História Laços de sangue - Quarta Mordida

Coloquei a mão no topo da sua cabeça como um pedido de desculpa silencioso, tendo o olhar curioso sobre mim. Se ele realmente nutre algum sentimento por mim, então vou fingir que não sei de nada até que confesse para não magoá-lo.

Com o casamento já marcado e hoje sendo um jantar de noivado, então só espero que possa ter uma boa convivência com o lobo.

Ao menos deixei clara a minha opinião.

◊●◊●◊

Depois que conversamos, Jimin olhou na minha direção somente por algumas vezes, mas não tentou nenhuma aproximação. Sentia muito por ser verdadeiro, mas não podia lhe dar falsas esperanças quando tenho respeito pelo seu irmão e também por mim mesmo. 

A cara do irmão mais velho era de pura alegria, mostrando um sorriso debochado como se tivesse ganhado a briga. 

Também devo ressaltar que Yoongi e Taehyung estavam quase grudados no coitado do Hoseok, mas esse último nem percebia as segundas intenções e conversavam sobre algo num tom animado. 

O pior de tudo era eu, sendo obrigado a conversar com o senhor Park e ouvindo como o filho caçula é o precioso da família. Mal sabe o patriarca que não tenho a mínima vontade de entrar em nenhum romance com o filho queridinho.

— E aí, como foi com o sogro? — Yoongi perguntou mexendo apenas os lábios de forma discreta após sentar à minha frente na mesa — O cheiro dele é gostoso? 

— Vai se ferrar, hyung. — segurei a risada, mas ainda imaginei a cara horrorizada que Jimin faria se ouvisse a conversa — A mãe já está nos olhando com cara feia, se descobre é capaz de nos matar. 

— Ela já está velha demais pra conseguir nos acompanhar. 

Como sabemos que lobos também possuem uma boa audição, era melhor conversarmos apenas mexendo os lábios. Vampiros possuem os cinco sentidos bem mais aguçados do que os lobos, nos dando uma boa vantagem. 

Teve algo que a senhora Park disse que quase me fez rir. Ela avisou que os utensílios com a coloração prata foi feita especialmente a nós e que os dourados possuíam alho. 

Esse negócio de alho e cruz é puro mito; e todo mundo acredita porque vampiros são meio fechados e não compartilham os seus defeitos.

Chanyeol fez questão de me servir, colocando algumas comidas dos utensílios dourados e sorrindo cordial. Uma pena que não me afetaria, iria adorar ter um ataque epilético no meio da sala de jantar. 

A cara esperançosa que ele fez em meio a brigas da família foi até cômica, tanto que entrei no seu jogo e comi tudo lentamente. 

— Não precisa comer, Jungkook. — Jimin sussurrou olhando para o meu prato — Todo mundo vai entender se quiser trocar de prato. 

— Não precisa se preocupar. — olhei para o alfa com um sorriso — Alho não afeta aos Nobres. 

Que delícia de jantar! 

Havia uma tensão dos lobos com nós, vampiros, e o único indiferente era Hoseok que falava comendo de boca cheia. Lá do outro lado, Yoongi e Taehyung encaravam a veia pulsando no pescoço do humano. 

Tem um jantar mais cômico e desgraçado do que esse? 

Pra cereja do bolo: os mais velhos falavam sobre o casamento e decidiam tudo por nós. A cerimônia já estava marcada para daqui um mês, e isso eu já sabia, mas foi então que soube estarem procurando um apartamento para morarmos e já com planos para termos ao menos 2 filhos. 

É brincadeira!

Jimin, que até o momento se mostrava cabisbaixo, começou a sorrir contido até não aguentar e mostrar todos os dentes. 

— O primeiro filho tem que nascer um alfa. — meu futuro sogro dizia com uma voz autoritária — O segundo pode nascer um vampiro. 

— Mas o seu filho é um ômega, não há garantia para o nascimento de alfas. — minha mãe disse enquanto limpava o canto da boca com o guardanapo 

— Nós somos da linhagem principal, temos genes diferentes. Então Jimin, mesmo sendo um ômega relacionando com um vampiro, é capaz de gerar um alfa. 

— Eu prefiro um beta... — falei baixo sem pensar muito no assunto, mas não passou despercebido pelo senhor Park 

— Um beta como primogênito? Não, isso é inadmissível!

— Papai! — Jimin se levantou e todos o olharam; a alegria de antes não estava mais estampada no seu rosto — Já conversamos sobre isso. Não importa qual classe meu filho terá, ele será muito amado. E outra, o senhor está decidindo tudo e não me deixando escolhas. Como é que o Jungkook vai gostar de mim se vocês decidem no nosso lugar?

— Mas Jimin, papai só está fazendo o melhor para você. 

— Mentiroso! — cruzou os braços e o olhou de um jeito que decidi prestar atenção no prato — Só estão fazendo o melhor pra vocês. Eu quero um casamento com amor, não apenas uma fachada. Quero adiar esse casamento, papai. 

— O que?!

Uau.

Eu não tinha um pingo de esperança no ômega, mas a atitude dele enfrentando o pai foi digna de um alfa. Mordi os lábios para não sorrir, ainda mais que seu pai ficou sem reação. 

