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História Learn - Erros e perdas


Escrita por: thereddiamond

Notas do Autor


Yayo, amores!!
Não há muito o que dizer, apenas peço desculpas pela demora em postar, mas quando a preguiça bate dá nisso kkkkkkkk.
Tá grande o capítulo, mas juro que é por um bom motivo XD. Então é isso, espero que gostem!
Boa leitura!!! Beijocas <3

Capítulo 19 - Erros e perdas


O circo estava armado. Yuri pensou consigo mesma, abrindo um meio sorriso carregado de expectativa. Um tremor nervoso percorreu a espinha, espalhando-se pelo corpo, fazendo-a estremecer.

Mais ao lado estava Marshall que aparentemente não conseguia esconder, e nem conter, o nervosismo. O rapaz poderia ser até bem instruído, treinado, ter um físico invejável e amedrontador, mas estava óbvio que quando sobre muita pressão a pouca experiência se exaltava em seu corpo atarracado. Com as mãos tremendo, olhando em todas as direções, atuando como se realmente estivesse agindo com cautela, ele seguiu a morena que entrava tranquilamente dentro do trem. Ela sorria com calculada calma, estando próxima para não perdê-lo de vista, cumprimentando as pessoas que sorriam educadamente em sua direção.

O trem era um monotrilho veloz e silencioso, com capacidade reduzida se comparada a outros modelos. Ele os levaria em direção ao litoral. Deveriam descer na única estação da cidade, onde os militares tinham marcado o encontro com o tal do informante.

Yuri ajeitou a alça da pesada mochila, cheia de dinheiro, em suas costas e passou entre as fileiras de cadeiras, procurando o lugar marcado em seu bilhete. O monotrilho não se locomoveu, mas a voz sedosa e agradável que ecoava por todo o lugar, dizia que em breve eles partiriam da estação. Atrás de si Marshall murmurava reclamando da insegurança que sentia.

- Apenas fique calado ou você vai chamar atenção... – O assistente de comunicação reclamou para o rapaz e como as linhas em seus pontos estavam conectadas, Yuri acabou recebendo também a bronca, mesmo que não estivesse fazendo nada.

Os dois se sentaram num conjunto de cadeiras. Eram números pares, evidenciando que a empresa do trem tinha priorizado o espaço para locomoção dentro dos vagões. Seus lugares ficavam entre dois vagões de passageiros. Como o trem não era muito grande, a viagem seria bem mais rápida que o comum. O percurso tinha previsão para ser feito em uma hora e oito minutos, então restava descansar e esperar. Colocando a mochila em seu colo, a morena passou a observar, sentindo-se profundamente entediada com a voz técnica e monótona do assistente, que soprava informações em seu ouvido, alertando que estavam sendo observados pelas câmeras que tinham montado por inteiro no trem. Em sua inspeção minuciosa acabou encontrando uma das câmeras, que ficava no extremo oposto da parede em cima da porta, que conectava ao outro vagão. As portas eram todas automáticas com travas que, deveriam ser acionadas em casos de emergência.

- O que você acha que vai acontecer quando chegarmos lá? – Marshall questionou Yuri, encarando-a com ansiedade.

- Espero que um pouco de ação... Isso está me entediando. – Respondeu com um sorriso gozador. Sua atitude foi recriminada ao escutar resmungos inconformados, vindo do ponto em seu ouvido, pois a linha estava aberta. Reconhecia de longe a voz de Jessica. Aparentemente ela não iria largar o centro de comando. – Está muito tenso, Marshall. Por que não vamos comer alguma coisa enquanto não chegamos?

Se levantou do assento, aproveitando que o trem ainda não se movia. Embora sua intenção fosse de distrair o agente, implicitamente estava buscando esquecer o fato de que era observada. Normalmente trabalhava no silencio e seus pensamentos serviam de companhia. Saber que existiam olhos a suas costas, a deixava incomodada ainda que nem tanto.

Marshall se obrigou a concordar, encarando que realmente precisava relaxar e seguiu para o vagão-restaurante. Eles tiveram que atravessar um vagão para poder entrar nele. O lugar era completamente diferente do resto do trem, sendo mais espaçoso. O estilo que dominava o local remetia ao clássico garboso predominante dos anos sessenta. Um carpete dourado se estendia aos pés, os móveis eram feitos de madeira avermelhada. Ao invés de poltronas, como nos vagões anteriores, havia compartimentos de mesas com bancos reclinados de estofado confortável, da cor vermelho-sangue. Bem no meio do vagão, erguido rente à parede, tinha um bar de madeira. Uma longa estante de prateleiras lotadas de bebidas decorava o fundo. O barman agitava os braços, fazendo drinques, quando os viu entrar. Sorrindo polidamente parou o que fazia para contornar o balcão de madeira vernizada, seguindo até eles.

- Sejam bem-vindos! – Os cumprimentou com demasiada cortesia e os guiou para uma mesa, entregando os cardápios. – Indico que deem uma olhada na carta de vinho... Temos uma ótima seleção de merlot. – Ofereceu ao entregar a carta de vinhos, postando-se ao lado da mesa com a ponta da caneta pairando sobre a folha da caderneta, pronto para anotar os pedidos.

 - Oh! Acho que vou aceitar sua indicação... – Yuri expressou-se com animação, apontando para um vinho qualquer, recebendo o olhar reprovador de Marshall que do outro lado da mesa parecia irrequieto por vê-la mostrar-se favorável a consumir álcool. Não se importando com isso, a morena aguardou que o agente escolhesse seu prato de bife mal passado com batatas ao molho e agradeceu ao atendente quando o viu colocar a sua frente um cálice com o vinho pedido. – Tem certeza de que não quer experimentar? – Ergueu a sobrancelha para o parceiro assim que estavam a sós. Provou um pouco do vinho, sentindo o sabor suave e a acidez da bebida dominar a língua. – Está divino!

- Você não deveria estar bebendo... Nós estamos em missão! – Ele concluiu em tom baixo com expressiva repreensão, observando sobre o ombro da parceira o barman que tinha voltado ao seu posto, tomando a certeza de que a conversa não era ouvida. – Seus sentidos vão ficar deturpados por causa disso...

A morena apenas riu de sua atuação, pensando que se preocupar era uma bobagem. Consumir aquela taça não lhe faria mal, na verdade teria o efeito oposto. Precisava relaxar a tensão que estava cobrindo os ombros...

