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História Lagostins e a Six - Limantha - Pro dia Nascer Feliz (1985)


Escrita por: Opspam2

Notas do Autor


Olá você aí do outro lado da tela.

Chegamos a mais um capítulo da nossa ficzinha, acho que tá na hora de juntar esse povo todo né?
Já adianto pedido de desculpas por possíveis erros (eu faço tudo no trabalho, releva) e bora lá.

Lembrando que tem playlist com as músicas citadas, incluindo as desse capítulo.
https://open.spotify.com/playlist/2YIqFbqXaIVC63ZOG8O14Q?si=94ec5aa1dded4aab&nd=1

Capítulo 7 - Pro dia Nascer Feliz (1985)


Fanfic / Fanfiction Lagostins e a Six - Limantha - Pro dia Nascer Feliz (1985)

Em janeiro de 1985 ocorreu o primeiro Rock in Rio, com a abertura política foi possível realizar o festival que para muitos era a Woodstock brasileira. 

 

Lica: O Rock in Rio era o ápice. O gozo do adolescente que queria um lugar para ver as bandas que ele gostava. Era a própria euforia ampliada pela cocaína.

Mas eu não iria cobrir… lá na redação me tratavam como estagiária — eu realmente era — mas queria pegar coberturas como essa.  E como não veio, resolvi inventar uma diarreia e usar meus privilégios financeiros de ser filha de dono de colégio e ir para o Rio de Janeiro, levando meu crachá comigo para entrar onde eu quisesse. 

Samantha: Fui pro Rio de Janeiro em janeiro de 85, acho que todo mundo foi para aquele Rock in Rio, mas eu não iria só festejar — na maior parte do tempo.

Chamaram as dez mais elegantes do último ano para posar para a  revista Manchete. Nove foram de black tie, Saint Laurent, Balenciaga, Dior e eu apareci de saia de camurça, bota de cano alto, blusa de bolas e o meu gato preto, Timão, no colo. Fui a capa da edição.

Lica: A Locomotiva estava na cidade e aquilo só poderia ser o carma batendo na minha porta. Enquanto andava pela orla da praia me deparei com o cartaz gigante da capa da Manchete com aquela garota segurando o gato em destaque. Só podia ser perseguição.

Samantha: O Hippopotamus do Rio era muito melhor frequentado que em Sampa, tinham mais colunáveis e não davam tanta atenção a mim, o que era ótimo.

Lá conheci o ator americano Warren Beatty,  disputado pelas mulheres mais lindas do mundo. Tivemos um caso, mas eu não dava para ele de jeito nenhum, apesar de todos acharem que sim. Conheci também a atriz britânica Charlotte Rampling, boa atriz, bem-nascida e chiquérrima, diziam que ela namorava homens e mulheres, eu digo que é verdade.

Lica: O Rock in Rio era um catarse, 100 mil pessoas por dia naquele evento mostrando a força do rock nacional. A cena ocupava as rádios, a televisão e agora tinha aquele festival incrível com 16 bandas do BRock.

Foda demais, se houvesse um pouco mais de cuidado na organização. Quem achou que daria super certo ter Ney Matogrosso com Iron Maiden? Kid Abelha com AC/DC? Por mais que a gente amasse a Paulinha, e nós amávamos, aquilo foi um massacre. Fora as restrições bizarras dos artistas nacionais não poderem usar o palco inteiro e os melhores equipamentos ficarem restritos aos gringos.

 Samantha: No último dia do evento vinha um clima de fim de festa , mas que acabaria ali. Não celebramos apenas a música, era o fim dos anos de trevas… (suspiro) Eu realmente achava que poderia ser melhor dali pra frente.

Lica: Era o fim da ditadura, podíamos cantar as músicas, cantar o Brasil com mais força. O Barão Vermelho subiu ao palco e começou a cantar isso, a nossa liberdade.

Estava curtindo as músicas, com aquele calor e o pôr do sol adiante, quando para ao meu lado o meu carma. Samantha Lambertini. Em algum momento ela se virou pra mim, achei que fosse vir com duas pedras na mão, mas não. Ignorou minha presença completamente, como se eu fosse um fantasma ali.

