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História Labareda de Sombras ll A Rainha Vermelha - Capítulo 1


Escrita por: monalisamagno

Notas do Autor


Trailer Book
https://www.youtube.com/watch?v=UwjIQkLoFjQ&t=1s

Pintura de autor desconhecido
Todos os direitos a ele! :)

Capítulo 1 - Capítulo 1


Fanfic / Fanfiction Labareda de Sombras ll A Rainha Vermelha - Capítulo 1

                                                                                    Lisa Nogma

                    

 

                                                                                     Labareda

                                                                                          de

                                                                                    Sombras

         

                                                        “As estações que passam sem           

                                            mudar e a esperança do desabrochar.”


 

                                                                                          Capítulo 1  

                                                                                             Mare

 

A tempestade é incessante do lado de fora. Dentro do abutre está quente e abafado.

A eletricidade de toda a máquina passa debaixo dos pés de Maré, como se fizesse parte dela. Cal pilota a aeronave com destreza, mesmo nervoso com a agitação do tempo que os abraça.  

Está realmente muito quente. Mesmo acostumada com o calor e o ar abafado de Palafitas, Mare, se agita na poltrona e culpa silenciosamente Cal por provocar, mesmo que sem querer, o calor escaldante dentro do avião.  

No comando do Abutre, Ada está no papel do copiloto. Mesmo já tendo decorado todo o manual da aeronave e ter visto várias vezes Cal pilotando, ela ainda prefere ajudar ao seu lado, com os mapas e rosas do vento ao invés das ignições. Logo atrás das poltronas dos pilotos está Farley e Shade, um sentado à frente do outro. Ela revira mapas de Norta, Lakeland e Piedmont, além de relatórios de comandantes da Guarda Escarlat,  no qual certamente constam em detalhes os acontecimentos diários dos acampamentos da Guarda espalhados pelos países. Shade permanece imóvel com os braços cruzados no peito. Mare sempre soube que ele nunca fora muito fã de altura, ainda mais com tanta turbulência com a qual estavam passando naquele momento.

Depois de terem passado por várias cidades e já terem encontrado vários sanguenovos da longa lista que Julian havia feito e entregue a Mare quando morava no palácio de whatfire, ainda faltava alguns que não foram alcançados. Mare, que não largava da mão os papéis que continham os nomes e identidades dos sanguenovos, segurava-os tão firme, parecendo que do contrário, se por algum acaso do destino ela afrouxa-se os dedos, mesmo que pouco, eles fugiriam dela, direto para as garras de Maven. Em contrapartida, a chuva e os ventos do lado de fora estavam tão destruidores que se conseguissem sair daquele avião ilesos, então, certamente, sobreviveriam ao rei.  

Maven.  

A corrida era grande e decisiva para os sanguenovos. Se chegássemos primeiro explicariam a situação e deixariam que a pessoa decidisse por própria conta e risco, tendo a oportunidade de decidir os próximos passos de seu futuro, que viraria ainda mais incerto. Se fosse Maven a lhe encontrar a única coisa que os aguardava era, com certeza, apenas uma escolha, um futuro totalmente certo. A morte.  

A maioria dos sanguenovos que conseguimos abordar na longa caçada contra o tempo se dispuseram a trabalhar para a Guarda e tentar junto com os outros a mudar a lástima sociedade dividida pelo sangue que tiveram que suportar desde que se conhecem como gente. Ada é uma delas, ela tem uma memória fotográfica e é a mulher mais inteligente que Mare já viu na vida. Não há uma só palavra que tenha lido na vida ou objeto que tenha visto que lhe falhe na memória. Assim como ela existem outros que se encontram nos acampamentos da Guarda, lá eles recebem treinamento para aperfeiçoarem seus dons, além de um abrigo em suas cabeças e uma sensação de segurança não muito confiável.

Agora estão em busca de mais um deles. E estão em vantagem já que tiveram a informação de que o menino rei está atrasado na ordem cronológica das cidades da longa lista dos sanguenovos. Mas mesmo assim, isso não é motivo de menos preocupação, Mare mais do que ninguém sabe como Maven consegue ser ardiloso e habilidoso em jogos como esse. Ela não se surpreenderia se ele estiver esperando por eles logo quando colocarem os pés na cidade. Mas, segundo informações, ele se encontra em uma cidade mais ao sul de onde estavam indo. Suas viagens de coroação são presunçosas e para Mare o principal objetivo dele com essas idas e vindas pelo país é caçar sanguenovos e se certificar bem de que as grandes casas estão beijando perfeitamente seus pés ao longo do caminho.  

Sun Lourram, 15 anos. Cidade de Hovel, extremo norte de Norta, a leste do lago Redbone e das fronteiras de Lakeland. Cidade também conhecida como a primeira a habitar os primeiros ardentes existentes, antepassados dos reis e obviamente de Cal e Maven.  

— Estamos nos preparando para aterrissar logo. A neblina dessa área é muito espessa sem contar na quantidade de neve que há por aqui. Vou colocar o abutre um pouco antes dos portões da cidade, é mais seguro. — Cal enfatiza as últimas palavras com um pesar imenso. Mesmo já sendo quase aceitável para ele o título de traidor do reino ainda a ideia de que seu próprio irmão está o caçando faz com que seu lado mais sensível se mostra aparente.   

Mare coloca sua jaqueta de lã por cima do suor que escorre pelo pescoço. Lá fora deve estar realmente frio. Ela já ouvira falar das famosas tempestades de neve que os céus escuros do extremo norte de Norta proporciona nos duros invernos. Ela como em poucas vezes na vida veio preparada para essa busca.   

Assim que aterrissaram todos saem e contemplam o branco profundo e límpido ao redor. Mare nunca tinha visto tanta neve assim. Os pinheiros e os arbustos estavam completamente escondidos de baixo de muita neve que pesavam em suas folhas como um cobertor branco. O chão estava coberto por pelo menos uns 20 centímetros de neve. Certamente teriam que ter uma atenção redobrada na caminhada que iriam fazer do Abutre até um dos portões da cidade.  

Shade, Farley e Ada já estavam bem agasalhados quando desceram do avião. Cal estava com apenas uma blusa fina. É nítido para todos que ele fez aquilo apenas para não se sentir inteiramente deslocado do grupo.  

O vento gelado e cortante gritava ao redor deles, como se reconhece-se a presença de alguém e quisesse lhe dar boas vindas. E esse alguém era Cal.

— Como entraremos no centro da cidade sem que não sejamos pegos? — Mare joga a pergunta para que alguém a pegue no ar.

— Hovel leva o status de uma cidade, mas é quase um vilarejo. Não deve ter no máximo 1.000 habitantes. Vinha aqui quando criança, não deve ter mudado muito. — Cal, olha ao redor com nostalgia como se pudesse entre as árvores enxergar ele mesmo no meio delas quando criança.  

— Bom, já que conhece o lugar, então seria bem mais útil para nós dizer como poderíamos entrar na cidade sem sermos pegos pelos guardas. —Farley sugere

— Bem, acho que não vamos precisar nos esconder para entrar dentro da cidade. Eu conheço bem quem está tomando conta das coisas por aqui. Acho que teremos permissão de entrar sem sermos perseguidos dessa vez.  

— "Tomando conta"? Você quer dizer prateados, não é mesmo? Devem estar do lado do seu irmão! Não arriscaremos nossas cabeças e nossa missão por uma confiança solúvel dessas. —Farley rebate incrédula.   

Cal bufa sem se preocupar nem um pouco em ser discreto. Não gosta de ser contrariado. Mare pensa que mesmo antes deles pisarem em solo firme ele já tinha um plano em mente, agora só teria que convencer os demais a aceitarem a sua ideia, seja lá qual fosse.  

— Não é um general da coroa quem governa a cidade é uma... amiga minha, uma parente. Confio nela e sei que ela sabe a verdade sobre o que aconteceu comigo e com meu pai. Ela ficará do meu lado. Eu sei. Mas precisam confiar em mim.  

Confiar. Era uma palavra inexistente ou quase inexistente no vocabulário dos presentes ali. Os ferimentos causados pelo excesso de uso dessa palavra ainda estavam abertos e expostos.

A palavra "parente" pega Mare de surpresa. Não sabia que existia ainda membros da família Calore morando longe dos grandes palácios. Além de Maven, apenas sabia da existência da Avó, nos estudos com Julian sabia que ela morava em outro lugar de Norta. Mas, quem quer que fosse era alguém distante, que fizesse parte da infância dele, talvez uma tia de segundo grau.

— Fora de cogitação. —Farley do seu veredito.  

— Também acho bem arriscado, seria mais fácil entrarmos por uma das brechas dos portões e descobrir através dos moradores quem é essa tal sanguenova. — Shade diz com calma e certeza, rompendo o clima pesado que se formava no ar.  

— Mas é uma cidade fortaleza. Os portões só devem se abrem com o comando dos chefes. — Mare diz se colocando na conversa.  

— É verdade, mas geralmente no fim do dia eles abrem os portões para a entrada de mercadorias de outras cidades. Podemos dar um jeito de entrar nessa hora. — Relata Cal.  

— Faremos isso. Esperaremos atrás das árvores próximo ao portão de entrada e entraremos na cidade ainda hoje. Entramos na cidade e encontramos a tal. Precisamos ser rápidos, não podemos demorar mais de dois dias aqui.
A caminhada até o portão principal não era longa, cerca de uns 700 metros. Mas os ventos fortes que vinham na direção deles tornavam seus passos mais lentos. Era doído em contato com a pele nua. E a neblina deixava difícil a visão do horizonte.  

