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História Llorando por dentro. - Anjo protetor.


Escrita por: sientejc

Notas do Autor


Sentiram minha falta? HaHaHa. Espero que gostem do capítulo de hoje, pois foi escrito com muito carinho para vocês. <3 Muitos beijos, e uma ótima leitura.

Capítulo 9 - Anjo protetor.


Fanfic / Fanfiction Llorando por dentro. - Anjo protetor.

 

Letícia ainda estava notavelmente abalada e nervosa. Qualquer barulho estranho a assustava. Ela ainda estava na minha casa, e por vezes a vi com os olhos marejados e com a feição triste. Me doía vê-la daquela maneira. Me doía saber que ela havia passado o que passou. Me perturbava saber como ela deve ter se sentido sozinha a noite, e o quanto ela deve ter chorado. 

Ela já havia limpado os ferimentos da minha boca, e estava sentada no sofá da sala, fitando um ponto fixo qualquer. Mesmo sendo inicio de tarde, decidimos que não seria bom voltarmos para a empresa, não seria bom para ela.

- A senhora já está melhor? – Perguntei, despertando-a do seu transe.

Ela fechou seus olhos, e ao abri-los lentamente, me olhou.

- Dona Lety, a senhora está bem? – Me abaixei em sua frente, segurando sua mão.

- Eu... – Suspirou. – Estou. – Sorriu triste.

- Eu conheço a senhora, Dona Lety, e sei que não está bem. – Me levantei, sentando ao seu lado. – A senhora sabe qual o certo a se fazer, não sabe?

- Seu Fernando, eu...

- Dona Lety, o Aldo não pode ficar impune disso. – Disse calmamente. – Ele precisa pagar pelo que fez.

- Mas eu também o agredi. – Disse com os olhos marejados. – Ele revidou.

- Não, Dona Lety. A senhora revidou. – Sorri triste. – Ele a agrediu primeiro. Não só pela força com a qual te segurou, como também pela maneira com a qual falou com a senhora. Ele a agrediu moral e verbalmente. Ele te agrediu psicologicamente. Ele agrediu sua alma antes de agredir seu físico.

Ela me olhou pensativa.

- Isso não pode ficar impune, Dona Lety. Ele não pode ficar impune.

Por mais que eu tentasse convencê-la de denunciar o imbecil do Aldo, algo a impedia. Algo dentro dela a impedia de fazer isso, por mais que ela quisesse fazê-lo.

- Seu Fernando, eu acho que denunciar é uma medida muito drástica, não é? – Ela se levantou, ficando de costas para mim. – Afinal de contas, ele me agrediu apenas uma vez, e... E ele estava bêbado. Ele nunca faria isso em sã consciência.

- Dona Lety, essa é a primeira vez que ele agrediu a senhora, mas não significa que ele nunca agrediu outra mulher. – Me levantei. – E se não tiver sido a primeira vez? E se a senhora não tiver sido a primeira? Impeça que haja uma próxima vez ou uma próxima vitima, Dona Lety.

Ela se virou para mim, e ao ver seus olhos embaçados pelas lágrimas, senti minha alma se cortar.  E então, me dei conta do que estava acontecendo ali. Ela estava com medo, estava apavorada. Alguma insegurança corria por sua mente, a impedido de fazer o que deveria ser feito.

- Dona Lety, a senhora está com medo? – Me aproximei tocando seus ombros.

Ela assentiu de cabeça baixa.

- E do que a senhora tem medo? – Perguntei.

Ela suspirou tentando conter as lágrimas, mas foi impossível. Ela se pôs a chorar na minha frente, como um bebê que acabara de tomar sua primeira queda. E diante daquela cena, dei o máximo de mim para ser forte, e não chorar na sua presença.

