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História Just like water - Parte VIII


Escrita por: lovisacansino

Notas do Autor


Capítulo dedicado a surtosdaeva - primeiro, pela capa linda que fez pra minha fic, e segundo, porque NINGUÉM queria tanto as explicações desse cap quanto ela.

Obrigada as todas pelos comentários e pelos tweets. Fico muito feliz que vocês estejam curtindo!

Capítulo 8 - Parte VIII


“Charmoso como sempre. Pena que eu já sei que você não passa de um galanteador de quinta”

“Se acha isso, porque concordou em sair comigo hoje?”

“Ótima pergunta”, rebateu ela, se perdendo em seus pensamentos e tentando encontrar uma resposta. “Ótima pergunta, Matias”

x

“Você acredita que as pessoas possam mudar?”

“Claro. Você está me dizendo que mudou?”

“O homem que te machucou não é o mesmo homem que está aqui agora”

“O que isso quer dizer?”

“Que eu errei. Não lhe tratei como você deveria ser tratada. Não lhe dei o valor que merecia. E isso tem doído em mim todos os dias desde então. Eu preciso que você me perdoe”

“Já faz tanto tempo”

“Eu sei. Mas eu nunca deixei de querer estar ao seu lado”

“Você quer… tentar de novo?”

“Você acha que isso é possível?”

“Acho… acho que sim”

Violeta desligou a televisão, irritada. Filme idiota com diálogos mais idiotas ainda. Ela com certeza não iria encontrar entretenimento de qualidade na televisão às onze da noite de uma quarta-feira.

Não conseguia dormir. Depois do jantar fracassado com Matias (contava como jantar, se ela tinha ido embora antes da entrada chegar?), ela tinha chegado em casa irritada, cansada, confusa. Eugênio tinha enviado uma mensagem, chamando-a para beber um vinho na casa dele. O coração de Violeta apertou - queria, mais que tudo, subir no apartamento dele agora. Mas com que cara ela ia chegar lá, depois de tê-lo ignorado a noite toda porque tinha saído com o ex-noivo?

Não que ela estivesse pensando em ter nada com Matias de novo. Mas parecia que ele tinha adivinhado - mandou aquela mensagem bem em um momento de… fragilidade? Confusão? Vulnerabilidade? 

x

“Se acha isso, porque concordou em sair comigo hoje?”

“Ótima pergunta. Ótima pergunta, Matias”

“Então, me diga. O que você tem feito nesses últimos anos?”

“Sério, Matias? Você me chamou pra sair pra saber como anda a minha vida, foi isso?”

“Não é por isso que as pessoas saem, se encontram? Para conversar?”

“É, mas a gente tem assunto muito melhor para tratar do que esse tipo de coisa”

“Que assunto, Violeta?”

“Ah, sei lá. Talvez possamos começar pelo pedido de desculpas seu que nunca veio. Sabe, por todo aquele negócio lá… O que é que foi mesmo? Ah, sim. Por ter me traído com a sua secretária e por ter me traído com a recepcionista da academia. Fora as outras traições que eu nem fiquei sabendo. E já que a gente tá falando de desculpas, acho bom incluir aquilo de você ter tentado colocar a culpa em mim por ter me traído, lembra? Todas as vezes que você disse que eu não era boa de cama o suficiente pra te segurar em casa, que eu trabalhava demais, que eu dava atenção demais à minha irmã e à minha família, que eu passava tempo demais com o nariz enterrado num livro, então claro que você precisou buscar atenção em outros lugares, porque quem é que ia querer ficar do lado de uma pessoa tão entediante quanto eu? Ah, acho importante também falar das brigas que você arranjou comigo por conta das minhas roupas, do meu comportamento, da minha risada alta, por causa daquela vez que eu corri pra abraçar Heloísa na rua, ou de quando eu dancei com Olivia no meio do shopping, ou basicamente qualquer coisa que eu fazia nos raros momentos de espontaneidade e alegria. Não sei, Matias, o que você acha? Esse é um assunto mais importante do que ‘o que você tem feito da vida?’”

“Violeta, por favor. Pra que trazer tudo isso de volta? Não ficou no passado?”

