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História Lendo o último olimpiano - O que fazemos em vida ecoa pela eternidade


Escrita por: PS_Jay

Notas do Autor


Eae gente! Voltei, um pouco mais tarde do que tinha planejado :/

Achei que esse capítulo seria fácil de escrever porque não tem os capítulos da história original do Rick Riodan, mas descobri que foi o extremo oposto. Além disso, ajudei minha irmã com um projeto e estou desenvolvendo um outro projeto pessoal em paralelo com esse. Acabou que as coisas se atropelaram.

Enfim, esse capítulo também pode ser chamado de "surra de diálogo".

Revisado pela maravilhosa @SnowGirl383

Capítulo 5 - O que fazemos em vida ecoa pela eternidade


Fanfic / Fanfiction Lendo o último olimpiano - O que fazemos em vida ecoa pela eternidade

A estadia dos deuses no acampamento deixava os meio-sangues desconfortáveis. 

E, diga-me, quem poderia culpá-los? Anos e anos de negligência tinham seu preço, afinal. A maioria dos semideuses não sabia o que dizer na presença de seres tão poderosos, muito menos como agir diante deles. Sentiam-se inseguros sobre suas personalidades, perguntavam-se se estavam sendo imaturos em seus comportamentos e pensavam duas vezes antes de expressar suas opiniões, com medo de uma reprimenda. 

Eles sempre pareciam querer falar alguma coisa, mas se seguravam no último segundo. Eles trocavam olhares entre si, mas abaixavam a cabeça quando recebiam muita atenção. Eles estavam incomodados com a presença divina, mas também tinham medo de que ela fosse embora. E no meio dessa dança estranha, enquanto os olimpianos pairavam sobre os campistas, as diferenças entre ambos os grupos tornavam-se gritantes. 

De um lado, imortais. Fortes e eternos. Do outro, mortais. Fracos e finitos. 

Uma lacuna do tamanho do Grand Canyon havia se aberto entre eles. Uma lacuna que não poderia ser preenchida por palavras vazias e situações desconfortáveis. 

Sim... Tudo tinha um preço. E Héstia temia o que esse preço poderia significar. 

Ora, ela sempre fora uma deusa quieta, gentil; preferia dialogar em vez de guerrear; mantinha-se longe da discórdia e só interferia quando julgava ser absolutamente necessário. Ela era a Protetora dos Lares, a Senhora da Esperança – a última a cair e a primeira a ficar de pé. Ela era o calor e o alívio e a doçura. 

Mas então por que Héstia sentia que estava falhando? 

Ela não era cega – embora se sentisse uma completa tola. Ela sabia porque falhava em seu papel de Guardiã do Lar, sabia quais eram os erros que se permitiu cometer e sabia quais eram as consequências para esses erros. Ela podia vê-los sambando seminus na frente de seu nariz, zombando dela por ter sido estúpida e ingênua. 

Ah, para quê se meter nas questões dos deuses, não é mesmo? Ela não era mais uma olimpiana, deixe-os resolverem suas diferenças sozinhos! Eles são adultos, com toda certeza agirão como adultos, certo? 

É óbvio que não. 

Sua completa tola ignorante. 

Ela sempre fora uma deusa quieta, é verdade. Mas em sua obstinada postura de “não interferência”, Héstia demorou a enxergar as rupturas que os deuses criaram em seu relacionamento com seus filhos. Ela se resignou a ser uma espectadora, passando anos somente sentada à fogueira, observando em silêncio. Ela viu a amargura se formar, presenciou o ressentimento criar raízes e não fez nada

Ela. Não. Fez. Nada

Héstia temia o que essa negligência poderia causar, pois ela sabia que tudo nessa vida tinha consequências. E agora, ainda que muitos se recusassem a ver, o problema estava lá, desnudado e claro como o dia: os Deuses do Olimpo não conheciam seus filhos – e os semideuses do Acampamento Meio-Sangue não conheciam seus pais. 

Héstia suspirou, olhando para sua amada fogueira com um misto de pesar, raiva e plenitude. Enquanto todos se levantavam de seus lugares para deixar o anfiteatro, ela tomou uma decisão. 

Chega de observar, chega de não agir. 

Estava na hora de uma epifania. 

Erguendo-se em um salto, ela abandonou a face de menina amável e cresceu para a mulher adulta e determinada que ela um dia já fora. 

– Você parece ter um plano – a voz suave de Demeter ressoou, solitária. Todos já haviam se afastado, cada um seguindo seu próprio caminho, mas a deusa das colheitas não aparentava ter intenção de partir. 

– Por que você diz isso, irmã? 

– Você tem aquele olhar em seu rosto. O olhar que diz para as pessoas tomarem cuidado. 

Héstia virou as costas para a fogueira. 

– Eu não tenho um plano. Mas já cansei de esperar.  

As sobrancelhas de Demeter se arquearam e ela cantarolou. 

– Você vai interferir. 

– Sim. 

– E não teme as consequências? 

– Se eu tenho certeza de algo, Demeter, é que, no fim, não importa se você é um deus, semideus, mortal ou uma árvore; as escolhas que você faz no seu presente afetarão seu futuro. – Héstia lançou um último olhar por cima do ombro, para as chamas da fogueira. Então encarou a outra deusa com um olhar de aço. – E eu fiz a minha. 

Demeter a observou por um momento que se estendeu por segundos a fio. Até que, com um suspiro, estendeu o braço para que a outra mulher se enganchasse nele. 

– Muito bem. Venha. Eu quero comer uns morangos. 

...

O sol estava quase em seu pico. Ele brilhava intensamente sobre o Acampamento Meio-Sangue, tão quente que poderia queimar. Alguns diriam que isso se devia ao acontecimento mítico chamado onze e meia da manhã, mas outros sabiam a verdade. 

Apolo estava animado. 