- Você deveria escutá-lo e largar essa taça. – Yuri parou de erguer o copo de cristal no meio do caminho para a boca, ao escutar a reclamação e ordem ácida de Jessica, que não conseguiu mais ficar quieta em seu canto dentro da sala.

Subindo discretamente o olhar para a câmera, que tinha sido instalada do outro lado do vagão, entornou todo o conteúdo dentro da taça, agindo displicente ao ignorar a ordem da presidente que ofegou em indignação.

Após se divertir ao importunar a presidente, voltou a encher sua taça com a garrafa que o atendente tinha abandonado por ali e relaxou sobre o assento confortável, observando a paisagem. Sentiu os músculos perdendo a tensão. O trem se movimentou para fora da estação, tomando a velocidade máxima em poucos minutos de viagem. Estavam quase que praticamente fora de Seoul. Os prédios, asfalto e concreto, foram substituídos pelo verde que cobria as montanhas.

Yuri gostava de viajar de trem, porque assim poderia tomar um tempo para observar a paisagem. Não era uma boa motorista embora seu trabalho tenha exigido certas habilidades, que nenhuma pessoa comum deveria ter. Já pilotara aviões e helicópteros, conduzira carros esportivos e de luxo, mas nada disso se comparava a tranquilidade que era estar dentro de um trem. O movimento linear dos trilhos embalava seus pensamentos. Estava aos poucos se esquecendo de que não estava sozinha e era um alívio. Por mais que preferisse trabalhar sozinha, deveria ser tolerante ao fato de ter Marshall ao seu lado.

A porta de conexão do vagão antecedente se abriu e dois funcionários, comissários de bordo, passaram para o vagão mais a frente, conversando tranquilamente, o que acabou retirando Yuri de seus devaneios. Como se acordando, arrumou a postura no banco e os observou passar, bebericando calmamente o vinho.

- Qual é o próximo vagão? – Perguntou discretamente para o assistente, que aparentemente tinha retomado o controle de seu posto, pondo Jessica de lado.

- É a cozinha... Depois dela sobra um espaço que serve de dispensa e então a cabine do motorista. Por que perguntou? – Escutou-o digitar apressadamente, as teclas reclamando do ataque inesperado de seus dedos. – Percebeu alguma coisa fora do comum?

- Não, nada. Apenas curiosidade. – Deu de ombros, sendo verdadeira e sincera.

Enquanto ninguém iniciava uma conversa, ela traçou um pequeno mapa do trem em sua cabeça. Ele possuía sete locomotivas. Três deles para passageiros, um para o restaurante, cozinha e dispensa, além da cabine principal do condutor. Um veículo nada extenso e certamente um pouco claustrofóbico. Seu olhar voltou a cair sobre o vagão, encontrando as mesas vazias. Aparentemente eram os únicos dentre os cem passageiros que vieram buscar conforto naquele ambiente mais claro e espaçoso. Uma atendente vinda da conexão anterior entrou com um carrinho de serviço, equipando-o com alguns drinques que passageiros mais preguiçosos devem ter requisitado. Seu uniforme era tipicamente comum das empresas ferroviárias, embora parecesse um pouco mais confortável. Saia lápis da cor bege com uma pequena abertura na altura das coxas, cintura alta que se modelava ao quadril. Usava uma camisa de linho perfeitamente engomada, da cor branca, saltos pequenos de um preto brilhante. Meia calça e um lenço vermelho em seu pescoço, decorando a gola da camisa. Os cabelos escuros estavam erguidos sobre um coque apertado, montado no topo da cabeça. Era o visual padrão entre as mulheres, enquanto os homens vestiam uma espécie de terno, no mesmo esquema de cor.

Seus olhos encontraram o da comissária quando esta passava por eles. Ela sorriu educadamente, agindo de acordo com o protocolo, e parou para questioná-la se não desejava algo. Ciente de que os olhos de Marshall – não apenas os dele – estavam sobre si, negou a oferta e permitiu que se retirasse do vagão. Marshall encarou sua reação como uma espécie de sabedoria, sabendo que ela poderia ser mal interpretada, ou no pior caso, repreendida por seu avô. Entendia que queria brincar, mas deveria evitar ser queimada pela boca ferina do general, que certamente estava de olho nela.

A comida chega para quebrar o clima e mudar a tensão que tinha coberto o estômago do agente. O prato com um grande e suculento bife ao molho apimentado e batatas assadas, temperada com ervas, pareceu reverter a situação caótica dentro de si. Estava com muita fome. Não tinha tomado café porque estava ansioso, então essa seria sua primeira refeição do dia. Sem preâmbulos atacou seu bife, cortando uma generosa fatia, pondo-o na boca.

- Está boa a comida? – Yuri questionou com um pequeno sorriso crescendo no rosto, ao escutar a expressão de prazer que eclodiu de sua garganta.

- Isso aqui é muito gostoso... – Ele resmungou de boca cheia, mergulhando uma das batatas no molho. – Tem certeza de que não quer comer?

- Tenho sim. – Ergueu a taça como uma explicação. – Estou bem acompanhada.

Sua resposta arrancou uma risada de Marshall, que rapidamente se esvaneceu, estava mais preocupado em terminar de comer o bife. Num todo ele não era uma pessoa tagarela. Preferia ficar em seu lugar e, de vez em quando, brincar com Yuri. Era um lobo solitário assim como ela. Porém tinham uma singela diferença, pois gostava de ter alguém a suas costas, ajudando-o quando possível.

Deixando-o comer, a morena terminou de tomar mais uma taça e parou um instante refletindo em como estava sentindo, depois de consumir essa quantidade de álcool. Como nada se rebelou, retornou a encher a taça. Entre um gole e outro, voltou a vagar o olhar pelo vagão, fazendo com que seu olhar se encontrasse com o do barman. Ele retornou a sorrir daquela mesma maneira simpática de antes, para então derrubar os olhos para o trabalho. Sua atitude poderia parecer tímida, mas isso não pareceu convencê-la. Uma sensação inquietante retorceu-se em seu estômago, devolveu a taça para a mesa e se remexeu no assento.

- Esqueci a mochila no outro vagão... Vou pegá-la. – Ela se levantou da mesa como se lembrando daquele detalhe somente agora, atraindo o olhar distraído de Marshall. Ele não protestou, apenas resmungou uma resposta afirmativa e voltou a comer.

