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História La Vie - Glimpse.


Escrita por: cabellsfairy97

Notas do Autor


Foram 40 dias sem nenhum sinal de vida, e eu juro que compreendo se isso tiver quebrado a conexão de vocês com a história. Mas eu ressurgi dos mortos, só pra dizer que não esqueci disso aqui por um dia sequer. Não esqueci de vocês, que fazem parte do meu sonho, que lêem minha alma inteira e gostam dela. Eu escrevi esse capítulo devagarinho. No meio de um monte de coisas. E ele foi apagado várias vezes. Reformado. Eu acho que foi o mais difícil de todos. Eu espero que vocês percebam alguma realidade nele. Que entendam que ele tem coisinhas importantes e coisinhas de pessoas que estão só tentando ser pessoas, e esquecer das limitações. Mesmo que elas ainda existam.
Vocês são incríveis. Obrigada por tudo e qualquer coisa.

Capítulo 37 - Glimpse.


Fanfic / Fanfiction La Vie - Glimpse.

Nós nos reunimos para um almoço na casa dos Cabello depois. Tio Alejandro, Tia Sinu e Dona Mercedes quase andam saltitando. Posso ver a alegria dos latinos em ter uma festa em sua casa. Até deixam que Camila molhe os lábios com champanhe, apenas para sentir o gosto de festa, de felicidade. E ela sente. Percebo pela risada, pela forma que dança a música latina, fazendo o vestido rodar e rodar, nunca parecendo doente ou cansada. 

Estou jogada no sofá depois do almoço, ao lado de Lucy e Harper, ouvindo a conversa sobre Virginia Woolf. A ruiva, que agora tem o cabelo curto na altura do queixo e usa um vestido amarelo, sabe mais coisas do que eu pensei que soubesse, e se parece mais conosco do que eu achei que parecesse, e eu imagino como ela escondeu esse lado dos seus "amigos" durante todo esse tempo. Lucy consegue falar mais alto agora, e sem gaguejar muito. Está realmente bonita, e parecendo com ela mesma usando um vestido cinza, jaqueta e all-stars. Vejo Dinah empurrando Camila pelos ombros, e não presto muita atenção, até que ela é praticamente jogada em cima de mim. 

— Você precisa descansar, criança. Depois nós voltamos.

—  Ugh, eu quero dançar. Me deixe dançar — Camila reclama, tentando se soltar do aperto de Dinah e levantar do sofá. Passo um braço por sua cintura, e sinto seu corpo acalmar um pouco. Ela sempre percebe que sou eu. Dinah se joga no sofá ao nosso lado, aliviada ao ver que a amiga ficou quieta um minuto.

— Você está toda suada. Dê uns minutinhos para Dinah, ela não tem a mesma energia infinita que você. Logo voltará a dançar, e eu voltarei com você. 

— No esperes más, no. Quiero estar pérdida en tu mirada, libre entre tus brazos, hechizada... Yo voy a desafiarte a que bailes conmigo hoy. 

Tenho certeza de que conheço aquele trecho de música de algum lugar, aquela que ela canta em um espanhol perfeito e termina com um sorriso que me deixa tonta. Mas não consigo perguntar. Só consigo respirar fundo, e sorrir. Sorrir apesar de tudo, porque é um dia incrivelmente feliz.

Mani, Ally, Halsey, Sofi, Regina e outro irmão pequeno de Dinah chamado Seth chegam até nós depois, e entra na conversa, que pulou de Virgina Woolf para comida. Não é nenhum assunto profundo, nada que precisemos pensar muito para responder. E ainda nos rende boas risadas. Estou gargalhando sobre uma piada de Halsey que não fez o menor sentido quando ouço a voz de minha sogra se aproximando.

— Sei que a conversa estava boa, mas precisarei interromper agora para fazer um comunicado oficial — Nós nos endireitamos no sofá. Pela forma que ela fala, parece ser algo sério. Até as crianças tem os olhos nela. Tio Ale vem até o lado dela e coloca uma de suas mãos enormes em seu ombro — Nós recebemos os resultados da avaliação de Camila há um dia. E sei o que estão pensando, não é dia de notícias ruins. Mas eu preciso dizer. Não é algo que uma mãe gostaria de ver. Não é algo que eu gostaria de contar. São as coisas de que já sabemos. O tempo... continua passando da mesma forma. 

Vejo as lágrimas enchendo os olhos verdes, e então ela descansa a cabeça por um instante no peito do homem ao seu lado.  Camila deita a cabeça em meu ombro ao mesmo tempo, como se soubesse. 