Saltitando como uma criança que comeu chocolate demais, o deus do sol lançou-se de seu trono assim que Atena disse “conversar”. Antes que Hermes pudesse fugir – algo que, por sua expressão de pânico, ele era bem capaz de fazer –, Apolo enredou-o pelo braço e o arrastou atrás de si com uma força descomunal. 

Agora, a imagem de uma divindade praticamente carregando outra por aí, parecendo radiante de ansiedade enquanto cantarolava uma melodia alegre, poderia ser dita como cativante.

Ah, quem estou tentando enganar? A imagem era muito fofa! E Apolo era tão...

Ele era tão... 

Ok, foco. 

– Espere – disse Hermes, conseguindo livrar seu pulso do aperto do irmão quando os dois já haviam desaparecido entre as árvores. – Apolo, espere um momento.

– Esperar? Nah! Precisamos decidir o que você vai dizer ao seu filho! – Animado, o deus pulou no lugar. – Então, eu acho que uma abordagem mais direta seria a melhor opção. 

– Apolo... 

– Seu garoto não parece ser do tipo que curte rodeios. Falar tudo de uma vez, com sinceridade, seria mais adequado. Ele apreciaria, tenho certeza. 

– Apolo. 

– Mas não se esqueça de ser gentil! E não o acuse, também não peça desculpas. Isso pode deixá-lo com raiva.

– Apolo! – Hermes ergueu a voz, fazendo um pequeno grupo de semideuses próximo se assustar. Apolo parou de vomitar instruções, um pouco surpreso com a súbita explosão. – Eu... – Hermes engoliu em seco. – Eu não acho que essa é uma boa ideia. 

O deus do sol piscou e riu. 

– Ora, claro que é! Ele é seu filho. 

– Por isso mesmo – Hermes suspirou, sentindo-se, de repente, extremamente cansado. Levando a mão ao rosto, ele esfregou a área sensível entre as sobrancelhas. – Escute. Luke... Ele já tem muita raiva de mim. E você sabe o porquê. 

A expressão de Apolo se suavizou. 

– Não é sua culpa o espírito do Oráculo ter rejeitado May Castellan, Hermes. 

As palavras foram como uma faca direto no coração do deus. Hermes se afastou, levando as mãos ao cabelo em completa frustração. 

– Mas eu sabia, Apolo! Eu sabia que era arriscado, que haveria consequências e mesmo assim permiti que ela o fizesse. 

– Se eu aprendi uma coisa depois de todos esses séculos, é que as mulheres podem fazer o que elas bem entenderem. 

Hermes suspirou. 

– Essa não é a questão. 

– Essa é exatamente a questão. – Dando um passo à frente, Apolo agarrou os ombros do deus dos viajantes em um aperto firme. – Olhe para mim. – Quando os olhares se encontraram, ele continuou: – May também conhecia os riscos. E ela fez a escolha dela. Quanto antes você aceitar isso, mais cedo vai conseguir se perdoar. 

O brilho determinado nos olhos azuis de Apolo era quase tão ofuscante quanto o sol. Preso neles, Hermes conseguiu abrir um sorriso fraco. 

– Sério, desde quando você é um conselheiro assim tão bom? 

– Eu sei, sou incrível – Apolo respondeu, sorrindo de maneira arrogante. Quando Hermes soltou uma risadinha trêmula, seu sorriso se desfez em algo encorajador. – Agora, siga meu conselho e vá falar com seu filho. 

– E se ele não quiser me ouvir? 

– Não desista. 

– E se ele não quiser me perdoar?

– Então será decisão dele – Apolo disse, observando os ombros já caídos de Hermes se curvarem ainda mais. – Ei. Pelo menos tente. Você vai se arrepender pelo resto da sua vida se não tentar. E nós vivemos por muito tempo. 

Hermes sabia que Apolo tinha razão. Mas o medo era um inimigo poderoso, e tudo que o deus sentia naquele momento era medo. 

– E se tudo der errado? 

– Eu ainda vou estar aqui. 

Sim, acontecesse o que acontecesse, eles ainda estariam ali. Sempre. 

Hermes retirou as mãos do outro deus de seus ombros e segurou-as entre as suas. 

– Obrigado, Apolo. 

– Ora, não precisa me agradecer – gaguejou o deus do sol, repentinamente envergonhado. Limpando a garganta, ele jogou um dos braços sobre os ombros de Hermes e o puxou para perto, torcendo, em silêncio, para que a vermelhidão de seu rosto não fosse aparente. – Venha, vamos dar uma volta na praia até você se acalmar. Essa é a hora perfeita para um bronzeado! 

– Você é um deus, Apolo. Não precisa se bronzear. 

– Isso não significa que eu não possa, se eu quiser. 

– Justo – Hermes sorriu. – Olá, tio P. 

– Meninos – cumprimentou Poseidon, parado na orla da floresta e parecendo estar procurando por alguma coisa. Ele mal notou quando ambos se aproximaram. – Algum de vocês viu...

– Percy? – Apolo completou. – Não. Mas papai aparentemente está querendo falar com você. 

Ele apontou para algo atrás do deus dos mares, que zumbiu com um leve descontentamento. 

– Até depois, tio P! E boa sorte! – O deus do sol acenou alegremente, arrastando Hermes em direção à praia. Podeidon observou os dois caminharem, juntos, até suas costas desaparecerem na linha d’água. 

Suspirou com tristeza. Não havia nada que quisesse mais do que se jogar no mar e tirar um cochilo, flutuando sob o sol quente. O céu, todavia, tinha outros planos. 

– Poseidon – Zeus chamou. Para qualquer um, seu tom poderia ser considerado autoritário, mas para o deus dos mares era totalmente estúpido. Ele era o Rei dos Deuses, contudo, e o mínimo que Poseidon poderia fazer era ouvi-lo reclamar. 

Mesmo que a voz de Zeus estivesse começando a irritar seus ouvidos. 