Yuri sorriu ao agir tranquilamente, quando na verdade um sinal vermelho soou em sua mente, deixando-a num estado de alerta. Antes de abrir a porta automática, olhou discretamente um dos adereços da luminária dourada, e viu no reflexo que tinha novamente a atenção do barman. Erguendo a postura, agindo calculadamente, entrou no vagão e encontrou os outros passageiros que estavam distraídos a sua maneira. Atravessou-o com certo receio, tomando o cuidado para não chamar mais a atenção dos funcionários do trem. Mas assim que tentou chegar ao vagão seguinte, passando pelos banheiros, foi interceptada pela mesma comissária que havia entrado no restaurante.

- Posso ajuda-la, senhorita? – Questionou com seu excessivo doce sorriso, bloqueando sua passagem.

- Não, obrigada. Vou apenas pegar minhas coisas no próximo vagão... – Sorriu de volta, mas de maneira rígida se comparada a primeira vez que dirigiram palavras. Os olhos escuros da comissária ficaram um pouco endurecidos, entretanto isso não afetou o sorriso.

- Perdão, mas preciso que volte para onde estava. – Ela pediu. – Vamos fazer uma inspeção em breve, todos devem estar em seus lugares... Protocolo.

Explicou-se com certo grau de constrangimento, pondo os braços em suas costas, como se tivesse pedindo desculpas por ser exigente daquela maneira. Yuri não se sentiu perfeitamente confiável com seu pedido. Contudo não poderia insistir e acabar fazendo uma cena, terminando por colocar em risco o segredo da missão. Então, concordando com seus termos, deu meia volta e começou a refazer seus passos.

Tudo teria terminado de maneira tranquila se sua atitude não tivesse se mostrado um erro. Com uma das mãos a comissária segurou seu braço, puxando-a contra si, fazendo-a sentir a pressão do cano da arma que apontou em suas costas. A ação foi tão sutil que nenhum dos passageiros mais a frente, notaram a tensão que tomou o rosto da morena.

- Apenas siga em frente e não tente nenhuma gracinha – a voz antes adocicada da comissária se tornou frigida, empurrando o cano duro e gelado da pistola contra sua coluna. Yuri reconheceu o formato do silenciador. Aparentemente aquele ataque tinha sido planejado e tinham ordens para matar silenciosamente. – ou terei que explodir sua cabeça na frente de crianças.

Rispidamente a soltou, colocando uma mão em seu ombro, servindo tanto de alerta como para guia-la de volta ao vagão-restaurante. Ela cautelosamente escondeu a arma entre elas e exigiu que continuasse em frente, agindo como se nada tivesse ocorrido. A morena sentiu os músculos da barriga tencionando a cada passo dado. Passando por uma câmera, lançou um significativo olhar para a lente e esperou que o assistente soprasse algo em seu ouvido. Mas o ponto auricular permaneceu calado. A comissária abriu a porta que conectava os vagões e então, cá retornaram ao restaurante. Voltou a ameaça-la com a arma ao empurrá-la para frente, mantendo-a travada em sua mira, enquanto dava um passo atrás e trancava a porta para que ninguém pudesse entrar.

Yuri sentiu o sangue reagir a descarga de adrenalina que correu por suas veias, seguindo diretamente para as extremidades do corpo, gelando o estômago. Olhou Marshall e viu que ele ainda permanecia em seu lugar sentado, concentradíssimo no prato de comida. Tomou aquilo com uma jogada da sorte, pois eles poderiam ter aproveitado sua saída para executá-lo. Dava para tomar controle da situação. Mais a frente o barman se moveu ao vê-las, largando os coquetéis, esticando a mão para debaixo do balcão, erguendo uma metralhadora com um supressor na ponta.

Aquela ação pareceu acontecer em câmera lenta para a morena. Embora tivesse se passado poucos segundos, fora o suficiente para que tomasse uma atitude. Assim que sentiu a comissária retroceder e a porta ser trancada com um suave clique, girou o braço violentamente para trás, para que o cotovelo encontrasse o rosto da mulher. Não precisou se virar para saber que acertou seu alvo, ao escutá-la guinchar de dor. Imediatamente agarrou seu braço, tomando a mão que ainda estava em posse da arma. O barman tinha erguido completamente sua arma, estava prestes para aponta-la na direção de Marshall, quando o interviu, atirando ao empurrar o dedo da comissária contra o gatilho. A bala atravessou seu peito, manchando o balcão e as janelas com sangue, fazendo-o liberar a arma ao cair para trás.

O som do supressor acordou Marshall que ergueu a cabeça assustado. Para ele somente restou ver a assassina cravar sua ultima ação.

Como se estivesse executando uma espécie de dança, graciosa e agressiva, ela torceu o pulso da comissária e tomou a posse da pistola, empurrando-a contra porta. Sabendo que não poderia chamar a atenção dos civis, tomou o cuidado para não manchar o vidro quando girou e atirou na mulher. O tiro acertou diretamente o estomago, fazendo-a cuspir sangue no chão e se arrastar até ele. Quando a cabeça estava fora do campo de visão do vidro, executou-a com uma bala na cabeça. Sua ação não durou meros dez segundos, mas fora o suficiente para que Marshall se erguesse e viesse até ela com o semblante pálido.

- O que está acontecendo?

- Uma emboscada... – O rosto da morena tinha se tornado em pedra, como se o calor tivesse abandonado seu corpo. Sua voz naturalmente adocicada e brincalhona se tornou fria e endurecida. Ejetou o cartucho de balas do tambor e viu o quanto de tiros restava. O tipo da arma atirava quatorze vezes e tinha disparado três, então ainda restavam onze tiros. Seria o suficiente? – Pega a metralhadora para você, Marshall. Não sei quantos deles tem aqui.

- Eles quem? – Disparou assombrado ficando ainda mais pálido.

- Os guerrilheiros. Eles estão aqui... – Colocou o clipe de volta ao tambor, engatilhando uma bala, encarando-o com seriedade. – Armaram pra cima da gente.

Isso pareceu servir de resposta para que Marshall tomasse uma postura mais severa. Sem fazer nenhuma pergunta, o viu seguir na direção do balcão e apanhar a arma que tinha caído no chão. Ele a verificou como se tomando tempo para se situar no problema que tinham em mãos. Aproveitando-se disso, Yuri caçou nos bolsos do cadáver do barman por balas e encontrou dois pentes sobressalentes, guardando-o nos bolsos de trás da calça.

- Não consigo me comunicar com a base... – Marshall falou com certa apreensão, percebendo o silencio sepulcral que dominou o ponto em seu ouvido.