  — Mas,— A voz potente de Alejandro enche a sala — Ainda há tempo. Ainda há tempo, e mesmo não sendo o ideal, nós vimos que vocês duas, moçinhas, conseguem lidar com isso. Conseguem transformar o pouco em muito. E nós apreciamos isso. E então decidimos dar três dias fora para vocês. Como uma lua de mel. Como um presente. Porque sabemos o quão importante é pra vocês, e sabemos que transformarão isso em três meses. Espero que seja o suficiente, nós só não conseguiríamos deixar nossa garotinha longe por mais tempo, mesmo sabendo que ela estará em boas mãos. Espero que...

  — AH MEU DEUS OBRIGADA — Camila grita de repente, me puxando para levantar, e eu não resisto nem um pouco, já que queria muito abraçar os dois. Nós os abraçamos com força, tentando não chorar, agradecendo mil vezes. Isso é algo importante. Algo extraordinariamente importante. Eles deixaram que nós organizassemos nosso tempo, como se houvesse tempo o suficiente para ser organizado. E agora, nós sentimos que há. Está tudo muito emocional até tio Alejandro dizer que vai ligar todas as noites para desejar uma noite muito decente. Nós começamos a rir muito, e então o clima muda como se nada tivesse acontecido. Tudo está bem. Tudo está muito bem. 

*

Parece que todos os dias até sexta feira foram dias em branco. Não consigo me lembrar exatamente o que fiz nesses dias além de ir a escola, chegar da escola, ligar para Camila e fazer minhas tarefas enquanto conversávamos, e então dormir. Não consigo me lembrar de como eu me senti nesses dias, porque parece que não senti nada. Absolutamente nada. E parece que não pensei em nada além de sexta feira. Lembro de me perguntar, na quinta a noite enquanto terminava de arrumar minha mochila, se isso era algo ruim. Se continuaria assim pela sexta, pelo sábado e pelo domingo, estragando tudo. Foi assustador quando isso continuou, sexta de manhã no carro, enquanto os Cabello cantavam Why can't we be friends?  do Smash Mouth com toda a animação do mundo. Eu conseguia acompanhá-los. Conseguia sorrir e duplicar o sorriso quando Sofia me olhava, me esforçando tanto para parecer bem que doía. Mas quando ela desviava o olhar, quando eles se concentravam em escolher uma nova música para cantar e tudo ficava em silêncio, a sensação voltava. É como se eu estivesse entorpecida, e a alegria não conseguisse chegar até mim, mesmo que eu estivesse alegre. Eu passaria três dias inteirinhos só com a minha pessoa favorita. 

Três dias. Só com ela. 

Pensamentos involuntários aparecem do nada, coisas terríveis e possibilidades terríveis. E como se fosse mágica, no momento que compreendo o que tudo aquilo é, todos os sentimentos voltam. É como se alguém estivesse impedindo a passagem, e agora que podem, eles estão vindo todos de uma vez. Medo. Empolgação. Nervosismo. Alegria. Ansiedade. Amor. Medo. Muito medo. E no momento que eles voltam, nós chegamos.

Abro a porta do carro primeiro do que qualquer pessoa porque preciso respirar. Não consigo me lembrar de como Suzanne pediu que eu respirasse, e isso me deixa desesperada. Puxar o ar, e pensar em coisas boas, e soltar o ar pensando em coisas ruins que eu quero mandar embora. Ou é o contrário? Quando sinto uma mão firme em meu ombro, e ouço os primeiros sons de um "você está bem?", me viro imediatamente para encontrar um abraço.  

— O que houve, hija? Está cansada? —  Tia Sinu pergunta enquanto desliza os dedos finos por meu cabelo. 

— Eu estou com m-medo. Medo de não conseguir salvá-la. Tenho medo de não cuidar da forma correta e então perdê-la, ou de não conseguir ligar se precisar de ajuda. Eu tenho medo de ter... acelerado demais o tempo e não conseguir lidar. Eu penso que pode acontecer a qualquer hora, e é tão assustador. 

— Ora, querida, e não pode acontecer a qualquer hora com todos nós aqui? — A mulher diz, usando sua melhor voz de mãe — Me deixe te contar algo: nós não temos medo. Nós confiamos em você porque você nos fez confiar. Você correu cinco quarteirões levando-a nos braços. Sabe Deus o que teria acontecido se ninguém tivesse tido essa coragem. Não há forma correta de cuidar, minha filha. Nós só vivemos. E tentamos fazer disso o melhor. 