– Diga, irmão. 

– Precisamos falar sobre seu filho. 

Logo atrás de Zeus, estava Hades. O deus dos mortos parecia mais deslocado do que de costume, mantendo uma postura tensa e as mãos nos bolsos. Era como se ele tivesse se esquecido de como se comportar perto de pessoas vivas. Quando uma ninfa passou correndo há alguns metros de distância, ele saltou, assustado – o que era uma visão bem estranha para alguém que poderia literalmente controlar fantasmas. 

– Eu não vou parar de interagir com ele durante a leitura, se é isso que você vai pedir – disse Poseidon sem rodeios.

Zeus lançou-lhe um olhar de aviso.

– Temos regras, irmão. 

– O fato de estarmos no acampamento já anula a maioria dessas regras – retrucou Poseidon astutamente. – Eu não vou ficar lá sentado ignorando a existência de meu filho. E realmente espero que os outros deuses não façam isso com os seus. 

A expressão de Zeus era exasperada e desgostosa, como se ele quisesse refutar o argumento, mas soubesse que não havia como. Ele decidiu respirar fundo e assentir. 

– Certo, não vou questionar a interação dos deuses com os meio-sangues enquanto estivermos aqui. Mas ainda precisamos falar da sua quebra de juramento. 

Poseidon ergueu as sobrancelhas. 

– Espero que vocês dois estejam se incluindo nisso também. 

– Ei, calma aí – disse Hades, erguendo as mãos. – Eu tive meus filhos antes do juramento.

– Não finja que suas intenções ao colocar Nico e Bianca di Ângelo no Cassino Lótus foram puras, irmão – Zeus desdenhou. Hades trincou os dentes. 

– Eu não teria feito isso se alguém não tivesse explodido a casa deles com a mãe dentro! 

– Isso não vem ao caso. 

– Não vem... – Hades rosnou. – Vou fingir que você não disse isso, Zeus. Ou pelo Estige, eu posso arrancar sua cabeça! 

Conversa civilizada é que chama? 

– Chega – Poseidon grunhiu, cortando os argumentos e se colocando entre os dois deuses que se encaravam com punhais. – Nós três erramos. E no futuro, nós três teremos filhos lutando na guerra. O que significava que a responsabilidade é nossa

Por um instante, os irmãos apenas se olharam, considerando-se mutuamente. 

– Pois bem – Hades estalou a lingua, voltando-se para Poseidon. – Lidaremos com Thalia quando ela deixar de ser uma árvore, e com os outros dois quando estiverem no acampamento. Por enquanto, vamos nos focar no seu filho. 

Oh, Podeidon não perdeu a mordida no tom. Sorrindo predatoriamente, ele ronronou: 

– E podemos começar admitindo que meu filho não roubou nem o raio nem o elmo, concordam? 

Zeus apertou os punhos. As narinas de Hades se dilataram. Mas ambos assentiram rigidamente. O movimento em si parecia doer, como se exigisse todo o autocontrole de seus corpos e mentes divinas. Poseidon precisou se lembrar de que esse não era o momento oportuno para sorrir como um psicopata. Embora ele quisesse. 

– Ótimo – cantarolou. 

– Nós ainda não sabemos o quão poderoso seu garoto é – acrescentou Zeus. – E pelo livro, os poderes dele são... 

Ele parou. Hades ergueu um sobrancelha. 

– Preocupantes? 

– O que vocês estão querendo dizer? 

– Quão poderoso Perseu Jackson é? – Zeus perguntou em vez de responder. 

– Eu não sei ao certo. Mas em todos os meus anos como deus, eu nunca conheci ninguém como Sally Jackson. E Percy não é igual a nenhum dos meus outros filhos. Ele é... 

Hades bufou. 

– Diferente? 

– Diferente não é bem a palavra. 

– Perigoso – Zeus concluiu. Poseidon piscou, estreitando os olhos em seguida. 

– O que você está insinuando, irmão? 

– Seu filho é o semideus da profecia que afirma a possibilidade dele destruir o Olimpo. Portanto, o garoto é uma ameaça grande demais para permanecer vivo. 

Ah, não. Ele não disse isso. 

Mas que filho de uma puta! 

A água do lago de canoagem se revoltou junto à raiva de seu senhor, criando ondas enormes que se quebravam umas contra as outras. Poseidon deu um passo em direção a Zeus, parecendo um animal enjaulado que havia acabado de se soltar de sua coleira, prestes a morder a garganta de seu dono. 

– Pelo Estige, agora eu poderia arrancar a porra sua cabeça! 

– Seja racional, Poseidon – Hades falou, esfregando a barba por fazer. – Existe a possibilidade do garoto ser a nossa ruína. 

– Ele também pode ser nossa única esperança de derrotar Cronos! – Poseidon argumentou, com tanta raiva que agora a água do lago começava a invadir a praia, molhando campistas e sátiros desatentos. – Achei que você, Hades, acima de qualquer outro, seria contra a ideia de eliminar alguém só por causa de uma possibilidade

Os olhos de Hades faiscaram com o fogo do inferno. 

– O moleque é um perigo, irmão. E eu não estou dizendo para eliminarmos ele, apenas para ficarmos de olho. 

– Ah, é? Não foi o que pareceu. 

– Por que o rapaz é tão importante para você, afinal? – Zeus grunhiu, curioso. – Você nunca foi de jogar favoritos, mas nós dois sabemos que você foi visitá-lo quando ele nasceu.

Poseidon cambaleou com o súbito tom acusatório. 

– Como você sabe disso? 

– Eu tenho maneiras de conseguir informações – Zeus revirou os olhos. – E quando descobri a existência do garoto, fui atrás do máximo delas. 

– E daí? – Poseidon deu de ombros, recuando para a defensiva. – Ele nem tinha idade para saber o que estava acontecendo. Provavelmente nem se lembra de mim. 

