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História Just Another Way - Magias e sentimentos inúteis


Escrita por: 4sevendevils

Capítulo 65 - Magias e sentimentos inúteis


Fanfic / Fanfiction Just Another Way - Magias e sentimentos inúteis

Sou obcecada por livros desde pequena. Lembro-me que quando criança, mamãe lia histórias antes de dormir para mim e para os meus irmãos, mas eu era a única a ficar fascinada com a quantidade de coisas e mundos diferentes que cada leitura nos proporcionava. Eu nunca fui sociável demais, tinha poucos amigos na escola, quase não falava com ninguém e isso piorou ainda mais quando os meus pais se separaram. No mesmo período eu comecei a ter dificuldade para prestar atenção, meu cérebro funcionava de maneira lenta, eu não conseguia me concentrar e muito menos desenvolver alguma coisa porque tudo me dispersava. Até que fui diagnosticada com dislexia; um transtorno ligado ao déficit de aprendizagem e assimilação. Até hoje o meu cérebro funciona em um ritmo próprio e talvez por isso eu seja tão desastrada.

 

Mas apesar disso eu gostava de ler, os livros sempre foram os meus melhores amigos. Eu pegava vários deles na prateleira de minha mãe, me sentava no chão e lia um por um. As vezes não entendia e precisava reler de novo, mas eu nunca desisti, insistia até que a história fizesse sentido em minha cabeça. Eu gostava de criar outras realidades, de ficar tão presa à narrativa que acabava por criar um mundo onde só eu e os personagens fictícios existiam. Eu vivia no famoso mundo das fantasias; era uma criança fácil de impressionar e acreditava em qualquer coisa: bruxas, fantasmas, criaturas místicas... Por um lado isso contribuiu em meu tratamento, eu peguei apreço por livros e me interessava por qualquer gênero, desde os antigos de minha mãe, até romances juvenis. O problema fora mesmo na escola. Eu nunca me dei bem com raciocínio lógico e esse meu interesse pela escrita e pela leitura corroborou para que eu, se quer tentasse aprender outras coisas. Minha mãe então, passou a trancar sua sala de estudos e eu só tinha permissão para entrar quando acabava os meus deveres; e assim foi até a minha adolescência. 

 

Quando passei a estudar longe de casa as coisas mudaram, eu comecei a andar sozinha por Londres, frequentava bares, cafés, museus e a biblioteca nacional, onde estou agora. Este é o meu lugar favorito até hoje, minha casa não cabe todos os livros que eu gostaria de ter e é por isso que eu venho aqui, escolho alguns, leio e depois coloco de volta no lugar. Estou no último corredor, na sessão de clássicos britânicos; estico o meu braço até a primeira prateleira de cima e puxo um livro de poesias de William Blake, o meu poeta favorito. Eu me identifico com os seus poemas, ele acreditava nos poderes mágicos, em anjos e em coisas sobrenaturais descrevendo-os sempre com um sentimentalismo extremo. Blake também gostava de ilustrar as coisas que escrevia, suas páginas são cheias de desenhos e cores, ele tinha um talento absurdo para arte e isso sempre me inspira.

Escolho mais alguns livros e junto-os em minhas mãos, caminho para fora das prateleiras de cabeça baixa, observando um deles distraidamente. Tropeço no final do corredor e esbarro em um senhor que se apoia em uma das colunas deixando os livros que carregava caírem no chão, assim como os meus. Ponho-me envergonhada na mesma hora e abaixo-me para pegar suas coisas que caíram.

 

– Me desculpa! – recolho os livros – Eu sou um desastre!

– Tudo bem! – ele também se abaixa e observa os meus livros – Jane Austen, Virginia Woolf, William Blake... Você é professora?

– Não... – sorrio sem graça – Eu só gosto de literatura clássica.

– Tem bom gosto! – ele se levanta entregando-me – Os clássicos também são os meus preferidos.

 

O homem aparenta ter uns 50 anos de idade, tem cabelos grisalhos, óculos de lentes grossas e veste um terno de alta costura e uma gravata folgada no pescoço. Parece alguém importante e inteligente.

 

– Me desculpa, mais uma vez! – olho para ele – Eu não sei onde eu estava com a...

– Ah que isso, não se preocupe – ele estende a mão – Tom Weldon, prazer!

– Florence! – cumprimento-o – Florence Welch!