Um vento frio passa por nós, balançando meu cabelo e fazendo um arrepio passar por meu corpo. O céu estava sendo coberto por nuvens devagar, mostrando que em breve teríamos uma chuva de inverno. Quando olho para Camila, ela tem os olhos fechados e um sorriso nos lábios enquanto o vento balança seu vestido e seu cabelo, parecendo chamá-la para dançar. E sei que, quando a chuva cair, estaremos seguras, na nossa casa. 

Sussurro um obrigada, e abraço os dois, que se tornaram algo como uma base pra mim. Como meus pais de alguma forma, mesmo que eu fosse casada com a filha deles e isso soasse terrivelmente estranho. Rio sozinha, e tio Ale bagunça meu cabelo, provavelmente imaginando que eu já havia perdido o foco. Mas agora, de uma forma boa. A vida voltou a correr em minhas veias, e mais rápido do que nunca.

Finalmente, olho para a casa. E um suspiro escapa sem que eu queira. Depois de um caminho de grama verde e algumas pedrinhas, há uma casinha de madeira. Ela é pequena, e ainda assim, enorme para que duas garotas brinquem de infinito por três dias, transformando-os em três anos. Na varanda, alguns vasos com gérberas de várias cores e tamanhos haviam sido colocados, tornando quase impossível parar de olhar. Descrevo tudo isso para Camila, com o máximo de detalhes que posso, enquanto andamos pela grama. Seus dedos estão entrelaçados nos meus e ela sorri a cada palavra que digo. 

— Ela não é rosa bebê como a que desenhamos, e não tem margaridas na frente. Mas tem gérberas. De várias cores. E tem árvores, Camz. Tem um mini bosque atrás, e nós vamos poder andar por ele, e ouvir os passarinhos cantando. Era isso, não era? Era tudo que queríamos. 

— Sempre foi sobre estarmos juntas, de qualquer forma— Ela ergueu nossas mãos, com os dedos entrelaçados, e eu deixei um beijo delicado no dorso da sua — Amo você! Vamos inventar o infinito. 

*

Os Cabello foram embora só depois de nos apresentar a casa inteira. Camila e eu parecíamos duas crianças, saltitando por tudo. A cada cômodo apresentado, nós gritávamos algo como "Ai meu Deus, tem uma lareira!", ou "Temos nossa própria cozinha!". Sofi pareceu chateada no começo, perguntando se poderia encontrar alguém para casar para vir ficar nessa casa também, mas os pais a explicaram que aquela casa era de um parente próximo e que ele quase não a usava, então poderiam ver mais vezes. Ela prometeu que viria nos buscar, e passaria algum tempo conosco, e com Camren.

Provavelmente, mais tempo com Camren. No momento em que Alejandro surgiu de algum lugar com um cachorrinho de pelo marrom e adoráveis olhos verdes e disse que seria nosso protetor, Sofia gritou e correu para abraçá-lo. É claro que nenhum de nós ficou imune, e logo estávamos todos em volta dele, que parecia estar adorando toda a atenção, e se esforçando para pular em todos igualmente. A garotinha quase não conseguiu se despedir, fazendo mil perguntas como "ele vai poder ir lá pra casa?", "a gente vai poder dar banho e fazer festa de aniversário pra ele?". Todas foram respondidas com atenção, e ela finalmente ficou calma sobre isso. O que me deixou feliz foi saber que o pequeno Camren havia sido adotado e não comprado. É algo bonito de se fazer, quando há tantos cachorros precisando.  

Quando eles entraram no carro, depois da despedida, e assim que desapareceram da minha visão, Camila respirou fundo quando outro vento frio passou por nós. Fechei os olhos, tentando descobrir o que ela sentia. E entendi. Eu podia ouvir as folhas secas passando pela grama, as árvores balançando, o vento fazendo com que dançassem. Podia ouvir a vida acontecendo. E era quase como ver, se eu ouvisse com o coração.

— O que as pessoas fazem em uma lua de mel? — A garota ao meu lado perguntou, de repente. Seus olhos estavam abertos agora, a lua bem no meio deles brilhando, e seus lábios estavam curvados em um quase sorriso. Como o sorriso da Monalisa, que se pode fazer mil e uma interpretações sobre. 

— Bem, elas fazem... algumas coisas... Camz.

— O que, Lauren? — Ela ri enquanto eu tropeço nas palavras, tentando fazer com que aquela pergunta não vá para esse lado na minha mente. Mas é tarde demais. Ela toca meu rosto e ri ainda mais, porque sente que está fervendo — Vou reformular minha pergunta pra você, mocinha. O que é que você quer fazer na nossa lua de mel, querida esposa? 