Uma sensação de dormência atingiu o deus, e ele percebeu que se tratava de tristeza, pois ele queria que Percy se lembrasse dele – queria que soubesse que Poseidon se importava. 

– Ainda assim é contra as regras – disse Zeus, como um disco arranhado. 

– Já aconteceu. Largue isso. 

– Engraçado. Você disse a mesma coisa um pouco depois de me desrespeitar na frente de todo o acampamento. 

Um trovão soou nos céus apesar do sol que brilhava, e a expressão de Zeus era totalmente furiosa. Em contrapartida, Poseidon deixou a raiva se dissipar e o lago se acalmou aos poucos. Mais suave, e ainda assim mantendo um tom firme de voz, ele disse: 

– Olhe, você tem razão. Eu não deveria ter questionado sua autoridade da frente dos meio-sangues. Deveria ter falado com você em particular, e por isso peço desculpas. Agora, eu não vou pedir perdão por ter visitado meu filho quando ele era mais novo, muito menos por querer me aproximar dele enquanto estou aqui. E eu quero que saiba, Zeus, que não vou poupar esforços ao protegê-lo. Então, não toque em um fio de cabelo dele. Eu fui claro? 

Os dois irmãos travaram uma batalha pelo olhar – mar e céu se desafiando para ver quem cedia primeiro. Os segundos se estenderam e o silêncio tornou-se pesado. 

Hades limpou a garganta. 

– Nós podemos esperar até o fim do livro antes de tomar qualquer medida drástica – ele sugeriu, sentindo a tensão entre os dois deuses se dissolver como algodão na chuva. E deixar uma gosma branca e molhada para trás. 

– Pois bem – disse Zeus, por fim, afastando-se lentamente em direção a Casa Grande. Olhando sobre o ombro, ele sorriu ironicamente; uma águia encarando um hamster.  – Só espero que seu filho faça a escolha certa, Poseidon. 

Poseidon trincou os dentes e cerrou os punhos, encarando a nuca de Zeus com um tsunami na alma. Ele fez menção de segui-lo, mas Hades segurou-o pelo antebraço. 

– Deixe-o – disse ele. – E não faça nada precipitado. Se ele vai aguardar a conclusão do livro, então você também vai. 

Com um último olhar, Hades se fora. Desaparecendo com a brisa do mar e deixando para trás o odor de uma flor-cadáver. 

– Ele tem razão, sabe – disse uma voz feminina que se aproximara. Afrodite caminhou até parar ao lado do outro deus, encostando-se em uma árvore com uma careta. – Mas bem que podia ter escolhido um perfume de rosas. Credo, que fedor! 

– Há quanto tempo você está ouvindo? 

– Acabei de chegar. Queria ver como você estava. – Ela observou a postura tensa de Poseidon, sua mandíbula travada e a coluna reta. – Então... Como você está? 

– Não muito bem. 

– Entendo. 

Os dois ficaram um tempo olhando em volta – alguns campistas jogavam vôlei na quadra, outros estavam sentados em um círculo, conversando na grama. Apesar de tudo que acontecera naquela manhã, a visão era estranhamente pacífica.  

– O que eu faço agora, Afrodite? 

A deusa o considerou. 

– Espere. E tente falar com Percy. Eu o vi saindo do anfiteatro com a filha de Atena e o sátiro. 

– Obrigado. 

– Qualquer coisa para meu tio favorito – ela sorriu, provocando. Então se virou novamente em direção a fogueira, deixando Poseidon à mercê de seus próprios pensamentos. No caminho, Afrodite passou pela única ocupante do anfiteatro: Héstia. Bom, além dela estava Dionísio, dormindo esparramado em seu trono, mas a presença dele realmente não fazia muita diferença.  

Héstia parecia pensativa, olhando para as chamas que crepitavam a sua frente. Decidindo deixá-la sozinha, a deusa do amor iniciou sua busca.

Ela tinha um certo deus para confrontar.

...

Charles Beckendorf estava pronto para morrer. 

Não, calma. Não da maneira como você está pensando. Ele não iria se jogar da parede de escalada ou algo assim. Não. Apenas... aceitou seu inevitável destino. 

Se uma pessoa normal tivesse recebido um livro sobre o futuro e no primeiro capítulo desse livro descobrisse que iria morrer, provavelmente surtaria. Mas Charles não. Ele entendeu os pensamentos de seu eu futuro, e concordou com eles. Analisando os fatos novamente, chegou à conclusão de que faria tudo de novo. 

Explodir um navio de monstros para dar a seus amigos um pouco mais de tempo para lutar, armar uma estratégia e vencer parecia uma boa maneira de entrar no Elísio. 

Silena, entretanto, não pensava da mesma forma. E ao mesmo tempo em que isso aquecia seu coração, também o partia. 

Recentemente, Charles começou a perceber seus estranhos sentimentos em relação à filha de Afrodite. Claro, ele sempre a achou muito bonita e gentil. Porém, de uns tempos para cá, seus pensamentos se desviavam constantemente quando ela estava por perto. Primeiro, ele notou a forma como ela sorria – largo e com todos os dentes, uma expressão de absoluta felicidade. Depois, decorou o cheiro de seu shampoo – lavanda. E então ele já sabia como ela mexia no cabelo, que estilo de roupas gostava de usar e que piadas a faziam rir. 

Aonde quer que fosse, Silena aparecia e capturava sua atenção. 

E Charles poderia passar horas tentando descobrir de que cor eram aqueles olhos. 

Os dois ficaram um tempo sentados quando todos os outros semideuses se levantaram. Beckendorf ouviu seus irmãos chamarem-no, mas ele os mandou seguir na frente, focado na filha de Afrodite deprimida em seus braços. 

O rímel de Silena havia escorrido por causa das lágrimas e manchado a pele ao redor dos olhos. Ela ainda estava bonita. 