Não fora difícil avistar o grande e alto muro de pedras que abraçava a cidade. Passava o ar de força, poder e soberania. Mare ficou admirada com o contraste das rochas com o véu branco no chão, mas não com a mensagem passada desde sempre pelo nome que a família por trás disso trazia por gerações. Cal também não, ele já sabia, fazia parte disso.

Ficaram esperando por de trás de algumas árvores a uns 100 metros do portão principal da cidade de Hovel. Não tardou muito para que uma carroça sendo guiada por um senhor de aparente meia idade aparecer. A carga estava coberta com uma lona preta que àquela altura do caminho estava toda branca de neve.  Os cavalos pretos e peludos que puxavam a carroça eram grandes e andavam em um ritmo lento e calmo, muito provavelmente já estavam acostumados com o cominho que estavam trilhando.

Mare e Cal estavam do lado direito da estrada e do outro lado Shade, Farley e Ada. Ada se propôs antes de sair do abutre a permanecer na aeronave, mas acharam que era perigoso e distante de mais, só se separariam se fosse muito necessário ao grupo. O plano bolado por eles era de tentar sequestrar a carroça e entrar como entregadores dentro da cidade, era o meio mais fácil de entrar e mais seguro para todos.  

Quando a carroça se aproximou um pouco mais do portão, Mare saiu do meio das árvores de onde estava e cambaleou até o meio da estrada, caindo como desmaiada no chão. Os cavalos pararam na hora. O senhor vendo a cena desce da carroça e vai ao seu encontro.

— Minha criança! Está tudo bem? — Um homem. Vermelho. Estava abaixado em sua frente, os olhos azuis acinzentados contrastavam com o céu acima deles. Mare ficou com o coração apertado de ter de lhe enganar. Um vermelho que certamente seria punido por esse ato de desespero que eles estavam fazendo.  Mas agora ela não poderia voltar atrás, então continuou com o disfarce.

Colocou as mãos ao redor dos braços abertos e estendidos do senhor. — Me ajude. Está frio, vim andando da cidade ao lado. — Seus lábios tremiam, ela mesma não sabia diferenciar se era realmente verdade. Mas pensou no íntimo que era.  

— “Nebesa” Céus! Viestes dessa lonjura a pé, “otrok” criança? Estás doida? — Ele olha para os lados e para trás desconfiado. Coloca suas mãos nas costas de Mare e a ajuda a levantar — Venha talvez eu possa te ajudar. — Diz, um tom mais baixo do que antes, mas ainda audível.   

Caminharam até a carroça. Ele entrega a Mare um cobertor velho de lã que estava junto dele para que se cubra.

— Obrigada, senhor. Morreria de frio se você não tivesse aparecido agora. — Mare diz enquanto passa o cobertor quente em volta do corpo.

— “Nebesa nas slišijo”. Os céus nos ouvem, pobre criança. — Ele sorri gentilmente com os olhos. — E apenas me agradeça quando passarmos pelos portões. Eles não deixam qualquer pessoa entrar, mas pode ser que eu consiga.  

Mare sente as entranhas gelarem ainda mais, olha para trás para ver se os outros seguiram seus cursos do plano. O senhor a observa acompanhando seu olhar.

— A espera de alguém, minha jovem? — Ele diz seguindo seu o olhar, curioso.  

— Não. — Mare ressalta timidamente. Espera que ele não tenha visto e nem percebido nada, eles não poderiam falhar nessa missão e para isso dependiam dela.

Ele pega as rédeas, fazendo os cavalos andarem até o portão.  Quando chegam nele Mare o observa. O portão é ainda mais grande do que de longe, ela acredita que os prateados daqui não gostam muito de receber visitas. De ninguém.  

O senhor salta da carroça. — É melhor você ficar aqui enquanto peço que abram os portões, hã?!

Mare concorda com a cabeça sem fazer objeções. Apenas torce sozinha para que o plano dê certo.  

Ele caminha até o lado direito do portão e bate um sino de ferro enorme. O barulho é extremamente alto e é ecoado certamente por toda a vila. Os pássaros se assustam com o som e piam se agitando em seus ninhos. De um buraco de vigilância, Mare consegue visualizar o rosto barbudo de um homem, ela deduz ser um prateado, não dá para saber só olhando, na distância, mas mesmo assim ela deduz que, sim, é. O senhor e o velho conversam. O homem observa a carroça e aponta para Mare com desconfiança, os dois olham para ela sentada encolhida no banco da carroça. Desvia o olhar deles, não quer ser reconhecida, só espera que as notícias sobre ela ainda não tenham chegado por os extremos de Norta.

Conversam novamente. Quando eles param de se falar Mare sabe que finalmente chegaram a uma conclusão.  

O Senhor retorna para sua carroça.  Senta ao lado de Mare e pega as rédeas dos cavalos.  

— Parece que hoje é seu dia de sorte, criança. — Ele sorri para Mare.

Ela solta o ar aliviada, nem perceberá, mas suas mãos estavam já vermelhas de tanto pressionar as unhas sobre a pele. Esconde as mãos debaixo do cobertor e prefere não falar nada, a missão ainda não acabou, pelo contrário só começou e qualquer palavra agora poderia ser uma chave ou um cadeado para ela. Como não era boa em palavras preferiu ficar em silêncio.

A frente os imensos portões se abrem e os cavalos marcham para frente.  

Ao passarem pelos portões, os guardas de armaduras pretas lançam olhares e acenos positivos ao velho, eles encaram Mare com a mesma curiosidade e suspeita que o homem barbudo da portaria.  

— “Dobrodošli” Bem-vinda a Hovel, criança. —Ele diz com um ar brincalhão e aliviado, olhando de relance para Mare e erguendo uma das sobrancelhas. — Ora, perdoe a minha grosseria, meu nome é Duval e minha jovem, como se chama?  

— Marina, senhor. — Ela sorri de soslaio, muito mais de nervoso do que de simpatia propriamente dito. Eles bolaram nomes diferentes dos reais para poder dizer às pessoas fora da organização, já que suas identidades reais estavam sujas na praça.  

— Bem, sabe Marina, eu entendo que queira entrar na cidade, mas a que preço? Isso foi loucura, você poderia ter morrido lá fora na neve. A neve é “glamurozno” linda, mas traiçoeira. — Ele suspira de maneira leve e compreendedora. — Posso imaginar pelo que está passando, esse infelizmente esse não é um país para novos adultos, tenho uma filha que é quase da sua idade e se morasse fora das fronteiras da cidade, talvez pensaria em fazer o mesmo, mas é perigoso! Hã?! Realmente teve sorte de sair assim ilesa.  

Mare não entendeu de primeira o que as palavras tão significativas desse velho homem quiseram lhe dizer, mas concordou com tudo de maneira silenciosa. Era mais importante manter o disfarce.  

— Bom, chega de puxões de orelha por hoje, no caminho até o galpão da cidade poderei deixar você na taberna da minha família, poderá ficar lá até ter um lugar mais estável para ficar, além de se aquecer e comer algo quente por enquanto, o que acha, em? — Ele diz sorrindo e olhando para frente.

— Obrigada senhor, realmente sou muito grata por tudo que está fazendo por mim. — Mare sorri para ele. Duval realmente era muito gentil e ela se sentia muito acolhida com ele ali.  

Enquanto seguiam pela estrada principal da cidade Mare observa atentamente as típicas casas dali. Eram todas feitas de empilhados de bloquinhos de argila, com tetos de madeira grossas em formatos de triângulo. Pequenas luzes brilhavam ao redor das janelas e das portas, minúsculas luzes que além de iluminar a rua que, muito provavelmente desapareceriam na extrema noite, davam graça e embelezavam as casas tradicionais que seguiam uma atrás da outra, em filas únicas. Mesmo com a aparente neve constante que caia sobre a cidade, as ruas estavam bem pavimentadas e podia se ver até a terra escura contrastando com o pouco branco na neve nas soleiras das janelas das casas.

O céu já estava ficando escuro deixando o tempo cada vez mais melancólico com a entrada da noite. Havia poucas pessoas nas ruas.

Vermelhos.

Mare conclui, logicamente, que deveria ser a parte mais pobre da cidade. Era um lugar aconchegante, muito diferente de Palafitas, onde as casas eram empilhadas uma em cima das outras e o esgoto solto a céu aberto, mas mesmo assim prateados não morariam com vermelhos, eles certamente estariam a quilômetros de distância de nós. O que por um lado, para ela naquele momento, era algo positivo. Eles estavam mais perto e mais seguros de encontrar a sanguenova.  

Quando chegaram na taberna ele desce da carroça. — Chegamos. É aqui a taberna. Desça, vamos, entre. Vou ver se minha filha está lá dentro, talvez ela tenha uma roupa que caiba em você. Vamos. — Ele a apressa fazendo gestos com as mãos.  

Esse é o momento ideal. Se tudo saiu como o planejado Cal, Farley, Shade e Ada estão dentro da carroça de suprimentos de Duval. Esse momento será perfeito para que saiam de lá e possam se encontrar na taberna. Já que estão em um lugar público e movimentado da cidade, podendo andar sem chamar muito a atenção por estarem juntos. Mare só precisaria distrair o homem um pouco mais para que tudo desce certo.  