Samantha: Eu realmente achava que tinha deixado claro: não era para a Heloisa cruzar meu caminho. Doce ilusão.

 A petulância era tamanha que não me abordou nem se quer com um “oi” , começou atropelando todas as palavras como se quisesse provar que me conhecia.

Disse: “Seu café da manhã é champanhe com café, por alguma razão que desconheço, Seu signo é sagitário e não mora com seu tio desde os 17 anos… eu te conheço Samantha"

Respondi a afronta: “Parabéns jornalista filha do dono do colégio Grupo. Você não é a única que faz pesquisas Heloisa”.

Ela retrucou de forma convencida: “Ainda irritada com minha critica?  Já tem um ano isso. Não disse nenhuma mentira ali, só acho que deveria usar sua boca para fazer algo que é realmente boa”.

Só podia ser brincadeira.

Lica:  Era para ser um comentário descontraído, mas foi ali que a vaca foi pro brejo. Ela me fuzilou com o olhar questionando: “E no que eu sou boa Heloisa?”

Poderia ter respondido de mil formas, de diversas retóricas. Mas eu decidi atiçar a conversa de forma equivocada.

Samantha: Ela me perguntou se eu era transviada! Dá para acreditar?

No sentido literal da palavra eu realmente era, mas sabia muito bem no que ela se referia.

Lica: Eu parecia minha avó perguntando e julgando a garota. Queria ter achado uma palavra que não fosse ofensiva, mas teve o efeito reverso. então fui mais direta: “Você é gay? Na noite do Rose…”

Não consegui concluir, fui interrompida com bastante ênfase: “O que você acha que viu no Rose foram pessoas se divertindo, vivendo… Presta um pouco de atenção no que o Cazuza está discursando! Somos livres!”

Já tinha deixado a Samantha irritada com a resenha, mas aquela irritação velada com a fala mais calma era como se fossem tapas de luvas. Ela continuou dando total atenção ao palco: “É fácil pegar aquelas etiquetas de mercado e ir me marcando. Vamos lá, já foi groupie, maria xampu, locomotiva, desvairada, transviada, gay, qual a próxima?”

E ainda concluiu indo embora: “É como eu te disse, você não me conhece… “

Realmente, tudo que vi e li sobre a Lambertini no último ano me levou somente à superfície dela, e aquela imagem que ela mantinha em todos os lugares; a simpatia, o sorriso, as loucuras, as drogas, tudo aquilo era uma casca, uma fachada.  Aquela expressão séria e o tom raivoso na voz mostrava que a Samantha era aquele velho clichê, muito além do que os olhos podem ver.

E assim como não a conhecia, ficou claro naquela rinha que eu também não me conhecia.

MB: Assisti o Rock in Rio de casa, por meio de uma tevê em preto e branco, tarde da noite. Acho que o Guto e o Gabriel foram. Mas eu não tinha como acompanhá-los naquele momento. Andava sem dinheiro, porque tinha que cuidar da Camila e da pequena Júlia, além do meu irmão ainda internado e a banda não fazia shows por culpa do Gustavo.

Naquele 15 de janeiro, o Cazuza, esperançoso como muitos brasileiros, disse ao fim de “Pro dia nascer feliz”: “Valeu, que o dia nasça lindo pra todo mundo amanhã, com um Brasil novo, com a rapaziada esperta, valeu!”

Queria que fossemos nós dizendo aquilo. A gente precisava voltar a tocar, voltar para a estrada, mas para isso precisava do Gustavo.

Gustavo: Não sei se me internei pelos motivos certos. Covardia, vergonha, fuga da responsabilidade e tudo mais. Mas fiquei por lá pelos motivos certos.

Fiquei lá porque, no meu segundo dia de internação, o psicólogo da terapia em grupo me mandou parar de imaginar que minha filha teria vergonha de mim. Disse que eu precisava começar a acreditar que ela teria orgulho de mim. Vou dizer uma coisa para você, isso ficou na minha cabeça. Não conseguia parar de pensar nisso.

Pouco a pouco, isso foi virando a luz que me levava para o fim daquele túnel… imaginar minha filha… (pausa para se recompor) Me imaginar como um homem que minha filha se sentiria feliz de ter como pai. Continuei me esforçando todos os dias para tentar ser esse homem.