- É... – Resmungou ao se levantar e soltar um profundo suspiro. – Notei que tinha alguma coisa errada acontecendo. Eles podem ter colocado algum interceptador no nosso vagão enquanto estávamos distraídos, não tenho certeza.

Não era a toa que tinha ficado um pouco receosa com a atenção extrema que os funcionários tinham dado a eles, raciocinou o agente, que pendurou a alça da arma em seu ombro.

- Será que eles nos envenenaram ou algo do tipo? – Se referiu ao fato de terem comido e bebido o que ofereceram, sem questionar a procedência.

 Yuri parou um instante para pensar no que tinha colocado em pauta, percebendo o quanto aquilo poderia estar certo... Eles poderiam estar envenenados. Ela tinha conhecimento de venenos que atuavam no organismo depois de minutos ou até mesmo horas e dias, tendo sido aplicado ou consumido. Porém, para quem estava disposto a meter uma bala em seu crânio, usar venenos de reação retardada não era nada útil.

- Possivelmente não. Acho que acreditavam que iriam nos abater rapidamente... – Exalou alto e balançou a cabeça positivamente, estando mais autoconsciente da situação. Sua resposta desafogou o peito do agente, que voltou a respirar com um pouco de tranquilidade, ainda que não muita. – Vamos seguir em frente.

- Primeiro vou garantir que ninguém está na porta... – Ele apontou a cabeça para a conexão. – Não sabemos se ainda tem muitos deles lá atrás.

- Improvável. – Ela negou sabendo que, no período de tempo em que saiu do restaurante e foi em direção a sua mochila, o barman tinha alertado sua parceira, que foi diretamente confrontá-la. Se houvesse mais gente, eles poderiam muito bem ter entrado e tê-los matado. De qualquer maneira, deu de ombros. – Mas se insiste... Faça o que achar melhor.

Marshall acenou com a cabeça e deu um passo em direção à porta, quando a do outro lado se abre. Os dois tiveram tempo de prender o ar na garganta, antes de pular fora da mira dos quatro cozinheiros, que vieram armados com submetralhadoras.

As balas sibilaram muito próximas a cabeça de Yuri, que conseguiu cobertura no balcão. Estilhaços de madeira voaram, caindo sobre ela, que se manteve quieta e parada, protegendo-se como pôde. Na outra ponta do vagão, seu parceiro se escondeu atrás de um dos compartimentos-mesa, tendo ampla segurança, safando-se com mais propriedade. Assim como aconteceu, os cozinheiros subitamente cessaram o ataque. O silencio reinou no recinto. A morena aguardou ansiosamente passos se aproximarem, prendendo a respiração acelerada... Aquela era sua única chance de atacar os oponentes sem sair machucada. Lançou um rápido olhar para Marshall, dando sinal para que ele aguardasse seu movimento e aí, então, poderia atirar a vontade.

Crack.

O chão de madeira, bem perto de onde estava escondida, cedeu ao peso de um dos atiradores, alertando-a. Ela respirou fundo, reunindo o máximo de coragem e adrenalina em seu organismo. A ponta da arma apareceu em seu campo de visão e aquilo foi o suficiente para sair de seu esconderijo. Num átimo de agilidade puxou o cano, trazendo para si o inimigo, que atordoado recebeu a coronhada em sua cabeça. Usando-o como uma espécie de escudo humano, Yuri abateu a primeira cabeça que enxergou do outro lado do vagão, explodindo o crânio com um a única bala. Sentiu o corpo que segurava vacilar quando recebeu rajadas de tiros, o homem choramingando acabou perdendo as forças, ficando a mercê de suas mãos. Desviando um pouco a mira para o lado, ela conseguiu colocar o segundo alvo em plano. Porém ele se moveu, procurando escapar. Seus tiros não foram certeiros, mas na terceira tentativa, antes que o visse mergulhar e se esconder atrás de uma mesa, acertou um tiro em sua perna, finalizando com outro no peito. Ela não teria tempo para acertar o terceiro, mas apostou sua confiança em Marshall. Foi recompensada quando o viu atirar contra o ultimo inimigo, derrubando-o com rajadas de tiros.

Aquilo estava se tornando um banho de sangue, Yuri pensou ao soltar o corpo que tinha nas mãos. Se virou para Marshall e fez um sinal de cabeça para que ele a seguisse. Eles tinham que agir mais rápido ou isso chamaria a atenção das outras pessoas no vagão de trás. Com pressa os dois atravessaram a cozinha, encontrando os antigos e originários funcionários, amarrados e mortos com tiros a queima-roupa dentro de um armário. Entrando na cabine do maquinista, se depararam com o vidro frontal manchado de sangue e o maquinista deitado em cima do painel de controle, com um buraco de bala na cabeça.

- Eles quebraram tudo! – Marshall observou o painel que estava todo destruído, com fios arrancados à força. Pegou o telefone que o maquinista usava para entrar em contato com a central de trabalho, pensando em pedir ajuda ou um resgate, quem sabe instruções, mas ao puxar o fone do gancho, descobriu que haviam cortado o fio. – Não tem nem como pedir ajuda! Yul... Existem civis lá atrás... – Encarou a morena com intensidade, a expressão tornando-se mais ansioso. – Se não dermos um jeito de parar esse trem, alguém pode se sair machucado.

- Eu sei! – Ela rangeu os dentes, colocando a arma em cima do painel destruído, tentando raciocinar uma saída fácil para todos. – Se acionarmos os freios de emergência, podemos tirar a locomotiva do trilho e provocar um acidente feio... O trem está indo muito rápido.

Realçou o problema que a impedia de apertar o botão dos freios de emergência. Tinham que decidir ou enfrentariam um desastroso acidente ferroviário.

- Podemos descarrilhar o vagão-restaurante! – Marshall falou ao ter a ideia. – A velocidade irá diminuindo no caminho, enquanto nós seguimos em frente. Quando puder, acionamos os freios de emergência!

- É um plano... – Suspirou ao fechar fortemente os olhos e respirar fundo, pensando nas possibilidades. – Vamos fazer isso.

Ela concordou ao pegar novamente a arma em cima do painel e seguiu Marshall até a conexão. Assim que abriram a porta, um funcionário veio questioná-los, tentando descobrir o motivo da porta ter estado até agora fechada. Com a voz poderosa e séria, o agente usou seu tom intimidante, revelando seu disfarce, exigindo que ele alertasse a todos os passageiros para ficarem sentados. Ele não fez nada imediatamente, mas assim que notou a tensão nos rostos dos dois, logo lançou o aviso.