- Eu tenho medo de... Tudo. – Confessou entre lágrimas. – Eu tenho medo de que ele tente se vingar de mim ou da minha família depois. Eu tenho medo de que ele se vingue do senhor. – Uma lágrima correu por seu rosto. – E eu tenho vergonha. Tenho vergonha dos meus pais, dos meus colegas, dos meus amigos. Eu tenho vergonha do senhor. Eu tenho vergonha de mim.

Por uns momentos, senti que minha alma havia saído do corpo. Senti toda a minha alma se contorcer por dentro. Em toda a minha vida, nunca presenciei ou conversei com uma mulher agredida.

 Quando eu ouvia a notícia de que alguma mulher havia sido agredida, eu simplesmente pensava “E por que ele não denuncia? É fácil.”, mas agora eu percebo que não é bem assim. Uma carga de medos e preocupações percorrem pelo corpo de cada mulher que já foi agredida mental ou fisicamente.

- Seu Fernando, eu estou apavorada. – Disse em meio a um soluço. – Eu sinto que a qualquer momento ele pode entrar por essa porta, e tentar... – Ela suspirou, caindo em lágrimas. – Eu não posso fazer isso, Seu Fernando.

- Não fique assim, Dona Lety. – Disse a abraçando, pressionando meu queixo em sua cabeça. – Eu estou aqui para te proteger, e eu te juro por tudo o que há de mais sagrado, que eu não vou deixar nenhum mal te acontecer. Eu estou aqui, Dona Lety. – Senti uma lágrima rolar em meu rosto. – Nós faremos isso juntos.

Ela apertou mais o abraço, como se nunca mais quisesse soltar. Como se eu fosse o seu porto seguro. Como se em mim não houvesse mal que pudesse tocá-la, e de fato era assim.

- Eu sei que a senhora está com medo, mas precisamos fazer isso. – Disse afagando seu corpo em meus braços. – Nós precisamos fazer o que é certo, o que é justo.

Ela soluçou em meio ao choro.

- Olhe para mim. – Toquei seu queixo, erguendo sua cabeça. – Não há o que temer, certo?

Ela assentiu, ainda chorando.

- Repita comigo. – A olhei divertido, e ela sorriu triste. – Eu posso fazer isso...

- Eu... – Suspirou. – Eu posso fazer isso... – Repetiu.

- Eu vou fazer o que é certo... – A olhei, induzindo-a a repetir.

- Eu vou fazer o que é certo... – Me olhou com um meio sorriso.

- E não importa a quão apavorada eu esteja... – Disse segurando sua mão.

- E não importa a quão apavorada eu esteja... – Sua voz embargou.

- Eu farei isso, pois sou mais forte que os meus medos. – Sorri para ela. – Eu sou mais forte do que eu imagino.

- Eu farei isso, pois sou mais forte que os meus medos... Eu sou mais forte do que eu imagino. – Ela sorriu.

- É isso ai! – Sorri, fechando o punho.

Ela sorriu agradecida, fechando seu punho e o chocando contra o meu.

 

 

 

•••

 

Letícia

 

Estávamos dentro do carro, frente à delegacia. Uma tensão percorria por meu corpo, e gotas de suor se formaram em minha testa. Através da janela do carro, olhei para a direção da delegacia. Mais uma vez, senti meus olhos marejados. Eu nunca imaginei que meu casamento acabaria de uma forma tão triste e indesejada. Eu nunca imaginei que seria traída, muito menos agredida.

Foi impossível não me sentir culpada por alguns momentos. Foi impossível não pensar que se eu não tivesse gritado ou dito o que disse, eu não estaria ali. Um misto com todas as sensações ruins que podem existir, me aprisionavam, pareciam roubar a minha voz. Era perturbadora a sensação de que eu estava prestes a denunciar o homem que uma vez disse que me amava, e prometeu cuidar de mim.

- Pronta? – Fernando perguntou, olhando para mim.

- Eu acho que sim. – Respondi sincera, ainda olhando para a direção da delegacia. – Mas eu sou forte, mais do que eu imagino.

Ele piscou, sorrindo.