– Ei – Charles chamou suavemente, atraindo a atenção da garota para si. – Desculpe ter me alterado com você antes. Não foi justo. 

– Tudo bem – Silena fungou, respirando fundo algumas vezes – Meu pensamento foi ridículo. Não importa se Tyson é um ciclope ou um tamanduá. Você tinha razão. 

Ela passou o polegar sob os olhos e encarou o borrão deixado ali com uma careta. Charles não pode deixar de sorrir. 

– Como...?  

– Escute, eu gosto de você, Charlie – Silena interrompeu, tão sincera e direta que surpreendeu o filho de Hefesto a ponto de deixá-lo vermelho. Ela desconsiderou o rosto manchado e o olhou com veemência. – Gosto mesmo. E agora que eu sei que você vai se sacrificar, daqui a alguns anos... Não vale a pena perder tempo agindo como se não gostasse. 

– Nossos eus do livro têm dezoito anos, Si – Charles apontou, perdendo a forma como ela sorriu para o apelido. – Nós ainda temos quatorze. Nem entendemos o que sentimos. 

– Bom – ela disse. – São quatro anos para descobrir. 

– Você tem certeza de que quer algo? – ele perguntou, gesticulando para si mesmo com um floreio desajeitado. – Comigo? Você pode ter quem você quiser. 

Silena revirou os olhos em diversão. 

– Só cale a boca, sim? 

Então ela se aproximou, determinada. Perto demais, perto demais, o cérebro de Charles gritou, mas seu corpo entrou em curto circuito e nada mais funcionou depois que os lábios dela encostaram nos seus. 

A primeira coisa que ele registrou foi o gosto salgado das lágrimas. A segunda foi que ele ainda não havia se mexido, pego totalmente de surpresa. Fechando os olhos e passando um braço pela cintura dela, Charles devolveu o beijo, extremamente contente em ficar ali pelo resto da vida. 

Quatro anos, ela disse. Bom, seriam quatro maravilhosos anos. 

Quando se separaram, Silena estava sorrindo. 

– E então? 

– Eu... hummm... eu... n-não...

Ela riu ruidosamente, afastando-se para pegar sua mão. 

– Vamos dar um passeio. 

...

– Ares! – Afrodite berrou, erguendo as saias de seu vestido grego para perseguir o deus da guerra. O homem deu a volta na Arena, achando que poderia despistá-la, mas assim que virou a curva um braço delicado e cheio de pulseiras barrou seu caminho. – Pode parar de fugir agora.

Com os olhos arregalados, ele girou nos calcanhares, preparando-se para uma corrida. 

– Mas não mesmo! 

Afrodite era uma deusa ágil. E ela sabia muito bem como perseguir o que queria. Em dois segundos, seu corpo estava na frente de Ares e as costas dele contra a parede da Arena. Se ele quisesse sair, teria que empurrá-la do caminho. E ele não ousaria fazer uma besteira dessas. 

– Diga-me porque você anda tão estranho – ela exigiu, estreitando os olhos. Quando Ares apenas ficou quieto, olhando para baixo, Afrodite perdeu a pouquíssima paciência que ainda tinha. – Eu estou correndo atrás de você já faz meia hora! Espero que você tenha uma boa explicação. 

Novamente, mais silêncio. 

– Por que você não fala comigo? Você nunca cala a boca e justo agora decide ficar quieto? O que aconteceu? 

Nada ainda. Ares nem tinha culhões para erguer a cabeça e encará-la nos olhos. Que belo espécime era esse deus da guerra, não é mesmo? 

– Diga-me agora! 

– Ele não vai dizer – esclareceu uma voz masculina que vinha de trás dela. Imediatamente, Ares o encarou com um brilho furioso. Ah, então para ele você olha, Afrodite pensou. Se ela não soubesse melhor, apostaria suas dracmas que aqueles dois tinham um caso. 

– O que você fez dessa vez, Hefesto? 

– Dei um charme muito necessário ao nosso estimado deus da guerra, é claro. 

Indignado, Ares abriu a boca, e tudo o que saiu de lá foi um mugido descontente – como uma vaca no cio. Afrodite ficou tão surpresa que se afastou, permitindo que Ares – com o rosto queimando em vermelho – saisse correndo. 

– Oh – ela disse enquanto Hefesto ria. 

– Genial, não é? 

Sim, realmente. Olhando para o ferreiro que gargalhava, Afrodite se lembrou de que um dos maiores motivos de ter aceitado se casar com ele foi seu brilhante senso de humor. Hefesto parecia mais bonito assim, ela percebeu – despreocupado e risonho, não carrancudo e rodeado por máquinas sem vida. 

– Por isso ele estava tão quieto na leitura – ela disse, impressionada. – Como você fez isso? 

Hefesto deu de ombros. 

– Um modificador de voz simples construído para se apegar a outra pessoa até seu construtor original retirá-lo. Nada demais. 

– Incrível – ela elogiou, sorrindo de forma maliciosa. – E onde exatamente você conseguiu instalar isso nele? 

Hefesto devolveu seu sorriso. 

– Um ferreiro nunca revela seus truques, Dite. 

O velho apelido saltou na boca do deus com tanta naturalidade que Hefesto demorou alguns segundos para perceber que o havia dito. Ele desviou o olhar do dela, envergonhado, e esfregou as bochechas vermelhas. 

– Eu... hã... 

– Olhe para eles – disse Afrodite, poupando-os de um momento desconfortável. Ela indicou a orla da praia, apontando para um casal de jovens que caminhava lado a lado, rindo de algo que apenas os dois sabiam. Charles e Silena. – Parecem felizes. 

– Sim. 

– Eu sinto muito pelo seu filho, Hefesto. 

– O garoto é corajoso – Hefesto respondeu. – Tenho orgulho dele. 

Afrodite sorriu. 