Camila: Quando minha mãe soube que eu não iria me separar do Gustavo ela falou: “Espero que você saiba o que está fazendo, querida”. Acho que dei uma resposta malcriada, mas no fundo estava pensando: Eu também espero.

Pensei bastante sobre isso durante um tempão, sabe? Décadas. E, no fim, a situação se resume a uma coisa. Só tem um motivo para eu ter feito o que fiz. Não me pareceu justo que a pior versão dele fosse definir como o resto da minha vida ia ser, como a minha família ia ser.

Eu tinha que tomar uma decisão. E queria construir uma vida — uma família, um bom casamento, um lar — com ele. Com o homem

*

Depois de sair da clínica de reabilitação, Gustavo Borowski foi para casa com Camila e a filha recém-nascida e logo voltou a compor. Com o prazo curto a gravadora decidiu que iriam lançar ao menos dois Compactos para conseguir acertar o contrato e posteriormente iriam lançar um álbum completo. Os Lagostins entraram em estúdio para trabalhar no lançamento em março de 1985 para gravarem “Honeycomb” e ““Hold Your Breath’ . Mas, quando todos deram os trabalhos como encerrados, Anderson avisou que os executivos da RCA acharam o Compacto fraco.

 

Guto: Para ser bem sincero, fiquei surpreso pelo Anderson ou a Ellen não terem levantado esse problema antes. Ouvi as duas músicas sem a masterização de áudio e me pareceu meio comportado demais — digo, em termos dos temas de que as músicas tratavam.

As letras que o Gustavo escreveu eram todas sobre a família dele. O MB conseguiu definir isso direito: “Rock ‘n’ roll tem mais a ver com transar com uma garota pela primeira vez, e não fazer amor com a esposa”.

Ellen: As duas faixas eram boas, mas a gente precisava de alguma coisa que tivesse um apelo mais amplo. objetivo era mirar o topo das paradas e ganhar tempo para fazer um álbum inteiro. O primeiro disco tinha ido bem, mas, se eles quisessem crescer, precisavam pensar grande.

O Gustavo insistia que as músicas estavam boas, retrucando quando falamos sobre isso: “Claro, mas a ideia não é chegar ao primeiro lugar necessariamente. Isso é para quem está interessado em agradar ao público médio, esse tipo de coisa”.

O Anderson foi direto: “Vocês têm que mirar o primeiro lugar porque estão fazendo um puta som do caralho”.

Gabriel: Não lembro de quem foi a ideia de fazer um dueto. Só sei que eu jamais pensaria nisso.

MB: Quando o Anderson disse que achava que a gente devia transformar “Honeycomb” num dueto, fiquei ainda mais confuso. Ele ia pegar a música com a pegada menos roqueira que a gente já fez, acrescentar um vocal feminino e isso ia resolver o problema?

Eu falei para o Guto: “Estão transformando minha banda numa porra de uma de soft rock”.

Gustavo: “Honeycomb” é uma música romântica, mas também meio melancólica. Escrevi a letra pensando na vida que prometi para a Camila. Ela queria mudar para o litoral um dia, quando a gente estivesse mais velho e quisesse sossegar. Foi uma coisa que prometi para ela. Que a gente ia ter isso algum dia. “Honeycomb” era sobre isso. Não fazia nenhum sentido colocar outra pessoa para cantar.

Mas o And não concordava. Ele falou: “Escreve uma parte para uma mulher cantar, dizendo o que a Camila responderia para você”.

MB: Já que ia ser um dueto, pensei que fosse ser cantado pela Key. Ela tinha uma voz ótima.

Keyla: Eu não tenho condições de ser a primeira voz numa música. Posso fazer um bom acompanhamento no refrão, mas sozinha não aguento o tranco.

Gabriel: O MB fazia de tudo para tentar bajular a Key. Conhecendo minha irmã, era melhor ele esperar sentado que não conseguiria nada ali.

Guto: O Anderson e a Ellen vieram com uns dez nomes, mas nenhum parecia agradar ao Gustavo, e o MB ficava rondando o estúdio irritado, dizendo que iam destruir o som da banda.

Até que a Tina apareceu por lá e sugeriu  o nome da Samantha Lambertini.