Fernando desceu do carro, e dando a volta, abriu a porta para que eu saísse. Ele segurou minha mão, me ajudando a descer do carro. Antes que subíssemos os poucos degraus que nos levaria à delegacia ele puxou meu braço, me fazendo parar. E sorrindo, ele me abraçou.

- Vai dar tudo certo! – Ele disse se afastando do abraço, e olhando para mim com um meio sorriso.

Eu apenas assenti, sorrindo, segurando sua mão mais uma vez.

Nada do que eu fizesse conseguiria retribuir tudo o que Fernando fez por mim. Ele me transmitia uma paz e tranquilidade, que eu sentia que poderia saltar de um avião segurando a mão dele, mesmo não usando um paraquedas. Ele me acalmava de uma forma inexplicável, e se não fosse o apoio que ele estava me dando, eu não chegaria nem no carro.

Subimos os poucos degraus, e ao pôr meus pés na delegacia, suspirei fundo. Nunca em toda a minha vida, eu pus os pés em uma delegacia, e esperava que continuasse assim. O ambiente me causava medo, e embora a delegacia estivesse vazia, eu me sentia sufocada. Meu desconforto era notável, e eu ainda me sentia insegura.

- Está tudo bem? – Fernando perguntou me olhando.

- Está, está sim. – Sorri.

Por mais que eu estivesse nervosa, Fernando conseguia me acalmar. Eu sabia que independente do que acontecesse, ele estaria ao meu lado.

- Boa tarde! – Um homem se aproximou sorrindo. – Em que posso ajudá-los?

Eu e Fernando nos entreolhamos.

- Queremos prestar uma queixa. – Fernando se pronunciou. – Ela foi agredida pelo marido.

- Oh, sinto muito. – O homem olhou para mim. – Me acompanhem, por favor.

Apertei minha mão à de Fernando, e respirando fundo, segui o homem. Ele nos levou até uma sala que aparentava ser a sala propicia para ouvir depoimentos. Ele sentou-se a mesa, e apontando para cadeira a nossa frente, nos induziu a sentar. Fernando puxou uma cadeira para mim, e sentou-se logo em seguida.

- Meu nome é Enrique Martinez, e eu sou o delegado daqui. – Ele estendeu sua mão, e eu e Fernando a apertamos. – Bom, para fazer o boletim de ocorrências, eu vou precisar dos dados da senhora e do agressor, está bem?

Assenti.

- Nome? – Ele perguntou.

- Letícia Padilla Solis.

- Nome do agressor.

- Aldo Domenzaín. – Respondi tensa, olhando para Fernando.

- Dia do ocorrido? – Ele perguntou, enquanto digitava.

- Ontem à noite. – Respondi. – Aproximadamente às onze e meia da noite.

Ele tomou todos os dados necessários, enquanto digitava tudo em seu computador. Minha cabeça já estava a um passo de explodir com a quantidade de perguntas feitas, mas ainda faltava o principal. Contar o que, de fato, havia acontecido na noite anterior.

- Agora eu preciso que me conte tudo o que aconteceu. – Ele se inclinou sobre a mesa, ficando mais próximo a mim. – Nenhum detalhe é pequeno demais que não precise ser contado.

- Está bem. – Suspirei.

Eu olhei para Fernando, e ele sorriu me transmitindo toda a segurança possível. Eu segurei sua mão por baixo da mesa, e a apertando, iniciei meu depoimento.

- Tudo começou quando...

E então eu relatei tudo o que havia acontecido naquela noite. Desde o bilhete lido ao pedido de desculpas. Ele me ouvia atento, e por vezes fazia algumas perguntas. Contei sobre o fato de Fernando ter agredido o Aldo na intenção de me defender, e mesmo me cortando por dentro, preferi que o delegado soubesse por mim. Não quis que o Aldo inventasse coisas que não aconteceram, e no final, Fernando acabasse sendo prejudicado. Contei sobre as agressões verbais, e contei o que eu havia dito. Não ocultei o fato de que eu havia lhe dado um tapa primeiro, e que ele revidou. Ele me ouvia com cautela, e parecia devorar pelos ouvidos tudo o que eu dizia. Fernando se manteve em silêncio todo o tempo, e mesmo sabendo em riqueza de detalhes tudo o que havia acontecido, ele parecia atento às minhas palavras.