— Sem listas dessa vez. Vamos só nos divertir. Passar alguns anos juntas. Parece bom? 

Camila quase diz algo, mas a palavra morre em seus lábios antes que eu possa ouvir. Outra rajada de vento frio passa por nós, e então ela se desvencilha do meu abraço e se afasta um pouco, tateando a grade da varanda até uma abertura. Eu não entendo o que quer fazer por alguns segundos, então fico observando, paralisada, me concentrando mais em como está incrivelmente bonita do que em tentar adivinhar seus planos. Ela tira as sapatilhas, e quase as joga para trás. Seus pés descalços tocam a escadinha de três degraus bem na hora em que a chuva começa a cair, com toda a força. E quando eu finalmente entendo, é tarde demais. 

— Camz!—  Grito enquanto tento arrancar meu tênis o mais rápido possível. A chuva abafa minha voz, e tudo que eu posso fazer é correr até ela. É desesperador tudo o que eu não consigo parar de pensar. Ela vai pegar um resfriado. Uma pneumonia. Vai ficar pior. Eu não consegui segurá-la. Não consegui. 

Mas em algum momento, me concentro no som da chuva, nos meus pés descalços tocando a grama encharcada, no vestido grudando no corpo, e preciso parar de correr. Parar de me preocupar. Parar de agir como se eu devesse controlar o infinito dentro dela. Camila está rodopiando um pouco a minha frente, com os braços abertos, a cabeça levantada e um sorriso enorme. E parece que está chorando ao mesmo tempo. Um choro feliz. Um choro por estar viva. Me aproximo correndo, apenas para agarrá-la pela cintura e derrubá-la no chão, na grama encharcada. Agradeço mentalmente porque consegui girar nossos corpos para que ela caísse por cima de mim e não se machucasse, e porque a grama amorteceu a queda. 

— Você está brava comigo?—  Ela afasta o cabelo que grudou em meu rosto, mesmo sem ver. 

— Eu quase fiquei. Mas aí eu percebi que você só está viva. E que é exatamente esse tipo de coisa que eu quero que tenha, a felicidade pura de dançar na chuva. 

— Você sente isso? 

Assinto, devagar, para que ela perceba o que o movimento quer dizer. Recebo um beijo delicado nos lábios, e parece durar anos e anos. Até que ela se afasta um pouco, sua respiração quente batendo contra meus lábios enquanto o vento frio vem de todos os lados. Com um sorriso típico de uma garotinha de seis anos prestes a aprontar, ela sussurra:

— Então vamos.

Pelos próximos 15 minutos, nós corremos pela grama como duas crianças. Eu podia ouvir meu coração batendo, e minha respiração ofegante, e mesmo assim, não conseguia parar de correr e saltitar.Nós fazemos 15 minutos se tornarem várias horas, um tempo que vamos guardar pra sempre. Quando ela vem até mim com o rosto mais pálido do que costuma estar, e os lábios arroxeando, eu sei que entende que foi o suficiente. Deixo que suba em minhas costas para que possa levá-la para dentro, e aproveitar o resto do dia. O resto de todo o tempo que temos juntas.

*

Nós tomamos um banho quente (em uma BANHEIRA pela primeira vez em nossas vidas), mas ele demora menos do que deveria, porque a ansiedade não para de gritar que eu preciso agasalhá-la. Camila treme tanto enquanto a seco que me deixa preocupada, e me faz perguntar um trilhão de vezes se está bem. E a tremedeira não para nem quando ela veste um suéter de lã azul que é tão quente que se usássemos no verão, morreríamos. Tenho que deixá-la sob três cobertores — que foram achados com dificuldade porque estamos em Miami e ninguém usa esse tipo de coisa—, no sofá próximo a lareira — que foi acesa com dificuldade porque eu nunca havia visto uma —  e então correr para a cozinha para preparar chocolate quente.  

Não é uma tarefa fácil quando eu preciso correr de volta para a sala o tempo inteiro para me certificar de que ela está bem e quando o pequeno Camren fica entre meus pés o tempo inteiro, me fazendo tropeçar. Sua energia é surpreendente. Quando finalmente termino, ele vem correndo ao meu lado, e sobe no sofá, mesmo com um pouco de dificuldade. 

  — Camz, aqui.

Entro debaixo das cobertas ao seu lado, tomando cuidado para não derrubar o líquido na caneca. Quando Camila se senta, percebo que seu cabelo ainda está molhado e sou invadida com vários pensamentos involuntários de que preciso secar isso. Mas ela não treme mais. E parece calma, como ficou o tempo inteiro. Como eu não pude ficar. Quando entrego a caneca em suas mãos, ela toca as minhas. E estão tremendo. Tremendo e suando. Só de ansiedade.