– O amor jovem é lindo, não é? Tão inocente e puro. – Ela olhou para o deus ferreiro com algo brilhando nas íris multicoloridas. – Você lembra quando éramos jovens, inocentes e puros? 

Hefesto encarou o mar. 

– Faz muito tempo. 

– Faz. – Ela engoliu ruidosamente e observou Charles e Silena desaparecerem em direção aos chalés. Suspirando, ela sorriu para Hefesto. – Mantenha esse modoficador de voz ativo, sim? Ter Ares finalmente quieto é uma benção para todo mundo. 

Então, com o coração extremamente pesado, a deusa do amor se virou e foi embora. 

...

Percy estava se sentindo terrivelmente enjoado. Era como se ele tivesse comido uma tonelada de ostras com calda de caramelo quando, na verdade, nem havia tomado café da manhã. 

Seus membros estavam no automático, sua mente estava dormente e seu coração se comprimia em seu peito. Ele não se lembrava de ter levantado, muito menos de ter deixado o anfiteatro, mas quando voltou a si, encontrou-se parado no topo da colina, junto à Árvore de Thalia. 

Annabeth e Grover estavam lá também, olhando-o com preocupação. 

Percy suspirou. Um zumbido engraçado soava em seus ouvidos e uma letargia estranha o dominara. Devagar, sentindo-se mais velho do que sua idade de doze anos sugeria, ele se sentou na grama, acompanhado pelos outros dois. 

Do topo da colina, quase todo o acampamento era visível. Percy conseguia ver os chalés, o anfiteatro, o refeitório e a parede de escalada. Uma parte da Casa Grande se erguia imponente e mais afastada, os campos de moranhos se estendiam no horizonte e a floresta ocupava o resto da paisagem. Mais além, o mar residia – límpido e cristalino. Percy observou ondas de tamanho relativo se formarem no lago de canoagem e franziu o cenho. 

Que diabos? 

– Percy – a voz de Annabeth era suave, tão diferente de seu eu ousado habitual. Ela parecia ter perdido um pouco de sua juventude também. – Como você está? 

Ele não sabia.  

– Eu poderia te perguntar a mesma coisa – Percy respondeu, encolhendo os ombros. – Você conhece Luke a mais tempo. Ele era seu amigo.

– Não era bem disso que eu estava falando – Annabeth suspirou, cutucando uma erva daninha com a ponta de seu tênis. Sua mochila, a de Percy e o saco de latinhas de Grover estavam jogados ali perto, deixados de lado como sua missão. – Sinceramente? As escolhas de Luke não me surpreendem. Desde que ele voltou, tem agido diferente. Eu só nunca pensei que ele se aliaria a Cronos. 

– Minha mãe disse uma vez que não conhecemos verdadeiramente uma pessoa até a lealdade dela ser posta à prova – Percy murmurou. 

Annabeth sorriu de maneira triste. 

– Sua mãe é bem sábia. 

– Sim. 

– Você acha que ele pode mudar de ideia? 

– Talvez. 

Béééé – fungou Grover, esticando-se para agarrar a sacola de latinhas contra o peito, retirando um e mordendo-a raivosamente. – Como se isso já não fosse o suficiente, eu vou ter que ficar preso com um ciclope vestido de noiva também! Luke me deve muitas latinhas. 

Annabeth e Percy riram, sentindo a bolha de tensão que os envolvia estourar com um pop. Sorrindo, o filho de Poseidon deitou na grama e olhou para as nuvens. Um trovão soou ao longe, embora o céu estivesse azul cristalino e o sol brilhasse como uma chama ardente. 

– Eu ainda preciso me acostumar com isso – ele resmungou. 

– O quê? – Grover baliu. – Trovões soando do nada? Você se acostuma fácil. 

– Bom, sim, mas não – Percy respondeu. – Para ser sincero, a presença dos deuses me incomoda um pouco. Quer dizer, eu literalmente acabei de descobrir que eles existem. E agora meu pai está bem ali, falando comigo. É só muita coisa para processar. 

Annabeth massacrou a erva daninha, desistindo de cavá-la quando seu tênis começou a levantar terra. Ela olhou para o céu também, acompanhando Percy ao se deitar na grama. 

– Também é estranho ver minha mãe ali – admitiu. – E o futuro... Eu nunca pensei que ler sobre o futuro fosse algo possível! 

– É bem louco, não é? – Grover falou, puxando os cascos para se sentar sobre eles. – Em uma hora, estamos indo em uma missão para o Submundo. Na outra, puf: recebemos uma carta de uma versão mais velha do Percy. 

– Nem me fale sobre ele – Percy exclamou, franzindo a testa como se o simples pensamento fizesse sua cabeça doer. – Digo, sobre mim. Embora ele não seja eu. – Ele suspirou. – Eu já nem sei mais. 

– O que você pensa sobre... bem, você? – perguntou Annabeth curiosamente, olhando para o perfil do garoto deitado a seu lado. Nessa posição, a luz do sol traçava contornos sobre sua maçã do rosto e deixava seus olhos verdes extremamente brilhantes. 

– Eu acho que ele já passou por muita coisa – Percy respondeu, virando a cabeça para olhar Annabeth. – E o que ele disse... eu posso entender de onde vem. Consigo me ver falando isso, acreditando nisso, mas... 

– Mas é estranho. 

– Totalmente! É como se fosse eu, e ao mesmo tempo se tratasse de alguém completamente diferente. 

Percy se voltou mais uma vez para o céu, jogando o antebraço para cobrir os olhos e soltando um resmungo bastante indigno. Grover baliu com solidariedade. 

– Eu não gosto muito de pensar nas coisas pelas quais seu eu futuro passou – disse o sátiro a ele. – Mas fico feliz ao saber que, pelo menos, você não perdeu seu senso de humor. 

O comentário fez Percy sorrir. Deuses, ele tinha muita sorte em ter um amigo como Grover Underwood. Estava grato pela presença e apoio do sátiro, o que o lembrava... 