- E foi isso. – Disse limpando umas lágrimas que rolaram por meu rosto em meio ao depoimento. – E hoje pela tarde, depois de uma longa conversa com o Seu Fernando, ele me convenceu a prestar queixa.

- O senhor fez muito bem em apoiá-la e incentivá-la a denunciar, Seu Fernando. – Ele olhou para Fernando. – Uma situação dessas, independente de como tenha acontecido, não pode ficar impune. – Ele ergueu seu corpo, acomodando-se na cadeira. – Mas o senhor foi completamente precipitado em fazer justiça com as próprias mãos. Entendo que a sua intenção foi defender a senhora Padilla, mas violência só gera mais violência. – Ele juntou as mãos, colocando-as em cima da mesa. – Assim como a senhora Padilla denunciou o esposo por agressão, ele pode denunciá-lo pelo mesmo motivo.

 - Eu sei, Senhor Martinez. – Fernando se pronunciou. – Mas para ser sincero, não me arrependo de ter feito o que fiz. – Ele olhou para mim, e suspirando pela boca, voltou sua atenção ao delegado. – E eu estou plenamente consciente das consequências que isso pode gerar.

- Entendo! – O delegado assentiu. – Senhora Padilla, para concluir o boletim, preciso que me diga se há marcas de agressões.

Eu pensei em negar. Não queria ter que expor meu corpo, ainda que fossem apenas meus braços, para um completo desconhecido. Eu não me sentia bem em me expor daquela maneira, mas quando eu estava prestes a omitir, Fernando me olhou em repreensão. Eu suspirei envergonhada, e tirando meu blazer, revelei as marcas da agressão.

- Em caso de marcas, a senhora terá que ser encaminhada ao corpo de delito. – Ele disse serio. – Os exames são rápidos, e hoje mesmo saem os resultados. Eu farei a solicitação agora mesmo.

Assenti.

- Os exames serão encaminhados para a nossa equipe, e depois dos resultados, faremos uma intimação ao seu marido. – Disse calmamente. – Como não houve um flagrante, precisamos dos resultados dos exames para fazer uma intimação.

- Ele vai ser... – Engoli a seco. – Ele vai ser preso?

- Isso só o juiz pode dizer. – Ele sorriu. – Mas a minha experiência diz que não. Existem várias outras medidas a serem tomadas, e como ele é ficha limpa e estava alcoolizado no dia da agressão, acredito que medidas menos drásticas serão tomadas.

- Que tipo de medidas? – Perguntei curiosa.

- Afastá-lo do lar, determinação de distancia mínima entre a senhora, proibição de contato ou restrição de visitas aos filhos...

- Nós não temos filhos. – O interrompi.

- Oh, perdão. – Ele sorriu. – Essas são medidas que podem ser tomadas, mas como eu disse, a decisão cabe ao juiz.

- Entendo. – Sorri agradecida.

- Acredito que a senhora queira se divorciar. – Ele perguntou me olhando, e Fernando olhou para mim. – Afinal de contas, tudo começou por um pedido de anulação de casamento.

- Sim, o mais rápido possível. – Respondi mais para Fernando do que para ele.

- Pelo que entendi, ele disse que não te daria o divórcio, certo? – Ele me olhou curioso.

- Exatamente.

- Mas, como houve agressão e adultério, o divórcio vai sair com ou sem a vontade dele. – O delegado disse confiante. – Em questão de poucas semanas, a senhora terá seu casamento anulado.

Olhei animada para Fernando, sorrindo.

- Agora, recomendo que se dirija o mais rápido possível ao Instituto Médico Legal. – Ele se levantou. – Fica muito próximo daqui, por sorte.