  — Você tem que lembrar que está doente também, Lo. Precisa lembrar e precisa se cuidar tanto quanto cuida de mim. Eu sei que é difícil não se preocupar com tudo, e não colocar a responsabilidade do mundo nas suas costas, mas eu quero que venha até mim sempre que isso acontecer. Nós podemos segurar juntas, certo? Podemos dividir o peso. 

— Dividir o peso...— Repito. Ela assente, com um leve sorriso. E não fica melhor na hora, mas eu sinto que ficará, gradativamente. Agradeço com um beijo delicado em sua testa, e então no nariz, e finalmente nos lábios. Esse não dura mais do que dois segundos, porque Camren decide latir tão alto que nos faz pular de susto— Ah, sim. Você está aqui agora, não é? Suas mães são desleixadas demais. Venha cá, garotão — Camila ri, começando a beber seu chocolate quente enquanto eu faço carinho no filhote, conversando com ele mesmo que não entenda absolutamente nada. 

— Estou pensando que vamos ter que fazer o almoço. E colocar ração para ele. Regar as flores e ... lavar a louça. Eu achei que quando pessoas fossem para uma lua de mel, elas só ficavam juntas, sem fazer nada. Além de fazer amor por todos os lados, eu achei que...

  — Shh. Não escute essa parte, Cam— Tento tapar as orelhas do cachorro, que fica louco e pula do sofá, correndo para fazer alguma coisa — Camila Cabello, você assustou nosso filho — Tiro a caneca vazia de suas mãos e coloco no chão, e então quase pulo em cima dela com um abraço apertado —  É meio assustador mesmo. Mas somos diferentes de todos os outros. Nosso tempo é diferente. E vai ser divertido e bonito. Okay? Vamos fazer tudo isso e ainda vamos... huh, fazer amor por todos os lados. 

A garota dos cabelos castanhos sorri de uma forma tão legível que um arrepio corre por meu corpo inteiro. Eu vejo exatamente o que ela quer dizer com isso, da forma mais crua. E quando toco sua cintura por baixo do suéter, sentindo a pele quente contra meus dedos gelados, quero dizer exatamente o mesmo. Quero dizer tudo de volta. Mas meu celular começa a tocar, e Camren pula no sofá de repente, trazendo alguma coisa cheia de baba. 

— É isso que acontece quando você decide brincar com o tempo —  Murmuro, mas continuo achando aquela a melhor ideia de todas. Ainda brincaríamos muito.

 ...

Depois da ligação de tia Sinu, as coisas parecem caminhar um pouco. Consigo fazer algo decente para comer, depois de ter que ficar uma hora e meia no telefone perguntando sobre tudo. Encontramos a ração, e alimentamos o cachorrinho, que finalmente dorme depois de comer. Nós colocamos os pisca-piscas que eu havia trazido na mochila na parede do quarto, regamos as flores com a água da chuva, e eu lavo a louça ouvindo minha esposa cantar uma música em espanhol. Em algum ponto, começa a parecer com uma rotina. Algo que faríamos todos os dias. Começa a parecer familiar a forma que nós nos comportamos, como se fizéssemos isso todos os dias. Mas não fazemos, e talvez nunca teremos a chance de fazer. E isso é o que torna tudo mágico.

Depois do almoço, nós vamos até o quarto, porque Camila disse que estava cansada. Mas não estava. Assim que entramos, ela fechou a porta e abriu aquele sorrisinho de novo. Aquele que dizia todas as coisas e não dizia nada. Todo o controle vai embora. Nós brincamos com o tempo, mas temos 18 anos. As coisas pegam fogo mais rápido do que posso dizer. Em um piscar de olhos, não tenho mais minhas roupas no corpo e ela também não. E nós não temos mais ar no pulmão, ou algum pingo de sanidade na cabeça para ir devagar. Isso é algo sobre amar tanto alguém por dentro e por fora. Ouvi-la deixa seu corpo trêmulo. E sentir sua pele sob seus dedos também. Eu gostaria de beijar a mente brilhante de Camila, tanto quanto gosto de beijar seus lábios, seu pescoço, e o resto do corpo inteiro. Eu gosto de ouvi-la falar, tanto quanto gosto de ouvir os gemidos e os suspiros. Amo tanto todas as partes, que tudo que posso fazer é agradecer por tê-las. 