“Pra você, sim. Mas não pra mim, Matias. Você me machucou bastante”

“A gente se conhece tão bem. Passamos por tanta coisa juntos. Por que reduzir nossa relação a esses pequenos momentos que deixaram a desejar?”

“Não foram pequenos e não ‘deixaram a desejar’. Isso acabou conosco, Matias, acabou comigo. Será que você não consegue perceber isso? Será que você não se sente nenhum pouquinho culpado por tudo o que aconteceu?”

“Violeta, eu sinto muito se você se machucou durante nosso relacionamento”

“Eu não me machuquei, Matias, você me machucou”

“Eu sei, eu sei, mas por que a gente não esquece tudo o que aconteceu? Podemos começar novamente. O que você acha? Lembra daquele chalé que alugamos em Petrópolis? Que tal passarmos um final de semana lá de novo, juntos?”

“Assim, como se nada tivesse acontecido?”

“Por que não?”

E foi nesse momento que Violeta percebeu que não era para estar ali. Não sabia o que estava esperando ao sair com Matias, mas talvez tivesse alguma esperança de que ele pudesse ao menos reconhecer os erros que cometeu com ela. Talvez, assim, ela pudesse curar algumas feridas que continuavam abertas e que a impediam de seguir em frente da maneira que gostaria. 

Mas, não. Ele nunca lhe pediria perdão, nunca ao menos admitiria que algum dia errou. 

Foram anos de alfinetadas, reclamações, insatisfações. Nada do que ela fazia estava certo ou bom o suficiente, tudo nela precisava ser melhorado ou mudado ou arrumado ou consertado. 

Ela queria mais do que isso. 

Ela merecia mais do que isso.

“Tenho que ir, Matias”

“Como assim? Você chegou não tem nem 20 minutos”

“E já foi tempo o suficiente pra entender que tô perdendo meu tempo. Olha só, que maravilha, tô melhorando. Da última vez, precisei de seis anos”

x

Bloqueou o contato de Matias no momento em que pisou em casa. Pronto. Chega. Não tinha motivo algum para desenterrar aquele cadáver, pensou ela, fechando os olhos e virando o rosto para o sol.

Eugênio ainda não tinha chegado, e ela o aguardava com um nó no estômago de ansiedade.

Ela nem tinha se dado ao trabalho de tirar o livro da bolsa. 

Não ia esconder que queria conversar com ele. Não sabia exatamente o que queria dizer, mas contava com uma inspiração divina para lhe iluminar na hora.

“Bom dia”

Ela sorriu ao ouvir a voz dele e se sentou na cadeira mais próxima - tão tensa, nem tinha percebido que ainda estava de pé. 

“Bom dia, Eugênio. Me desculpe por não ter respondido sua mensagem ontem. Saí com uns amigos”

“Tudo bem”, ele sorriu enquanto se acomodava na espreguiçadeira e abria um livro - o de Sophia de Mello Breyner, que ela tinha dado de presente. O coração dela se aqueceu. “Queria comemorar com você, mas como não fizemos planos, imaginei que você tivesse saído”

“Comemorar?”

“Sim. Lembra que eu saí correndo ontem por causa de uma reunião? Era uma reunião complicada e, bem, tive um ótimo resultado com ela. Cheguei em casa tarde, mas quis abrir um vinho e brindar com você”, ele falou. Era claro que ele não queria fazê-la se sentir culpada. Mas ela se sentiu mesmo assim.

“Então era mesmo uma reunião?”, ela deixou escapar sem perceber.

“Anh?” 

“Nada”, riu ela. “É que às vezes as pessoas dizem esse tipo de coisa pra ir embora no dia seguinte. Facilita as coisas”

Ele soltou o livro no colo e inclinou-se na direção dela, olhando profundamente em seus olhos enquanto falava. “Violeta”, começou ele, pausadamente, com calma, como se quisesse se certificar que ela estava registrando cada palavra que ele sussurrava tão perto dela, “que motivo eu teria para inventar algo assim?”

Ela deu de ombros, desviando o olhar. Não queria responder. Sendo confrontada tão diretamente, ela percebeu que essa tinha mesmo sido uma ideia ridícula. Como poderia ter pensado algo assim dele? 

