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História Lado Errado - 37 - Fernando


Escrita por: humarojo

Capítulo 38 - 37 - Fernando


1983.

O bar já não está tão cheio como estava quando chegamos e ficamos frustrados por isso. Tenho a impressão de ter visto a garçonete divertida que vem nos acompanhando a noite toda e cutuco Marcelo. Ela parece ter terminado seu turno, pois está vestida de modo diferente. Parece ter arrumado o cabelo de modo diferente também, mas pode ser apenas impressão minha. Está suficientemente perto para que possamos chamá-la, mas parece estranhamente distante, como se esperasse por algo.

- Acho que já pode se juntar á nós agora, certo? – aumento meu tom de voz para que ela possa ouvir, mas tudo o que consigo é fazê-la olhar para os lados meio sobressaltada. A mulher nos olha se relance e Marcelo ergue levemente o copo em sua direção.

Ela caminha em nossa direção, e se eu não estou louco, a mulher tem até um jeito diferente de caminhar quando não está trabalhando. Nos olha com um ar meio ofendido e dispara, aumentando um pouco o tom de voz:

- Desculpe... Eu conheço vocês? – ela ainda nos olha meio confusa quando começamos a rir e logo ficamos assustados ao ver que a mulher realmente parece não fazer ideia de quem somos.

Marcelo e eu nos entreolhamos e encaramos a mulher novamente. Não é possível que tenhamos confundido.

- Hm... Você nos atendeu essa noite toda – Marcelo começa – Quer dizer... nós chegamos há umas duas horas, mas...

- Nós não perguntamos seu nome... foi falta de atenção da nossa parte... – me enrolo para falar e dessa vez quem me interrompe é ela.

- Eu não trabalho aqui, garotos... Acho que vocês se enganaram – ela dá um sorrisinho de canto que realmente não tínhamos visto antes – Mas acho que tenho uma ideia do que aconteceu...

A mulher imediatamente parece começar a se divertir com algo e acena para alguém fora do meu campo de visão. Ela aguarda pacientemente enquanto nós nos confundimos. Alguns segundos mais tarde, como numa cena de filme, uma outra mulher igualzinha se aproxima. Obviamente está vestida de modo diferente e se parece mais com a garçonete que nos atendeu previamente.

- Pelo amor de Deus – sussurro para Marcelo enquanto a outra se aproxima – Me diz que você também tá vendo isso...

As duas se cumprimentam, e por alguns segundos, a garçonete mal parece notar nossa presença.

- Eu te procurei pelo bar todinho!! – ela diz, meio ofegante – Pensei que você não vinha hoje... Ah!! E vocês ainda não foram embora, hein!!

Percebo que a mulher se refere á mim e Marcelo no final da frase e solto um riso frouxo.

- Eu prometi que ia te esperar, certo? – digo á ela, que dá uma risada animada, dando uma olhada nos olhos da outra.

- Acontece, garotos, que quem espera a Lídia todos os dias, sou eu! – diz a outra mulher que acabamos de conhecer.

- Só um minuto... – Marcelo interrompe aquele momento e encara as duas – Essa cena está começando a ficar complicada demais pra quem bebeu o tanto que eu bebi essa noite. Acho que devíamos começar do jeito certo. Sou Marcelo Moreira, muito prazer.

Ele se levanta e estende a mão parar as jovens mulheres, irmãs gêmeas, eu suponho.

- Elena Baldini, prazer – a irmã que conhecemos há menos tempo se apresenta primeiro. Carrega uma bolsa menor que a da irmã e obviamente não trabalha no estabelecimento.

- Fernando – inclino a cabeça para as duas, pigarreando ao perceber que esqueci o sobrenome – Fernando Queiroz.

- Lídia Baldini – a gêmea garçonete é a ultima a se apresentar. Perguntamos se elas aceitam se sentar e Lídia se oferece para nos pagar uma última rodada de drinks. Aceitamos de primeira e as gêmeas se sentam nas cadeiras á nossa frente.

- Desculpe por não ter perguntado seu nome antes, Lídia – me antecipo a dizer logo que as mulheres se sentam. Lídia ri, movendo a cabeça em sinal de negação.

- Não foram vocês que não perguntaram. Fui eu quem não me apresentei – ela se aproxima de nós e fala como se revelasse um segredo – É a minha tática para conquistar meninos inocentes... 

- E ela é ótima – Elena afirma e começamos a rir juntos.

As bebidas começam a chegar e a conversa prossegue, onde temos a oportunidade de conhecer melhor aquelas gêmeas surpreendentes. Acabamos descobrindo que as irmãs são filhas de imigrantes italianos e atualmente dividem o aluguel juntas, pois não possuem mais família próxima no Brasil. Lídia trabalha nesse bar como garçonete, e Elena, que trabalha como secretária e sai mais cedo do trabalho, vem buscar a irmã todos os dias no fim do expediente.

É fascinante observar a dinâmica daquelas duas irmãs na conversa. Tem claramente algo muito parecido na personalidade delas, como se uma única eletricidade pulsasse do mesmo jeito em ambos os corpos. Mas as diferenças também são muito notáveis, á começar pelo jeito que falam de suas vidas.

Elena, a secretária, é mais aberta. Não se importa muito em expor detalhes de sua vida pessoal á dois desconhecidos desajeitados no bar, enquanto a irmã Lídia é mais reservada, porém não fica para trás com suas tiradas divertidas e argumentações inteligentes. E o mais interessante de tudo é que as duas parecem se completar na conversa, deixando aquela noite muito mais rica que antes.