Talvez ter sido comprometido com o queridinho da família Park não é tão ruim como imaginava. 

Ele ainda foi além, esticando a mão para que a pegasse e me puxando na direção do seu quarto, deixando todos para trás de boca aberta. 

O quarto dele ficava no sótão, mas era amplo e bem iluminado pela lua em uma das extremidades sendo toda de vidro. Uma cama de casal ficava bem no canto e vários papeis com desenhos colados nas paredes serviam como pôsteres. Ainda tinha as roupas penduradas num cabideiro bem de frente da cama. 

Para um quarto de ômega até que era bem simples. 

— Desculpa ter te puxado, mas achei que não iria gostar de ficar ali. — se jogou na cama, deitado na horizontal e com as pernas de fora

— Foi muito legal da sua parte ter interferido nos planos dos mais velhos. — sentei ao seu lado e o vi abrir os olhos, sorrindo pequeno em seguida 

— Eu sou dois anos mais velho que você, nada mais justo que tome conta do meu dongsaeng. Ainda mais quando você não quer esse casamento. 

— Obrigado. 

O cheiro doce ainda continuava sendo enjoativo, mas pela primeira vez estou o considerando como uma pessoa legal. Jimin não é o estereótipo de ômega que vemos por aí, mas também não é alguém que saia totalmente do padrão. 

Os dois lados coexistem dentro de si. Fez-se de forte minutos atrás, mas agora é possível ver como está chateado por ter brigado com o pai. É forte e sensível. 

Num ímpeto de impulsividade, coloquei a mão sobre sua cabeça e o afaguei na esperança de lhe dar um pouco de conforto, algo que nunca soube dar a ninguém. 

Virou o corpo na minha direção e puxou de leve a camisa, como um pedido mudo para que deitasse ao seu lado e assim o fazendo. Ficamos deitados num silêncio esquisito. 

— Jungkook... — virei o rosto para olhá-lo — Sei que não quer que esse casamento aconteça, mas não podemos nos conhecer? 

Não o respondi de imediato. A verdade é que eu não pensei em nada além de odiar o casamento arranjado. Ver sua sinceridade me fez refletir no que estávamos passando. 

— Não vejo mal nisso, eu só disso aquilo porque não queria entrar em nenhum relacionamento. — a mudança no humor foi bem perceptível que acabei sorrindo contido — Então me diga, o que aconteceu com o ômega estereotipado que deveria existir em você? 

— Também acha que deveria ser do tipo fofo? — opa, o tom de voz mostrava que não havia gostado da minha observação 

— Não. Músculos, tatuagens, piercings... Combinam com você. Não quis te ofender, mas é que você é o primeiro ômega que conheço com porte de alfa. 

— Eu sou professor de dança e tenho um amigo tatuador. Todos foram feitos por ele. — sentou e esticou o braço para mostrar um deles — Está vendo esses números? Elas representam uma data que marcou o início do meu sonho. 03/05 é quase o meu segundo aniversário, foi o dia que consegui a vaga na companhia. 

— E qual é o seu sonho?

— Tornar um bom professor de dança e abrir meu próprio estúdio. — era possível sentir a paixão pelo seu sonho — E pra você, é ser um youtuber?

— Nunca pensei sobre. Gravar vídeos é apenas um hobby. — parei para pensar — Sonho... Nunca quis ser algo em específico, lembro apenas que quando eu era criança queria ser como o meu avô. Ele era um homem respeitado e temido por todos, algo nele o fazia irradiar uma energia forte. E, apesar de todos o verem de forma meio torta, eu sabia que existia um homem com um coração caloroso. 

— O seu avô e o meu são amigos de longa data, sabia? 

— Hã?

— É, eles são amigos, mas não demonstram isso. Estamos falando de duas famílias inimigas, era impossível que demonstrassem a amizade com o resto da família querendo matar um ao outro. — sorriu — Vovô sempre me contou sobre as aventuras que passou com o seu avô. 

— Então é por isso que você não tem medo de mim. — relembrei da primeira vez que nos encontramos e como ele não estava receoso em se aproximar

Jimin concordou com a cabeça e continuou a sorrir, mas em algum momento em meio ao silêncio acabamos com o rosto um pouco mais perto que o necessário. 

O seu cheiro doce pareceu ficar mais forte e começou a mordiscar os lábios, a respiração estando mais pesada. Eu podia ouvir como o seu coração estava agitado. 

O ômega acabou por fechar os olhos como esperasse tomar uma atitude e o beijasse. Encarei todos os traços delicados em seu rosto, perdendo-me nos lábios cheinhos. 

— Você não está esperando por um beijo, não é? — o provoquei e ele abriu os olhos imediatamente

— Beijo? — a voz parecia trêmula — Do que está falando? 

— Estou enganado? Então esquece...

Segurei a risada, podendo ver a expressão desapontada por não ter conseguido o que queria. Tudo o que poderia oferecer no momento era a minha amizade. 

Entrelacei nossas mãos e sussurrei “amigos”, ouvindo a confirmação em seguida. 

A sua mão quente junto à minha gelada era o sinal de que éramos opostos. Opostos que estavam juntando forças para tentarem conviver em paz.