– Sabe que você não me é estranha? Eu conheço o seu nome... – ele franzi a sobrancelha – Você trabalha em um programa de TV ou algo do tipo?

– Não, não – solto uma gargalhada contida – Eu sou cantora, talvez você já tenha me visto em algum lugar.

– Eu sabia! – ele balança a cabeça – Você é filha da Evelyn Welch, não? Você já recitou poesias no museu de arte. Eu lembro de você.

– Era um evento da minha mãe – fico ainda mais sem graça – O senhor estava lá?

– Eu lecionava em Oxford e na King’s, conheço Evelyn não é de hoje!

– Nossa, que coincidência!

 – Realmente... E como está a sua mãe? – ele me indaga – Vejo que você puxou a ela no quesito bom gosto literário.

 – Ela está bem, continua dando aula e escrevendo livros sobre arte e história.

 – Eu sinto falta da sala de aula... – ele se afasta sentando-se em uma das mesas próximo a prateleira em que estávamos – Ensinar é um dom para poucos, Florence.

 – E o que você faz atualmente? – questiono-o, sentando-me a sua frente.

 – Sou CEO da Penguin Random House, aqui de Londres – ele diz orgulhoso – A Penguin Books irá fazer uma exposição aqui na biblioteca nacional e eu vim assinar alguns papéis. E você? Não seguiu os passos da sua mãe por que?

            – Ah eu não tenho essa habilidade para escrever, eu me sinto mais à vontade compondo músicas...

            – Interessante... – ele parece pensativo – Eu gostaria de ver um trabalho seu, você teria algum aí com você?

 

Penso antes de respondê-lo. Eu sempre ando com o meu caderno de anotações, principalmente quando venho até a biblioteca, tenho o costume de anotar frases ou nomes que gosto, isso já me rendeu bons inícios de composições e é algo do qual eu faço sem perceber. Vou acumulando colagens de revistas e jornais, versos de músicas, alguns pensamentos meus; funciona como um diário pessoal que só faz sentido para mim, sinto-me envergonhada em ter de mostrar algo nesse nível para o senhor Weldon.

 

– Eu só tenho algumas... – falo pausadamente – Acho que não são de fato um trabalho, são apenas rascunhos, talvez...

– Deixa eu ver! – ele insiste – Nós não somos bons julgadores quando se trata de nós mesmos.

– Tudo bem! – abro a bolsa e retiro o caderno entregando-lhe – Mas não tem muita coisa útil.

– Vejamos...

 

Ele folheia algumas folhas e para em uma específica, lendo-a:

 

E o jeito de fazer isso

É através do processo simples de amor

Ame-se, perdoe-se

Você não pode amar e perdoar outras pessoas

Se você não se amar e se perdoar antes de tudo

Você tem que perceber que as pessoas são seres falíveis

Eles cometem erros, eles têm de ser dispensados desses erros

Então ame a si mesmo e ame outras pessoas

Por favor, perdoe-se

Vá em uma jornada de encontrar amor e perdão (...)

           

            – Isso é seu? – ele pergunta depois de ajeitar os óculos – É muito bonito...

            – Fez parte de um projeto para o meu último álbum – digo sem graça – Uma das músicas de um projeto visual.

            – Me parece genial as coisas que você escreve – ele continua a passar as folhas – Você nunca pensou em escrever um livro?

            – Não... – sorrio – Não, eu gosto de compor, eu não sou muito boa com as palavras desse jeito.

            – Florence, composições são palavras ritmadas, antes de serem canções são poesias e o jeito como você descreve é tão bonito como as de William Blake ou qualquer outro.

            – Está dizendo isso porque é amigo de minha mãe – encaro-o aos risos – Eu faço música! Amo a escrita, mas é só um passatempo.

            –  Deveria pensar direito nisso... – ele coça a cabeça observando as folhas – Sabe que a Penguin Books está procurando artistas para lançar livros com coletâneas de letras? Acho que aproximaremos ainda mais o público jovem das poesias contemporâneas.

            – É uma ótima ideia!

            –  E você tem todos os atributos! – ele me encara – Eu ainda não conheço o seu trabalho como cantora, mas eu fiquei realmente interessando e acho que você deveria pensar sobre o livro.

            – Olha, eu não sei... Eu... O senhor acha mesmo que eu levo jeito para isso?