— Eu amo você inteira, Camz —  Sussurro quando ela chega ao seu limite pela segunda vez. Camila consegue sorrir. Um sorriso de canto, parecendo meio abalado pelas sensações fortes de segundos atrás, então não responde. Nós só nos abraçamos, com força, e então caímos no sono. Em nossa casa. Em nosso lar

Quando acordamos de novo, quatro da tarde, não há muito para se fazer além de tomar um banho e sentar na escadinha da varanda para esperar o anoitecer, conversando sobre tudo e sobre absolutamente nada. E absolutamente nada é exatamente o que fazemos o resto do dia. Quando fica escuro, entramos e começamos um jogo de cartas, mas paramos no meio porque a conversa fica muito interessante para prestarmos atenção no jogo. E eu sinto o conforto de estar com minha melhor amiga, que também é a garota com quem eu casei. Sinto o alívio de ter conseguido correr com o tempo, acelerar tanto que não perdemos a chance de fazer o que queríamos. Ela deita em minha barriga de repente, me fazendo rir um pouco. Estou de cabeça para baixo no sofá, meu cabelo está espalhado pelo chão, sendo puxado vez ou outra por Camren, que decidiu deitar em cima dele. 

— Esse foi o melhor dia improdutivo que eu já vivi— Camila fala baixinho, deslizando os dedos para baixo da camisa do The 1975. 

— Acho que é a primeira vez que eu não me arrependo de ter um dia improdutivo. O mundo exige muito movimento de nós, não é? Nós precisamos correr o tempo inteiro mesmo estando doentes. Precisamos nos preocupar com tudo. Eu sinto que precisávamos desse dia, precisávamos dormir a tarde inteira, e não acordar assustadas pensando que não fizemos alguma tarefa, precisávamos ficar jogadas no sofá, só conversando sobre nada. Eu não sinto mais o peso do mundo, graças a esse dia.

— Isso é a melhor coisa que você me disse hoje, Lo — Ela sorri— Mas amanhã e depois de amanhã, vão ser dias movimentados. Vamos fazer todas as coisas de uma vez. Eu tenho todas as energias. 

— Você vai acabar comigo, menininha. 

Bagunço o cabelo castanho carinhosamente, e Camila ri contra minha barriga. Eu sei que ela fala sério sobre amanhã, e que nós faremos o máximo de coisas para aproveitar, sempre dentro dos limites, e ao mesmo tempo tentando esquecê-los. Mas por hoje, nós manteremos o ritmo do dia improdutivo. 

*

No segundo dia, acordo às seis da manhã. Consigo preparar uma vasilha de salada de frutas, várias torradas com geleia de morango, e chá, mesmo que a temperatura esteja subindo. Camila ainda dorme quando volto e parece ter dificuldades de acordar. Sei que a doença faz com que se sinta cansada, mas sei que adoraria estar bem acordada para fazer tudo o que podemos fazer, então continuo tentando acordá-la mesmo que caia de volta em cima de mim. Quando finalmente consigo, e ela afirma que não sente sono, seus olhos não abrem. 

— Não se preocupe com isso, ok? Uma compressa resolve. Eu posso ficar com eles fechados por enquanto. Não faz muita diferença, uh? 

— Faz, Camz. E a luz? Eu sei que pode ver pontinhos luminosos, e eles devem orientar de alguma forma.

— Posso aguentar, Lo. Está tudo bem. 

Tudo o que consigo ouvir é "não quero incomodar, mas seria ótimo se pudesse fazer isso". Isso é algo que Camila diria, mesmo que nunca queira que eu faça. É algo que ela faz desde que era menor. Colocar as suas necessidades abaixo das de alguém ou algo. Se colocar por baixo, mesmo sem perceber. Mesmo que tenha me ensinado que não devo fazer isso. 

Deixo um beijo em sua testa e um "já volto", e corro para a cozinha, para preparar uma compressa. Quando volto, Camila está abraçando os joelhos, se balançando de trás para frente. Sei que deve estar totalmente escuro. Eu não imagino como seria viver assim. Sem ver as cores e as luzes em pleno brilho. Mesmo que veja só pontinhos luminosos, eles significam algo. Significam tudo que ela ainda tem depois que a visão se foi. Me aproximo tentando fazer o máximo de barulho, para não assustar, e coloco o pano molhado com água fria em seus olhos tão devagar que parece que me movo em câmera lenta. Ela morde o lábio com força.

— D-Dói, Lo— Paro o movimento assim que ouço a palavra, mas Camila coloca a mão sobre a minha para que continue — É a s-segunda vez que acordam assim. Incomoda, e dói. Como minha cabeça. M-Mas alivia. A compressa. Alivia.

