História Lado Errado - 2 - Fernando.

Confesso que realmente não foi nada fácil vê-la depois de tanto tempo e ter que encarar a face viva do fantasma que nunca libertei da minha mente e muito menos do meu coração. Mas muita coisa mudou nesses 24 anos, muitas feridas se curaram. Já outras continuam bem abertas.
Olhar novamente aqueles olhos verdes - mesmo que não pertençam a mesma mulher - mexeu comigo de verdade. Mas não vou me deixar afetar pela presença de Lídia de volta na família. Desde de que Elena se foi, sua irmã não passa de uma conhecida para mim. E após mais de 20 anos, talvez ela já tenha se tornado uma desconhecida.
- Pai? - Marina entra no meu escritório devagar, me trazendo de volta dos meus pensamentos - Tudo bem?
- Claro, meu amor - sorrio vendo minha menina se aproximar - Só estava pensando um pouco.
Ela me abraça e eu beijo sua testa delicadamente.
- Pensando na Lídia, é? Suspiro e afasto a jovem dos meus braços.
- Marina...
- Olha pai, eu não quero que você se sinta mal de maneira nenhuma, ok? Mas por favor...
- Eu não tenho motivos para me sentir mal, minha filha - interrompo - Não serei eu o responsável pelo clima tenso aqui. Isso eu garanto.
Ela desvia o olhar que estava no meu e exala o ar, já indo em direção a porta.
- Marina! - ela vira e volta sua atenção pra mim novamente - Eu estou aqui filha, mesmo se nadar der certo. Ok?
Para minha surpresa, Marina caminha a passos largos até mim e me abraça forte. Meu coração aquece na hora.
- Te amo - minha menina diz com a cabeça enterrada no meu ombro. Acaricio seus cabelos e aproveito cada segundo que aquele abraço dura. Sinto tanto orgulho da mulher que meu anjinho se tornou, e sei que minha Elena também sentiria. 
 
Observo-a sair com um sorriso bobo no rosto e sou obrigado a sair de meus pensamentos novamente pelo toque do meu celular. E admito que consideraria não atender a ligação se a pessoa por trás dela não fosse Marcelo.
- Fala Fernando! - ele exclama do outro lado da linha. Somos amigos desde a faculdade e até hoje nos apoiamos em tudo. Marcelo foi um dos poucos que estiveram comigo quando perdi Elena
- Ouvi que você vai passar o dia todo fora da empresa hoje. Aconteceu alguma coisa? Expiro do jeito mais alto possível e passo a mão pelo cabelo, me preparando para explicar a história.
- A Lídia voltou pro Brasil faz poucas horas - disparo.
- Qual Lídia? Aquela Lídia? A gêmea da Elena!?
- Claro que é essa Lídia!! Qual outra Lídia seria? - uma pergunta dessa só podia vir do Marcelo.
- Me desculpe! Mas você mais que ninguém sabe a surpresa que é vê-la por perto - ele explica - Já faz quanto tempo? Uns trinta anos?
- Vinte e quatro, precisamente.
- E então? Como está sendo a convivência? - Marcelo, não faz nem duas horas que ela chegou! E além do mais, nossa convivência nessa casa até o casamento da Mari só depende dela
. - Só espero que isso dê certo, meu amigo. Eu conheço a Lídia, Fernando. Ela tem uma personalidade muito forte, não vai usar filtros nem mesmo com vocês. Duvido muito que você mantenha todo esse equilíbrio perto dela.
- A Lídia sempre foi assim Marcelo, não é agora que teremos problemas...
- Fernando, é a primeira vez que vocês convivem desde do incêndio. Não dá pra fingir que nada aconteceu.
- A única pessoa que finge que nada aconteceu aqui é a Lídia, e você sabe disso. Você me viu sofrer cada dia desses vinte e quatro anos.
Meu amigo dá um suspiro pesado do outro lado da linha.
- Preciso ir agora - ele avisa - Me dê notícias mais tarde!
- Pode deixar - assinto como se ele pudesse ver - Até mais.
- Até - ele desliga. Olho para o porta-retratos na minha mesa. Eu, Elena e Marina ainda bebê posamos sorridentes para a foto. Como tudo ficou assim? Eu nem consigo chegar a uma explicação, tudo só foi mudando e mudando até eu perceber que nunca mais sorriria como sorri naquele retrato. Dou um suspiro longo e saio do escritório, e quando termino de fechar a porta dou de cara com Lídia parada feito uma estátua do outro lado da sala.
- Bú! - ela exclama e eu dou um passo para trás.
- Jesus, Lídia!!
Ela sorri, irônica.
- Sua casa é linda, Fernando - a mulher balança a cabeça e olha em volta - Meus parabéns.
- Obrigado.
Percebo que estou com as mãos unidas na frente do corpo, como se formasse um escudo.
- O que foi, hein? Tá com medo de mim agora?
- Lídia, por favor...
- Ah Fernando!! Deixa de frescura, nós nos conhecemos há milênios, pode abaixar essa guarda. Eu não mordo - levanta as mãos em sinal de rendição.
- Me desculpe, mas eu estou de saída agora, preciso resolver umas coisas antes de voltar para jantar - aviso e ela assente selando os lábios - Acho que você devia tentar dormir um pouco. Deve estar meio cansada da viagem, certo? 
- Certíssimo - concorda olhando para a escada que leva ao andar de cima - Aliás, era isso que eu ia fazer agora. Mas não podia perder minha primeira oportunidade de bancar o fantasminha camarada, né?
- Tchau Lídia - ela perde o sorriso que estampava.
- Tchau Fernando - ela se vira e caminha para subir as escadas. Mas o que é que tem na cabeça dessa mulher!?.