            – Com certeza! – ele solta um riso – Não sou eu quem cuida dessa parte, mas eu posso te encaminhar para um bom editor e eu tenho certeza que eles aceitariam um trabalho desse. Quer saber de uma coisa? Pegue o meu cartão! Pense na ideia essa semana e me ligue, podemos marcar um café na sede da editora, eu te mostro o projeto da empresa, você se familiariza e quem sabe não fechamos algo que esteja de seu agrado... O que acha?

            – Eu acho... ótimo! – olho fixamente para ele – Eu fico lisonjeada de participar de tudo isso e do senhor ter gostado do que eu escrevo, é uma honra!

            – É uma honra para mim encontrar artistas como você – ele se levanta e olha para o relógio – Bem, eu tenho uma reunião aqui agora, preciso ir. Dê um abraço em sua mãe e me ligue, podemos marcar na próxima semana mesmo.

            – Eu vou ligar! – junto as minhas coisas – E mais uma vez obrigado!

 

            Ele se afasta apressadamente, sentido ao elevador no meio do salão. Eu vou caminhando devagar até a escada rolante. Guardo o cartão que Tom me dera e penso em sua proposta. Para falar a verdade, sempre foi um sonho escrever um livro, mas eu nunca achei que levasse jeito. Pois uma história requer lógica, e a lógica é algo distante quando se trata do que eu escrevo. Eu nunca dei um significado objetivo às minhas canções, só sei o que eu estou tentando dizer no decorrer de alguns anos. As músicas funcionam como profecias ou avisos do subconsciente, mas eu estou tão alheia a toda essa sabedoria que as previsões se tornam reais sem que eu possa se quer tentar evitá-las. Parece uma espécie de magia inútil, um poder que não serve para nada.

 

            Chego até o térreo com um sorriso bobo no rosto, acho que ainda não caiu a ficha. Tom me comparou a William Blake... Que honra, não? Eu estou feliz pelo convite, apesar de um pouco assustada. Um livro é responsabilidade demais. E se eu não conseguir terminar? Talvez eu esteja me precipitando a possibilidades que se quer aconteceram. Esboço uma expressão de preocupação, mas volto a sorrir novamente. Não é sempre que a gente tem a oportunidade de realizar um sonho desses. Deixo a biblioteca e caminho até uma cafeteria do outro lado da Rua, sentando-me em uma das mesas. Preciso contar para alguém.

 

Peço um café ao garçom e puxo o meu celular. Quero ligar para Gaga para lhe dizer a novidade, acho que ela vai ficar tão feliz quanto eu estou. Digito seu número, ouço chama algumas vezes, mas acaba por cair na caixa postal e ela não atende. Tento mais uma vez e ocorre o mesmo. São quatro horas da tarde por aqui, mas em Los Angeles ainda é cedo e ela deve estar gravando. Ela tem trabalhado bastante nesse filme, já faz um mês que não nos vimos e todos os dias em que nos falamos ela está indo ou voltando de uma gravação. Sua empolgação com as cenas é algo que me agrada, ela gosta de me contar sobre o seu o dia e modéstia parte eu sou uma boa ouvinte.

Só me irrita o fato de que ela sempre me fala sobre Bradley, diz que frequenta a casa dele, que ele está lhe ensinando andar de moto e até a jogar golfe. Não sei para que ele fica lhe convidando para esse tipo de programa se não faz parte do filme. Também não entendo o porquê de ela aceitar sair tanto com ele assim... Ela parece não ver nenhum problema nisso, geralmente o enche de elogios, como se ele fosse o melhor homem da face da terra e se quer percebe o quanto isso me incomoda. 

 

Os encontros são muitos; já escutei por mais de uma vez ele a chamando para beber e ela não recusou nenhuma. Só isso já me daria bons motivos para brigar com ela, só não faço porque sou paciente e também por conta da distância, eu não quero arrumar confusão quando sei lá quantas milhas nos separam. Mas ela sabe que não pode beber, tem consciência de que o álcool atrapalha o seu tratamento e eu já estou cansada de ter que lembrá-la disso a todo momento. Gaga é teimosa demais e isso é outra coisa que me irrita, ela se acha forte o suficiente para qualquer coisa, até para lidar com a doença que tem. Ela evita me falar sobre suas dores porque sabe que eu me preocupo, mas conhecendo seus excessos, eu não tenho como ficar tranquila com uma situação assim. Sabe-se lá quantas vezes mais ela não andou bebendo e consequentemente deixou de tomar os remédios que deveria... Inevitável não pensar nisso. 