— Então vem mais pra perto. Vamos cuidar disso, ok? 

Deslizo o pano por seus olhos tão suavemente que é como se pudesse quebrar. Suas pálpebras apenas balançam por um tempo, até que finalmente, eu vejo a lua onde o castanho deveria estar. Camila olha em volta e sorri, como se pudesse ver tudo. E então quase pula em cima de mim em um abraço. 

— Significa tanto. Ver a luz. Quando não posso ver nada, isso significa o mundo. E v-você sabe, Lo.  Você entende. Sabe o que é isso? Empatia. Andar pela pele do outro, sentir o que ele sente. Fazer algo. 

— Eu sinto porque é você, e...

— Não, não. Olhe pra mim— Ela segura meu rosto e faz com que eu olhe bem para a lua em seus olhos — Você tem isso aí dentro. Empatia, viva e genuína. E faria com qualquer pessoa. Você ainda vai usar isso, Lo. Você ainda vai fazer algo grande com isso. E eu vou estar com você, vou sim. Você vai me sentir nas flores e no cheiro depois da chuva, e vai me ver nos tons alaranjados do céu e nos vestidos que rodam. Eu sempre vou estar com você, minha Lauren.

Meu peito aperta por um tempo, e fico sem ar ao imaginá-la sumindo de mim. Então a aperto contra mim. Está tão magra, mas ainda posso sentir a pele quente contra a minha. E sei que estará comigo de alguma forma. Só não quero pensar nisso agora, em outra forma que não seja essa, física. E nós morararíamos naquele abraço. Passaríamos o resto da manhã nele. Mas Camren vem latindo como um louco de algum lugar e quando chega no quarto, correndo tão rápido que parece um pequeno vulto, não precisa se esforçar muito para pular na cama, bem em cima de nós.

— Ei, você! É melhor sua outra mãe se vestir, não é? — Uso uma voz infantil com o cachorrinho de olhos verdes quando o seguro nos braços. Camila ri enquanto procura por seu suéter entre os lençóis. Quando consegue colocar e finalmente pegar Camren, que parece ser tão apaixonado por ela quanto eu, não espero mais nem um segundo para começar a comer. Nós tomamos o café da manhã juntas, rindo quase o tempo todo sobre qualquer coisa. Era a mesma sensação de sempre. A de estar voando acima de tudo. Flutuando. Estar com Camila me torna leve e a melhor parte é que a leveza está em mim também, agora. 

Depois de tomarmos um banho incrivelmente demorado, dessa vez apreciando o fato de ter uma banheira ali, (e apreciando outras coisas), já é quase hora de preparar o almoço, já que nós demoramos o dobro do tempo pra tudo. E de alguma forma, tudo dá certo. Aprendi muitas coisas só observando minha mãe cozinhando, e Camila ajuda de inúmeras formas mesmo não enxergando. Ao meio dia, estamos comendo na varanda, lado a lado. Camren está dormindo de barriga para cima no gramado, depois de ter corrido a manhã inteira pela casa e devorado sua ração. Ele se parece muito com uma criancinha na maior parte do tempo, e me dá arrepios pensar que poderia ser, e então seria nosso. O simples pensamento faz doer algo por dentro e eu só consigo apertar sua mão com força. 

— Você acredita em outras vidas, Camz?

Pergunto quando já terminamos de comer e estamos em silêncio, ouvindo a natureza. Ela sorri, com um ar de sabedoria, e se inclina para perto, como faz quando quer que eu ouça mais do que sua voz; quando quer que eu ouça sua água.

— Eu acredito em todas as coisas. Aposto em todas as possibilidades. No fim, algumas são reais e algumas não. Mas, quais? Eu sinto que é demais pra mim tentar advinhar. Afirmar que uma das coisas é mais real que outra. Não temos noção do quão grande é o universo, de quantas possibilidades existem. Então eu acredito em tudo de uma vez. Por que não, certo? 

Solto o ar como se estivesse prendendo há muito tempo. É isso que acontece todas as vezes que ela fala dessa forma. Como se soubesse de tudo, e ao mesmo tempo, reconhecesse que não sabe de nada. Nesses momentos eu posso ver todo o seu universo infinito. E então me apaixono por ele, de novo e de novo. E sinto que um pedaço dele está em mim, em expansão. E eu posso criar coisas novas, porque ele também é meu. O mundo dela é tão aberto para qualquer pessoa que consiga vê-lo e senti-lo que talvez seja seu legado. Talvez seja o pedacinho que vai deixar para trás, em todas as pessoas que ficarão. Só percebo que estou chorando quando ela toca meu rosto. E eu não faço ideia do motivo do choro, mas ela sabe. 