— Claro senhor Duval, eu adoraria conhecê-la. Devo realmente minha vida a você. Mas vou entrar só um pouco, não quero incomodar, só que está realmente frio aqui fora. — Enquanto fala, Mare sorri e atrita as mãos em um gesto sugestivo e bem verdadeiro. Lá fora estava um gelo e certamente dentro da carga também. Ela tinha que ser rápida.

— Me chame apenas de Duval, criança. Hã?! Pareço, mas não sou tão velho assim.— Ele ri de si mesmo. — Vamos, vamos “med” entre.  

Dentro da taberna é pequeno, à umas 4 mesas de madeira em todo o estabelecimento e um grande balcão à frente delas. A decoração é totalmente rústica e as luzes do local saem de várias lamparinas que foram espalhadas pelo estabelecimento. Diferente do que Mare pensava não há sequer um cliente na taberna, apenas uma mulher loira, de uns aparente 50 anos, de olhos escuros atrás do balcão e uma garotinha pequena de cabelos compridos e também loiros, que toca uma música extremamente delicada e alegre em um piano encontrado próximo a uma das parede perto das mesas.  

Quando a mulher vê o homem logo abre um sorriso grande e vem de encontro a ele. — “Dobrodošli nazaj” Bem-vindo de volta, chegastes cedo dessa viagem, graças aos céus, morro de medo quando pega essas tempestades de neve que está tendo esses dias.  

— Papa! Bem-vindo de volta! — A garotinha corre até os braços do pai que a pega no colo e abraça apertado.  

— Daia, meu anjo, quanta saudade senti de ti. Ouviste que estava tocando, está cada vez melhor, estou orgulhoso de tu.  

— Obrigada, papa, estou treinando todos os dias. — Ela sorri, ele a solta no chão e ela volta depressa para o piano. Ela é uma garotinha linda, quase uma boneca de porcelana, bochechas rosadas, olhos azuis como bolas de gude e cachos que escorrem perfeitamente até as costas. Quando Mare olha para ela relembra de sua infância, difícil, faminta e sempre suja de lama, brincando com as crianças melequentas da rua, nada parecido com essa criança a sua frente.

Chegando mais próximo de Duval a mulher o abraça e beija, sem sombra de dúvidas eles são casados. Percebendo a presença de Mare no local a mulher pergunta curiosa a olhando, mas mais questionando a Durval do que ela — Quem és?

— Há, estava me esquecendo já. Deixa eu apresentar. Essa é Marina, eu encontrei ela na frente do portão principal. — Ele diz isso sério e baixo, quase como se fosse um crime que ele tivesse cometido.  

— Entendendo. — A mulher concorda quase que de imediato com as palavras de Durval. — Eu sou Rosely Lourram. Prazer em conhecê-la. Venha sente-se aqui no balcão vou te servir algo quente para te aquecer, ok. — Lourram. Ela era certamente parente da sanguenova, Mare sabia de cor todos os nomes da lista de Julian e não deixaria essa informação passar batido, então vai ao ataque para obter mais informações.

— Obrigada pela hospitalidade, o senhor... quer dizer, Duval, disse que tive sorte e acho que realmente tive mesmo em conhecer vocês.  

— Magina, és muito bem-vinda aqui. — Diz Rosely com um sorriso doce.  

— Já que está muito mais que bem acomodada agora, Marina, eu vou até o galpão da cidade deixar a mercadoria, preciso fazer isso ainda hoje. — diz Duval abrindo a porta do estabelecimento e deixando entrar um sopro frio de vento por ela.  

— Está bem, mas não demora, ok?! — Rosely acena rapidamente.

— Deve estar com fome, Marina, vou trazer um ensopado, acredito que vá adorar, é a especialidade da casa e segredo de família. — Ela sorri com simpatia e começa a mexer nas diversas panelas em cima do fogão a lenha.  

Rosely era uma mulher bonita, mesmo com as marcas de expressão em seu rosto. Sua paixão pelo marido era aparente, assim como também era aparente sua paixão por cozinhar.  

— Ela é sua filha? — Mare pergunta olhando despretensiosamente para a menina que ainda toca piano atrás delas.

Rosely abre um sorriso simples e responde — "Ja" Sim. Ela é a minha mais nova, Daia, tem 6 anos. Fica ai tocando esse piano praticamente o dia todo se eu deixar, mas eu não reclamo, quando toca acaba trazendo mais clientes para nós.  

— Ela é realmente adorável. E talentosa, não nego. — Mare ri, fingindo inocência ao perguntar. —  Os outros devem ser tão talentosos quanto...

— Os outros não tocam. "Bien" bem, o meu mais velho, Daniel, trabalha aqui comigo nos negócios e de vez em quando, quando é preciso, viaja com o pai até a cidade vizinha para ajudar nas colheitas ou no transportes de mercadorias, mas é raro. Duval não gosta muito, prefere que ele fique aqui.  

— Só eles dois?  — Ela tenta ainda, precisa saber se a sanguenova está perto, por isso tira com cuidado todas as perguntas que pode chegar a ela da manda.

— No. Não, tem também a minha do meio, Sun. Mas ela trabalha no casarão, vem algumas vezes por semana para casa. Ela é bem ocupada lá.

Bingo! Mas uma parte da missão estava cumprida, agora era só descobrir como chegar até ela.

Rosely entrega a Mare um prato de caldo e pão. O cheiro da comida deixa Mare extasiada por minutos, nem percebeu que já estava morta de fome.  

— Desculpe. No casarão?

—"Ja". Sim. — Rosely, enxuga as mãos no pano de prato e se apoia no balcão em frente a Mare. — "Nebesa!" Céus — Rosely coloca uma das mãos na cabeça como se estivesse esquecido de uma informação importante. — Esqueci que tu acabaste de chegar aqui em Hovel. "Ja", sim, ela trabalha no casarão, é como chamamos a mansão dos antigos reis.   

— Prateados? — Mare pergunta com um tom mais sério e irônico.

— É, si! Alguns deles. — Ela repara a expressão de desgosto de Mare e prossegue — Eu entendo essa sua rancor e raiva, não sei pelo o que passou, mas, posso dizer que passou. Hã?! Acredito que saberá ser feliz aqui. "Razume" entende?  — Ela ri, tentando reconfortar Mare encostando de leve em seu braço.

Mare se impressiona com o sotaque arrastado de Durval e Rosely, sabia por curiosidade que algumas cidades dos extremos de Norta carregavam marcas das primeiras línguas do país, mas não imaginava que elas ainda eram tão viva e utilizada em seu meio.

 

De repente a música de fundo para de tocar e Daia surge atrás do balcão, se juntando a mãe.

 

— Mama! Mama! Preciso te contar algo!  — Ela olha para Mare com vergonha, corando as bochechas, Mare não é muito fã de criança, mas aquela menina era a coisa mais fofa que ela já vira.

 

A mãe se inclina pegando a pequena nos braços, que junta as duas mãos no ouvido da mãe e cochicha algo.

 

— Está bien, querida. Mas antes de comer tu precisas tomar banho, Hã?! É melhor tu fazer isso agora, antes que fique mais noitinha e esfrie muito. — Rosely sorri para a filha como se ela fosse o maior tesouro que já segurou nas mãos.

 

Daia, enquanto a mão fala olha para Mare ainda envergonhada e inclina a cabeça no colo do peito de Rosely. Mare a encara e repara que ela se parece muito com a mãe, os mesmos olhos, o mesmo cabelo, uma versão em miniatura. E se pegou pensou por um segundo se seus filhos também seriam parecidos com ela, se teriam seus pés ligeiros e seu cabelo amendoado, as mãos finas da avó e os olhos… Mas logo quando pode afastou esses pensamentos da cabeça, não queria saber quem seria o pai.

 

— Podes ir terminando de comer sem a minha companhia, Marina? Eu vou levar bien depressa essa mocinha aqui lá dentro, é rapidinho.  

 

— Sem problemas, pode ir. — Mare sorri simpaticamente.

 

Quando a porta dos fundos do estabelecimento se fecha Mare começa rapidamente a pensar em como se encontrar com o restante do grupo. Eles não poderiam estar muito distantes de lá, mas em todo caso não estariam bem a vista. Foi sorte achar assim de primeira as informações da sanguenova, geralmente eles demoravam mais de algumas horas ou até um dia para descobrir pelo menos algum paradeiro do dito.

De repente ela ouve um barulho de algo se chocando na janela. Uma pedra talvez. Poderia ser qualquer criança travessa na rua, mas também poderia ser um sinal. Então ela sai para conferir.  

 

Do lado de fora a noite já abraça a cidade como um todo, o frio está muito mais poderoso e destruidor. Mare olha para ambos os lados e não enxerga ninguém. Ela coloca as mãos ao redor do corpo para se proteger do frio que penetra seus ossos. Na rua a apenas as luzes e as lamparinas que brilham em contraste com a escuridão.  

— Psiu! Mare!  

Era Cal. A alguns metros do outro lado da rua, sua roupa fazia com que ele se camufla-se bem na escuridão da noite, ela precisou focar ainda mais os olhos para poder enxergar-lo na escuridão, não se surpreendeu com esse fato dele se dar tão bem com a noite, Cal se sobressaia nos finos traços negros que tinha, assim como Maven.  

Ela vai ao seu encontro deixando a taberna e as pessoas de lá para trás. Era agradecida por terem a ajudado com tanto carinho por terem se colocado em perigo por conta dela sem nem perceberem, mas não tinha tempo para regalias e agradecimentos agora, estavam trabalhando contra o tempo.  

