História Judas - Sobre Pensar Em Você.

Penso em você

Por entre as telas

Pelos quadros de Matisse

Penso em você

Em um soneto ensolarado de Vinícius

Penso em você

E essa paisagem

Em cada passo mais bonita

Se revelará

E acho que até hoje

Dela eu não saí.

Jorge Vercillo – Memória Do Prazer.

XXX

O resto da tarde se sucedeu de forma pacifica, sem grandes agitações ou novidades, sem cor e sem vida alá conde drácula. Os outros dois pacientes com que conversei eram calmos e me contaram sobre suas vidas como uma senhora de idade abandonada em um asilo fala a quem quiser ouvir sobre as histórias de quando era mocinha, todo aquele remanso me deixara entediada, e eu voltei para casa com marcas expressivas em minha testa que indicavam minha irritação.

Qual das duas opções é a mais ridícula: estar irritada com Jaebum por ter interrompido meu momento intimo com Jackson – um cara que eu mal conheço e que provavelmente não deveria me aproximar – ou estar irritada por esperar que algum de meus entrevistados tentasse me estrangular enquanto proferia palavras em adoração a Anúbis.

— Ah, com certeza as duas opções são ridículas. — Disse, externando minha frustração levando minha mão destra até minha testa dando uma leve batidinha na mesma.

— Falando sozinha? — Disse Jaebum, que se livrava do casaco pesado e de toda sua usual papelada. —O que te aflige meu bem?  

Jae que estava atrás de mim me colocou entre seus dois braços e me apertou contra o seu corpo em um ato popularmente conhecido como abraço por trás. É ridículo dizer que eu preferia mil vezes o meu amigo cuidadoso Im Jaebum do que o cara apaixonado e grudento que ele havia se tornado desde que transamos ontem à noite? Sim ontem a noite, pelo jeito que Jaebum se encontra parece que fizemos isso dois séculos atrás e como um vampiro sedento por sangue procura sempre estar em contato físico comigo. Eu não vou negar que sempre desejara o corpo nu de Jaebum como um cão de rua faminto, mas eu não esperava que ele desejasse o mesmo, tampouco que este desejo carnal viesse acompanhado de um amor tão puro e simples e... Pegajoso também. 

— Nada me aflige Jae, o dia fora apenas estressante demais e eu estou louca para tomar um banho frio em seguida um chá quente e me deitar em minha linda cama. — Deitar em minha linda cama e pensar em Jackson Wang e nos internos que não me estrangularam, mas esta parte fica em segredo. — É só isso.

— Tem certeza? — Disse Jae, com a boca bem próxima ao meu ouvido.

— Sim, eu tenho. — Disse me desfazendo de seu abraço e correndo para o banheiro para que não desse tempo de ele me perguntar mais alguma coisa e eu acabar me irritando e consequentemente o magoando, porque magoar os outros é uma droga e eu em minha infeliz existência sempre tento não ferir corações alheios para que o mesmo não aconteça comigo.

Encarei o banheiro vazio e frio respirando fundo na tentativa frustrada de reorganizar meus pensamentos tão bagunçados e desconexos. Em minha concepção o é totalmente sem sentido não conseguir tirar da cabeça um homem que eu conheço a uma semana, porra uma semana, pensar em Jackson Wang estava começando a se tornar um ato agoniante e enlouquecedor de certa forma. Eu deveria estar focada em produzir um belo trabalho de conclusão de curso, ou quem sabe pensar mais em Jaebum, o cara que se declarou para mim com um olhar tão apaixonado, e que depois fez amor comigo de forma tão entregue, ele foi tão meu, mas eu não fui dele e esse é o problema central da questão. 

Ainda no âmbito da questão, podemos perceber que amar é tipo não ser estrangulada por um doente mental, você cria expectativas acerca de algo e depois nada daquilo que você passara horas e horas planejando acontece, eu sei que esta analogia é um tanto quanto tosca, mas amar é tão frustrante quanto qualquer desejo louco meu que não tenha se realizado. Fico imaginando Jaebum buscando formas para declarar o seu amor sem nunca encontrar nenhuma digna de um filme holliwoodyano, imagino ele quase enlouquecido por não conseguir parar de pensar em mim um só segundo, imagino ele inseguro em relação a como eu responderia a tudo aquilo ou imaginando ceninhas fofas de amor e todas essas outras coisas típicas de um coração apaixonado.