“Olha pra mim, Violeta”, ele disse com tanta delicadeza que ele não teve escolha a não ser olhar, “Eu nunca faria isso com você. Não vou mentir dizendo que não sou esse tipo de homem. Já fui, sim. Mas não seria com você”

Parte dela queria acreditar nisso, parte dela já acreditava - mas tinha uma parte, pequena, diminuindo a cada dia, mas ainda existente, que insistia em dizer que isso era conversa fiada, truque barato para levá-la para a cama mais algumas vezes.

“Por mim”, ele continuou, acariciando o rosto dela e fazendo um arrepio correr por todo o corpo de Violeta, “a gente estava na cama até agora”

Quando ele a beijou, ela sentiu a já familiar sensação de ter a pele em brasa, queimando de dentro pra fora. Se concentrou naquilo ali, nele, na mão que ainda segurava seu rosto e na outra que se enterrou em seu cabelo, puxando levemente, estimulando-a a abrir mais a boca, deixar a língua dele passar e se envolver com a sua, preguiçosamente, como se eles tivessem todo o tempo do mundo.

E talvez tivessem, mesmo.

“Janta comigo hoje?”, ele disse quando os lábios se separaram, “Posso cozinhar para você. Bebemos um vinho juntos, lhe conto mais sobre a minha reunião, você me conta como foi sua noite com seus amigos ontem”

Ele falou como alguém que genuinamente queria saber - não por ciúmes ou por achar que ela estava enganando-o, mas por uma curiosidade comum, tranquila, sem segundas intenções, uma curiosidade de quem se importa. 

De quem está vivendo uma coisa não tão casual assim. 

“Se você não quiser, não tem problema”, ele sorriu, “mas confesso que quero muito que você queira”

“Pode ser”, ela respondeu, sem firmeza.

Nenhum dos dois poderia dizer com certeza se ela iria ou não.

x

Eugênio Barbosa era um homem metódico, de gostos e hábitos simples e de rotinas bem programadas. Acordava às 5h todos os dias, se exercitava - gostava de correr pela orla da cidade -, trabalhava, geralmente cozinhava à noite, lia um pouco, dormia cedo. Raramente sua rotina era alterada, e, quando isso acontecia, geralmente era por um compromisso de trabalho. Não tinha muitos amigos no Rio, a maioria tinha ficado em São Paulo, onde ele morava até receber uma proposta de emprego irrecusável.

Com as responsabilidades de diretor de uma das maiores empresas de logística do Brasil, veio também a necessidade de mudar de estado. Não foi fácil. Gostava do Rio, de onde havia saído logo após se formar na faculdade, mas Eugênio não era um homem propenso a mudanças ou grandes aventuras. Pensou muito antes de aceitar a proposta, mas, no fim das contas, não poderia dizer não. Foi para isso que trabalhou toda sua vida, para ser reconhecido e respeitado na carreira que escolheu. E, afinal, o que ele realmente estaria deixando para trás? Não tinha família - era filho único e os pais já não estavam mais aqui. Tinha amigos, mas não poderia deixar passar essa oportunidade por causa dos amigos, poderia? Romanticamente, fazia muito tempo que não tinha ninguém, desde Dirce. Não que ainda a culpasse; ela era uma boa pessoa que cometeu um erro. O traiu e o machucou, sim, mas já a havia perdoado há anos, e hoje sabia que tinha sido melhor assim. Não eram a pessoa certa um para o outro. Depois dela, não teve ninguém, não dessa maneira. Ninguém que durasse mais que algumas noites. Ninguém que tivesse segurado sua atenção por muito tempo. Era livre.

Então se mudou. Ao chegar no Rio, passou alguns meses morando em um hotel até encontrar um lugar que lhe agradasse. O apartamento escolhido era amplo, novo, bem cuidado, e tinha espaço mais do que suficiente para todos os livros que ele tinha mandado trazer da casa antiga.

E essa era a única grande paixão de Eugênio: a leitura. Assim que começou a aprender a ler na escola, sua avó havia lhe presenteado com seu primeiro livro, As Fábulas de Esopo - histórias curtas e simples com lições que, tinha dito ela, toda criança deveria aprender. Ela não estava errada - Eugênio devorou o livro e aprendeu tanto que prometeu a si mesmo que, se um dia tivesse filhos, este seria o primeiro livro que ele ou ela ganharia também. 