- Eu sei onde fica. – Fernando disse se levantando. – Obrigado, Senhor Martinez.

- Por nada! – Ele ofereceu sua mão para Fernando, que a apertou. – É o meu dever ajudá-los.

- Obrigada, de verdade. – Disse me levantando,

- Não há de quê. – Ele disse sorrindo. – E fico feliz que tenha conseguido denunciar. Uma agressão não pode ser camuflada, ou senão, pode acontecer algo muito pior.

- É claro! – Sorri agradecida.

Apertamos as mãos mais uma vez, e com o braço envolto da cintura de Fernando, segui em direção à saída da delegacia. Diferente de como entrei, agora eu estava leve e tranquila. Com sensação de dever cumprido. Eu sentia que de alguma forma, eu estava ajudando a todas as mulheres que já foram ou que são agredidas.

Acompanhada de Fernando, seguimos em direção ao IML. Por sorte, uma médica me atendeu, A sós, fomos para uma sala e ela me fez todos os tipos de perguntas. Se ocorreram outras vezes. Se foram usados requintes de crueldade. Se houve algum dano psicológico e se isso havia me causado algum tipo de trauma. Após analisar minuciosamente minhas marcas, os exames classificaram meus hematomas como lesões leves.

- Está tudo certo, Senhora Padilla. – Doutora Gabriela disse sorrindo. – Os seus exames serão encaminhados hoje mesmo para a delegacia.

- Obrigada! – Disse vestindo meu blazer.

- Eu fico muito feliz que tenha tomado a iniciativa de denunciar. Se todas as mulheres fizessem isso, desde a primeira agressão, muitas mortes seriam evitadas. – Ela disse enquanto analisava sua prancheta.

- Verdade! – Suspirei triste.

- Senhora Padilla...

- Lety. – A interrompi. – Me chame de Lety – Sorri.

- Lety.. – Ela corrigiu, sorrindo. – Eu recomendo que procure um psicólogo. Em casos assim, um profissional é essencial para qualquer trauma ou sequela psicológica.

- Eu agradeço, mas... – Sorri abobada. – Mas eu tenho algo muito melhor que um profissional.

- Ah, eu entendi. – Ela sorriu divertida. – Bom, Lety, acabamos aqui. Foi um prazer conhecê-la. E mais uma vez, parabéns por sua iniciativa.

- Obrigada! – Disse sorrindo. – E o prazer foi todo meu!

Nos despedimos, e ao me ver sair da sala, rapidamente Fernando se levantou da sala de espera.

- E então? – Perguntou curioso, evolvendo seu braço em meu pescoço.

- Foi melhor do que pensei, para dizer a verdade. – Envolvi meu braço em sua cintura.

- Fico feliz! – Sorriu. – Acho que eu estava mais nervoso que a senhora.

- Tão lindinho! – O olhei abobada.

Ele sorriu para mim mais uma vez, e colocando minha bolsa no ombro, saímos abraçados. Meu braço ainda estava em sua cintura, e o seu braço ainda repousava em meus ombros. E a sensação de tê-lo como meu anjo protetor era maravilhosa. Eu sentia que nada nem ninguém poderia me atingir, e talvez por essa sensação absurda, eu tenha dito o que disse.

- Eu posso dormir com o senhor hoje? – Perguntei ao entrarmos no carro, e ele me olhou assustado. – Não, não é isso que o senhor está pensando. – Sorri nervosa. – É que... Eu estou com medo de dormir sozinha, e com o senhor eu me sinto... Protegida.

Ele sorriu terno.

- Eu posso?

- Mas é claro, Dona Lety. – Ele tocou meu rosto. – E eu nunca deixaria a senhora dormir sozinha numa situação dessas. Nunca!

- Obrigada! – Sorri para ele.

- Por nada! – Ele me devolveu o sorriso.