Tina: A Samantha já estava me enchendo para saber quando iremos lançar um novo LP dela. Essa garota não queria lançar o primeiro de jeito nenhum, mas para um segundo estava toda pilhada. Acho que uma certa crítica a motivava para mostrar evolução.

Gabriel: Ah, eu tinha ouvido a Samantha cantar em uma danceteria aqui em São Paulo mesmo. Achei sexy para caramba. Uma voz bem rouca e sem firulas. Ela era uma diva, a Madonna brasileira. Mas não achava que ela se encaixaria no nosso compacto. Era querer juntar duas coisas muito diferentes. Ela era mais pop.

Por outro lado, a Samantha tinha uma pegada mais comercial, ela era uma colunável, podia beneficiar a gente, principalmente depois dos meses de pausa.

Samantha: Eu já tinha ouvido falar d’Os Lagostins, óbvio, já que a gente era da mesma gravadora e tudo mais. E ouvia as músicas deles no rádio. Só não tinha prestado muita atenção no primeiro disco deles, mas quando a Tina tocou o Compacto para mim, fiquei boquiaberta. Adorei.

Devo ter ouvido “Hold Your Breath” umas dez vezes seguidas Adorei a voz do Gustavo. Tinha uma coisa meio melancólica. Bem vulnerável. Eu pensei: Está aí a voz de um cara que passou por poucas e boas. Achei bem evocativa e sofrida. Isso eu não tinha. A minha voz era como uma calça jeans nova, e a dele como aquela que você já tem há anos. Dava para ver que a gente tinha potencial para complementar um ao outro muito bem.

Ouvi várias vezes a versão inacabada de “Honeycomb”, e senti que tinha alguma coisa faltando. Eu li a letra e… saquei a música de verdade. Parecia uma chance para mim, de dar a minha colaboração, acrescentar alguma coisa. Eu estava animada para entrar no estúdio, porque achei que poderia ser útil de verdade e mostrar que eu sei cantar com vontade.

Gustavo: Estava todo mundo no estúdio no dia em que Samantha apareceu, e achava que todo mundo, com exceção de mim e o Anderson, deveria ter voltado para casa.

Samantha: Eu ia usar um dos meus vestidos da Halston. Mas acordei atrasada, perdi as chaves, não consegui achar meus remédios e minha manhã inteira virou uma confusão.

Keyla: Quando apareceu, ela estava usando uma camisa social masculina como vestido. Nada mais. Lembro de ter pensado: E a calça dela, cadê?

Gabriel: Samantha Lambertini era simplesmente maravilhosa, um cabelo esvoaçante. Lábios bem carnudos e uma postura de uma pop star.

Guto: Samantha tinha um rosto de garota angelical, fácil de manipular. Quer dizer, não, ela não era nenhum pouco fácil de manipular, bastava ver como os homens agiam perto dela, dava para ver que era ela quem estava no controle, e sabia muito bem disso. O MB só faltou latir quando ela passou.

MB: Samanthinha era um pitelzinho

Keyla: Ela era tão linda que fiquei com medo de ser pega admirando sua beleza. Mas aí pensei: Pô, ela deve ter sido admirada a vida toda. Para ela, uma secada de cima a baixo devia parecer só uma olhadinha casual como qualquer outra.

Gustavo: Quando vi que ela chegou, fui me apresentar e falei: “Que bom que você veio. Obrigado por ajudar a gente”. Perguntei se ela queria conversar um pouco sobre a música, ensaiar a parte dela.

Samantha: Eu tinha trabalhado a noite toda e passado um bom tempo com o Anderson e a Tina no estúdio uns dias antes, ouvindo a faixa várias vezes. Já estava com uma ideia bem formada sobre o que queria fazer.

Gustavo: Samantha disse: “Não, obrigada”. Simples assim. Como se eu não tivesse nada a contribuir.

Tina: Ela foi logo entrando na cabine e começou a aquecer a voz.

Keyla: Eu falei: “Pessoal, não precisa ficar todo mundo olhando”. Mas ninguém se mexeu.

Samantha: No fim, precisei dizer: “Vocês podem me dar um pouquinho de privacidade aqui, por favor?”.