Era de sua avó todo o mérito por seu gosto pela leitura. Depois daquele primeiro livro, ela lhe deu inúmeros outros em todas as ocasiões possíveis, uma vez substituindo até o tradicional ovo de chocolate na Páscoa por um exemplar de Senhor dos Anéis. Foram livros de fantasia, de mistério, de crime, de drama, de romance. A avó morreu quando Eugênio tinha 18 anos e já acumulava incontáveis pilhas de livros pelo chão do quarto.

Ao visitar o prédio, o corretor, já sabendo da paixão de Eugênio pelos livros, enfatizou todo o espaço livre do apartamento e todas as estantes que poderiam ser colocadas ali. Ele mal tinha terminado a frase quando Eugênio pediu o contrato para assinar. Não precisava de mais nada.

Um dos maiores atrativos do prédio, tinha dito o corretor, além da localização, era a enorme piscina aquecida que ficava na cobertura. Mas isso não lhe encheu os olhos - Eugênio não gostava de piscina. Preferia o mar (tinha até aprendido a surfar quando era mais jovem, mas já tinha esquecido tudo), a imensidão do oceano, o balançar das ondas, o contato direto com a natureza. Não via graça em piscina, achava entediante.

Até visitar a piscina do seu novo prédio pela primeira vez. 

Eugênio tinha acordado cedo, mais cedo do que de costume - ainda não tinha se acostumado com a nova cama, o novo travesseiro, o novo espaço - e se sentiu sufocado dentro do próprio apartamento. Não era um dia quente, não tão mais quente do que todos os outros, mas as últimas mudanças ainda o deixavam um pouco desorientado. Sabia que tinha feito a escolha certa, disso não tinha dúvidas. Mas se sentia ainda inquieto, ansioso.

Ao chegar na área da piscina, escolheu a cadeira mais perto da sombra e abriu o livro que levava consigo. O livro do desassossego, de Fernando Pessoa, que já tinha lido várias vezes antes. Gostava de retornar aos mesmos lugares, às mesmas pessoas, aos mesmos livros. Era uma criatura de hábitos. Não gostava de surpresas.

Mas teve uma grande naquele dia. Não a viu de início, tão focado que estava na leitura, e só foi perceber que não estava sozinho quando ela saiu da piscina. “Com licença”, ele disse, sem levantar o olhar do livro, “a senhora está molhando meu livro”

“É que, como o senhor pode ver, está sentado na minha cadeira. Minhas coisas estão aqui”

“Não tinha nada aqui quando sentei”

“Meu livro e minha toalha estavam aqui o tempo todo, na mesinha que fica ao lado da espreguiçadeira”. 

Ele deu uma olhada rápida de canto de olho e constatou que ela estava certa, mas não daria o braço a torcer. Talvez assim ela aprendesse a ser mais educada. “Que bom que não sentei na mesinha, então”

“O senhor entendeu o que eu quis dizer”, ele conseguia ouvir a frustração na voz da mulher. 

“A espreguiçadeira não tem dono, minha senhora” 

“Eu sei que não tem dono! Só estou dizendo que minhas coisas estavam aqui, na mesinha que fica colada com esta espreguiçadeira, logo, é de se entender que eu estava usufruindo desta espreguiçadeira em particular. Qualquer pessoa, em respeito a mim, que cheguei aqui antes, teria escolhido qualquer outra espreguiçadeira ao perceber que esta aqui estava ocupada”.

“É, mas eu não percebi”, disse ele, se divertindo.

“Talvez da próxima vez o senhor preste mais atenção no que está acontecendo a sua volta”

Ele suspirou e fechou o livro finalmente, olhando pela primeira vez para a mulherzinha irritante que não parava de reclamar. 

Sua boca secou.

Eugênio sentiu um calafrio percorrendo seu corpo. 

Bem, isso certamente tinha sido uma surpresa.

 “Olha só, eu não sei que bicho mordeu a senhora…”

x

Eugênio voltou para casa em transe. Ainda não entendia o que tinha acontecido. Não sabia o nome da mulher, tinha trocado poucas palavras com ela - todas elas extremamente hostis - e mesmo assim, não podia evitar pensar que havia algo de diferente nela. E nele, na maneira como ele reagiu a ela.

