“Não confie em estrangeiros.”
Tsuyu encarava a carta em sua frente, a frase em que sua tribo é ensinada desde criança não pode evitar de voltar a mente. Quando pequena, não questionou, apenas seguiu os ensinamentos de seu pai.
— Eu disse que trazer aquela coisa para nosso lado causaria problemas. — A anciã, sentada do outro lado da mesa, com as mãos no rosto, resmungou.
Claro que Tsuyu sabia. No início pensou que fosse exagero, que um Midoriya nunca poderia perder o controle. Afinal, assistiu de perto o crescimento de Izuku e praticamente o considerava um amigo antes mesmo de o conhecer. Mas, quando viu de perto, com seus próprios olhos, entendeu o real significado do surto dos Midoriya's.
Planejava contar a história verdadeira da tribo, sobre a família dele, e principalmente da maior regra deles “não confie em estrangeiros” aos poucos. O problema foi o surto, junto da morte de seu pai e o surgimento dos boatos. A raiva dela não era apenas por proteção, mas do quão burra se sentiu por esconder a verdade. Logo, ele voltará e dará de cara com outra tribo. Como diabos explicar? Se pelo menos seu pai não tivesse partido...
— Ele vai nos matar. — A anciã falou fracamente — Eu cansei de dizer. O rei estrangeiro vazou a existência dele, e agora os aliados desse monstro vão recebe-lo como líder. Você entende isso Asui? Nos estamos fadados a morte, por culpa desse moleque. Deveríamos ter deixado ele morrer pacificamente como um escravo.
— Não. — Tsuyu levantou o olhar da carta — Ele seria um general, sem nossa interferência. Quando descobrisse que tem família, uma tribo que causou a morte da mãe dele e de todo o clã, como acha que ele se sentiria? O ódio seria maior.
— Não fale como se tivesse pensado nisso desde o início, foi você quem insistiu que ele era inofensivo. — A anciã desdenhou — Ele seria morto pelo rei estrangeiro quando descobrissem sua anormalidade. Não, talvez o rei estrangeiro saiba de tudo. Apenas não agiu ou fez nada ainda, está usando isso como benefício. Ele não entende ou sabe o quão perigoso aquela coisa é.
— Eu apenas queria paz. — Tsuyu murmurou — Não pensei que a aliança com o reino, e omitir informações de Izuku fosse errado. O objetivo era bom.
— Mande alguém para o outro lado da floresta. — A anciã não poderia apenas repreender, seus conselhos eram necessário para um líder novato. Afinal, esse foi o motivo de ter retornado na capital — Negocie para manterem a boca fechada, você pode começar a contar ao garoto aos poucos. Use o fato dele não ter controle, eles podem acabar cedendo.
O olhar de Tsuyu pousou novamente na carta em frente a ela, as palavras em vermelho, contendo zombaria e insultos, além de ameaças.
“[...] pobre Midoriya, estar aliado e convivendo com escórias como vocês. Irei destroça-la quando vê-la, garotinha sapo. Não se preocupe conosco, cortarei a garganta desse estrangeiro, e irei até você, buscar o que nos pertence. A verdade será revelada, e veremos como nosso amigo reagirá a suas ações. Vamos nos divertir muito no futuro, tudo bem? [...]”
— Eu deveria mandar uma carta ao Midoriya? — Tsuyu ergueu o olhar, cansada.
O maior medo dela não era Izuku querer vingança, e sim ser odiada. Encontrava-se entre o problema de ser uma boa amiga, ou ser um bom líder. Encolhendo ser um líder, poderia ter que deixar sua amizade de lado, talvez se tornar inimiga, e usar tudo ao alcance pelo seu objetivo de paz. Mas, sinceramente, no fundo de sua mente, seu desejo é cuidar de Izuku.
— Contar informações confidenciais assim? — A anciã questionou, achando a sugestão estúpida — A carta pode acabar nas mãos dos estrangeiros, sem falar que ele saber assim, pode causar ainda mais problemas. Você não estabeleceu um laço de amizade? Pois agora sente e espere. Isso pode te salvar, nos salvar, ou causar nossa destruição.