 

— Cadê os outros? Consegui informações da sanguenova. Cadê os outros? — Mare sussurra para Cal enquanto prende ainda mais os braços entorno do corpo.  

— Depois que saímos de dentro da carroça esperamos até que você saísse lá de dentro, mas como você demorou muito e fazia frio aqui fora decidimos nos separar e coletar informações em vários lugares. Concordamos em todos estarem aqui juntos amanhã as 3 da tarde. Fiquei para te esperar, já que ficar aqui fora, pra mim, não era um grande problema. — Cal dá um meio sorriso e observa Mare se auto abraçando, tira as mãos de seu bolso e a abraça de soslaio. — Você tem sorte de ter alguém como eu nessas horas. — Ele diz com um sorriso de canto de boca.  

 

Mare faz uma careta em resposta a afirmação. — Só não digo algo estúpido para você nesse exato momento porque eu realmente não quero passar frio.  

 

Cal ri da resposta, não esperava menos dela — Mas então, você estava dizendo o que sobre a sanguenova?  

 

— Sim. Por uma coincidência dos céus esse estabelecimento pertence a seus pais. Conversei com a mãe dela, me disse que ela trabalha em um casarão. Mas o problema é: para Prateados, seu povo. — Ela diz a última frase com um desprezo profundo. — Você conhece aqui, não é mesmo? Sabe onde fica essa tal de casarão?

 

— Conheço bem onde é esse lugar. — Cal diz confiante. — Não é muito longe daqui uns 20 ou 30 minutos andando. E digo que se formos, temos que já ir andando, o tempo vai piorando quanto mais anoitece.  

 

Eles começam a andar juntos em frente, mesmo com o calor acolhedor de Cal, Mare ainda insiste em bater os queixos. Ele tem razão a cada segundo fica mais frio.  

 

O casarão fica um pouco distante das pequenas casas do centro do vilarejo. Na primeira vez que ouviu o nome "casarão" Mare apenas pensou que seria apenas uma grande mansão onde se abrigava uma grande família velha e esquecida de prateados, mas agora que estava de frente com a tal sabia que não era nada disso. O casarão estava mais para um grande castelo rústico de pedras negras. Esbanjando luxo, poder e revelando em sua arquitetura de quem a pertencia, a família Calore.

 

Mare olha para Cal, mas mesmo tão próximo dela não consegue ver seus olhos dourados.  

 

— O casarão é da sua família, então? — Ela diz cansada e ironicamente desanimada.

 

— Sim, conheço ele praticamente como a palma da minha mão. Vínhamos aqui quando criança. Eu, meu pai, Maven. — Ele respira pesado antes de continuar soltando fumaça de sua boca. — Vínhamos visitar ela.  

 

— Ela quem? Essa sua parente de que falou?  — Mare solta a dúvida de uma vez e espera que ele tenha entendido, sabia que no fundo ele não confiava totalmente nela, mas quando isso deixa de ser apenas uma hipótese e vira um fato a ferida começa a doer e incomodar.

 

— Sim. Poderá conhece-la, Mare. Ela acreditará em mim. Sei disso.  — Cal insiste em repetir esse mesmo argumento, como depois de tudo ainda poderia confiar em qualquer prateado parente que fosse? Onde ela esteve esse tempo todo quando o mundo todo dele desmoronava? Mare não gostava nada disso.

 

— Não podemos colocar tudo em jogo por confiança! Se você sabe como entrar escondido lá dentro então diga logo. Não sei se percebeu, mas estamos sem tempo, Calore.  

 

Mare se irrita cada vez mais quando ele não dá a ela as informações que ela exige. Saber que ele escondia e esconde informações dela a deixa indignada e ainda mais triste por não saber, verdadeiramente, de que lado ele realmente está.

 

Ele olha para ambos os lados e indica para a esquerda com o queixo. — Por ali tem uma entrada que dá para o almoxarifado. Se tudo der certo você conseguirá acha-la em um dos andares do térreo.

 

— Como assim "você"? Ficará aqui fora enquanto faço todo o serviço? — Mare pergunta incrédula.

 

— Aqui como você mesma viu é um vilarejo, Mare. Certamente são os mesmos empregados de quando eu era criança. Se me virem certamente me reconhecerão.

E não ficarei no lado de fora, te esperarei em algum lugar lá dentro, escondido.  

 

— Ok. — Mare diz compreensivamente, mas soa seco.  

 

A uns 200 metros das grandes portas principais do casarão há debaixo de muita neve uma porta estreita no solo. Cal se desgruda de Mare para com as mãos derreter o denso gelo sobre seus pés. Ela sente o frio entrar por sua pele de novo e mesmo revirando em sua memória não consegue se lembrar de um frio tão árduo quanto o que estava passando naquelas poucas horas dentro daquela cidade.  

 

Depois de entrarem na porta atravessaram algo que se parecia como um imenso porão com vários e vários utensílios antigos, se a antiga Mare ladra de palafitas estivesse nesse mesmo lugar, muito certamente esse mesmo lugar estaria limpo e essas peças viajando para vários lugares, por casas e cidade de Norta. Ao saírem do sótão, eles se encontraram em um corredor longo, ao fundo tinha uma sala com as luzes acesas. Mare desde o abutre conseguirá sentir bem pouco a energia pulsar em suas veias como agora. A maioria das luz que irradiavam daquela cidade era por lamparinas. Fogo. Talvez o costume veio dos seus antepassados. Havia chamas em todos os lugares como se fosse uma marca para que todos soubessem quem realmente mandava aqui. O corredor do casarão esbanjava uma decoração rústica, com chão de madeira as paredes em um tom escuro de vinho. Novo e levemente desgastados

 

— Ficarei no almoxarifado. Esperarei você aqui, qualquer coisa corro a teu socorro. — Cal pisca para Mare em uma tentativa falha de "boa sorte". Ela segue em direção a sala iluminada, se esforçando ao máximo para o ignora-lo, ainda estava brava. Então dá as costas o abandonando no breu do lugar.

 

Desde os acontecimentos com Maven e sua maldita mãe, Cal e Mare se mantém em uma linha tênue de amor e amizade. Ainda é tudo muito recente para pensar em Cal como algo a mais do que apenas um amigo. Mesmo sentindo algo por ele, ainda há feridas não cicatrizadas causadas pelo seu irmão mais novo.

 

Mare caminha o mais rápido que pode. Os tacos de madeira abaixo de seus pés são velhos e rangem facilmente. Mesmo Mare tendo pés firmes e calejados em ser silenciosos é difícil ser tão quieta nessas circunstâncias, ainda mais por estar tudo muito silencioso.  

 

O corredor é comprido e estreito, mas em poucos segundos Mare chega a uma sala bem iluminada. Ela consegue sentir ainda mais a eletricidade que rodeia a casa e o local, isso te traz mais tranquilidade e segurança para caso ocorra algum imprevisto.    

 

Ela para passos antes da porta escancarada da sala. Fica lá por alguns instantes até ter a quase certeza de que ela está vazia. Ela olha de relance o interior da sala. Não há ninguém. Ela então, entra e a observa; composta com poucos móveis; uma simples e grande mesa, umas roupas grossas de inverno e botas de neve organizadas em um dos cantos da sala. Aparentemente é uma sala de empregados, onde eles guardam suas coisas. Mare então começa a vasculhar entre as roupas para ver se encontra algum crachá ou identificação de quem era aqueles pertences, assim como ela tinha nos poucos dias que trabalhou para o antigo rei, algo que desse alguma pista a mais da sanguenova a procura. Depois de olhar em tudo ali não encontra nada, apenas papéis velhos de bala e algumas moedas surradas nos grandes bolsos dos casacos.  

 

Ela ouve então um barulho vindo de outra porta, que fica atrás da grande mesa de madeira da sala, ela estava fechada, mas mesmo assim consegue ouvir nítidas vozes por detrás dela. Ela silenciosamente vai de encontro a porta do fundo. As vozes vão desaparecendo a cada passo que ela se aproxima. Ela abre a porta com cuidado, atrás tem uma escada estreita que leva para um outro corredor. Esse casarão deveria ter muitas dessas salas imensas e inúteis, com corredores grandes e estreitos. A casa era certamente um labirinto.  Achar Sun Lourram sem ser vista e facilmente era um sonho distante nesse momento, acha-la seria muito mais difícil do que Mare imaginava.

 

Mare sobe as escadas na miúda e para no último degrau, como previa mais um corredor grande, porém, mais deslumbrante, essa parte do casarão parecia ser mais luxuosa, a temperatura que envolvia o corpo de Mare também lhe avisava que era muito bem mais aquecida, certamente ali tinha um bom sistema de aquecimento. Isso indicava que cada andar e sala que ela entrava os prateados que mandavam nesse lugar se aproximavam. Ela teria que redobrar a atenção. Como não tinha nenhuma direção específica de rota certa para seguir, começou onde a aparente conversa vinha. Seguiu a sua esquerda, onde dava para outra escada com degraus forrados de camurça vermelha e preta. Mare observando os detalhes e mais ou menos a localização dela na grande casa supôs que essa escadaria a levaria para o primeiro andar onde ficava os quartos dos moradores nobres.  Decidiu voltar a ser pega por um prateado em sua adorável cama comendo canapés e escolhendo qual vestido vestir no jantar.