Gustavo: Finalmente, o pessoal caiu fora, menos eu, Anderson e a Tina.

Tina: Tivemos um pouco de problemas para começar a gravar, dava para ver a tensão do Gustavo, mas a Sam não, ela estava tranquila. Depois de um ano cantando e se apresentando ela tinha desenvolvido essa tranquilidade e foco no que faria.

Samantha não tinha técnica, não tinha estudo vocal, mas ela simplesmente sabia o que tinha de fazer e como fazer.

Samantha: Eu tinha lido a letra da música tipo um milhão de vezes. Já estava com uma ideia de como queria fazer a minha parte, o Gustavo cantava como se estivesse implorando. Fiquei com a impressão de que ele não estava muito certo de que acreditava na própria promessa. E adorei isso.

Deixava tudo mais interessante. Então, eu pretendia cantar a minha parte como se quisesse acreditar nele, mas no fundo não levava fé. Achei que isso ia proporcionar umas camadas de sentido interessantes.

Fui até o microfone e cantei como se não acreditasse que ele ia comprar a tal casa que parecia uma colmeia, que aquilo nunca ia acontecer. Era essa a minha visão da coisa.

No refrão, acho que originalmente a letra era assim: “The life we want will wait for us/ We will live to see the lights coming off the bay/ And you will hold me, you will hold me, you will hold me/ until that day”.*

Na primeira vez cantei assim, mas na segunda parte mudei um pouco o refrão. Eu cantei: “Will the life we want wait for us?/ Will we live to see the lights coming off the bay?/ Will you hold me, will you hold me, will you hold until that day?”.**

Cantei como se fossem perguntas, e não afirmações. Não me deixaram terminar antes de cortar a gravação e apertar o botão da sala de controle para falar com a cabine.

Gustavo: Ela errou a letra. Não fazia sentido deixar que ela continuasse cantando a letra errada.

Tina: Pelo que eu sei, o Gustavo jamais permitiria que alguém interrompesse uma gravação sua daquele jeito. Fiquei surpresa de verdade quando ele fez isso, não deixou ela nem terminar.

Gustavo: A música era sobre um final feliz depois de um período de turbulência. Acho que a dúvida não cairia bem naquele contexto.

Keyla: A letra foi feita quando o Gustavo tentava se convencer de que o futuro que imaginava com Camila ia se concretizar. Mas ele e Camila sabiam que ele podia ter uma recaída a qualquer momento.

Tipo, no primeiro mês depois de sair da clínica, ele engordou cinco quilos porque começou a comer chocolate de madrugada e depois vieram as corridas, ele saia de shortinhos e corria quilômetros, como o Forest Gump.

Ele estava se esforçando muito e em um minuto a Samantha puxa o tapete dele e tira a segurança que ele queria trazer com as músicas.

Tina: Samantha fez mais algumas tomadas, sempre com muita facilidade. Ela não precisava se esforçar. Não precisava arrancar cada nota do peito à força.

Mas quando o Gustavo foi embora do estúdio, deu para ver que ele estava bem tenso. Eu falei: “Não leva as coisas do trabalho para casa com você”. O problema, na verdade, não era ele levar as coisas do trabalho para casa. Era que ele tinha trazido as coisas de casa para o trabalho.

Keyla: “Honeycomb” era para ser uma música sobre segurança e virou uma música sobre insegurança.

Ellen: Quando mixamos a versão com a participação da Samantha, o resultado ficou tão envolvente — juntando as vozes dos dois — que o And queria eliminar quase todo o restante do arranjo. Ele me pediu para amenizar o som da bateria, realçar os teclados, tirar uns floreios mais aparentes da guitarra do MB.

O que sobrou foi uma base de guitarra acústica com uma percussão marcada pelo piano. A maior parte da atenção ficava concentrada nos vocais. Virou uma faixa pautada totalmente no diálogo entre as vozes. Que dizer… tinha ritmo —ainda era uma música acelerada, com uma batida marcante. Mas tudo isso era eclipsado pelos vocais. Quem ouvia ficava hipnotizado por Gustavo e Samantha.

MB: Eles pegaram um rock e transformaram numa música pop! E estavam muito orgulhosos disso.