 

 

 

•••

 

 

Já era inicio de noite quando chegamos à casa de Fernando, e diferente da primeira e última vez que estive ali, ambos tínhamos uma mínima noção de cozinha. Cozinhamos juntos, e eu acho que não me lembro a ultima vez de ter me divertido tanto.

Estávamos sentados no sofá da sala, próximos a lareira, com o som ligado, e bebendo um bom vinho. Aparentemente, Fernando havia perdido sua gravata enquanto cozinhava, e eu não fazia ideia de onde havia deixado meu blazer.

- Não é nada comparado ao que um chefe de cozinha faz, mas pelo menos não estamos comendo pão. – Fernando disse sorrindo, bebendo um pouco de vinho logo depois.

- Está brincando? – O olhei divertida. – Essa é uma das melhores lasanhas que já comi.

Ele sorriu vitorioso.

- Mas da próxima vez, tudo ficará por minha conta. – Bebi um pouco de vinho.

- Então quer dizer que teremos uma próxima vez? – Sorriu divertido.

Eu gargalhei, e ele gargalhou também. Por uns instantes, eu senti como se nada tivesse mudado, eu senti como se meu casamento e sua viagem nunca tivessem existido. Eu senti que estávamos há dois anos e meio atrás, antes da carta , antes de tudo o que nos afastou.

Não sei se pelo vinho, se pelo clima, se pelo cansaço ou se pelo fogo da lareira, mas um calor foi tomando o meu corpo, e quando dei por mim, meu rosto estava próximo demais ao de Fernando. Ele também se aproximava lentamente, e seus olhos não paravam de mirar meus lábios um segundo sequer. Eu estava da mesma maneira. Seus lábios pareciam ter um ima que atraía meus olhos. De repente, a sala começou a perder seu espaço, e parecia que havia espaço para apenas nós dois. A falta de ar me dominou e tudo começou a ficar abafado. Faltavam apenas milímetros para que os meus lábios sentissem os seus, quando ele desviou o rosto.

- Eu... Preciso... Preciso arrumar tudo isso. – Disse se levantando.

Eu o olhei se afastar e imediatamente, senti meus olhos encherem-se de lágrimas. A falta dos beijos e caricias de Fernando me causavam uma dor que eu não desejaria nem ao meu pior inimigo. Era como se seus beijos fossem o oxigênio, e eu portasse uma doença respiratória, e por mais que eu precisasse do ar, eu não tinha forças suficientes para tê-lo. Assim era Fernando. Embora toda a minha alma, pele e corpo rogassem por ele, ele ainda estava distante, e por mais que eu me esforçasse, ainda faltava algo para recuperá-lo.

 

 

 

•••

 

 

- Seu Fernando, de verdade. Eu posso dormir no chão ou no sofá. – Disse pela milésima vez.

- É claro que não, Dona Lety. – Ele respondeu rapidamente. – Eu não vou deixar que durma no sofá e muito menos no chão, quando tem uma cama enorme dessa aqui.  – Apontou nervoso para sua cama.

- Mas é sua cama. – Disse dando ênfase nas duas últimas palavras.

- E por ser minha, eu estou te emprestando. – Disse decidido. – Se a senhora não dormir na cama, ela vai ficar vazia, porque eu também não vou.

- Está bem! – Suspirei rendida.

Ele sorriu vitorioso.

- Obrigada, Seu Fernando! – Sorri agradecida.

- Por nada! – Disse sorrindo, sem mostrar os dentes. – Pode usar todo o necessário. No banheiro tem um armário com toalhas, escovas de dente nunca usadas, e tudo o que precisar. Eu vou usar o banheiro lá de baixo, e se precisar de mim, basta chamar.

Assenti sorrindo.

- Boa noite, Dona Lety! – Disse caminhando até a porta.

- Boa noite, Seu Fernando! – O acompanhei com o olhar.

Ele saiu do quarto, e quando a porta se fechou, não tive outra reação ao não ser deitar em sua cama, e abraçar seu travesseiro, inspirando forte. Seu perfume amadeirado estava por todo o quarto, e eu não consegui conter as lembranças de quando estive ali pela primeira vez.