 

Eu já deveria estar em L.A. Poucos dias depois que cheguei em casa encontrei Emile Haynie, um amigo e produtor nova-iorquino que estava passando as férias em Londres, e eventualmente marcamos um drink para falar sobre música, mas nada sólido, ainda não tenho ideia no que quero trabalhar em meu próximo disco, por isso quero ouvir opiniões diversificadas. Nosso encontro mudou o que eu pretendia fazer e eu fui ficando por aqui, não só por questões profissionais, mas acho que para mim está melhor desse jeito, se já é difícil lidar com essa aproximação entre Gaga e Bradley daqui, imagine se eu estivesse lá? Talvez eu não teria tanta paciência assim. 

 

Termino o café e levanto-me para deixar o local, acerto no caixa e continuo a caminhar pela avenida Euston, sentido a linha Piccadilly do metrô. O transporte está sempre lotado, pois dá acesso à diversas estações, inclusive a área turística. Desço as escadas, caminho até o final da estação, espero poucos minutos até o próximo e entro-me no último vagão. Está cheio, mas ninguém se importa comigo apesar de me reconhecer. Eu gosto da forma individualista e respeitadora como as pessoas se tratam por aqui. Não existe essa coisa de invadir o espaço do outro, mesmo que ele seja famoso. São poucas estações até chegar a minha. Ando mais alguns minutos e decido passar na casa de minha mãe para lhe contar da novidade. Toco a campainha e ela quem atende. 

 

– Querida! – ela abre o portão – Chegou a tempo para o café da tarde.

– Ah eu já tomei alguma coisa na rua – entro em casa – Como estão as coisas aqui? 

– Como sempre! Vamos até a cozinha, eu deixei a água fervendo.

 

Acompanho-a até o cômodo e encontro Bonnie sentada em sua cadeira, no canto da mesa. Ela está distraída com um chocalho em uma das mãos e um mordedor enfiado na boca. Aproximo-me para falar com ela:

 

– Mas o que você está fazendo aqui, bebê? – lhe dou um beijo em sua cabeça e olho para minha mãe em seguida – E Grace?

– Deixou ela aqui – mamãe desliga o fogão –  Disse que precisava de... De um momento de intimidade com Daniel.

– De novo? – sorrio para Bonnie – Grace anda muito necessitada, não é a primeira vez que ela faz isso.

– Eu tive três, sei como cuidar de um bebê é difícil e estressante.

– Mas eu não era assim, era? – indago-a aos risos – Eu chorava e não conseguia parar quieta desse jeito?

– Você nem tanto – ela despeja o café na garrafa –  Mas J.J era pior do que Bonnie.

– Nossa... – sento-me ao lado da criança – Ela está crescendo tão depressa...

– Já estão até nascendo os primeiros dentes, você viu?

 

Bonnie me encara e solta alguns gritos jogando seus brinquedos para longe. Mamãe recolhe os objetos e se senta na cadeira da frente.

 

– Mas você não me disse o que veio fazer aqui – ela diz – Moramos tão perto, mas você nunca vem no meio da semana...

– Eu tenho novidades – abro um sorriso – Novidades muito boas.

– Do que se trata? – ela cruza os braços.

– A senhora lembra de Tom Weldon?

– Tom Weldon? – ela fica pensativa – Ah, claro! O professor Weldon... Já trabalhamos juntos. O que tem ele? 

– Eu o encontrei hoje na biblioteca – lhe conto – Ele trabalha para a Penguin Books agora. Nós conversamos sobre livros, poesias e ele perguntou se eu não tinha interesse em publicar o meu próprio.

– Um livro? Querida isso é muito bom! – mamãe parece contente –  Eu sempre achei que você levasse jeito para literatura, apesar do seu pai insistir na música.

– Eu disse a ele que iria pensar...

– Mas vai aceitar, não vai?

– Vou! – sorrio dizendo-lhe com empolgação –  Eu sempre quis fazer algo assim, desde criança, você sabe. Acredita que ele me comparou a William Blake? Disse que eu poderia fazer um livro como o dele.

– Isso é maravilhoso, Florence! Como está se sentindo?

– Eu não sei! – solto uma gargalhada alta – Eu estou muito animada, mas estou com receio. Vou ligar para ele essa semana e marcaremos um encontro. 