Em suma amar é uma droga, principalmente quando você ama sozinho. 

Suspirei pesadamente e abri a torneira que começou a jorrar a água quentinha para dentro da banheira, enquanto a banheira antes vazia se tornava cheia de água, retirei toda a minha roupa sentindo o frio de Nova York tocando minha pele agora sem roupas para amenizar o atrito. Entrei na banheira calmamente, relaxando conforme água quentinha tocava o meu corpo gélido, então recostei minha cabeça na beirada da banheira e deixei que meus pensamentos me levassem até um rosto, o rosto que recentemente havia me escravizado através de frases pouco claras e toques aprazíveis até demais.

XXX – Jackson On.

Ela é diferente.

Ela é diferente da mulher que era um sonho e logo se transformara no motivo da minha ruína. Digo, ela tem alguns pontos parecidos com a outra, mas, são poucos, na verdade bem menos do que imaginei. Eu preciso falar sobre o sorrido dela, o sorriso dela é o mais lindo que já vi na vida, o rosto todo dela se ilumina quando ela sorri, espalhando luz em meu quarto escuro. Eu também preciso falar sobre a sensação de ter suas mãos em corpo, o toque dela faz o meu coração se aquecer, dissipando o frio que como um vírus mortal nele se instalara pouco a pouco levando tudo de mim. Eu preciso falar sobre o cheiro dela, o timbre de sua voz, o seu rosto decepcionado quando ouvira o idiota do Jaebum falando que o tempo tinha acabado, sobre seus olhos, sobre sua boca, sobre a infinidade de coisas sobre ela que a tornaram infinitamente constante em meus pensamentos.

Deitei sobre o meu colchão duro e olhei para o teto plano e cinza, eu sei que estamos no inverno, sei que lá fora deve estar fazendo um frio desgraçado e que o céu deve estar tão negro quanto as orbes do enfermo possuído por um demônio que não tinha nada melhor para fazer senão infernizar a criação de Deus, mas o bom de se estar mofando aqui dentro enquanto olho para o mesmo teto e as mesmas paredes todos os dias, é que eu posso fechar os olhos e imaginar que estou deitado em uma grama verdinha e aconchegante observando um céu brilhante, cintilante, vibrante em majestade, dominante em sua imensidão.

Agora que o cenário se tornara um pouco mais agradável eu poderia pensar nela mais confortavelmente e por mais que eu saiba que ela assim como a outra, pode me destruir, resolvi imaginar mais um vez naquela noite, que não fazia mal algum pensar nela, não enquanto eu não transformasse esses pensamentos em algo que se possa tocar. O único problema de não tirar uma pessoa de dentro da sua cabeça é que é dessa forma que o individuo se instala no teu peito e ali faz morada sem previsão de quando irá embora.

Eu não quero que ela vá.

XXX - Jaebum On.

A claridade da manhã se sábado que havia acabado de se apoderar de Nova York se apoderara também do meu quarto. Eu fui dormir tão frustrado e irritado por a s/n ter fugido de mim daquela forma, que sequer fechei as cortinas para que a claridade da manhã batendo em minha janela não me acordasse tão cedo. Contudo não fechar a cortina não se tornou um problema graças ao fato de que eu não conseguira fechar os olhos nem por um minuto, minha cabeça planejava sem parar um modo de afastar a moça que dorme no quarto ao lado do meu paciente preferido em todo o universo.  