— Eu confio nele. — Tsuyu amassou a carta, os dedos tensos e firmes — Ocultei muita coisa, mas não acho que ele me condenaria. Izuku é gentil e compreensivo.
A risada irônica e cheia de desdém da anciã não pode ser contida. Ela levantou-se para sair, ainda rindo como se tivesse ouvido uma boa piada.
— Não coloque suas esperanças em alguém que não tem controle de si mesmo. Quer tentar ter paz de espírito com essa mentira? Nem você se convence disso. — A anciã parou pouco antes de sair, seu olhar se voltou para trás, com um traço de cansaço — Quer ter a mente tranquila? Esconda sua irmã bem longe de Midoriya, para que não acabe morta como meus filhos foram.
O tom apático da voz da senhora, os olhos cansados e preocupados, enviaram uma onda de arrepios a Tsuyu. Finalmente sozinha, pegou o diário de seu pai, segurando como se fosse um tesouro. Abrindo diretamente na página desejada, acostumada a ler e reler as mesmas palavras, sentiu uma onda de vergonha.
— Lideres tendem a errar, tentando solucionar velhos problemas. — Tsuyu repetiu uma frase muito usada por seu pai, como um mantra.
Os olhos voltados ao diário, leu novamente sobre o dia do massacre. O dia em que os Midoriya's foram drogados por sua própria família, encurralados e mortos sem piedade.
A tribo sapo não costuma admitir sua culpa no caso, alegando que se defenderam de um surto. Mentiras e verdades entrelaçadas. Realmente aconteceu um surto, mas as pessoas deixam de lado o fato de terem envenenado a família inteira. Os sobreviventes apenas reagiram ao instinto, tentando se proteger. Os Midoriya’s causaram muitas mortes injustas e, no final, o verdadeiro inocente foram eles, que foram traídos e dizimados.
“Não sinta culpa por algo que não fez.” A voz de seu pai parecia tranquilizadora em sua mente.
— Como? — Tsuyu agarrou o diário com força anormal — Como não me culpar? Eu não consigo.
Inalando um bocado de ar fresco, recolocou a mente no lugar. No dia que ouviu os boatos, teve certeza do tamanho do problema. Agora, resta apenas confiar em Izuku. Nada mudou, Lagarto bloqueará o povo de Viran por algum tempo, e quando o menino voltar, irá recebe-lo pessoalmente para contar-lhe toda a verdade. Não ajudava ser pessimista, precisa manter a cabeça fria, enfrentando todos os problemas como um bom líder.
— Prometi libertar a tribo! — Tsuyu pronunciou cada palavra com determinação — Eu irei alcançar isso, — cerrou os punhos — só preciso seguir em frente!
...
Com o pincel em mãos, sentado no chão em frente a uma pequena mesa e uma folha, Midoriya praticava sua caligrafia reescrevendo todas as regras militares. A ideia de originou de All Might, sugerindo ser bom para memorizar. Mas, Izuku estava ciente que era uma desculpa para melhorar sua letra horrível e ilegível, ao mesmo tempo que o mantem ocupado.
— Notícias novas do príncipe? — Midoriya perguntou, ainda concentrado em escrever. De suas costas, veio a resposta.
— Não encontraram nenhuma pista. — Shoto virou outra página do livro, sua atenção dividida entre o conto e o garoto praticando — Os soldados supõem ser uma pista falsa, e querem desistir. — O pincel parou, deixando uma marca preta no meio das letras. Shoto notou sua hesitação, mas não disse nada sobre — All Might acha que ele foi embora.
— O que você acha? — Midoriya deixou de lado a folha estragada e recomeçou, com paciência.
— Eu acho que ele se escondeu, esperando por algo... ou alguém. — Todoroki voltou o olhar ao livro, sem realmente ler — É curioso ele estar na cidade prata, existe muitas possibilidades.
— Você acha que ele ficou curioso sobre... um... a fera verde? — Midoriya se referiu a ele mesmo em terceira pessoa, tentando evitar ser associado ao rumor.