— Na verdade, não acredito em uma coisa. Não acredito que o universo colocaria duas pessoas metades perto, e deixaria que se juntassem em uma só, só para rasgar de novo. Lo, nós nos pertencemos. O universo vai nos colocar juntas de novo, você vai ver. E se não colocar, nós quebramos as regras. Nós vamos nos encontrar. Vamos correr uma pra outra como sempre fizemos. Você acredita em mim? Consegue acreditar? 

— Acredito, Camz — Puxo a garota que é minha melhor amiga e o amor da minha vida inteira para um abraço forte, e é como me colocar no carregador — Eu acredito em todas as coisas.  

*

Nós recebemos uma ligação de minha mãe que não dura muito. Ela só quer saber, com tia Sinu, se estamos bem. E só termina logo porque Camila pula como uma criança, me chamando para fora. Nós corremos pela grama, inventamos uma tour pela casa, e mais um monte de brincadeiras. E todas elas no simples intuito de buscar o prazer mais simples. O prazer de estarmos juntas fazendo muito e nada ao mesmo tempo. É nosso espaço. Nosso tempo infinito. É algo para lembrar. 

No fim da tarde, decidimos dar uma volta no bosque atrás da casa. E isso só aconteceria na manhã seguinte, segundo o que planejamos. Algo acontece de repente, depois de um lanche, e faz com que ela pule do sofá e diga "vem, não temos tempo para perder". E eu apenas aceitei, porque não fazia ideia. Naquela hora, não lembro de ter visto a sombra de dor que passou por seu rosto várias vezes. Só lembro de ter ido. De ter andado entre as árvores com ela, de mãos dadas, ouvindo os pássaros, e de ter ouvido a explicação do significado de "Komorebi". A luz do sol entrando por entre as árvores. Lembro de ter puxado-a para perto e beijado com todo o amor que transbordava, bem abaixo de um raio de sol. E lembro de tê-la visto se afastando um pouco, com os olhos apertados, e lembro de ouvir sua voz dizendo, baixinho "agora não, agora não...". Mas tudo isso passou. A areia da ampulheta caiu em silêncio e eu não ouvi. Não percebi. E nada disso passou por minha cabeça, nem quando ela correu para o banheiro assim que colocamos o pé na varanda, alegando que precisava e ir e me chamaria em qualquer emergência. E eu não pude compreender que a emergência estava acontecendo. E nem depois, quando saiu de lá com o rosto ainda molhado, e o cabelo também, tremendo de frio. Apenas cheguei perto de entender quando nos deitamos, e eu senti o ar quente indicando a febre. A elevação de temperatura que denuncia algo errado por dentro. Mas depois de mil perguntas, e mil respostas vagas que eu aceitei porque eram as que eu queria ouvir ("estou bem, Lo. Estou ótima"), ainda não consegui entender, e desviei a atenção, como se tivesse tempo para fazer isso.

Não há tanto tempo. E eu só entendo isso quando sou acordada de madrugada por Camila, sendo chacoalhada. Ela chora, e não consegue falar. Mas eu entendo. Finalmente entendo, alguns segundos antes que desmaie. Entendo enquanto ligo para seus pais e para a ambulância ao mesmo tempo, tentando falar nos dois celulares ao mesmo tempo enquanto observo a garota pálida no sofá. Entendo enquanto corro com minha Camila nos braços até algum lugar onde a ambulância possa nos pegar, o mais rápido possível. Entendo enquanto seguro sua mão na ambulância. Outra vez. Outra vez. 

Entendo que não há tanto tempo. As coisas acontecem em um piscar de olhos. Em um segundo estão lá e no outro não estão. E só não dói como uma facada dessa vez porque eu entendo que em um piscar de olhos, nós conseguimos inventar um infinito. Em um piscar de olhos, nós tivemos um vislumbre do futuro que nunca vamos ter. E foi tão real, tão exatamente como tudo o que precisávamos, que as lágrimas precisam fazer uma curva, porque estou sorrindo. 


Notas Finais


1. Camren não é como o cachorrinho da foto. Eu só acho a foto adorável. Uma foto da felicidade.

2. Um spoiler necessário. Camila não morreu. Segurem minha mão e não tenho medo. Nós tivemos um vislumbre. E é possível inventar o infinito. Espero que tenham gostado.

Um abraço virtual e apertado em qualquer um que estiver lendo. Você é importante.


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