Por falar em insônia e irritar-se frequentemente, meu estado de irritação não cessa nem por um segundo desde que s/n começou a se envolver com a pessoa que eu mais odeio nesse mundo, vulgo Jackson Wang, sou forçado a pensar que aquele ser dos infernos veio nesse mundo apenas para ser a pedra no meu sapato, a árvore tombada no meio da estrada que me impede de seguir viagem. É ridículo como o destino sempre dá um jeito de envolver ele nos meus planos, fazendo com que todo o meu esforço de anos se perca em segundos. Mas dessa vez eu não vou o deixar estragar tudo, não vou permitir que ele envolva a s/n em sua vida decrépita, não vou permitir que eles continuem trocando aqueles olhares confidentes, também não vou aceitar que ele roube o amor que é destinado a mim, somente a mim. Jackson Wang destruiu os meus planos apenas uma vez e eu dei um jeito de fazê-lo pagar por me irritar tanto assim, o preço foi caro, muito caro, e o seu coração ridiculamente apaixonado deu um jeito de deixar tudo muito pior pro seu lado, sendo que ele fez tudo, fez muito, por uma mulher que nunca o amou verdadeiramente.

Sim, ela nunca o amou, pelo menos era isso que ela dizia sempre que ia pra cama comigo.

No mais passar horas em cima de minha cama, girando de um lado para o outro, assombrado por lembranças de um passado distante, fora útil para que eu pudesse definir os primeiros passos do plano que começava a arquitetar em minha mente maquiavélica. Após fazer uma ligação para um velho e agora essencial para que tudo desse certo, amigo, levantei-me e cuidei de minha higiene matinal, precisava estar apresentável para encontrar um velho e leal parceiro de guerra.  

XXX

— Vai sair? — Disse s/n, ao me ver saindo de meu quarto devidamente arrumado.

— Bom dia para você também. — Respondi, quase caindo para trás quando vi o roupão de seda vermelho e curto que cobria o seu corpo.

Essa mulher me enlouquece.

— Bom dia Jae. — Disse ela, abrindo um sorriso solar.

— Agora que você agiu com educação eu posso responder sua pergunta. Eu vou sair vou encontrar com um amigo. — Disse eu.

— Legal, divirta-se. — Disse ela, levantando-se do sofá que abrigava seu corpo, depositando um beijo doce em minha bochecha.

— Ah, você e sua capacidade de me deixar todo mole. Eu sou fácil demais pra você. — Disse eu, aproveitando sua proximidade para puxar ela para um abraço.

— Você não acha que está grudento demais. — Disse ela, se soltando de meu abraço com um sorriso cínico em seus lábios.

— Eu não acho que estou grudento demais, acho que estou apaixonado demais. — Confessei.

— Não me pressione, por favor, Jae. — Disse ela, com a voz manhosa.

— Eu não estou te pressionando, eu apenas não consigo mais guardar este amor todo só para mim, por favor, não me repreenda. — Pedi.

— Tudo bem, apenas vamos deixar as coisas acontecerem devagar e naturalmente. — Concluiu ela.

— Certo, vamos apenas deixar acontecer naturalmente. — Finalizei a conversa me encaminhado até porta, lhe acenando com a mão destra antes de sair. Deixar acontecer? Não, eu sou do tipo que faz com que as coisas aconteçam e desta vez não será diferente.

XXX

Após duas horas de metrô finalmente cheguei  ao café que havia marcado o encontro. Entrei no local e como sempre observei cada rosto que havia ali, precisava ficar a pá de qualquer perigo que lugares públicos pudessem me oferecer, apesar de o risco ser quase nulo, ainda acho que é sempre ter cuidado, muito cuidado.

— Im Jaebum?

Ouvi uma voz conhecida a me chamar, e logo me virei com um sorriso estampado em meu rosto.

— Kim Yugyeom, há quanto tempo. — Disse, sentando-me a mesa, em uma cadeira de frente para o mesmo.

Em resposta obtive um sorriso condescendente que guardava em si memórias de todas as maldades que havíamos feito juntos, de um passado agora não tão distante assim, pois ver Yugyeom tornara em minha memória as lembranças daquele tempo mais vívidas, mais coloridas.

Eu estava com saudade de fazer o mal, tive a certeza assim que vi meu velho parceiro em minha frente.