Não sabia o que era aquilo, só sabia que queria conhecê-la. Precisava conhecê-la. 

E foi isso que fez ao longo das próximas semanas. Eugênio tornou-se um assíduo frequentador da piscina do prédio em que morava. Todos os dias, às 6h58, entrava no elevador com destino à cobertura, sempre com um livro embaixo do braço, apesar de perder toda a vontade de ler no momento em que avistava Violeta. Aos poucos, construíram uma espécie de amizade, e conversavam sobre tudo. Ele lhe contou sobre Dirce, e ouviu dela algumas poucas palavras sobre Matias, o ex-noivo.

Eugênio aprendeu que Violeta, tão marcada pela vida, era uma mulher extremamente forte e decidida. Aprendeu que ela via competição em tudo, que não admitia sair por baixo ou ser menosprezada. Aprendeu que, apesar do gênio difícil e a pose de mandona, Violeta era uma das pessoas mais doces que já havia conhecido. Colocava a família em primeiro lugar, adorava as sobrinhas e era capaz de matar pela irmã. Não gostava muito de cozinhar e seu programa preferido era ouvir música enquanto lia e bebia vinho. Amava viajar e o fazia constantemente, com amigos, família ou sozinha. Compartilhava do amor dele por Fernando Pessoa e, vez ou outra, citava uma frase do poeta português no meio de uma conversa, fazendo Eugênio sorrir como um bobo. Seus escritores preferidos eram Sophia de Mello Breyner e Gabriel García Marquez. Assim como Eugênio, também tinha passado os anos de ensino médio e faculdade devorando todos os livros de Agatha Christie. 

Quanto mais se aproximavam, quanto mais se conheciam, mais Eugênio a achava fascinante, e menos ele conseguia identificar o que era aquilo que sentia sempre que a via. 

x

Não pensou em mais nada quando recebeu a ligação dizendo que Constantino havia falecido. Jogou algumas coisas em uma mala e partiu para o aeroporto, comprando uma passagem no caminho.

Aquela viagem de avião foi a mais longa de toda a sua vida. Não conseguia acreditar. Constantino era seu melhor amigo, seu irmão. Tinham se falado pela última vez no dia anterior, quando Eugênio contou sobre o último encontro com Violeta na piscina e confessou que queria chamá-la para sair. 

Violeta. 

Fazia horas que não pensava nela, ele constatou, quando o avião pousou. Desde o momento que a conheceu, nunca tinha passado mais de alguns minutos sem pensar nela de uma maneira ou outra. 

No caminho para a casa de Constantino, Eugênio finalmente checou o celular e viu algumas mensagens dela. Não sabia o que responder, não conseguia se concentrar o suficiente para formular uma resposta. 

Era estranho. Não queria ter que pensar nela, percebeu ele, nem queria ter que responder mensagens suas. Não queria precisar fazer nada disso porque simplesmente queria que ela estivesse ali com ele.

E foi assim que Eugênio descobriu o que era que sentia quando estava perto de Violeta.

A confirmação veio quando ele retornou ao Rio, triste, deprimido, cansado, e a primeira coisa que fez foi ir atrás dela. Na piscina, claro. Onde mais ela estaria? Quando ela o abraçou, ele sorriu. 

Finalmente entendeu.

O que ele sentia perto de Violeta era paz.

x

Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo

Na luta por um bem definitivo

Em que as coisas de amor se eternizassem

 

Ao ler o poema marcado no livro que tinha acabado de ganhar de presente, Eugênio não teve dúvidas: precisava estar com Violeta. De qualquer maneira que fosse possível; se ela não o quisesse do jeito que ele a queria - e ela a queria tanto -, ele seria seu amigo, seu suporte, seu parceiro de leituras, qualquer coisa, qualquer coisa que garantisse que ele teria Violeta em sua vida todos os dias. 