 

Do outro lado o corredor se estendia até um pequeno, mas requintado salão. Antes dele outro corredor levava para mais outras salas. Mare se aventurou por lá. Não demorou muito e conseguiu sentir forte e adorável cheiro de comida. Certamente lá ficava a cozinha da casa, se conseguisse ser esperta o suficiente poderia fingir ser uma nova criada e tirar algumas informações das cozinheiras vermelhas que estavam lá.   

 

Assim como das outras vezes ela para com cuidado a centímetros antes da porta que dá acesso a cozinha e escuta, tentando discernir quem e quantas pessoas estavam lá dentro.

 

— Espero realmente que o molho das batatas esteja pronto! O jantar nessa casa é servido às 8 em ponto! Nenhum minuto a mais e nem um minuto a menos, “razumel” entenderam? — Uma mulher impõe severamente aos demais criados.

 

— Não entendo porque continuamos com essas regras todas! Desde que pequena madame fez aniversário ano passado, quase nunca cumpre os horários de Lady Lorelan. — Uma voz fina e revoltada rebate a ordem.  

 

— "Velika gospa" Grande senhora não vem muito a essa casa, mas ordens são ordens! Entenderão? Além do mais vocês são pagas para isso, então parem de reclamar e façam direito o seu serviço, pois aposto que qualquer garota da idade de vocês que estão lá fora as portas da guerra dariam a suas vidas e mais para poder estar no lugar das senhoritas reclamonas. Vocês têm 15 minutos. — A mulher que dá as ordens sai da sala. Mare dúvida que seja uma prateada de baixo escalão que trabalhe para os prateados mais nobres. Para ela é difícil pensar que pessoas do seu próprio sangue trate de tal maneira seus semelhantes.   

 

— Arre! Sempre tão grossa dona Tue. — A mesma voz que protestava antes volta a falar.

 

— É, eu concordo. Mas ela é meticulosa, sempre foi. Já faz meses que você trabalha aqui, Ane, deveria já ter se acostumado. — Outra voz feminina vem a dizer. — De qualquer maneira, é melhor terminar isso aí, porque mais certo do que hoje está nevando é que ela retornará daqui a exatamente 15 minutos. "Ja" sim ?!  

 

— Claro. — Ela volta a dizer com desânimo. — Alguém viu o espremedor de alho que estava aqui?  

 

— "Ja" sim. Beli, pegou ele para fazer alguma coisa...

 

Com a conversa fervorosa e os sons da panela ao fundo, Mare conseguiu saber que havia umas 5 pessoas lá dentro. Sun poderia estar lá, como uma vermelha trabalhando na casa de prateados não lhe sobraria muitos outros serviços que ela faça a não ser lavar pratos ou arrumar os quartos. Continuou ouvindo a conversa monótona das meninas para ver se saia algo realmente importante de lá, até que escolhesse o momento certo para entrar e fazer algumas perguntas, talvez a Ane, por ser a mais afrontosa, pudesse lhe ser mais útil com a coleta de informações.  

 

De repente Mare ouve um barulho vindo de encontro em suas costas. Os passos eram rápidos e silenciosos, certamente quem estivesse vindo já sabia que ela não era dali. Dando um passo para trás Mare cerra os pulsos e sente a eletricidade fluir na ponta de seus dedos. Se a pessoa tentasse captura-la não hesitaria em usar toda sua força para escapar com vida desse lugar. A cada ranger de tábuas que ouvia mais próximo de si o calor de seu corpo e sua adrenalina aumentava. Esperaria até o último segundo para virar, porque daí pegaria quem seja de surpresa. Quando a sombra do ser estava a centímetros dela, com um golpe rápido ela gira o tronco para trás e agarra o ombro da pessoa com força puxando sua camisa e o eletrocutando com força, fazendo-o cair e se contorcer no chão.   

 

— Mare! Ai! — A pessoa geme baixo de dor.

 

Quando se abaixa para enxergar com mais precisão quem está no chão Mare repara nos cabelos pretos brilhando a luz das lamparinas nas paredes.  

 

— Cal, o que faz aqui? Disse que ficaria no almoxarifado. — Ela ajuda rapidamente ele a se levantar. Ele coloca uma das mãos no ombro onde foi atingido por ela. — Desculpe, você me pegou de surpresa.  

 

— Sou um soldado preparado, vou sobreviver a isso, pode acreditar. — Ele diz mesmo com a cara as caretas de dor.  

 

— Mas o que faz aqui? — Mare pergunta impaciente, com medo de que alguém na cozinha os ouçam.

 

— Não precisa mais procurar aí, eu já a encontrei, venha. — Ele pega em um dos seus braços e a conduz para o outro lado.

 

— Como assim já a encontrou, esbarrou do nada nela, foi? — Mare questiona enquanto tenta acompanhar os passos apressados de Cal.

 

— Acha mesmo que iria ficar parado lá embaixo enquanto se aventurava por aí? Conheço bem aqui, tive uma ideia de onde ela poderia estar e estava certo. Venha, vamos rápido.  

 

Eles voltaram para o lado da escada que Mare pensou dar nos aposentos dos reais moradores da casa. Com preocupação e um pouco mais de receio, Mare segue a mando os passos apressados de Cal. Eles sobem as escadas que dá em direção a uma entrada para um grande salão. A decoração assim como o interior da casa é bem rústica, mas o grande cômodo a frente deles é bem mais magnífico, muito provavelmente um lugar que recebe e já recebeu festas glamorosas para a realeza e suas grandes Casas. O Chão de madeira maciça escura brilha de tão limpo e encerado que se encontra, o lustre de cristais no teto alto, estilo catedral, brilham e parecem resplandecer ainda mais o luxo do lugar. As paredes são revestidas com papel de parede com símbolos e ornamentos que Mare conhece bem. O brasão da família Calore. Os candelabros suspensos nas paredes brilham e faz o lugar parecer ainda maior com suas velas acesas que queimam sem cessar. Há ainda uma mesa gigantesca de madeira cor de marfim. Em volta dela tem várias cadeiras revestidas de couro tingido em vermelho. A frente da mesa uma lareira enorme queima, aquecendo o grande salão ainda vazio. Mesmo com a rudez e o ar antigo, mas finos dos móveis da decoração, Mare fica deslumbrada com a riqueza que a decoração e a casa esbanjam, certamente não é qualquer pessoa que morava ou mora aqui.  

 

Saltos finos se chocam sobre a madeira polida. Mare que estava tão distraída observando os diversos detalhes do salão mal escutou direito o que Cal estava lhe falando.

 

Alguém estava ali.  

 

Mare virou-se para o outro lado onde se podia ver uma enorme escadaria em que seu topo se abria para os andares acima. De lá descia uma mulher de vestido longo, cor de amora. Uma prateada. Quanto mais ela se aproximava deles, mais o barulho de seu salto ecoava alto no grande salão silencioso. A cada passo que a figura chegava perto dos dois mais Mare conseguia discernir o que estava acontecendo e quem aquela pessoa era.

 

Ela vem a poucos metros dos dois. Para. Passa seus olhos em Cal, depois em Mare, deliberadamente. Ela foca o olhar em Mare e junta as duas mãos na frente do corpo.  

 

Não bastou muitos segundos para Mare saber quem estava a sua frente.

 

— Mare, deixa eu te apresentar Lena, minha meia irmã.  

 

— Então, essa é a famosa vermelha de que tanto ouvi falar. — Lena encara Mare com tanta intensidade que Mare chega a ficar desconfortável. Ela a olha como se já a conhecesse ou que soubesse de algum pecado passado que Mare já tivesse cometido.   

 

Lena era diferente, porém, muito parecida com os irmãos.  

 

A aparência não deixava mentir seu sangue Calore nas veias. Cabelos negros que escorriam de sua cabeça até o busto em um penteado impecável, terminados em grandes cachos nas pontas. A pele tão pálida quanto a de Maven, ou até mais, pelo visto ela não gostava nem um pouco de sol. Mas, o que mais diferenciava ela dos dois outros era os olhos de águia, pretos e amendoados que se ressaltam ainda mais com os longos cílios negros que os envolviam como teias protetoras. Essa diferença em potencial era intrigante para Mare, já que considerava os olhos dos irmãos a porta de entrada de suas almas. Maven com sua frieza no seu azul gélido e Cal com seu quente e acolhedor bronze do olhar. Ela, Mare não conseguia ver nada e nem gostaria de permanecer muito tempo para descobrir o que eles tinham a dizer.

 

Tirando esses traços predominantes, Lena tinha uma beleza bem comum. Quanto mais ela chegava perto de Mare, mesmo com os saltos altos, parecia mais uma menina que uma mulher adulta. Uma adolescente simples de uns 16 anos, a única diferença dela, uma prateada da realeza, para a Mare de palafitas era que ela era apenas um pouco mais alta que Mare, mesmo sem os saltos e a pose. Mare juraria que se não fosse o cinza azulado que salpicava as suas maçãs do rosto ela poderia se passar normalmente como uma vermelha. Mas ela não era. E seu sangue resplandecia em suas bochechas para ninguém pensar o contrário disso.

 

— Sim, Mare Barrow. Antiga Mareena Titanos, acho que já ouviu falar dessa. — Mare corta o contato visual com rispidez. —  Mas que tipo de brincadeira é essa Cal? — Mare resmunga para Cal pedindo explicações.