— Definitivamente. — Todoroki encolheu os ombros. Querendo trocar de assunto, fechou o livro e foi até a mesa, se jogando ao lado do menino. Pegou a pilha de folhas prontas, para analisar — Você melhorou muito. É muito talentoso.
— Você acha que ele pode machucar pessoas, para me ameaçar a sair? — Midoriya ignorou sua tentativa de troca de assunto.
— Não sei. — balançando a cabeça em negação — Nem sabemos o motivo dele estar aqui.
— Eu não sei, me parece que ele queria ir embora. — Midoriya continuou a escrever, com a cabeça baixa — Tenho a sensação de... bem... ele veio atrás de algo e conseguiu.
As mãos de Todoroki pararam por alguns segundos.
— Informações? — Murmurou — Você acha que existe um traidor?
— Quem sabe? — Izuku pousou o pincel, suspirando — O reino anunciou guerra, em um banquete. Não acha estranho Viran estar tão quieto? Ele deveria, pelo menos, lançar um ataque as fronteiras para nos atrasar e eliminar um pouco dos guerreiros.
— Você tem razão. — Todoroki concordou, não tendo pensado no inimigo até agora — Ele veio declarar guerra também? É o que você supõe?
— Ele me convidou para um encontro. — Midoriya bateu os dedos de leve na mesa — Acho que é educado aceitar.
— Que diabos? — Todoroki franziu as sobrancelhas.
— Preciso planejar com All Might. — Midoriya o ignorou — Vamos pegar o príncipe com uma simples isca.
— Ele não é idiota. — Todoroki desaprovou, não querendo que o encontro acontecesse — Ninguém cairia nesse truque.
— Suponho que o príncipe também levará aliados. — Izuku mostrou a língua, claramente sem leva-lo a sério — Vamos ter uma boa conversa, não gosto da sensação de ser surpreendido.
— É de Tomura que estamos falando! — Todoroki parecia zangado — O príncipe da morte!
— Sim. — Midoriya concordou, alegre — Eu já disse que ele me chamou para um encontro?
— As vezes eu não te entendo. — Todoroki murmurou triste.
— Todoroki, você raramente entende alguém. — Midoriya brincou, dando de ombros. Desistindo do assunto, resolveu trocar de tópico. Pelo canto dos olhos, notou o livro na mesa — Você está lendo um... romance?
— Que? — Todoroki seguiu o olhar, confuso. Percebendo ser descoberto, as orelhas esquentaram de vergonha, colorindo-as de rosa — Eu.. isso... é...
Midoriya cobriu a boca, tentando conter o riso. As orelhas de Shoto ficaram ainda mais vermelhas.
— É para estudo! — Afirmou, constrangido.
— Claro que é. — Midoriya respondeu tentando soar sério — Eu nunca, em toda minha vida, ousaria supor que o jovem mestre, talentoso comandante de quinhentos homens, Todoroki Shoto, leria romances.
— Você está caçoando da minha cara? — Todoroki protegeu o livro contra o peito, escondendo dos olhos alheios.
— Eu? Não! — Midoriya reprimiu a risada, soando ainda mais falso — Como eu poderia? Vosso estudo é de extrema importância.
— Eu... eu... — Todoroki cobriu as orelhas, tentando de acalmar — Eu vou treinar!
Correndo como se tivesse em risco de vida, Todoroki sumiu pela porta da biblioteca. A risada alta de Midoriya ao fundo o fez acelerar em retirada, assustando criadas e colocando os soldados em estado de alerta.
— Ele sabe ser fofo. — Midoriya sorriu gentilmente, quebrando totalmente a imagem de jovem frio que tinha em sua mente.
...
A luz vinda da enorme janela, refletida de diversas cores pelos vidros, tornou a enorme, e parcialmente vazia, sala menos sombria. Ao som de passos, o homem aproximando-se da janela, delineou sua crescente sombra no chão de mármore. Parado próximo dos vidros, a luz desenhou perfeitamente sua sombra no piso, agora grandiosa e imponente, dando a impressão de um gigante.