– Pare já com essa bobeira! – ela me repreende – Não tenha medo de se arriscar, se ele convidou é porque acredita no seu talento e convenhamos que isso é o que não falta em você.

 

Mamãe se levanta e me abraça por trás, envolvendo os meus ombros.

 

– Pare de se desdenhar! – ela beija a minha cabeça – Já sabe como vai chamá-lo?

 

O telefone toca na sala e ela se afasta para atender. 

 

– Querida, olhe Bonnie para mim.

– Claro!

 

Pego a criança no colo e brinco com ela em meus braços, sem deixar de pensar no que minha mãe acabara de dizer. Talvez ela tenha razão e eu deva mesmo parar com essa insegurança boba; antes de qualquer coisa escrever é um sonho e é com isso que eu deveria me preocupar.

 

Mamãe demora a voltar. Bonnie começa a ficar impaciente e eu me levanto com ela, balançando-a para evitar que ela chore. Meu celular vibra em meu bolso e eu puxo o aparelho para olhar. É uma mensagem de Gaga: "Você me ligou? Acabei de chegar, posso retornar?" Preparo-me para digitar a resposta, mas o aparelho aponta bateria fraca e desliga em seguida. Caminho até o corredor; passo pelo meu antigo quarto e paro na frente da porta de J.J que está entreaberta. Bonnie gruda na maçaneta que faz barulho, fazendo-o reclamar.

 

– Olha Bonnie, assim não... – ele me encara – Ah é você! Não sabe bater não? 

– Desculpa... Mamãe não disse que você estava em casa. 

– Já estou de saída – ele me cumprimenta com um beijo no rosto e depois à Bonnie – Tchau monstrinho! 

– J.J eu posso usar o seu carregador? Queria fazer uma ligação, mas o meu celular descarregou. 

– Claro! Está em cima da cama, entra lá.

 

Ele se afasta e eu entro no cômodo com Bonnie. O quarto está uma verdadeira bagunça, há roupas por todos os lados, sapatos e embalagens de comida pelo chão. O guarda roupa se quer fecha de tão desorganizado e a cama ainda está do mesmo jeito em que ele dormiu. Afasto os lençóis, arrumo o travesseiro e sento-me com Bonnie no meio de minhas pernas. Em seguida conecto o aparelho na tomada, ajeito-o sob a penteadeira ao lado da cama e volto a ligar para Gaga, agora por chamada de vídeo. Dessa vez ela não demora a atender.  

 

– Oi amor! – ela acena para mim – Ah Bonnie está com você? Oi bebê!

 

Bonnie ri e grita para ela, tentando alcançar o telefone. Ela está sentada na área de piscina. Veste apenas um top e um bone na cabeça cobrindo os fios castanhos que ela pintara há pouco tempo. 

 

– Oi! – abro um sorriso – Você acabou de chegar? 

– Sim, estava gravando – ela responde – Onde é que você está?

– No quarto do meu irmão, não repara a bagunça, ele é pior do que eu no quesito organização. Como é que foi hoje? 

– Ótimo, nós gravamos de madrugada para aproveitar o nascer do sol! 

– Ah legal... Você está se divertindo?

– Não tanto quanto estaria se você já estivesse aqui – ela suspira –  Ai Flo... Olha, eu não quero fazer nenhuma cobrança, mas é que já faz mais de um mês; quando é que você volta? 

– Eu sei, eu também estou com saudade e não vejo a hora de voltar, mas...

Bonnie segura a minha mão levando-a na direção da boca, e morde um dos meus dedos com uma certa força.

– AI BONNIE! – resmungo olhando para ela – Isso dói! 

 

Ela dispara a chorar e Gaga dispara a rir.

 

– Não precisa desse choro, ok? – seguro-a de frente para mim – Mas não pode morder a tia, entendeu? Isso não é legal.

– Acha que ela entende isso? – Gaga solta uma gargalhada alta – Ela nem deve fazer ideia... 

– Do que você está rindo? – olho para ela – Você que pensa que ela não entende, nós conversamos bastante. 

 

Gaga chama sua atenção e Bonnie se cala olhando para o celular atentamente e batendo as pequenas mãos uma na outra.

 

– Já estão nascendo os dentinhos, acredita Stef? – aperto as bochechas da criança para fazer com que ela abra a boca – Por isso que ela não para de morder! 