Marcelo e eu, encantados por aquelas mulheres elétricas, energéticas e complementares, não perdemos a oportunidade de marcar outro encontro e vibrar de felicidade quando elas aceitam. E depois de diversos assuntos, histórias, aspirações de carreira e reflexões, as jovens apressadas decidem se despedir de nós, e eu cavuco minha mente levemente atormentada pelo álcool atrás do sobrenome das duas.

- Boa noite, gêmeas Baldino!! – exclamo, sem ter certeza de que acertei o nome, porém sem desistir de fazer um charme.

- É Baldini, querido!! – Lídia exclama de volta, dando uma piscadinha final para nós e fazendo sua saída triunfal, que eu secretamente esperei poder ver mais vezes.

2017. 
Segunda-feira.

Eu não dormi nada essa noite. Não consegui. E mal posso dizer que me esforcei para tentar, porque na verdade eu apenas permaneci ali. A maior parte do tempo na varanda do meu quarto, esperando conseguir vê-la, caminhando com sua camisola preta teatral pela área externa da casa, fumando um cigarro em perfeita sintonia com a escuridão que envolve seu corpo. Esperei ver a silhueta daquela mulher tão íntima da noite que já parecia integrá-la de alguma forma. Esperei, e esperei por bastante tempo até, mas não a encontrei.

Não encontrei a presença de Lídia na casa, e de uma vez por todas, pude ver pela primeira vez o impacto que essa presença me causa. A força com que ela me trouxe de volta para a vida e a falta que ela faz. A ausência de Lídia – tanto da Lídia que conheci há 30 anos atrás, quanto a Lídia que tive a oportunidade de conhecer após todos esses anos de uma distância esmagadora – deixou um enorme vazio dentro de mim, o vazio que me fez perceber o quanto a presença dela me faz bem. Mesmo que distante, ou jogando suas frases sarcásticas com uma piscadinha no final, meu corpo todo sabe que preciso de Lídia verdadeiramente. E infelizmente, descobri isso tarde demais.

Já passa das sete quando chego em casa com Marina, que passou a última noite na casa de Cecília alegando ser tarde demais para voltar pra casa. Estou comendo o jantar que Sandra deixou quando a jovem entra na copa feito um furacão. Não dá pra negar o sangue Baldini ao olhar para ela naquele momento.

- Você sabia que a Lídia foi embora? – ela segura um pedaço de papel nas mãos, provavelmente um bilhete da tia ou algo parecido. Questiono por um momento se devo dizer “sim” ou “não” e me sinto mal por isso logo em seguida.

Tento observar o que está escrito no bilhete mas minha filha se afasta rápido demais. Caminhando ao lado oposto do cômodo para se servir, colocando o bilhete no bolso e esperando que eu a responda.

- Sabia, pai? – Mari pergunta novamente ao não receber nenhuma reação. Pigarreio antes de dizer qualquer coisa e encaro um ponto fixo no ambiente.

- Ela saiu ontem – minha voz sai quase que apática. Marina senta-se na minha frente, observando-me de relance – Não me lembro se já era muito tarde... Ela não me disse se voltava. Você sabe, meu anjo, ela mal se comunica comigo...

Ela ergue o olhar pra mim, pousando delicadamente os talheres na mesa. Marina é assim desde pequena, sua delicadeza sempre foi a maior exemplificação de sua força.

- Você acha que aconteceu alguma coisa? – ela pergunta – Achei que ela me avisaria se decidisse sair daqui de vez...

Corta meu coração ver a frustração na expressão de minha filha. Eu pude perceber o laço que foi criado entre ela e a tia, e a última coisa que eu quero é afastá-las mais uma vez.

- Acho que você já entendeu como são as coisas com a Lídia, filha – mal começo e Marina já me encara com um olhar de reprovação. A jovem me interrompe antes que eu possa me defender.

- Eu sei sim como funcionam as coisas com ela, pai – ela rebate – Sei como as coisas funcionam entre vocês dois também!

Congelo por um segundo antes de perceber que Mari se refere á nossos atritos constantes e não sobre qualquer outro assunto um pouco mais íntimo.

- Eu espero que você não esteja insinuando que eu expulsei sua tia daqui, Marina – uso o “tom de pai” que veio perdendo a frequência desde os tempos da adolescência de Marina, mas que dá o ar da graça de vez em quando.

- Me desculpa, mas não tem como não pensar nessa possibilidade.

- Não me interessam as possibilidades, minha filha! Lídia já é bem grandinha e faz suas próprias escolhas – olho diretamente para ela, demonstrando minha irritação perante ao assunto – Ela saiu daqui por livre e espontânea vontade. Eu não expulsei ninguém.

Marina também me encara por alguns segundos, posso ver os traços de sua mãe escondidos no seu rosto. Ela definitivamente herdou a imponência de Elena. Uma firmeza que pode chegar até a desestabilizar alguém que a enfrente. Sua sensibilidade, obviamente, fica em cima dessa e de diversas outras caracteristicas, fazendo com que ela nunca use essa firmeza propositalmente. Ao contrario de sua tia Lídia, que me desestabiliza como se fosse seu esporte favorito.

- Eu espero mesmo que você não tenha nada a ver com essa escolha dela – ela quase zomba da palavra “escolha” e eu não respondo, fazendo-nos terminar o jantar em um silêncio incômodo até a jovem me deixar sozinho no cômodo e partir para a sala, onde ligou para Lídia e ainda conversava com a mulher quando subi para o meu quarto.

Os últimos dias, mais do que nunca, o talento que tenho para afastar de um jeito ridículo as pessoas mais importantes. E tenho bastante certeza que as garotas Baldini conhecem bastante desse talento.



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