a da vida ocidental. Ele sabia que nós, do lado de cá do mundo, temos muita dificuldade em nos manter sentados em silêncio por muito tempo e, por isso, ele inventou um novo método, que se utiliza de movimentos repetidos, danças, alguns cantos mais enérgicos que te fazem se soltar e alcançar, pouco a pouco, um estado de meditação, que é quando a mente se esvazia.

Logo, tendo isso em mente, a viagem para a Índia, foi o ideal para Talita. Ela se redescobriria na suavidade dos movimentos de seu corpo, no simples toque de Fêfa em sua pele, nos sorrisos de cada um que passava por si, ao vê-la vestida tão lindamente e tão... radiante.

O Sari tinha a parte de cima curta, deixando toda a, pequena, barriga exposta; denunciando e anunciando a todos, que ali crescia uma vida, que seria criada da mais pura forma. O pátio do Ashram estava cheio, com a presença de todos os turistas e, até mesmo, indianos hospedados ali. A música ecoava pelos corredores, provavelmente, quem estava fora, também poderia ouvir.

— Ei... — Surya se aproxima, cumprimentando Tatá. — Está maior do que eu pensava. — Estica a mão, num pedido silencioso para tocar a barriga da morena. — É uma menina, Sra.

— Já é a segunda pessoa que diz isso. — Arqueia uma sobrancelha e dá um sorriso, sem mostrar os dentes.

— Se me permite, nani, posso roubá-la por um instante? — A senhora assente, e Roxanne aponta para uma almofada no chão, onde a carioca se senta e logo é seguida pela menina. As duas batem palmas, enquanto observam um grupo de pessoas dançando. — É... O que te trouxe aqui? — A loira solta, tomando total atenção da morena.

— Sempre gostei da cultura de vocês, dos costumes, culinária, apesar de não poder comer masala, e o clima. Algo aqui me deixa em paz, e eu descobri isso quando passei pela porta de entrada. — Passa os dedos pela barra da vestimenta, embromando.

— Tudo bem. — A menina segura o rosto de Talita e o vira para si. — Entendi, mas, o que te trouxe aqui? — Pergunta de uma forma mais firme.

— Eu perdi alguém. — Revela, com os olhos cheios d’água. — Eu perdi alguém muito importante, com quem passei os melhores anos da minha vida.

— O pai do bebê. — Conclui, observando a expressão triste que tomou a face de sua, agora, amiga. — Olha, me desculpa por ter tocado nesse assunto.

— Não, tudo bem. — Nega, levando uma mão na coxa da menina. — E-eu... Eu preciso falar disso com alguém, mas ainda sinto que não é a hora, sabe?

— Sei. Eu entendo, porque também perdi alguém, há pouco tempo. — Olha ao redor. — Lembra que me perguntou se eu tinha um namorado?

— Uhum.

— Então, eu tinha... Ele morreu há alguns meses.

— Eu sinto muito, Rox. — Abraça-a. — Como foi?

— Ele era do exercito britânico, veio passar um tempo aqui; o conheci aqui no centro, mesmo. — Gesticula. — Paulo, era seu nome. Meu verdadeiro amor; íamos nos casar, assim que ele voltasse da guerra no Irã, mas, ele não... — Mordisca a bochecha, tentando conter o choro. — Ele não voltou.

— Minha nossa... Roxanne, eu nem sei o que lhe dizer... — A loira balançou a cabeça de um lado para o outro, como quem não precisasse ouvir nada. As duas se abraçaram novamente, chorando, mas logo foram tiradas desse momento, quando Fêfa e Devi vieram correndo, quase caindo sobre as duas.

— O que foi, gente? — As duas colocam-se de pé, fitando o enorme sorriso no rosto dos pequenos.

— Vem com a gente, Tatá... — Cada um pegou em uma mão da morena, que olhou para Roxanne.

— Vai... — Incentivou, antes de piscar um olho para os irmãos.

— Aonde vão me levar, hein?! — Pergunta, passando pelas cortinas coloridas que davam acesso ao interior de um salão, extremamente, decorado 'indianamente'. — Uau!

— Você vai dançar com a gente. — Colocou algumas pulseiras, braceletes, tornozeleiras, anéis e brincos, realçando uma beleza natural que, só Tatá, era capaz de ter.

— Querida, venha aqui! — Maya chamou-a entre as cortinas. — Não precisa ficar nervosa, olha, é só balançar duas vezes para a direita, duas para a esquerda e ondular o corpo, assim. — Mostrou.

— Assim? — Repetiu o movimento. — A barriga não deixa, Maya.

— E essa é a maior graça de todas... Teu corpo é um templo, e merece ser adorado. — Do nada, muitas outras mulheres apareceram, posicionando-se em fila – uma atrás da outra. Maya indicou para Tatá ficar no último lugar e que, assim que começasse a música, ela abrisse os braços paralelamente a menina que estava a sua frente.

Empolgada, a morena prestou atenção em cada dica que lhe dada; a música começou, as cortinas caíram e, como se já tivesse feito isso por toda uma vida, Werneck dançou como lhe foi ensinado. O sorriso era o acessório que mais brilhava em seu corpo. Sorriu, ao ver Roxanne pegá-la pela mão e girá-la pelo salão. As duas riam e se jogavam na dança, criando seus próprios movimentos; Tatá manteve o cuidado com os passos, para que nada prejudicasse seu corpo.