- Tente contatar algum resgate para vocês e alerte que iremos seguir em frente. – O agente disse para o funcionário, que tinha o rosto travado numa expressão ansiosa e amedrontada, se sentou num banco restrito aos comissários, onde afivelou um cinto para se proteger.

- Não temos muito tempo, Marshall. – Yuri alertou com leve impaciência, seguindo de volta para a conexão entre os vagões. Assim que o viu travar a porta, abriu uma portinhola no chão, encontrando o elo que ligava as locomotivas. A trava era muito dura para abrir com a mão, então se ergueu e protegeu o rosto com o braço, evitando que estilhaços de metal voassem contra seu rosto, quando atirasse. A bala atravessou facilmente o metal e lentamente os vagões foram se separando, obrigando-os a entrar de volta no compartimento. – Acredito que em breve estaremos chegando em alguma estação...

Suspirou ao olhar pelo vidro e ver que, em poucos minutos, chegariam numa plataforma de alguma pequena cidade nas montanhas. O trem tomava mais velocidade, principalmente agora que tinha perdido peso extra.

- Precisamos estar na cabine para acionar o freio de emergência. – Disse saindo da janela, indo em direção a outra porta.

Marshall concordou com sua proposta e se prontificou em segui-la. Mal deu dois passos quando um barulho alto soou do lado de fora, atravessando as grossas camadas de vidro das janelas. Curioso virou para o lado, mas não teve tempo de reagir ou de se segurar em algo. Um caminhão em alta velocidade atravessou o cruzamento que ficava no meio do nada, ignorando as cancelas baixadas, colidindo com a lateral do trem que descarrilhou com a força do impacto.

Yuri e Marshall foram jogados contra a outra parede, juntamente com os outros corpos, quando o trem caiu fora dos trilhos caindo de lado. Seus corpos receberam toda a potência do impacto, que não fora pouca. A primeira reação que o agente teve assim que começou a se recuperar do acidente, foi procurar a morena que não estava perto dele. Virou o corpo com dificuldade, livrando-se de estilhaços de vidro, e viu que sua parceira estava desacordada a poucos metros de distancia, virada de costas a ele. Ela não se movia. Cambaleante se ergue e vai diretamente a ela, sentindo dor nas costas e no ombro esquerdo.

- Yul... Acorda! – Pediu ao tossir sentindo cheiro de gás de cozinha, misturado a óleo de freio queimado. Era um cheiro tão intenso que cortava o ar dos pulmões e dava dor de cabeça. – Vamos sair daqui que isso pode explodir... – Falou para a morena que recobrava lentamente a consciência.

Yuri se deixou ser ajudada por Marshall, que a levantou facilmente pelo braço. Escorou-se nele sentindo a cabeça dar incessantes voltas de revirar o estômago. A cabeça latejava. Ao passar a mão sobre a têmpora, retraiu o corpo em reação automática a dor que sentiu e encontrou os dedos melados de sangue. Sua mente não formava muitos pensamentos coerentes e nem confiáveis, por isso, enquanto não se recuperava do choque, permitiu que seu parceiro a ajudasse a escalar uma das janelas estouradas, podendo sair do vagão. Tirou alguns segundos para respirar ar fresco ao se sentar na borda da janela. Observou o estrago com o sol refletindo a carcaça do caminhão gigantesco e monstruoso. Era uma confusão de metais retorcidos, pois a carroceria do caminhão e o vagão tinham se fundido. Tentou enxergar o motorista, mas encontrou a porta da cabine aberta. Chegou a se questionar se aquilo fora mera coincidência, eles acabaram atravessando a rota do caminhão, ou se tudo não passou de um arquitetado golpe. Teria o desgraçado fugido antes ou depois de colidir?

Até isso aqueles caras imaginaram? Questionou-se ainda aérea.

- Vem Yul! Precisamos nos afastar! – Marshall cutucou seu ombro, acordando-a para a realidade.

Com um pouco de esforço, ele a ajudou a descer, fazendo com que suas pernas instáveis tocassem o chão com cuidado. Tomando sua mão a arrastou para longe, afastando-se o máximo que sua condição permitiu, do trem. Acabaram entrando na floresta a beira dos trilhos e a sentou na sombra de uma árvore, com a cabeça entre as pernas para combater o leve enjoo. O sangue de Yuri voltava a circular com mais facilidade agora e certamente ficava menos desnorteada, ainda que o ferimento da cabeça não tivesse estancado. Piscou várias vezes para focar a grama que suas botas esmagavam, voltando a raciocinar. Sua mão voou para a cintura, onde tinha guardado a arma antes do acidente, mas não a encontrou. Pensou na possibilidade de entrar novamente no vagão, mas, assim que expressou tal vontade ao parceiro, ele a empurrou de volta para o chão, exigindo que ficasse onde estava. Era perigoso voltar.

- O que vamos fazer? – Ele perguntou ao sentar sobre os calcanhares, ficando da sua altura. – Seguimos em frente ou esperamos o resgate?

- Esperamos o resgate. – Eles tinham deixado o pessoal do outro vagão incumbidos de chamar ajuda, certamente devem ter acionado as autoridades competentes. A notícia chegará de uma maneira ou outra nas mãos do assistente da Lucius, que mandaria um resgate.

Sendo assim esperaram. A espera foi tão longa que Yuri conseguiu recobrar a consciência e já estava fazendo um respaldo das dores que dominaram o corpo. No mínimo teria fraturado alguma coisa ou quem sabe deslocado um osso. Sentia certo incomodo na cervical. As costas e o quadril eram o que mais protestavam, além da enxaqueca martelando a cabeça. Seria esse o sinal de uma concussão? Não sabia dizer, apenas sabia que sentia e nada era bom. Queria se deitar e maldizer o dia.

Sons ao longe tiraram Marshall da imobilidade. Imediatamente se levantou do chão, onde se sentara para esperar, saindo da cobertura das árvores. Olhou para o horizonte e encontrou uma cobertura de poeira subindo.

- A cavalaria está chegando, Yul! – Brincou animadamente com o fato de o resgate estar se aproximando, gritando para que viesse até ele.

A morena se ergueu com menos graciosidade que o comum, gemendo no processo, sentindo os músculos endurecidos e parou ao lado dele, olhando na mesma direção. Seus olhos estreitaram ficando duvidosa durante alguns segundos. Se era o resgate... Então porque não estava escutando sons de sirenes?

Esse pensamento passou tão rápido em sua cabeça, que em frações de segundo ela já estava gritando para Marshall, reagindo ao questionamento.