Depois de longos minutos perdida em minhas memórias, tomei um banho relaxante, porém rápido. Não poderia me aproveitar da bondade de Fernando, que tem feito tudo por mim na melhor das intenções. Enrolada numa toalha, me dei conta que a única peça de roupa que eu tinha, eu tinha acabado de tirar. Sem o menor pudor abri o seu closet, e peguei uma de suas camisas sociais. Escolhi uma camisa lilás, que por sinal, era a minha preferida. Ao vesti a camisa, me dei conta que mesmo Seu Fernando sendo extremamente maior que eu, a camisa alcançava apenas metade das minhas coxas.

- É melhor do que dormir pelada. – Disse com as mãos na barra da camisa, olhando meu reflexo no espelho.

Apaguei a luz, e me deitando na cama de Fernando Mendiola, me rendi ao sono.

 

 

•••

 

Fernando

 

O sofá não parecia ser tão pequeno e desconfortável quando eu comprei, e o fato de eu estar dormindo de calça, camisa social e sapato, deixava tudo pior. Eu não costumava dormir assim, mas não achei conveniente usar um pijama quando Letícia estava dormindo à apenas alguns metros. Estava com os olhos fechados, me virando de um lado a outro, buscando uma posição que não deixasse metade das minhas pernas para fora. Mas não havia uma posição cômoda para mim, mas o motivo era bom. Letícia estava dormindo sob o mesmo teto que eu. Ela estava deitada na minha cama, e no dia seguinte, seu perfume estaria impregnado em meus lençóis. Com os olhos fechados, sorri inevitavelmente, até ouvir um barulho vindo da cozinha.

Rapidamente, me levantei, e pegando o controle de televisão, segui para a cozinha. Estava completamente escuro, e antes de fazer qualquer coisa, acendi a luz, dando de cara com Letícia, encostada ao balcão, bebendo um copo de água. Ela também se assustou, e prova disso foi o copo que ela deixou cair no chão.

- Oh, Seu Fernando, me perdoe por isso. Eu juro que vou pagar. – Ela disse um tanto quanto desesperada. – Eu vou limpar isso. – Disse se abaixando.

- Não! – Disse antes que ela se abaixasse por completo. – A senhora está calçada?

- N... Não. – Respondeu notavelmente tensa.

- Então não se mexa. – Eu disse.

Saí do portal da cozinha, indo finalmente para o canto do balcão onde Letícia estava encostada, e só então, me dei conta de como ela estava vestida. Ela usava uma das minhas camisas sociais, que não cobria nem metade de sua coxa. Senti meu corpo se arrepiar por completo, e involuntariamente, entrei em um transe. Eu havia esquecido de como Letícia era maravilhosa, e aquele momento não era o mais apropriado para se lembrar. Eu ainda olhava para seu corpo, quando notei que ela puxava a barra da camisa, tentando esticá-la.

-Er... – Disse pigarreando. – Não se mexa. – Disse caminhando até ela.

Seu rosto corou ao me ver se aproximar.

- Me desculpe por isso, Seu Fernando, de verdade. – Ela disse nervosa. – Não precisa se preocupar em limpar, eu limpo. – Ela disse se abaixando.

Assim que ela abaixou sem corpo, eu fiz o mesmo, tocando sua mão. Abaixados como estávamos, nossos olhares se cruzaram, e ainda de mãos dadas, nos levantamos.

Um calor insuportável percorreu meu corpo, e eu estava começando a sentir coisas que não deveria sentir. Pisando nos cacos de vidro, me aproximei de Letícia, e a tomando em meus braços, a carreguei. Ela me olhou assustada, mas rapidamente, desceu seus olhos para meus lábios, e eu me perdi nos seus.