— Claramente uma indiana. — Surya a puxou para dançar, girando-a em seu próprio eixo. — Você é feita de luz, menina. Brilhe muito, brilhe sempre. — Sorriu, rodando-a mais uma vez e ‘jogando-a’ para Maya.

— Está tudo bem?

— Sim... Estou me sentindo em paz, feliz. Vocês são maravilhosos. — Segredou no ouvido da mais velha, que abraçou-a, enquanto cantarolava a música.

— Fique mais tempo, Tatá. Passe uma temporada conosco.

— Eu adoraria... Mas, tenho minha vida lá no Brasil, não posso abrir mão tão facilmente. — Mordeu o lábio inferior. — Prometo que volto, para apresentar o bebê. — Maya assentiu, soltando-se de Tatá e remexendo o pescoço, com as mãos na altura do rosto, com a palma virada para cima.

— Tatá... Pode vim aqui?

— Claro, meu amor. Vou avisar a sua mãe, só um minuto. — Anda até Maya e avisa que sairá para falar com Fêfa. A menina leva-a para longe do barulho, mais precisamente, para perto da saída do centro. As duas sentam no meio fio e ficam se olhando.

— Você vai embora amanhã, não é?

— Sim... Bem cedinho. — Nota que a garota prensa um lábio contra o outro. — Por quê?

— Eu vou sentir sua falta...

— Amiga... — Abraça-a, tentando esconder os olhos marejados. — Eu vou voltar para te ver, para você conhecer o meu bebê; afinal, ele é seu amigo, não é?

— Sim. — Beija o topo da cabeça dela, que desfaz o abraço, olhando-a nos olhos. — Você vai lembrar de mim?

— Claro que vou. — Limpa o rostinho dela. — Todos os dias, minha linda.

— Eu também vou lembrar de você. — Abraça Talita, novamente, que sente-se preenchida com um amor fora do comum. — Manoh!

— Manoh? — Se afasta para olhar nos olhos da menina. — O que significa?

— Não, é só um nome que acho bonito, que você poderia colocar no bebê, para não se esquecer de mim.

— Ah... Sim. É um nome bem exótico, não acha?

— O que significa exótico? — Pergunta, com uma mão perto da boca.

— Quer dizer que é um nome diferente, que ninguém tem.

— Acho que não é exotíco, então. — A morena gargalha, observando a inocência da indiana. — Manoh, quer dizer amizade.

— Mas eu posso usar em uma menina? Porque sua mãe e sua avó disseram que é uma menina, então, não sei se ficaria bom para ela.

— Ah, não é uma menina, não. — Deu de ombros. — Se for, você muda para Manah! — Riram. — Sério, é bonito também...

— Tudo bem, pequena. — Levantou-se. — Muito obrigada pela sugestão, mas, eu preciso ver com o papai dela, ou dele, também.

— Sim... Se ele deixar, você me avisa? — A carioca meneou a cabeça. — Quero que ele saiba que foi eu quem escolheu o nome dele. — Dá de ombros, novamente, e as duas voltam para dentro, abraçadas, como amigas que eram.

 

 

***

 

 

(Let It Be Me – Ray LaMontagne) ♪

 

 

Os dias na Índia foram suficientes para fazer Talita repensar em muitas coisas, principalmente, na forma como vive no Brasil. Estava renovada na Fé, após ver como Maya se dedica a Karan, esperançosa de que a doença irá se esvair das entranhas de seu marido. Renovou-se na Fé, na forma como Roxanne acredita que Paulo está em lugar melhor, olhando por ela, guiando-a. Renovou-se na Fé, nas atitudes singelas de Fêfa, dos carinhos que ela fazia em sua barriga, com a esperança de que o bebê a ouvisse. Renovou-se na Fé, com a pureza de Devi, enquanto guiava seus grupos pelas ruas de Deli, mostrando-os o melhor de sua cidade natal. Renovou-se na Fé, por cada sorriso que recebeu de Arun e Arya, quando brincavam com o pai na frente de casa.

 

 

“Diz-se que, mesmo antes de um rio cair no oceano ele treme de medo. Olha para trás, para toda a jornada, os cumes, as montanhas, o longo caminho sinuoso através das florestas, através dos povoados, e vê à sua frente um oceano tão vasto que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre. Mas não há outra maneira. O rio não pode voltar. Ninguém pode voltar.Voltar é impossível na existência. Você pode apenas ir em frente. O rio precisa se arriscar e entrar no oceano. E somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece. Porque apenas então o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano, mas tornar-se oceano. Por um lado é desaparecimento e por outro lado é renascimento.” — Osho.

 

 

Renovou-se na Fé, com todo o amor que encontrou naqueles arredores. Mas, é chegada a hora de se renovar em outras áreas. Logo, seu próximo destino seria: Santiago, no Chile.

 


Notas Finais


Glossário:

Aapka Swaagat Hai = Boas vindas.
Namastê = Saudação inicial, "eu saúdo à você"
Mamadi - Mami = Mamãe, mãe.
Baldi = Pai.
Nani = Avó materna.
Ashram = Lugar onde se medita.
Rupias = Moeda indiana.

Essa Fêfa... ❤
Quem achou que não teria o encontro "criador e criatura"? Claro que teria, né? E digo mais: eles estão só começando. Comentem, pois só postarei o próximo se tiver comentário de vocês; quero saber o que estão achando, se estão gostando e tudo mais. Sei que tem gente lendo, e desde já agradeço pelas visualizações. Beijos, e até breve! ❤❤❤


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