- Corre! – Disse ao saltar para trás e começar a correr para dentro da cobertura de árvores.

O agente não entendeu direito o que estava acontecendo, mas sabia que não poderia duvidar da parceira. Ela tinha o salvado da morte dentro do trem, então se dizia para correr, precisava correr. Porém, o alerta veio tarde demais. Não importando se estavam muito dentro da floresta, imensos jipes passaram por eles, criando uma espécie de cerco. Os dois se obrigaram a parar no meio do caminho ao ver-se sem saída. Ergueram os braços, colocando-os atrás das cabeças quando rifles de assalto foram apontados em sua direção, sendo rodeados por soldados fardados e bem municiados.

- Estamos do lado de vocês! – Yuri gritou para que todos escutassem, sentindo Marshall ficar tenso ao seu lado. Tinham que continuar a missão... Agindo como aliados. Ou isso significaria a morte de ambos.

- É! Não atirem! – Ele reforçou ao notar seu esforço.

Mas, assim que terminaram de falar, braços tomaram os seus, restringindo-os em suas costas. Foram forçados a ajoelhar ao chutarem a parte de trás dos joelhos e, mesmo que Marshall tivesse uma arma, de nada ela valia com a quantidade de homens que os dominava, além de que arrancaram a arma fora de seu ombro. Isso o irritou profundamente, porém não pode fazer nada, a não ser observar o que iria acontecer. Seriam fuzilados ou dariam chance para, quem sabe, correr? Levar um tiro nas costas era melhor... Ou será que não?

De dentro de um dos jipes, sai uma figura até então desconhecida. Os dois observaram o homem alto, pele bronzeada, seguir na direção deles enquanto tirava os óculos de sol. Os soldados pareceram reagir atipicamente a sua aparição, formando uma linha, retesando as posturas.

- Líder... Ele é o líder. – Marshall ofegou apenas para que a morena escutasse, notando imediatamente do que se tratava. Estavam diante de uma figura imponente e importante.

- Sim, ele é. – Ela afirmou num sussurro, os dentes trincados em tensão.

As pesadas botas do homem pararam a sua frente, calando-os de imediato. Ela ergueu a dolorida cabeça passando a enxerga-lo contra o forte sol, que encandeou sua visão por breves segundos, forçando-a a estreitá-los. Encontrou um pequeno sorriso crescendo em seu rosto de traços fortes. Ele era um homem lindo, de fato. Tinha olhos expressivos, uma boca pequena e contornada. Mas isso não evitou que o estômago da morena revirasse do avesso. Uma onda de asco dominou-a, mas conseguiu controla-la a tempo.

- Então vocês dizem ser nossos aliados? – Ela notou o tom de deboche na voz profunda dele, fazendo-a sentir que estava sendo repreendida. – Nossos aliados não matam aos outros, certo?

Ele acusou assim que um de seus soldados trouxe de dentro do carro um dos corpos, dos quais ela e Marshall haviam matado. Eles tinham parado no meio do caminho para pegar aquele corpo apenas para ameaça-los. Aquilo era ridículo, ela pensou com raiva.

- Foi legítima defesa. – A morena respondeu entredentes, desviando o olhar para o chão ao notar o desgosto que dominou os olhos escuros do homem. O soldado que a segurava aumentou o aperto em seus braços, fazendo-a grunhir. Estava a punindo pela falta de respeito. – Eles nos atacaram primeiro... Não podíamos morrer assim tão facilmente!

- Não? – O líder ergueu uma de suas grossas sobrancelhas negras e soltou uma risada que escarnecia suas palavras, afastando-se lentamente dela. – Você. – Apontou para um soldado mais próximo, que se apresentou dando um passo a frente. – Se um de seus irmãos atacasse você... Se um deles – fez um gesto expansivo, referindo-se aos outros parceiros. – te atacasse. Você estaria pronto para morrer ou atiraria na primeira oportunidade?

- Morreria, senhor! – Soltou a plenos pulmões sem pensar duas vezes. – Esse é o nosso lema! Morrer pela causa e por nossa família!

- Sim, é o nosso lema. – Ele reforçou com um meio sorriso, dando tapinhas camaradas em seu ombro dispensando-o. – Percebem o que fizeram? Não existe lugar em nossa casa, se você não estiver disposto a morrer.

Marshall soltou um ruído de resignação, indignado com o que estava escutando. Aquela era a maior estupidez que escutara na vida. Morrer por uma causa, mas que causa? Eles apenas produziam o caos, provocavam as autoridades, machucavam inocentes... Porque existiam tantos aficionados?

- Você está certo... O que fizemos não foi correto. – Yuri retornou a falar, notando o olhar desgostoso que o líder lançou diretamente ao seu parceiro, como se estivesse ponderando se os matava logo. – Achávamos que fossem agentes disfarçados. O governo está atrás de nós desde que desertamos do exercito!

Apelou para uma mentira, atuando como se não passasse de uma garotinha amedrontada. Procurou não exagerar sabendo que a inocência tinha um limite e observou com atenção a dureza em seu olhar, ser substituído pela dúvida. O líder comprimiu os lábios em uma linha fina, parecendo irritado.

- Perseguidos? Pelo governo? – Bufou. – Mas é claro que estariam atrás de vocês... – Tirou as mãos da cintura onde havia colocado, indo diretamente a ela, agachando-se para que ficassem do mesma altura, olhando diretamente em seus profundos orbes ônix. – Mas, não é essa informação que tenho e você sabe disso, não é?

Um arrepio subiu a espinha da morena, que suou frio. Engoliu em seco tentando raciocinar uma saída, mas não conseguia pensar em nada, não quando o descarado sorriso vencedor de que gozava da sua cara, cresceu no rosto do moreno. Ele sabia que tinha a sobrepujado e ganhado o jogo. Essa encenação servia apenas para brincar com ela. Desde o começo não existia outro final.

- Levanta eles. – Ele ordenou assim que voltou a corrigir a postura, a voz endurecida. Quando os dois foram postos novamente em pé, retirou uma pistola do coldre da cintura e destravou o tambor. – Vamos ser sinceros, sim? – Sorriu e se aproximou. – Fazia um tempo que sentimos o governo buscando brechas em nossa casa, para poder infiltrar agentes. Conseguimos evitar isso... Mas, “aparentemente” – riu com carregada ironia, balançando a arma de um lado para o outro, explicando a situação que parecia incomoda-lo. – um de nossos irmãos decidiu nos trair. Pobre coitado não vai ver a cor do dinheiro que ofereceram a ele.