 

— Disse que tinha descoberto onde a sanguenova estava, pois então, ela sabe. — Ele muda de posição e faz a sua usual cara de desculpas, Mare já estava se habituando a isso. —  Sinto muito Mare não quis te enganar, mas Lana mora aqui. Ela conhece todos que trabalham no casarão e vai nos ajudar. — Ele respira antes de continuar a falar. — Ela sabe toda a verdade sobre meu pai e Maven. — O semblante de Cal se entristece como Mare só tinha visto um pouco depois de eles saírem do Ossário. Mare sempre vira Cal como um guerreiro, e achava que sentimentos como aquele não combinavam com ele e sua imagem de forte. Sempre soube que Cal sabia muito bem, assim como Maven, esconder seus verdadeiros sentimentos, eles foram treinados para isso. Talvez a presença da irmã deixe por um instante os seus sentimentos mais profundos aparentes.    

 

Mare se aproxima de Cal com pesar nos olhos, mas Lena é mais rápida e o conforta antes.  

 

— Cal, eu sei de tudo. Compreendo. Quando as notícias chegaram em Hovel já tinha se passado um dia, depois que tudo aconteceu. — Ela o abraça forte por alguns segundos e segura nas mãos dele. —  Não se preocupe com lealdade, não aqui, não comigo. Pode ter minha ajuda o quanto quiser. Jamais deixaria aquela víbora pôr as mãos em você. — Ela cita a última frase como se estivesse cuspindo veneno de sua boca. Pelo menos até agora Mare e ela tem algo em comum. O ódio pela Elara.

 

— Confesso que fiquei muito chocada quando li os noticiários. Você como fugitivo, Maven rei. Seu pai morto. Sempre soube que ela sempre almejava o trono e o poder, mas isso? Ela foi bem criativa. Confesso. — Ela olha para Mare como se só agora reparasse em sua presença, ou como se só agora se importasse com isso. — Vocês estão passando agora por bons bocados, imagino.

 

— Sim! Depois de tudo o que aconteceu no Ossário, não sei se você sabe, somos fugitivos, então toda a descrição é pouco. —  Mare diz com aspereza, não gosta nenhum pouco da indiferença de Lena por ela

 

— Mas ora. — Lena começa a andar em direção a grande mesa do salão. — Eu sou muito discreta, senhorita Barrow, podem falar o que quiser, mas garanto que essas paredes não têm ouvidos. Só sou eu mesma. — Ela ri consigo mesma e encosta as costas na mesa, voltando a ficar de frente para Mare e Cal.  

 

Cal passa o olhar de Lena para Mare em segundos, com isso, Mare supõe que ele vai finalmente abrir o jogo para ela.  

 

Ela percebe agora. Esse era o jogo dele esse tempo todo. A fazer convencer de que Lena era uma pessoa de confiança e que ela poderia confiar nele e em sua irmã plenamente. A fazer acreditar que Lena acredita na versão dele. Que ela é poderosa e importante e poderá nos ajudar, não só nessa busca, mas talvez em outras questões da Guarda também. Isso deixa Mare ainda mais intrigada, quantos segredos ele esconderia dela? Achava que poderia confiar nele com que quer que estivesse planejando, não tinha porque não faze-lo, mas, mesmo assim, era arriscado, o terreno ainda poderia ser perigoso. Ele poderia errar, já erraram antes com Maven, poderia muito bem errar com essa ai.

 

— Lena, muitas coisas aconteceram nos últimos dias antes de chegarmos aqui. O mundo já não está mais dividido entre prateados com poderes de deuses de um lado e simples vermelhos do outro. Hoje existem vermelhos que possuem poderes iguais e até mais poderosos do que os prateados, eles são chamados de sanguenovos. Mare é uma delas — Cal aponta para Mare enquanto diz isso. — Julian por meio dela conseguiu achar vários desses sanguenovos espalhados pelo país, ele fez uma lista e a entregou para Mare, mas Maven. — Cal para e respira antes de prosseguir com a explicação. — Maven, também a tem e está caçando essas pessoas, junto com sua mãe, claro. Eles estão matando eles, exterminando-os. Muitos já morreram, estamos lutando contra o tempo para poder chegar antes de Maven, para poder salva-los, ou pelo menos dar-lhes uma escolha.  

 

— Maven? Não pode ser. — Ela olha para o chão, como se estivesse digerindo toda a informação e negando para si mesma o que acabara de ouvir.  

 

— Mas é verdade. — Cal continua. — Queria com todas as minhas forças que não fosse verdade, mas é. Precisamos encarar a realidade, ele não é mais a mesma pessoa, sua mãe já o tem como bem quer. —  Cal cerra os pulsos numa tentativa frustrada de conter sua raiva. A grande sala já está bem quente e Mare imagina que não levaria muitos minutos para que ele colocasse fogo nessa casa, ainda mais com tanta madeira disponível ali para queimar.  

 

— Eu sinto muito, Cal. Não posso imaginar a dor que esteja sentindo nesse momento tão doloroso. Mas se está aqui, é porque precisa da minha ajuda, não?

 

Mare se põe a frente de Cal e responde à pergunta.

 

— Sim, pode. Estamos procurando uma sanguenova que mora nessa cidade, descobrimos que ela trabalha aqui para você nesse imenso casarão. O nome dela é Sun Lourram, por algum acaso sabe quem é?  

 

— Sun? — Ela olha para Mare com aparente surpresa. — Há! Sue! — Claro, que conheço.  

 

— Sun Lourram é o nome de Sue? — Cal passa uma das mãos no cabelo, agora todo desgrenhado, como se estivesse descobrindo algo que antes não faz muito sentido.

 

— Então você a conhece, Cal? — Mare pergunta abismada.

 

— Ela é uma das damas de companhia de Lena, elas se conhecem desde de pequenas, não é Lena? Como fui tolo não discernindo os dois nomes antes.

 

Mare fica confusa, não sabe se entendeu muito bem a situação. Não existia damas de companhia vermelhas. Isso era impossível. Ou a lista de Julian estava errada e ele colocou uma prateada junto com os outros rubros, ou a sanguenova e essa prateada coincidentemente tinham o mesmo nome e sobrenome. O que era praticamente impossível.

 

— Esperem, estão me dizendo que Julian se enganou. Sun Lourram é uma prateada? — Mare questiona incrédula.

 

Lena ri com a pergunta. — Sue até onde eu sei é uma vermelha, só se claro, ela, sei lá, foi abandonada por seus pais negligente e prateados quando criança e os Lourram a adotaram quando criança e a deram um outro nome e a ensinaram na a desde pequena a passar blush rosa nas bochechas. Mas acho que eles realmente não fariam isso. Então ainda continuo achando que ela é uma vermelha de nascença. — Mare diz a ela mesma que qualquer semelhança com fatos que ela tenha passado que se assemelham com a descrição que Lena acabara de fazer foi totalmente não ocasional, para sua própria sanidade era melhor pensar assim.  

 

Nisso uma senhora esguia aparece no salão. Apesar de não estar trajando as mesmas roupas de serviçal que Mare usava no Palácio, certamente ela nota que é, sem dúvidas, uma vermelha.

 

— Desculpe interromper, madame. Mas já são 8 horas da noite e precisamos servir o jantar, segundo as ordens expressas que nos foram deixadas, é claro. — Ela diz com reverência, mas suas palavras levam consigo um tom de ordem também. Mare se assusta com tal ousadia dela. Nunca ouvira em sua vida miserável um vermelho qualquer falar de tal maneira com uma prateada, ainda mais uma prateada da realeza.  

 

Ela reconhece a voz da mulher. Certamente é a mesma que reclamava com as outras na cozinha dizendo que estavam lentas demais. Mare acha que Lena, assim como todas as prateadas com que já chegou bem perto para conhecer vai fazer um enorme escândalo e fazer em frangalhos a mulher em sua frente, mas para a sua enorme surpresa Lena inspira sem vontade, como se já tivesse escutado essas palavras várias vezes ao longo do dia.  

 

— Claro. Podem servir. —Ela diz com total desânimo.  

 

A vermelha a frente passa seus olhos em Mare e Cal como se a fizesse uma pergunta silenciosa.  

 

— Pratos para eles também, acredito que estejam com fome, não? E, an... chame Sue aqui para o salão, diga ela que tem visitas.  

 

— Como queira, Madame. — Ela sai com presa depois de uma rápida referência.

 

— Venham, sentem-se. Enquanto estiverem em Hovel certamente serão meus convidados. Menos Cal, claro. — Ela diz enquanto se senta em uma das pontas da mesa. — Esse já é de casa.  

 

— Estamos sem tempo — Mare argumenta. — Conversaremos com a sanguenova e iremos embora. Agradecemos o convite, mas estamos apressados demais para mordomias.

 

— Eu entendo a pressa de vocês, realmente. E não estou querendo desanimá-los, mas, será impossível sair daqui hoje à noite, a tempestade de neve lá fora deve estar terrível. É muito perigoso e eu não aconselharia que saíssem pela estrada a noite — Ela diz articulando com as mãos. — E não se preocupem eu garanto que a comida não está envenenada.  

 

Ela diz a última frase com breve tom de ironia perfeitamente articulado. Mare já não gostava dela por ser prateada por si só e agora tem quase certeza de que o sentimento de desprezo era no mínimo recíproco. Não que ela se importasse, já estava acostumada com isso, Lena estava em último na longa fila de desprezo que ela levava consigo.   

 

— Porque acha que pensaríamos algo como isso de você? — Mare rebate a acusação.