Enquanto descia até o andar dela, Eugênio ensaiou o que diria (quer jantar comigo? Posso cozinhar para você. Não, não, melhor que seja em um lugar público, onde ela se sinta segura, ele não queria pressioná-la. Que tal um drinque, ele diria assim que ela abrisse a porta. Meu Deus, mas quem é que falava assim, “drinque”? Ela ia rir na cara dele. Quem sabe ele não poderia fazer algo diferente e chamá-la para um encontro numa livraria. Ela iria gostar, com certeza. Mas em cinco minutos os dois teriam se perdido em suas leituras e não passariam tempo nenhum juntos. Jantar, jantar era melhor. Ou talvez fosse cedo demais pra isso? Quem sabe um café. Mas não era estranho chamá-la para um café, será que ela iria entender o que ele estava querendo dizer, ou ia apenas achar que o clube do livro dos dois tinha mudado de local? Ai, Deus, eu vou enlouquecer por causa dessa mulher). Quando ela demorou para abrir a porta, ele ficou mais inquieto e ansioso, sentia como se seus sentimentos estivessem rapidamente virando uma bola de neve dentro do peito e a qualquer momento ele viraria uma avalanche - precisava falar com ela agora.

“Não tem ninguém em casa”, ele ouviu a voz dela, saindo do elevador.

“Violeta!”, ele sorriu. Sempre sorria quando a via, porque sempre que olhava para ela, conseguia sentir seu coração e sua mente se acalmando. “Passei só para agradecer seu presente. Foi muito delicado. Obrigado”. Queria dizer mais coisa, muito mais coisa, mas não sabia por onde começar. 

“De nada. Você tinha comentado que nunca tinha lido nada dela, aí pensei…”

“Sim, e gostei do poema que você marcou”

“É um dos meus preferidos. Se tanto me dói que as coisas passem…”

Ele sorriu. “É porque cada instante em mim foi vivo”.

Eugênio não era romântico. Todas as poesias e livros de romance que lia eram apenas histórias - ele conseguia apreciar a elegância da escrita e entendia o apelo, mas nada daquilo era verdadeiro para ele.

Até aquele momento, em que beijou Violeta pela primeira vez.

Naquele segundo, tudo fez sentido. Tudo. 

Naquele segundo, Eugênio se tornou o homem mais romântico do mundo. Entendeu tudo o que já tinha lido sobre o amor. Entendeu até o que nunca havia sido escrito, o que ainda não tinha sido expressado por ninguém, porque ninguém nunca havia sentido aquilo antes - ninguém nunca havia amado aquela mulher daquela maneira.

Amor.

A amava.

A amava profundamente e, com aquele beijo, passou a acreditar que talvez fosse apenas esse seu papel no mundo: amar, amar como amaram tantos antes dele, como amariam tantos depois. Não era único, não era um homem especial. Não até conhecer Violeta. Amá-la fazia dele afortunado. Amá-la tornava a existência dele algo extraordinário. 

Mas não foi pra isso que ele foi até ela. Não foi para agarrá-la no meio do corredor sem aviso prévio, sem dar tempo para ela entender o que estava acontecendo, sem dar a ela a chance de evitar, de se desvencilhar, de dizer que não o enxergava assim. Ele tinha ido até lá para ser sincero, para dizer o que sentia (antes de compreender que sentia tanto), para chamá-la para sair, para garantir que nada entre eles mudaria caso ela dissesse não. Isso era o completo oposto do que estava acontecendo agora, e ele não iria se perdoar se a deixasse desconfortável ou a desrespeitasse de alguma maneira. 

Talvez ter ido embora, deixando ela lá, plantada, sem nenhuma explicação, não tenha sido a melhor decisão de todas. 

Talvez mentir no dia seguinte, dizendo que foi um impulso, que ele estava de luto, confundiu as coisas, não queria tê-la beijado, talvez ter dito tudo isso tenha sido uma decisão pior ainda.

Mas Eugênio sentia-se desestabilizado. Nunca tinha amado dessa forma. Não sabia o que faria se Violeta dissesse que não queria mais saber dele. 

Por isso, decidiu ir até o apartamento dela resolver de uma vez por todas aquela situação. Ia bater na porta, se desculpar novamente, perguntar se ela queria tomar um café ou um drinque ou ir na livraria ou sair pra jantar. Qualquer coisa. Ela escolheria.