– Annabeth, posso perguntar uma coisa? 

A garota ergueu uma sobrancelha para ele. 

– Se não for uma pergunta estúpida, Cabeça de Algas, então sim. 

– Por que se preocupar? 

A sinceridade e confusão por trás das palavras de Percy pegaram Annabeth desprevenida. Qualquer zombaria morreu em sua boca enquanto ela franzia a testa. 

– Como assim? 

– Ao longo da semana, você não se dirigiu diretamente a mim ao menos uma vez – Percy explicou, dando de ombros como se não importasse. Ele se importava, todavia, e tinha receio do que ela poderia responder. – E agora está aqui, perguntando se estou bem. Por quê?

– Porque eu me preocupo com você. 

– Então por que não falou comigo direito nenhuma fez depois do Captura à Bandeira? 

Annabeth respirou fundo, sentando-se e levando a mão para mexer no anel de formatura pendurado na correndo do acampamento. 

– Não era para sermos amigos, Percy. 

– Por quê? 

– Poseidon e Atena são rivais – ela disse. – Sempre discutem. Sempre brigam. Somos muito diferentes entre nós assim como ambos são entre eles. 

– Não deveríamos deixar de ser amigos só por causa deles – Percy argumentou. – Não somos nossos pais. E Poseidon e Atena não tiveram que trabalhar juntos ao menos uma vez em todos esses anos de história? 

– Bom... – Annabeth começou. – A carruagem. Foi Atena quem a inventou, mas não teria dado certo sem Poseidon para criar os cavalos. 

O sorriso que se abriu no rosto de Percy era contagiante, e Annabeth se viu sorrindo também. 

– Então está resolvido – disse o garoto, olhando, feliz, para ela. 

– Ufa! – zombou Grover. – Achei que ia ser condenado a ouvir os dois brigarem pela eternidade! 

– Hahah. – Annabeth arremessou uma latinha na testa dele. – Você ainda vai ter que intermediar nossas discussões, menino-bode. 

– Coitado de mim!

Os três riram, contentes e pacíficos, apesar de tudo que descobriram nas últimas horas. A carta, o livro, o futuro – tudo poderia esperar. Por enquanto, eles só queriam desfrutar um da companhia do outro e esquecer um pouco suas vidas conturbadas. Depois eles lidariam com o que quer que as Parcas jogassem em seu caminho. 

– O que faremos quanto a Luke? – Annabeth questionou após um tempo de silêncio confortável. Grover deu de ombros. 

– Temos que esperar, eu acho. Tudo que vai acontecer daqui para a frente é decisão dele. 

– Sim – Percy concordou. – E se ele decidir desistir das escolhas que fez, estaremos aqui para apoiá-lo. 

Annabeth se curvou para agarrar uma latinha caída e brincar com ela na grama, assistindo-a rolar de uma ponta a outra da área que os três ocupavam. 

– Eu acho que não posso mais confiar nele. 

– Nem eu – disse Percy. 

– Eu também não – Grover mordeu uma latinha, olhando fixamente para o pé da colina. – E falando no diabo, olhem só quem vem aí. 

Em reflexo, Percy sentou-se. Sua coluna fez um estalo audível e alguns pontinhos pretos dançaram em sua visão. 

– Ugh – ele murmurou. 

Os três se alinharam, observando a figura de Luke Castellan se aproximar da Árvore de Thalia com evidente cautela. Ele vinha com as mãos nos bolsos e os ombros encolhidos, possivelmente sentindo os olhares que recebia. Seus olhos estavam baixos, sua postura cansada e sua expressão fechada. 

– Oi – ele disse; voz quebradiça. 

– Você parece positivamente horrível – Percy cumprimentou de volta, fazendo uma careta quando Annabeth acertou-lhe uma cotovelada nas costelas. – Ai. 

Luke apenas suspirou. 

– Eu imagino que sim. – Quando ele ergueu o rosto para sorrir minimamente, Percy viu o feio hematoma que começava a se formar em sua bochecha esquerda. 

Annabeth ofegou. 

– Luke! O que aconteceu com você? 

O filho de Hermes desconsiderou a pergunta com um ligeiro encolher de ombros. 

– Um filho de Ares raivoso – disse simplesmente. – Parece pior do que é. 

– Jura? – Grover ergueu as sobrancelhas. – Porque me parece bem ruim. 

– Eu... – Luke disse, engolindo em seco. Ele olhou em volta como se procurasse as palavras certas flutuando ao seu redor, ou como se apenas não tivesse coragem suficiente de encarar Percy, Annabeth e Grover nos olhos agora que estavam sozinhos. – Eu só pensei... 

– Em vir ver se pensávamos de você a mesma coisa que esse filho de Ares? – Percy adivinhou. – Eu já deixei claro o que penso, Luke. Quanto a Annabeth e Grover, só eles podem dizer. 

Annabeth e Grover trocaram olhares significativos. 

– Nós não vamos julgar você pelas suas escolhas – disse a garota. – Não concordamos, mas não vamos afastar você. 

– Também não vamos confiar em você – Grover completou. – É tudo que podemos prometer. 

O filho de Hermes suspirou profundamente, encarando seus cadarços e chutando a latinha no chão até os pés esticados de Annabeth. 

– É mais do que a maioria do acampamento está me dando agora – ele disse com um riso amargurado. 

– Isso não é motivo para te agredirem – Percy apontou. 

– Não. Mas eu acho que não posso culpá-los pela raiva. 

– Não. Não pode. 

Erguendo os olhos para os três amigos, Luke identificou sentimentos mistos nas expressões de todos. Desconforto, desconfiança, compaixão, complacência. 

– Eu vou... vou deixá-los sozinhos. 

Ele girou nos calcanhares, iniciando a lenta decida até o pé da colina. 