– E pelo visto você está aprendendo a lidar muito bem com isso – ela diz de maneira irônica e aos risos – Agora sou eu quem gostaria de estar aí... Mas você tinha algo para dizer, não? 

– Ah sim! – encaro-a – Eu tenho duas notícias, uma ruim e outra muito boa, qual você quer primeiro? 

– A ruim!

– Eu vou demorar um pouco aqui ainda, talvez uma ou duas semanas, mas não é certeza – coço a cabeça – Mas vai ser por um bom motivo. A notícia boa é que eu fui convidada para publicar um livro! O que você acha? 

– Isso é incrível! – ela diz animada – É o que você sempre quis, não é? Eu sempre te vi cheia de livros e... Você deve ter vibrado com a notícia. Olha, se eu não tivesse as gravações desse filme eu tomava um avião agora mesmo e ia correndo até aí para a gente comemorar.

– Você ficou tão feliz assim? Por mais que eu vá demorar?

– Você está feliz, não está?

– Bastante!

– Então eu também estou, meu amor! – ela suspira – Se esse tempo que você vai passar aí for para realizar um sonho seu, eu aguento o que for, não será nenhum sacrifício para mim, sabe? Antes de qualquer coisa eu quero ver você feliz, seja aqui comigo em Los Angeles ou aí em Londres; sua felicidade é a minha. 

Escutá-la falando essas coisas me enche de alegria. É muito bom saber que tenho o seu apoio e que ela me compreende, por mais que eu saiba que essa distância ainda a incomoda. Ela está se esforçando para fazer com que as coisas deem certo e fora a primeira vez que ela demonstra isso tão facilmente e sem precisar que conversemos sobre.

 

– Eu vou marcar um encontro com os editores na próxima semana – digo a ela – Mas eu prometo que vou voltar logo e...   

 

– Florence! – mamãe entra no quarto interrompendo-nos – Eu a ouvi chorar e trouxe a mamadeira.

– Meu celular descarregou e eu vim buscar o carregador do J.J – olho para ela – Estou falando com Stefani.

– Ah... Oi querida! – mamãe acena para ela e se volta para mim – Quer me dar ela para vocês ficarem mais à vontade?

– Não, tudo bem – pego a mamadeira – Eu dou para ela.

 

Mamãe concorda e despede-se de Gaga deixando-nos a sós novamente. 

 

– Você lembra quando nós ficamos com ela aquela noite lá em casa, Stef? – ajeito Bonnie em meus braços – Eu acho que ela sente a sua falta... Mas não tanto quanto eu.

– Eu lembro, foram as melhores férias da minha vida –  ela abre um sorriso – Precisamos fazer aquilo de novo, ter um tempo só para nós.

 

As mãos de Bonnie se enroscam em meus cabelos e ela os puxa para baixo enquanto suga a mamadeira. 

 

– Amor, não puxa o meu cabelo – digo em voz baixa, desenrolando os fios das mãos dela – Mas que coisa você! Tirou o dia para me machucar, foi? 

– Vocês duas juntas são a coisa mais fofa e engraçada que existe – Gaga volta a rir – Sabe que Bradley também tem um bebê de poucos meses? Outro dia ele a levou até o estúdio e eu fiquei encantada.

– Ah, ele tem um filho? – mudo de expressão – Eu não sabia.

   – É uma menina! – ela ri – E ele é um pai tão amoroso...

   – Faço ideia... – digo num tom seco – Você tem... frequentado a casa dele?

    – Não muito.

    – Mas vocês têm saído? Saído juntos? Ele tem convidado você para fazer... coisas?

  – Às vezes. Eu já te disse que ele está me ensinando a pilotar moto, nós ensaiamos também e... Por que essas perguntas? – ela desconfia – Qual o problema?

  – Nada... Eu só perguntei porque você andou bebendo com ele – digo num tom sério e disfarçadamente – Andou bebendo mais de uma vez e eu não gosto disso. Ele sabe que você não pode?

  – Ah é isso! – ela dá de ombros – Florence, eu já te falei que eu estou me cuidando, você não precisa se preocupar com isso, ok? Pare de confabular coisas que não existem.