- Vocês mataram o traidor? – Marshall questionou sem fôlego, atraindo sua atenção.

- É claro que sim. O que ele fez foi imperdoável! – Um rosnado escapou de sua garganta, explodindo pelos lábios, se aproximando deles com os olhos voltando a parecer duas pedras. A raiva deixou seu rosto mais avermelhado com veias saltando na jugular e uma na testa. – Ninguém nos trai e sai impune.

Seu olhar desviou na direção de Yuri, que tragou saliva, sentindo-se cada vez mais encurralada. As coisas estavam saindo da ordem e a tempestade estava apenas para começar.

- Aquele traidor de merda, antes de ser executado, nos deu uma maravilhosa informação. – Virou na direção oposta a eles, apontando para o lado onde ficou o trem. – Aquele trem que seguia até Pyeongchang, levaria um agente infiltrado do governo. Ele não sabia dizer se era homem ou mulher, mas foi enfático ao dizer que era apenas um... Então – voltou-se para os dois e apontou a arma na cabeça de Marshall, que sentiu o sangue esvair do corpo, estremecendo sobre o olhar homicida do moreno. – resta saber qual de vocês merece a bala na cabeça.

- Sou eu. – Yuri tomou partido, erguendo o queixo para confrontar o líder da guerrilha, que passou a mira para a sua cabeça. – Quem você procura sou eu.

- Então você é uma cachorrinha do governo? – Ele acusou com a voz jocosa, ao mesmo tempo ácida e acusatória, puxando o cão da arma para engatilhar a bala.

O instinto da morena era de retrucar, negar sua acusação, dizer obscenidades e fazer caso com o governo. Mas teve de retrair a língua. No final das contas, agora não passava de uma cachorrinha que seguia ordens de políticos mais sujos que sua bota. O gosto de fel dominou a boca. Era desagradável admitir a verdade.

- Sou. - Disse unicamente. Tudo dentro de si terminou se contorcendo, obrigando-a a cuspir aquela afirmação com muito esforço.

O sorriso do moreno apenas cresceu, mostrando que estava satisfeito com o resultado. Tinha uma inimiga confessa, totalmente entregue em suas mãos, mostrando que seu plano estava sendo executado com a máxima perfeição. Não poderia ter pensado em situação melhor para afrontar o governo e seu controle. Então, ansiosamente, engatilhou a bala na pistola com o dedo brincando e vacilando no gatilho. Os pares de olhos escuros que retrucavam os seus eram indisciplinados e questionadores. Havia um reconhecível rastro de receio, porém, como se tivesse dado por vencida, entendido que sua morte estava próxima, aparentava estar leve e tranquila. Aquele era o olhar de quem entregava, mas não perdia nada além da vida. Sua dignidade continuava intacta mesmo com as acusações anteriormente proferidas, mantendo-a por puro orgulho.

- Espere! – Marshall acordou do estupor provocado pelo mais profundo e enraizado medo da morte que existia dentro dele, voltando a respirar alto. Não podia permitir que Yul morresse em seu lugar. – Eu sou o agente disfarçado! Ela não tem nada a ver com isso, na verdade sempre quis se juntar a vocês! – Cuspiu mais mentiras e se sentiu aliviado ao ver que tinha congelado o dedo do moreno no gatilho, atraindo seu olhar. – Usei-a com o propósito de conseguir esconder o que sou.

- Cala a boca, Marshall! – Yuri perdeu pela primeira vez a paciência, sendo dura e ríspida. Sua atitude chamou novamente a atenção do líder, que não apontava mais a arma em sua direção e sim para o chão. – Vê como o pobre coitado está desesperado? – Questionou com fingida tranquilidade, retomando a frieza de antes, rindo debochadamente. – Como alguém igual a ele pode ser um agente do governo? Um covarde desses...

- Não acredite em nenhuma palavra que diz... Ela é mentirosa. – Marshall acusou com desespero, notando que o homem ponderava ignorá-lo utilizou-se de sua última cartada. – Meu nome é Marshall. Trabalho há dois anos no serviço secreto coreano... Minha numeração é 70084 e sou o neto mais novo do General Ko, que foi condecorado por honra ao mérito por sobreviver à detonação de uma mina terrestre, em 1975.

- Marshall! – A morena exclamou exasperada. – Viu como é idiota? Um imbecil desses certamente não é do serviço secreto!

- O que há com você? Estou tentando te salvar! – Ele acusou em troca, o suor escorrendo pelas laterais do rosto, estava nervoso.

- Eu não preciso ser salva! Então cala a porra da boca!

Nenhum dos lados estava disposto a ceder. Yuri estava ficando furiosa com Marshall, nunca tinha sentido algo tão intenso, não da maneira como agora. A ideia de que se não conseguisse evitar a morte do agente a abalava profundamente. Salvar alguém... Pela primeira vez o tentava, e com tanto afinco, que somente voltou o olhar para o líder, que tinha começado a rir, interrompendo-os.

- Vocês estão me confundindo e brincando com a minha cara. – Balançou a cabeça como se reprovando a ação dos dois. – Está certo, um de vocês está mentindo, isso é um fato. – Olhou Yuri, que engoliu em seco. – De qualquer maneira, já tomei minha decisão.

Ergueu a arma e apertou o gatilho.

O som alto do disparo assustou um bando de pássaros por perto, que voou para o céu, grasnando aterrorizados. Os soldados permaneceram calados, observando a cena, petrificados no lugar.

A bala atravessou o crânio de Marshall, que caiu de cara na terra marrom, coberta de folhas de pinheiro. Yuri tinha os olhos arregalados, os ouvidos zunindo por causa do tiro. Um pouco do sangue espirrou em seu rosto, manchando-o com pequenas gotas, o suficiente para gravar em sua pele que um inocente havia morrido em seu lugar. O que tinha feito para impedir isso? Nada. Ela simplesmente ficou parada vendo-o morrer.

Click.

O som de outra bala sendo engatilhada na agulha acordou-a do torpor, desviou seus olhos na direção do moreno alto, que não mantinha mais o sorriso no rosto. Os braços que antes a restringiam não existiam mais, o soldado tinha a libertado. Seria essa sua chance de revidar, mas estava sem forças para erguer os braços, deixando-as hirtas junto ao corpo. Seus olhos confrontaram os dele e pode notar a satisfação que o tomava naquele instante. Ah, ele estava feliz com o desfecho.