 

— É só uma brincadeira. Não leve tudo que falo a sério, ok? — Ela diz levantando uma das sobrancelhas. Mare fica em dúvida se isso realmente é dela ou se ela quer a provocar de qualquer jeito.  — De qualquer maneira, vocês podem ficar ai me vendo jantar e até mesmo passar a noite toda parados, se não quiserem quartos para dormir. Não me importo. Sue, daqui a pouco estará aí, poderão conversar com ela o tanto que quiserem.  

 

A cada palavra de Lena para Mare parece uma alfinetada que ela lhe dá para poder irritá-la. Já Cal parece não se importar com o jeito que ela fala. Talvez já esteja acostumado com o temperamento da meia irmã.  

 

Cal se mexe, indo de encontro a mesa.  

 

— Vamos Mare, ela tem razão. Não poderemos sair daqui hoje. — Ele se vira para Lena. — Vamos ficar, até que o tempo esteja mais favorável amanhã.  

 

Com fome e sem mais argumentos a usar, Mare se senta derrotada próximo a Cal.

 

Não demora muito e algumas criadas entram pelo salão colocando a mesa, a compondo com  vários talheres, pratos e copos para o jantar. Elas são rápidas e bem treinadas. Depois de servirem os pratos com batatas, carne, algum tipo de caldo e salada. Elas fazem uma breve reverência e saem.  

 

— Eu mal me lembrava como era o saber da comida de verdade. — Cal diz enquanto enfia uma colherada cheia na boca. — Está tudo delicioso.  

 

Lena sorri para ele, como se ela mesma tivesse feito toda essa comida e não as cozinheiras vermelhas da cozinha.  

 

— Obrigada. Como você vê, estão me tornando uma ótima dona de casa, Anabel tem se esforçado bem.  

 

Anabel? Mare já se lembrará desse nome nos livros que Julian a fizera ler nas aulas. Mas não se lembra bem de onde ela era e a que casa pertencia.  

 

— Anabel? — Ela acaba pensando em voz alta.  

 

— Anabel é minha avó por parte de pai, Mare. Você não chegou a vê-la enquanto estava no palácio, hoje ela mora longe da monarquia. Ela não vem mais sempre aqui, Lena?

 

— Ela, a cada ano que passa vem cada vez menos para cá, deve estar ocupada com os afazeres dela, não a culpo. — Ela diz enquanto toma um gole de qualquer coisa que esteja em sua taça.  

 

— Você acha que ela foi para o funeral do meu pai?  

 

— Muito provavelmente não. Ela o amava muito e certamente não seguraria seus ânimos na presença de Elara. Deve estar passando seu luto sozinha assim como eu passei o meu aqui.  

 

— Não foi para a coroação de Maven? Tinha certeza de que teria ido. — Ele diz surpreso.  

 

— Não, não fui. As coisas aconteceram muito de pressa e além do mais tive alguns problemas em Hovel, o que me prendeu aqui. — Ela olha para Cal com ar cansado, ignorando totalmente a presença de Mare, novamente, na mesa, que aproveita para escutar cada palavra atentamente, extraindo toda e qualquer tipo de informação possível. — Não sei se sobreviveria se voltasse para lá, essa é a verdade, Cal.  

 

— Entendo. — Ele diz quase como um sussurro.  

 

—Lena, me chamou?  

 

Uma garota loira de uns 15 anos, parece no salão. Mare reconhece seus traços com os de sua família logo quando a vê. Ela é muito parecida com a mãe. Talvez uma versão dela quando mais jovem. Alta, de longos cabelos dourados, pele tão branca como de todos os moradores locais que Mare vira, talvez eles não conheçam muito a luz do sol na pele. Olhos de um tom azul muito claro, que passam bondade e clareza. Seu vestido é simples, mas fino. Ela se assemelha muito a uma daquelas bonecas de porcelana que Mare cobiçava quando criança nas lojas caras de brinquedo em Palafitas. Se não fosse o rubro aparente de suas bochechas bem coradas ela teria certeza de que estaria de frente para uma verdadeira prateada.  

 

— Sim. Você tem visitas. E acho que esqueceu, mas o jantar é às 8 horas. — Ela diz em um tom irônico, talvez uma piada interna entre elas.

 

Sun ri esboçando um pequeno sorriso em seus lábios e se senta à frente de Mare na mesa.  

 

— Me desculpem a demora, estava um pouco ocupada lá dentro e, bem, o castelo é grande. — Ela diz baixo e calmamente, num tom até vergonhoso e meio desconfortável.  

 

— Não foi nada, estávamos esperando a sua chegada. — Diz Cal arrumando sua postura, parece que não é só ela que reparou em sua excepcional beleza.

 

— E o que é? Como posso ajudar vocês?  

 

— Não sei se você já percebeu, se já descobriu, mas você tem poderes assim como os prateados. Chamamos de sanguenovos, vermelhos que possuem poderes, mas não somos iguais a eles somos mais fortes. — Mare para alguns segundos e coloca seus pensamentos em ordem, voltando a falar mais devagar. — Desculpe, eu não me identifiquei primeiro sou Mare Barrow, uma sanguenova assim como você, tenho o poder da eletricidade, e quando estava no palácio descobri, através de um amigo, que existem mais pessoas vermelhas com poderes, assim como eu. Depois de uma longa pesquisa achamos outros como eu e você, nos arquivos de identidade e sangue do reino, você se encontra como uma pessoa que tem um gene diferente dos demais. Eu sei que parece ser um milagre, ou loucura, mas existente.  

 

Sun, a aparenta ouvir cada palavra que Mare diz com muita atenção. Mare imaginou até ouvir as engrenagens em sua cabeça, como se ela tivesse completando peças de um quebra cabeça difícil e indecifrável.

 

— Acho que vocês cometeram algum erro, senhorita Barrow. Não tenho nada de especial. Desculpe, mas acho que não posso ajudar.

 

— Posso estar enganada, mas acredito que muito provavelmente não estou. Não tenha medo, Lourram, se vier conosco... digo se preferir se juntar a Guarda Escarlate e vier com a gente, podemos te treinar, poderá descobrir seu poder especial e se for de seu bom grado ficar conosco e nos ajudar na causa.  

 

— Então os boatos são verdadeiramente reais. — Lena interfere. — Não acreditei quando me disseram que você estava com os rebeldes, Cal.  

 

— Isso é uma longa história. Mas em resumo, posso te dizer que eles foram uma das únicas alternativas que tive de sair vivo do Ossário.   

 

O tom constrangido e quase culpado de Cal com essas palavras causa revolta em Mare. Como ele pôde ter passado por tudo quanto passou com ela, ver o sofrimento de seu povo e ainda estar em cima do muro?  

 

Mare ressalta um pouco mais sua voz. — A revolução está crescendo. Podemos te ajudar com o que precisa. Basta apenas vir conosco.  

 

Sun, pega uma das taças a sua frente e bebe um gole, pensativa. Ela parece juntar e levar as palavras de Mare em consideração. Mare reza para que ela venha com eles, pois possivelmente aqui junto com prateados ela não irá tão longe.  

 

— Desculpe te conceder essas informações tão abruptamente, mas realmente estamos sem tempo. — Mare respira com medo de relatar as palavras a seguir, novamente. — O novo rei, Maven, sabe de nós. Ele tem a lista com todas essas pessoas. E ele está os caçam. Nós cassando. O conheci e sei que ele está longe de ser piedoso conosco. Se não vier com a gente não podemos garantir a sua segurança. — Mare olha de relance para Lena, que pelo olhar pega a sua indireta, mas Lena ignora apenas dando a ela o gosto de uma encarada de cara fechada por poucos segundos.

 

— Ela com certeza está no meio disso. — Diz Lena, recostando com força as costas na cadeira. — Sei que a essa altura do campeonato meu consentimento está fora de cogitação para você, Sue, e muito menos para você, Barrow. Porém a decisão é sua, Sue. Se quiser ir não serei contra, mas se ficar, então pode ter certeza que Hovel será um refúgio para você como sempre foi em todos esses anos.  

 

Mare vê de forma abismada a relação das duas. Nunca em hipótese alguma vira algo semelhante na vida. Sun não era apenas uma criada de Lena. Elas pareciam mais amigas... era estranho ver algo assim, ela sempre vira vermelhos e prateados como água e vinho, nunca se misturaram. Talvez os tempos estivessem realmente mudando. Ou não.  

 

— Eu, eu agradeço o convite senhorita Barrow, senhor Calore, mas, terei que recusar. Fico feliz que estejam lutando por nosso povo e por essas pessoas perseguidas, mas eu realmente não posso ir. Aqui é a minha vida, minha família mora aqui não posso largar eles por isso, eles precisam de mim. Seja lá o que tenho, e se um dia irá aparecer para mim, espero poder doma-lo e não atrapalhar ninguém. E sobre o rei, bem, Lena é minha amiga e também irmã do rei, acho que ela poderá me proteger dele por um tempo ou algo assim, porém, mesmo que não, ficarei do mesmo jeito.  

 

Mare respira audivelmente. Mais uma derrota enfrentada. Pelo menos tentaram.  

 

— Tem certeza, Sue. Acredite, não farei objeções sobre isso. — Lena, reafirma.  

 

— Eu tenho certeza, sim. Essa é a minha palavra final.  

 

— Tudo bem. Mas esperar até amanhã de manhã para que você possa pensar melhor. - Mare da sua última cartada antes de perder totalmente as esperanças.