Tina: O Anderson ficou nas nuvens com o resultado. Eu também gostei. Mas dava para ver que alguns se irritaram  ao ouvir a versão nova.

Guto: O Gustavo estava acostumado a fazer tudo da banda, compor, criar as melodias e trabalhar na mixagem final. Com a Samantha isso não aconteceu e ele ficou irritado.

Samantha: Eu não entendia o que Gustavo tinha contra mim. Só o que eu fiz foi melhorar um pouco a canção. Por que ele ficou tão chateado?

Encontrei o Gustavo no estúdio alguns dias depois, para ouvir a mixagem final, e sorri para ele. Falei um oi. Ele respondeu com um aceno de cabeça. Como se estivesse me fazendo o favor de mostrar que notou minha presença. Ele não era capaz de me tratar bem nem por uma questão de etiqueta profissional.

Keyla: Era um mundo totalmente masculino. O mundo inteiro era dominado pelos homens, mas a indústria fonográfica… não era fácil. A gente precisava da aprovação dos homens para fazer qualquer coisa, e parecia só ter duas opções.

Ou se comportava como um dos caras, ou dava uma de menininha e tentava ganhar todo mundo na base do charme. Eles gostavam disso.

Mas, desde o começo, a Samantha  meio que se recusava a fazer as coisas assim. Com ela era meio “pegar ou largar”.

Samantha: Eu não estava nem aí se ia ser famosa ou não. Para mim não fazia diferença cantar no disco de um ou de outro. Eu só queria fazer uma coisa interessante, original e bacana.

Keyla: De vez em quando a gente conhece alguém que parece estar acima das coisas mundanas, né? Samantha era meio assim, não queria nem saber como o mundo real funcionava.

Seria natural supor que eu sentia raiva dela por isso, mas não. Eu adorava.

Samantha: A Key era o tipo de pessoa que tinha mais talento na ponta de um dedo do que a maioria das pessoas no corpo inteiro.

Keyla: Samantha disse isso? Bom, se você é um Romano, o talento vem do berço — ela estava falando sobre as músicas, né?

Samantha: Estavam subestimando o talento da Keyla. Mas ela deu um jeito de resolver isso. Deu um jeito nisso no próximo álbum.

MB: Foda-se o dueto, a gente ia voltar para a estrada!

Lica: Quando o compacto de “Honeycomb” saiu as rádios já tocavam, de alguma forma vazou uma semana antes e virou um sucesso imediato. A voz da Samantha casava demais com a do Gustavo, a  interação  entre  eles deu  o pontapé inicial para aquilo que funcionava tão  bem em Lagostins e a Six

A química entre essas duas vozes — a vulnerabilidade dele, a fragilidade dela — é uma coisa que prende. A voz dele, mais profunda e suave, e a dela, mais aguda e rouca, de alguma forma se fundiam sem esforço, como se os dois cantassem juntos há anos. Eles criaram um diálogo cheio de sentimento — a história de um futuro romântico idealizado que pode nunca se realizar.

A música é um testemunho visceral de que as coisas nem sempre dão certo e pelo pouco que, infelizmente, eu conhecia da Samantha, era isso que ela acreditava. Que nenhuma história de amor tem final feliz.

Eu precisava me aproximar dessa garota. Eu precisava escrever sobre ela.

Ellen: Os pedidos de shows e entrevistas com Os Lagostins foram aumentando, conforme “Honeycomb” subia de posição, mas o Gustavo estava resistente a cair na estrada, o que dificultava muito nosso trabalho enquanto produtores e gravadora.

Ele criou uma paranoia de sair de casa, de fazer show,  de passar pelo processo de viagem, ônibus, hotel, etc.  Fora que em nenhuma das entrevistas explicava o motivo real que levou a banda a dar um tempo antes de lançarem os compactos.

 

*

“Honeycomb” foi lançado no dia 1 de junho de 1985, seguido por “Hold Your Breath" lançado em julho do mesmo ano. “Honeycomb” estreou na posição oitenta e seis das paradas, mas vinha subindo num ritmo acelerado. Numa temporada extraoficial no Rose Bom Bom, a banda se preparava para algumas poucas apresentações pelo Brasil antes de ingressar no estúdio para a gravação do próximo LP.