- Nunca acreditei que veria uma cena tão ridícula vinda de sua parte, Yuri. – Ele acusou com ironia.

- Estava apenas cumprindo com o dever que me passaram, oppa. – Ela respondeu em mesmo tom, porém a voz estava morta e despedaçada, como se estivesse exausta. Não havia mais motivo para esconder o que era... Não diante dele. Taecyeon a conhecia profundamente.

- Seja bem-vinda em casa, Yul. – Disse com um sorriso menos enrijecido.

Taecyeon estava feliz por ver que a tinha de volta em casa. Como bons confidentes e irmãos, precisavam conversar. Com um gesto de mão pediu para que ela o seguisse para um dos carros.

Sem pestanejar, a morena seguiu a procissão que ele arrastou consigo para os carros, vendo os soldados tomando de volta seus postos. Taecyeon deixou especialmente um espaço ao seu lado nos bancos de trás do jipe. Por mais que tivesse aquele sorriso em seu rosto, não procurou retorna-lo, escapando de seus olhos ao afivelar o cinto de segurança. Quando o carro tomou uma rota floresta adentro, ela pode lançar um ultimo olhar de remorso e culpa sobre o corpo de Marshall, que morreu para salvar alguém que, no final das contas, não precisava ser salva.

Durante todo o caminho o moreno não falou nada, na verdade guardava as palavras para o momento em que poderiam ter com mais privacidade. Havia assuntos a serem discutidos, que muitos de seus soldados poderiam encarar como traição. E acima de tudo, Yuri jamais poderia ser acusada de traição entre a família.

- Pode parar aqui... – Ele ordenou para o motorista, que parou num ponto distante da estrada. Estavam num ponto profundo da mata, abriu a porta e esperou que ela descesse. – Fiquem aqui, voltarei em breve.

Falou para os rapazes que o seguiam, vendo-os relutantemente obedecer. Ele guiou a morena para longe do carro e assim que saíram da visão de seus subordinados, se virou para ela e a puxou para um abraço sufocante e apertado. Yuri não retribuiu, mesmo sabendo que deveria. Estava cansada demais para isso.

- Você passou muito tempo longe da gente, Yuri... Os rapazes nem te reconhecem mais. – Terminou de falar ao rir frivolamente, afastando-a a distancia de um braço, segurando seus ombros para que se olhassem. Seus olhos passearam por todo seu rosto, captando as diferenças que o tempo trouxe junto à distância. – Papai perguntou por você antes de morrer.

Ela não conseguiu manter o olhar grudado ao seu, não por se sentir culpada ou triste. Sabia da morte que abalou a família dele e o quanto deve ter sofrido por isso. Entretanto nada sentia. Ter a confirmação da morte de Jinyoung, a libertou de uma maneira estranha.

- Ele perguntou onde você estava e o que fazia longe da gente... Tive que convencê-lo que me entregasse nossa última missão. E não foi fácil tirar isso daquele velho. – Taecyeon libertou tudo ao falar rápido, sem ter tempo para respirar, obrigando-a a encará-lo. O aperto em seus ombros ficando mais forte à medida que a empolgação parecia consumi-lo.  – Essa é o nosso momento... Nossa chance de vingança, certo? – Balançou-a como se pudesse acordá-la. – Me diga Yuri... Você está pronta para destruir os Jung?

A língua de Yuri ficou completamente dormente.

Sem que comandasse seus pensamentos rebelaram-se, voando quilômetros de distância, caindo numa sala da Lucius onde Jessica poderia estar. Estaria preparada para isso, para destruir uma família que obliterou a sua?

O fogo que consumia suas veias, a ira e o ódio que cresciam ao lembrar esse nome, já não ardia com tanta intensidade. A hesitação que a cobria naquele momento estava conectada a existência de Jessica, como se nublasse qualquer de suas ações. Se meses atrás Taecyeon fizesse essa pergunta, a responderia com o máximo de convicção possível. As marcas do passado, a promessa de vingança ainda residia em si, mas não se sentia tão segura.

A palavra “traição” piscava em sua mente, antes sempre atrelada ao outro lado, aos Jung. Agora se sentia uma traidora, quase uma pecadora, por hesitar em responder.

“Você está pronta para destruir os Jung?” – a pergunta de Taecyeon queimou sua mente, ecoando por todos os cantos, cobrando a resposta. Pode ver em seus olhos o que seu vacilo provocava. Estava criando a dúvida.

Não havia sido esse o motivo para ter se integrado a Lucius? Seu real propósito para aceitar a proposta de Heechul? Taecyeon estava apostando muitas fichas nela. Ele tinha colocado muito dinheiro naquela missão, jogando fora vidas de aliados para provocar o governo. Comprado militares, colocado um espião dentro da empresa... Foram eles que acabaram com todas as defesas do governo, forçando-os a contratar um assassino de aluguel, que por sinal estava a comando deles.

Estava tudo perfeitamente arranjado.

Desde o começo sua missão não era de se infiltrar na guerrilha. Ela fazia parte dela de maneira íntima. Aquilo se tornou uma espécie de jogo duplo. Sua verdadeira missão era de entrar no covil dos lobos, do governo e conseguir acesso a Lucius. E então, a partir daí, conseguir a confiança da presidente.

- Sim... Estou. – Ela respondeu com o máximo de convicção que tinha, percebendo o alívio dominar as feições de Taecyeon, que tomou seu rosto nas mãos grandes, cheia de cicatrizes, antes de puxá-la para um abraço.

- Contamos com você, Yuri. – Ele disse com um sorriso tomando a voz. – Consiga a confiança da Jung... Ela é a chave para que possamos chegar ao pai dela. – Se moveu, libertando-a de seus braços, fazendo com que se afastasse para olhá-lo. – Sei que você é capaz disso.

E então uma dor perfurante e estranha dominou o abdome de Yuri. Grunhindo devido a dor, surpresa e assombrada com o que estava acontecendo, desceu o olhar e viu o que estava acontecendo. Taecyeon tinha aproveitado de sua distração para esfaqueá-la.

- Agora dê um jeito de voltar e use esse machucado para enganá-los. Sei que você é especialista nisso. – Abriu mão de sua faca, deixando-a onde estava.

Enquanto se afastava de volta ao carro, sabia que era observado por ela, que ainda atônita permanecia parada em seu lugar.

Yuri estava sozinha naquele jogo de sobrevivência.


Notas Finais


:o
Digam o que acharam dessa revelação!! Comentário?? Até a próxima!! ^^


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