 

Depois do jantar, Lena nos direciona para um andar acima do que estávamos. Como não poderíamos nos encontrar com os outros ainda essa noite o jeito era ficar ali e esperar pelo amanhecer.   

 

Ela e Cal, obviamente, ficaram em quartos separados. Não era que Mare quisesse dormir com ele naquele momento, mas estar com alguém em momentos como esse a reconfortava, mesmo que ele apenas dormisse a alguns metros de distância dela.

O quarto que Mare ficou era grande, luxuoso como se espera de um quarto que estava na lista de propriedades reais. Ela se aventura pelo guarda-roupas depois de tomar um banho demorado no chuveiro da suíte. Podia odiar a realeza e seus costumes, mas não poderia negar a ela mesma que não sentia saudade desse conforto que eles tinham. Na imensa cama macia ela fica lá olhando para o teto. Nenhuma criada vermelha veio ao seu encontro, o que Mare achou muito estranho, já era de costume no palácio elas virem ajuda-la em coisas bobas antes de dormir, talvez Lena esteja precavida com ela, Mare sabia que ela estava sendo educada por convenção, muito provavelmente por conta de Cal. E mesmo com o modo de tratamento um pouco humano e totalmente diferente que viu Lena tratar os vermelhos, ainda assim, eles não passavam de empregados para ela no fim das contas. Mare não deixaria isso a enganar. Estava cansada de ser enganada.  

 

Não conseguia dormir de jeito nenhum. Ela sabia que Cal escondia segredos dela, mas Mare achava muito estranho ele nunca ao menos citar o nome da meia irmã. É como se ela não fizesse mais parte da vida dele a anos. E o pior, nem mesmo Maven cítara Lena. Mare balança a cabeça com força, a hora e o local não são favoráveis para se pensar em Maven.   

 

Outros questionamentos começam a conturbar e a lhe afastar o sono. Porque Lena não tinha o sobrenome dos Calore? Era claro que ela não passava de uma bastarda, mas a que ponto isso era de ultraje para a realeza? Porque mesmo passando um bom tempo com os irmãos Calore ambos nem ao menos citaram o nome dela?  

 

Lena parecia morar totalmente sozinha no casarão, algo totalmente estranho aos olhos de Mare. Ainda mais estranho foi o fato de Lena até agora ser a única prateada que Mare viu na cidade inteira. Onde estava as outras grandes famílias?

 

Isso deixava Mare confusa, não queria desconfiar ainda mais da lealdade de Cal nessa altura do campeonato, ela precisava de sua ajuda militar e também de sua companhia nos dias de solidão. Não queria e não podia perde-lo.

 

Depois de pegar no sono por alguns minutos Mare acorda num susto, algum barulho vindo da janela a desperta, ela vai até lá para ver se tem algo, ou alguém, mas a única coisa que encontra ao abri-la é o frio que uiva e congela de imediato suas bochechas, com frio e desconfiada ela tenta voltar para a cama mas resolve que seria melhor achar respostas pela casarão tendo consigo a suposta desculpa de “estar buscando água”, aquela hora, com certeza, todos deveriam estar recolhidos em suas camas, então, teria que ir por si mesma.  

 

Seguindo até o andar de baixo Mare se depara com o quarto em que Cal está, ela pensa que a essa hora ele deva estar dormindo, mas a luz que passa pelo vão entreaberto da porta lhe chama a atenção. Ela se aproxima mais da claridade, precavidamente, e acaba pegando uma conversa entre Cal e Lena.  

 

— Pra mim isso ainda é muito surreal. Você aqui como fugitivo do reino. A Guarda. Maven no trono... Tibérias morto. Ainda não consegui digerir tudo isso, nem posso saber como está sendo para você.  

 

— Eu não consigo dormir mais, Lena. A cena de eu segurando a espada, matando meu próprio pai, nosso pai, Lena, não sai de minha cabeça! Eu fui fraco! Poderia ter sido mais forte, ter lutado mais com os poderes dela, mas não, foi eu, EU O MATEI, eu no fim de tudo matei ele. As vezes consigo sentir os olhos dele sobre mim. Eu deveria ter de proteger minha família, EU ERA O SUCESSOR, mas fui um fraco.  

 

— Não se culpe! Como você poderia proteger tudo e a todos, Cal? Olhe para mim. Ninguém poderia imaginar que ela estaria tramando tamanho banho de sangue em nossa família, "Prekleto"droga, aquela maldita, mas vamos nos erguer, entendeu. Ela terá o dela e não vai demorar muito.  

 

Segundos de silêncio se passam entre eles. Cal aparenta dar um sorriso fraco.

 

— Olha só para você, me dando conselhos. Quem diria em, nem parece que eu sou o irmão mais velho. Estava com saudades das nossas conversas, maninha.  

 

— Ora não seja modesto, todos do palácio sempre souberam que eu era a irmã mais esperta.  

 

Cal aumenta um tom a mais em sua risada. — Sempre sincera e modesta você, em?  

 

— Se não fosse, não seria eu, fofinho.  

 

— Obrigada por acreditar em mim. Eu precisava de alguém próximo que acreditasse, do contrário acho que enlouqueceria.  

 

— Você é minha família, Cal, meu sangue, como não acreditaria em você. Pode contar comigo sempre que precisar. E você sabe que Anabel também deve acreditar em você, sem sombra de dúvidas terá um refúgio tanto aqui como ela. Aliás, se você quiser posso até mandar uma carta a ela falando de você.

— Não precisa. Vou permanecer com os rebeldes por um tempo, até conhece-los melhor.  

— Tem certeza de que é seguro? Pelas informações que tive, eles são desorganizados e soltos nessa causa, nem conhecer o círculo de comandantes principais da revolução eles conhecem.  

— Isso é verdade, eles não o conhecem. Mas no momento, pra mim, não importa muito. Lena, eles são fortes e crescem como formigas, se tivermos eles do nosso lado, então, talvez, eu possa ter uma chance de derrotar Maven e subir ao trono de novo.  

— Derrotar Maven? Como? — Lena diz com uma leve falha na voz.  

— Sim derrubar ele do trono, Lena! Ele estava lá quando Elara matou nosso pai. Ele é tão culpado quanto, um cúmplice dela. — Cal diz aumentando um pouco mais a voz, triste, mas também revoltado com a pergunta feita por ela. — Eu sei que ele é o seu irmão preferido, que o ama tanto quanto a mim, ou até mais, mas o erro dele não tem perdão.  

— Não estou te dizendo para o absorver de todos os erros, Cal! Estou apenas sugerindo que seja cuidadoso e cauteloso com relação a isso. Não se torne igual a seu pai!  

— Pare Lena. Não quero discutir isso agora com você, por favor.  

— Tudo bem, como queira. — Ela se integra a discussão, parecem já estar cansados de discutir. Mare percebe que talvez tenha pegado a conversa já no fim.  

— Ele já entrou em contato com você, não é mesmo?  

— Já. Depois de amanhã deve estar por aqui com toda a sua corte. Sua mãe, a sua ex noiva insuportável e afins. Estou me preparando psicologicamente para isso, não serão dias calmos, com toda a certeza.

— Acha mesmo que Elara vem para Hovel?  

— Se vim com certeza me lembrarei de pôr pulgas em sua cama e cupins em seu guarda-roupa.  

Cal ri mais uma vez. Mare ri também sem fazer barulho atrás da porta. Não se lembrava da última vez que ouvira Cal rir de alguma coisa. Mesmo com raiva dele e  desgostando de Lena, ela ainda fica feliz de o ver confortável com alguém de seu passado.

Lena pega o gancho da risada de Cal e continua. — Já Evangeline, tenho outros planos, claro. Talvez eu coloque chiclete no cabelo dela, igual quando fiz a última vez quando éramos crianças, lembra? Quase lavei minha alma aquele dia.  

— Eu lembro! Como lembro daquilo. Jamais vou esquecer. Ela ficou uma fera, a vontade de te matar deveria ser profunda, acho melhor você tomar cuidado, ela parece ser dessas que guardam rancor para sempre.  

— Pode ter a mais absoluta certeza de que tomarei cuidado. Ela que venha pra cima de mim, pra ela ver. — Ela ri de si própria.  

— E quanto a Maven? — Cal prossegue rompendo a ar descontraído que pairava sobre eles.  

— Vou tentar por em panos quentes.  

— Para mim nunca foi dúvida nenhuma de que ele viria aqui atrás de você. Ele sempre perguntava como você estava para meu pai. Fico admirado que ele não tenha vindo aqui depois de tudo o que aconteceu. Ele realmente deve estar bem ocupado fingindo ser rei.  

— Talvez nós tenhamos coisas em comum demais. Mas serei firme com ele. Não me deixarei persuadir.  

— Obrigado, Lena. A sua companhia me revigorou bem mais do que pensava que poderia.  

— Vou dormir, e é melhor você fazer o mesmo. E aproveite para acordar cedo e aproveitar essas últimas mordomias daqui, pois sabe se lá quando vai voltar a ver isso de novo. Céus, pareço uma pessoa de 30 anos falando isso.

Cal ri novamente. — Sim, pareceu.  

— Acho que preciso de terapia ou algo assim...

Mare então se levanta em um pulo e corre de volta para seu quarto o mais silenciosamente que pode. Não escutou tudo o quanto queria, muitas perguntas ainda pairavam em sua mente, mas, por hora, essas informações foram suficientes.  

Por agora.


Notas Finais


Próximos capítulos em breve.


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