           

            Depois de um tempo Bonnie acaba a mamadeira e se senta novamente em meu colo. Procuro um motivo para encerrar essa conversa. “ Pare de confabular coisas que não existem”, será que não existem mesmo? Será que ela não percebe? Será que Alessandro não estava certo quando falou sobre o histórico de Bradley? Ela fala sobre ele de uma maneira tão natural e melosa que chega a me irritar. Levanto Bonnie e depois olho para o celular, dizendo num tom baixo:

 

            – Acho que ela precisa trocar a fralda, vou leva-la para minha mãe.

            – Tudo bem... Florence?

            – O que? – abaixo a cabeça

            – Não quero que fique irritada – ela me manda um beijo – Eu não estou passando dos limites, eu juro para você.

           

            Eu não respondo.

 

            – Sabe que você já é minha escritora favorita, não sabe? – ela volta dizer – Não vou encerrar se você estiver com raiva.

            – Eu não estou! – sorrio – Mas eu preciso levar Bonnie...

            – Certo... Ainda me ama?

            – Claro que amo – olho para ela – Tchau!

 

       Encerro a ligação já com vontade de chorar. Insegurança, incerteza, desconfiança, são todos sentimentos inúteis e que também não servem para mais nada além de alimentar as paranoias que se instalam em nossa cabeça. Estou aflita com essa situação e não posso me abrir com ela, porque ela poderia pensar que eu estou arrumando empecilhos para o seu trabalho no filme e eu não quero dar mais motivos para Bobby achar que eu a atrapalho. Mas preciso falar com alguém... Há uma mensagem de Isabella no visor já faz um tempo. Decido ligar para ela. Levo Bonnie até minha mãe enquanto chama e vou até a calçada; preciso tomar um ar.

            – Alô? – Isa atende – Floren...

            – Isa, você tem visto Stefani?

            – De vez em quando. Mas você...

            – Sabe algo sobre Bradley Cooper? – indago-a – Ashley te contou alguma coisa?

            – Não, quem é esse? – ela parece confusa – Eu e Ash não falamos sobre as coisas de Gaga, muito menos sobre vocês. Foi o combinado depois que nós brigamos da outra vez, por causa daquela confusão das fotos.

            – Mas você pode perguntar a ela não pode? Eu só quero saber se eles estão se encontrando e...

            – O que houve, Florence? – ela me indaga – Está agitada, falando coisas sem sentido, isso não é um bom sinal.

            – É esse Bradley! – digo irritada – Ele é diretor do filme que Stefani está fazendo, mas parece que ele não sai de cima dela, entende? Eles estão sempre juntos, ela vai na casa dele, ele a leva para beber e mais um monte de coisas... Ela até mudou o cabelo porque ele sugeriu, acredita? Eu encontrei Alessandro outro dia e sabe o que ele disse? Que esse Bradley gosta de mulheres famosas, que não perde a oportunidade com nenhuma; acha que ele vai perder com ela? É obvio que não! Não é sempre que uma Lady Gaga te...

            – Você enlouqueceu? – Isabella me interrompe – Está paranoica por causa de um diretor qualquer que você nem conhece?

            – Eu tenho motivos para estar paranoica – aumento o tom – Preciso que me ajude Isabella...

            – Ajudar no que?

            – Pergunte a Ashley, ela deve saber melhor do que ninguém...

          – De jeito nenhum! – ela se irrita – Olha, você está inventando paranoias e eu não vou te ajudar nisso. Se está com algum problema com Gaga, diga a ELA, pergunte a ELA e se abra com ELA. Sabe que ficar acumulando as coisas não dá certo.

            – Não posso dizer, eu preciso apoia-la no filme. Achei que amigas fossem para isso.

            – Justamente por ser sua amiga que eu não vou compactuar com isso. Converse com ela você mesma.

            – Mas eu só queria que... Ah quer saber? Dane-se!

 

            Desligo o telefone e me sento no chão. Estou com raiva. Isa deveria me ajudar, o que custa perguntar? Ela também, não faz porque não quer. Fiquei tão irritada que se quer me lembrei de perguntar como ela estava, como está o projeto novo em que ela está trabalhando e muito menos lhe contei sobre a novidade do livro. Logo um arrependimento me bate, mas o arrependimento é o sentimento mais inútil que existe, pois por mais que você o tenha, dificilmente pode mudar o que já fez. De qualquer jeito, decido ligar para ela novamente para lhe pedir desculpas.              

             

             


Notas Finais


O poema para relembrar: Florence + The Machine - Delilah https://youtu.be/zZr5Tid3Qw4


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