 

Guto: Continuamos em São Paulo, aprimorando o show. As músicas começaram a soar bem melhor ao vivo. Mas acho que não dá para incluir “Honeycomb” nisso, não. Gustavo fez uma versão para apresentar no palco sem a Samantha. Simplesmente tirou a parte dela e cantou como a música tinha sido composta. Ficou boa, mas parecia que tinha um buraco nela.

Tina: Olha, eles poderiam ter chamado a Samantha para uma ou duas apresentações, mas não. Era como o Anderson dizia: ”Com o Gustavo as coisas entram por um ouvido e saem por outro”.

Renata: A Sam ficou incomodada por ter sido excluída. Pelo menos foi a impressão que me deu, conversando com ela. O que não acontecia mais com tanta frequência.

Keyla: A Samantha morava na rua do Rose, 15 minutos andando — não que costumava frequentar a casa dela —  uma hora ou outra ela ia aparecer por lá.

Guto: Lembro que, em uma noite, apareceram umas 1.300 pessoas. Do lado de fora, era uma multidão na porta. E quando eu fui entrar, o segurança me barrou: “Pô, não vai entrar, não, está muito cheio.”

Naquele tempo, não havia celular, então só fiquei gritando. “Eu sou da banda, cara, eu tenho que entrar.” Nessa época, aliás, eu fui barrado várias vezes!

Gabriel: Tinha pouco mais de 40 min para subir no palco e ninguém sabia onde o Guto estava. Eu estava preocupado.  Fui com o MB olhar no quarteirão.

MB: A curtição acontecia dentro e fora das danceterias. Quem não tinha grana ficava na porta e às vezes era meio barra pesada.

Quando saímos procurar o Guto, eu o encontrei no meio de uma rodinha.  Eram uns caras, meio punks. Uns manezões. Eles o empurraram chamando de tudo quanto é nome; bixinha, febre tifóide, doença, viado e daí pra baixo.

Só que comigo não tem conversa não, cheguei no socão.

Guto: O MB apareceu do nada e começou a bater naqueles caras. Mas eles estavam em muitos e nós... em dois… Para nossa salvação o Anderson apareceu com alguns seguranças da casa que dispersaram os encrenqueiros.

MB: Enquanto a gente voltava para o Rose, fui saber se o nosso tecladista estava bem. E perguntei: “O que aqueles manés queriam? Por que estavam te chamando daquilo?”

O Guto me parou ali nos bastidores e foi bem direto: “Porque sou gay, um daqueles caras me reconheceu e quis me bater por isso”.

Fiquei bem surpreso, foi um choque na verdade. Eu conhecia o Guto desde de sempre e como nunca percebi? Como ele nunca me falou nada e nem deu em cima de mim? (risadas). Fazia sentido agora o porque ele e o Gabriel viviam pra cima e pra baixo juntos. 

Falei: “Então você é tipo o Cazuza?”

Ele respondeu que sim e me perguntou se estava tudo bem com isso. Mas é claro que estava, o Gutinho é família.

Guto: Enquanto íamos para o camarim ele me perguntou do acidente em 83. Eu contei a história verdadeira. Foi realmente um acidente eu não quis me matar nem nada.

Estava saindo com um carinha, que não vale mencionar, ele era tatuador e frequentava os entornos do Madame Satã. Uma noite eu me desentendi com minha mãe para defender minha irmã, mas como já havia muita coisa entalada a briga foi pior e mais dramática. Me fechei no meu quarto e fui usar a maquininha de tatuar que ficou comigo. Não sabia usar e como era uma bem vagabunda acabei me cortando. Foi um acidente.

Serviu para que minha mãe me aceitasse e agora sabia que a banda também me aceitaria. No final o MB me abraçou e perguntou se eu o Gabriel estávamos juntos, respondi que sim e ele só falou: “Agora que a Keyla é sua cunhada, fala bem de mim pra ela, tá?”.

Gustavo: Já estávamos atrasados para subir no palco, sem passar o som e o MB ainda me apareceu com a mão toda esfolada. A noite tinha tudo para ser um desastre e comecei a desejar um copo de Dreher. O que ficou só na vontade.