– Luke! – Percy chamou-o de volta, fazendo-o olhá-lo com expectativa. – Qualquer coisa que precisar, saiba que pode contar com a gente. 

Bastou um olhar para os semblantes sérios de Annabeth e Grover para Luke saber que ambos concordavam. Essa estranha seriedade fez sua garganta se fechar e seus olhos arderem. Sem conseguir dizer nada, ele apenas assentiu.

Então, desceu a colina. 

... 

As pernas de Luke se moviam por conta própria enquanto sua mente vagava. O sol forte queimava seu couro cabeludo e machucava seus olhos azuis. Sua bochecha esquerda latejava de maneira incômoda, lembrando-o constantemente do soco que o mais velho dos filhos de Ares havia dado a ele mais cedo. 

Pegando-o completamente desprevenido em um insano ato de covardia. 

Mas ah, se aquele garoto soubesse quem realmente estava com o raio-mestre de Zeus e o elmo de Hades... 

Luke sorriu maliciosamente com o pensamento, rolando os ombros para fazer a tensão abandonar seus músculos. Ele não tinha planos de almoçar com os outros no refeitório, então talvez pudesse voltar ao chalé e pegar algo que os irmãos Stoll escondiam debaixo de seu beliche. Ele tinha quase certeza de que havia alguns chocolates e salgadinhos por lá.  

– Luke – chamou uma voz. Uma voz que, infelizmente, Luke conhecia muito bem. 

– Olá, papai – ele cumprimentou com ironia, deixando bem claro pela sua expressão que a presença de Hermes não era desejada ali. Por um instante, pareceu que o deus iria recuar, acuado pela hostilidade no tom de seu filho, mas então ele se aproximou até parar a cinquenta centímetros de Luke. 

Hermes trocou o peso de um pé para o outro, incerto. 

– Olhe... 

– Eu não quero ouvir o que você tem a dizer – o semideus cortou abruptamente, virando-se para seguir seu caminho. Foi como se Hermes tivesse recebido uma bofetada, e ele pensou em deixar Luke em paz. A voz de Apolo dizendo “não desista” o impediu, contudo, e ele acompanhou seu filho até ambos estarem andando lado a lado. 

Luke acelerou o passo. Hermes também. 

Ele desceu correndo o restante da colina. Hermes também. 

Dobrou uma esquina e seguiu em direção aos chalés. 

E Hermes também. 

Irritado, Luke parou de correr e enfrentou o deus com raiva no olhar. 

– Fale logo o que você quer e me deixe em paz! 

Bom, Hermes pensou amargamente. Pelo menos ele vai ouvir, não é? Ele quase poderia escutar a risada estridente de Apolo e seu típico “eu não disse?” que vinha junto daquele olhar presunçoso. Pensou em perguntar algo, talvez comentar sobre o livro ou convidá-lo para almoçar, mas quando deu uma olhada de verdade em seu filho, Hermes não conseguiu pensar em nada para dizer além de: 

– O que aconteceu com seu rosto? 

Luke sorriu com sarcasmo. 

– Uma ave bateu em mim. O que você acha que aconteceu? 

Desgostoso com a pergunta idiota, o rapaz voltou a caminhar, sentindo a raiva consumi-lo quando Hermes continuou a acompanhá-lo. 

– Coloque gelo – disse ele. – Vai evitar o inchaço. 

– Oh, muito obrigado mesmo! Eu nunca conseguiria descobrir isso sozinho. 

– Estou falando sério, Luke – Hermes suspirou, pensando rapidamente em outra abordagem. Olhando para a Árvore de Thalia, decidiu arriscar: – Você conversou com Annabeth Chase? 

Luke congelou. 

– Por que você quer saber? 

– Sei que você se importa com a garota. 

– Sim. Passamos por muitas coisas juntos depois que eu saí de casa, lembra? – O tom de voz era mordaz e acusatório. A raiva que Luke sentia do pai era palpável, e sufocava Hermes como uma cobra sufocando sua presa. 

– E... – ele pigarreou. – Vocês dois estão bem? 

Luke riu. 

– Por que diabos você quer saber? Deixe-me em paz! 

– Eu pergunto, Luke, porque eu me importo – Hermes exclamou, firme e alto, sem trepidações ou dúvidas. Ele observou o semblante de seu filho mudar de raiva para surpresa e ousou pousar uma mão em seu ombro, apertando com carinho. – Eu me importo, você acreditando nisso ou não. 

Com um sorriso cansado e sincero, Hermes deu um último aperto e foi embora, finalmente respeitando os desejos de Luke e deixando-o em paz. 

O garoto ficou muito tempo parado, com os punhos cerrados ao lado do corpo e a expressão atônita; petrificada. Despertando de seu estupor, ele rangeu os dentes e sentiu seu corpo inteiro tremer de raiva. 

Virando-se impetuosamente, ele pisou duro, marchando com fúria para a cabine de Hermes. Parou entre os chalés cinco e sete, entretanto, quando ouviu um “psiu!” insistente ecoar da área escura de sombras formada ali. Curioso, Luke se aproximou dos dois semideuses parados na sombra. 

– Samantha, James – ele reconheceu os indeterminados que compartilhavam consigo o mesmo chalé. – O que fazem aqui? 

Os dois trocaram olhares antes da garota dizer:

– Queremos conversar. 

Piscando surpreso com o pedido, Luke esqueceu momentaneamente a raiva que sentia de seu pai e se aproximou mais. Manteve-se cauteloso, porém, com receio de levar mais um soco. 

– Sobre? – perguntou. 

– Nosso futuro – disse Samantha. – Venha. Acompanhe-nos. 

Com um olhar para eles, Luke assentiu. 

– Certo. Lidere o caminho. 

E os três seguiram para a floresta, sumindo por entre as árvores. 


Notas Finais


Sim, a frase do título é de "O Gladiador". Filme excelente, inclusive.

Até o próximo!


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