Mas assim que ela abriu a porta, ele não resistiu e praticamente pulou em cima dela depois de balbuciar algumas palavras sem muito nexo (“eu menti pra você, Violeta, não foi um impulso, não foi uma reação”).

Horas depois, enquanto ela cochilava na cama, nua, uma expressão serena no rosto, ele a observava e pensou que não poderia existir neste plano terrestre mulher mais linda do que Violeta. Para além de beleza, ela era magnética. Não conseguia tirar os olhos dela. Lembrou-se de um verso de um poema árabe que tinha lido anos atrás, e que agora, finalmente, junto com tantas outras coisas, entendia: e se o diabo um dia lhe visse / ele beijaria seus olhos e pediria perdão.

x

Tinha ficado um pouco chateado quando ela não respondeu sua mensagem chamando para beber um vinho, mas entendeu. A culpa tinha sido sua, afinal. Não tinham marcado nada, e Eugênio, mais uma vez, não tinha conseguido expressar para Violeta exatamente o que sentia. Precisava fazer isso logo - não era justo com ela que eles continuassem juntos (estavam juntos?) e ela não soubesse dos sentimentos dele. Ela precisava saber para escolher se seguiam com aquilo ou não.

Ele sabia que a cabeça de Violeta ficava a mil por hora toda vez que eles se aproximavam. Sabia que ela carregava traumas do último relacionamento e que tinha sido muito machucada, não confiava em ninguém e não sentia necessidade de romance em sua vida. Mas ele tinha esperanças de mudar isso - seu plano era conquistá-la como ela devia ser conquistada, com paciência, cuidado e respeito pelo seu espaço. 

Tinham vivido momentos maravilhosos na última noite, mas talvez fosse a hora de dar um passo para trás para não assustá-la. 

Ir com calma. Isso, ir com calma. Devagar. Sem pressa.

“O que você acha de jantar comigo hoje?”, ele disse, em meio a beijos. “Posso cozinhar para você. Bebemos um vinho juntos, lhe conto mais sobre a minha reunião, você me conta como foi sua noite com seus amigos ontem. Se você não quiser, não tem problema”, ele emendou - a escolha precisava ser dela, “mas confesso que quero muito que você queira”

Ela não viria, ele sabia. Quando a chamou, mais cedo, na piscina, recebeu dela um sorriso contido e um “pode ser” da mesma maneira que alguém diria um “vamos marcar” sabendo que nada nunca seria marcado.

Suspirando, Eugênio sentou-se na sua poltrona de leitura, mas não abriu livro nenhum. Não tinha pra que fingir - não conseguia pensar em nada além da vizinha do sexto andar. Tinha dado a ela a escolha, e ela não queria a mesma coisa que ele. Talvez estivesse interessada em algo casual. O sexo tinha sido maravilhoso, afinal de contas. Mas Eugênio sabia que não conseguiria se envolver dessa maneira com Violeta, tê-la na cama mas nunca tê-la de nenhuma outra maneira. Conseguiria, talvez - tentaria - ser seu amigo. Não seria fácil, claro, mas antes amizade do que nada. 

Amanhã, estaria na piscina às 7h. Como todos os dias.

Com essa decisão, Eugênio levantou-se para ir para a cama. Já passava das 23h e ele não costumava ficar acordado até tarde. 

Já estava quase no quarto quando levou um susto com alguém batendo freneticamente em sua porta. Correu para abrir e, ao ver Violeta, seu coração acelerou.

“Violeta? Aconteceu alguma coisa?”

Ela parecia cansada, mas algo em seu rosto fez Eugênio perceber que ela estava tranquila. Em paz. Será que ela se sentia assim com ele também? “A oferta do jantar ainda está de pé?”

Ele riu. “São 23h e eu não preparei nada”

“Tudo bem”, ela sorriu, e Eugênio poderia jurar que ela nunca tinha sorrido assim pra ele antes. “Não vim pra isso, mesmo”

Em um único movimento, tão rápido que ele mal registrou, Violeta entrou no apartamento, fechou a porta, e agarrou Eugênio para beijá-lo com uma intensidade que nenhum dos dois tinha vivido até agora. 

Eugênio sorriu, os lábios ainda grudados com o de Violeta.

Em paz.

 



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