Keyla: Enquanto tocávamos o MB apontou com o queixo para mim para onde ela estava, no meio da plateia a Samantha Lambertini apareceu — como era inevitável. E deu para perceber que o Gustavo tinha visto também.

MB: No nosso retorno quase em todos os shows o Gustavo fazia anotações sobre como cada um estava se saindo. Era um puta de um controlador. Mas ele não tinha como controlar  a Samantha aparecendo naquele show. E, nossa, ela estava linda. Com um vestidinho minúsculo.

Gustavo: O que eu podia fazer? Deixar de chamar a garota para cantar comigo no palco sabendo que ela estava lá? Eu não tinha escolha.

Keyla:  O Gustavo falou na maior má vontade no microfone: “Senhoras e senhores, Samantha Lambertini está na plateia hoje à noite. Que tal se ela viesse até aqui cantar uma musiquinha chamada ‘Honeycomb’?”.

Gustavo: Ela subiu no palco descalça, e eu pensei: O que essa menina está fazendo? Vai pôr alguma coisa nesses pés.

Samantha: Quando a banda começou a tocar, fiquei parada do lado do microfone, esperando. A primeira parte era do Gustavo, então fiquei olhando para a plateia enquanto ele cantava. Fiquei vendo a reação das pessoas. Ele tinha muita presença de palco.

Gustavo: Quando chegou a parte da Samantha, me virei para vê-la cantar. A gente não tinha ensaiado, nem cantado junto nenhuma vez. Eu meio que esperava que fosse um desastre. Mas, depois de alguns segundos, só fiquei olhando para ela.

A voz dela era explosão pura. Ela sorria o tempo inteiro enquanto cantava.

Acho que dá para perceber isso só de ouvir. A coisa passa para o som. Nisso a Samantha era ótima. Dá para ouvir ela sorrindo junto com a música.

Mas me estremecia demais ouvir aqueles trechos, daquele jeito.

Tina: Os dois no palco foram um acontecimento. Nesse show eu percebi que tinha uma coisa especial rolando ali. Simplesmente senti. Quando a música terminou, a plateia começou a berrar. Literalmente berrar.

 Falei para o Anderson: “Ela tem que ir com vocês, coloca essa menina para abrir os shows e faça os dois cantarem mais vezes juntos”.

Samantha: Deveria ser uma quinta-feira à noite, lembro do telefonema como se fosse hoje. Eu estava com uma garrafa de champanhe na mão, e tinha duas meninas no sofá e outra cheirando uma carreira na minha penteadeira. Lembro de ter ficado irritada porque ela estava sujando de pó a lombada do meu diário.

O telefone tocou, quando atendi era o Anderson falando: “Prepara a mala, que você vai cair na estrada com Os Lagostins”.

Quando desliguei o telefone e comecei a gritar no meio da sala, uma das meninas perguntou qual era o motivo de tanta empolgação, e falei: “Vou sair em turnê com Os Lagostins”.

Nenhuma delas deu muita bola. Em geral, quando você tem drogas de sobra e um lugar legal para usar, provavelmente não vai atrair gente muito preocupada com a sua vida.

Eu precisava comemorar, precisava contar para alguém que se importasse. Precisava falar com meus pais.

Lica: Para cobrir punk rock você precisa de contatos nos Distritos Policiais, uma hora ou outra alguém de alguma banda vai para a cadeira, até mesmo muitas ao mesmo tempo.  Os contatos facilitam o trabalho para gerar notícias.

Foi algo que aprendi com o festival do SESC e sempre recebia uma ligação de que alguém tinha sido preso. Naquela madrugada o Carlão me ligou, Samantha Lambertini estava presa na 78º DP.


Notas Finais


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“A vida que queremos vai espere por nós / Vamos viver para ver as luzes saindo da baía / E você vai me segurar, você vai me abraçar, você vai me abraçar / até aquele dia ” *

“Será que a vida que queremos vai esperar por nós? / Viveremos para ver as luzes saindo da baía? / Você vai me abraçar, vai me abraçar, vai me segurar até que dia?".**

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O capitulo ficou enorme, é muita gente pra falar kkkk
Samantha foi para a cadeia e quem vai salvar é a Lica num cavalo branco? kkk Me contem o que acharam e até a próxima!


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