— A devassa ralé, povo imundo, não entende como é ignorante. — Olhando friamente pela janela, torceu os lábios, escondidos por uma máscara da peste em formato de bico, em um típico sorriso de nojo — Mas, eu esperava um pouco mais dos generais. Principalmente dos três pilares do reino.
Próximo a porta, sem ousar entrar na sala, outro homem, com o rosto completamente escondido sobre a máscara da peste, não disse nada. Silenciosamente, concordava com todas as palavras do padre.
— Aizawa não entende o tamanho do problema que causou. — Continuou a falar, com o olhar cada vez mais frio — Homem tolo o suficiente para vir xeretar meus negócios. Mas, apesar de eu odiar muito pessoas intrometidas... sabe qual a coisa que eu mais detesto?
— Não, padre Chisaki. — O homem respondeu — Me ilumine, por favor.
— Incompetência. — Olhando para trás, Chisaki encarou seu subordinado mais inteligente — Mesmo administrando as arenas por anos, sem problemas, vocês foram burros o bastante para dar nosso nome? Quem foi o idiota responsável por isso?!
— Não foi coisa nossa. — O homem abaixou a cabeça, respeitoso — O príncipe Shindo foi o responsável por isso.
— Aquele asno? Quer que eu acredite nessa bobagem?! — A voz de Chisaki se ergueu um pouco, expondo sua ira.
— Pessoas de Viran estão aconselhando o príncipe, um homem deles chegou a ir até o palácio. — O homem continuou a explicar, calmo e respeitoso.
— Viran? — O padre desdenhou — Aquele povo insano e estranho? Vocês deixaram aqueles idiotas passarem a perna em nós? O quão burros vocês realmente são?
— Mas...
— Cale a boca! — O padre ralhou — Sabe o quanto as outras igrejas estão furiosas?! Incompetentes! Nossos planos estão em risco por causa dessa merda, Kurono!
— Me puna, padre. — Kurono ajoelhou-se, totalmente submisso.
— No que isso ajuda?! — Chisaki ladrou, sem paciência — Ao invés de castigo, te darei um serviço. Você vai consertar isso, e livre-se dos intrometidos de Viran.
— Como desejar, padre. — Kurono apoiou a cabeça no chão, prostrado em rendição.
— Noticias da família Uraraka? — Voltando a expiar pela janela, perguntou depois de se acalmar.
— Sim. — Kurono sorriu por trás da máscara — Eles se esconderam na casa do comandante Bakugou.
— O garoto do fogo? — O padre gargalhou — Quando aquele porco me disse que poderia me dar Izuku novamente, eu não pensei que ele agisse imediatamente. Usando justamente o garoto do fogo... ele não é tão idiota.
— Ele ainda não descobriu onde Midoriya está. — Kurono relatou — Nem pistas.
— Tudo ao seu tempo, eu não estou com pressa. — Chisaki relaxou visivelmente — Não podemos nos dar ao luxo de pega-lo agora, de qualquer maneira. Aquela herege sapo deixou bem claro que fará de tudo para protege-lo.
— Podemos dizima-los. — Kurono afirmou.
— Podemos, diácono Kurono. — O padre acenou em concordância — Mas, ainda não podemos deixar o rei saber de nossa força. Esperaremos pela coroação de Momo.
— A princesa tem agido sem nós. — O diácono observou, deixando o padre saber de suas suspeitas.
— Claro que tem, ela foi educada para isso. — Desdenhou, sem se importar — Apenas devemos ter certeza que ela não vacile. Caso saia da linha, mate-a.
— Sim, padre.
— Bem, você pode se levantar. — Chisaki ordenou, sem olhar para trás — Cuide dos problemas causados por sua incompetência, e de a Aizawa algo para fazer, será chato se ele resolver meter o dedo nos assuntos do garoto do fogo também. Não apareça na minha frente sem boas notícias.
— Seguirei suas ordens, padre Chisaki. — Kurono levantou-se, saindo com passos tranquilos, em sua mente, milhares de planos começaram a circular.
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