Com ela ainda em meus braços, saí da cozinha, mas em nenhum momento, deixei de encarar seus lábios com desejo. Ela ainda me olhava, quando eu um impulso, ela envolveu sua mão em minha nunca, e me puxou para um beijo. Senti minha alma vibrar em meu corpo ao sentir o contato de seus lábios nos meus, e retribui.

Sem pensar em mais nada, ainda a beijando, subi as escadas que nos levaria ao segundo andar. Eu deveria parar, eu queria parar, mas eu não conseguia. Ela queria o beijo tanto quando eu, e esse era mais um motivo de que eu não era o único a parar aquilo. Com os pés, empurrei a porta do quarto , abrindo-a com ferocidade. Sem quebrar o beijo, a guiei até a cama, a deitando ali. Deitei meu corpo por cima do seu, e interrompendo o beijo, fitei seus olhos.

Ela sorriu maliciosa, mordendo seu lábio inferior logo depois, e aquilo foi o cúmulo para mim. Voltei a beijá-la, dessa vez com mais intensidade. Suas mãos vieram de encontro a minha nuca, subindo até meus cabelos, me fazendo suspirar entre o beijo. Desci minha mão por seu corpo, apertando a lateral de sua perna, subindo até a coxa. Suas mãos se desvencilharam dos meus cabelos, e vieram de encontro aos botões da minha camisa, abrindo-os lentamente. Meu corpo ardia pelo seu, e o dela não estava diferente. Gotas de suor corriam por meu corpo, se misturando com os dela, e quando eu estava prestes a arrancar aquela camisa de seu corpo, parei o beijo ofegante, fazendo-a me olhar curiosa.

- É melhor pararmos. – Disse em meio a um sussurro ofegante.

- Por que? – Perguntou tão ofegante quanto eu. – Eu quero isso tanto quanto o senhor. Por que parar? – Disse mirando meus lábios, acariciando minha nuca.

- Você ainda é uma mulher casada, e por mais que eu a deseje muito, isso não é certo. – Disse saindo de cima dela, sentando na cama. – Eu quero que recomecemos sem erros.

Ela me sentou-se ao meu lado lentamente, e olhando para mim, sorriu.

Suspirei pesadamente, tentando me recuperar do momento que acabei de viver. Estava a ponto de me levantar, quando ela me puxou pelo braço, me fazendo sentar mais uma vez. Eu a olhei curioso.

- Fica aqui comigo. – Pediu. – Eu não quero dormir sozinha.

- Isso não é uma boa ideia. – Disse sincero. – Eu não vou resistir em dormir na mesma cama que a senhora, sem poder... – Deixei minha frase morrer.

- Eu sei que vai. – Ela disse meio a um riso. – E acredite, não será nada fácil para mim também.

Eu a olhei divertido, e ela abriu um largo sorriso.

- Por favor! – Ela juntou as palmas das mãos.

- Está bem! – Suspirei.

Ela sorriu animada, se aninhando no canto direito da cama. Com os pés, tirei meus sapatos, me deitando ao seu lado. Estiquei um dos meus braços, apagando o abajur. Lentamente, ela fastou seu corpo se aproximado, e deitando sua cabeça em meu peito, esticou seus braços em volta do meu abdômen. Suspirei satisfeito e com um largo sorriso nos lábios. Repousei minha mão em sua cabeça, brincando com os fios de seus cabelos.

Ela adormeceu com a cabeça em meu peito, e ela mal sabia que o motivo do meu coração estar tão acelerado era ela. Era sua presença em meu quarto. Sua presença em minha vida. Sua presença em minha pele. Eu sorria abobado e feliz, e inspirando o perfume doce de Letícia, também me rendi ao sono.  


Notas Finais


Bom, eu gostaria de dizer umas coisinhas sobre o último capítulo. Eu tinha pensado seriamente antes de escrever a agressão que Letícia sofreu pelo Aldo, e por um momento achei melhor não pôr, mas então eu pensei: Por que não?
Isso é real. Isso é fato. Isso acontece. Acontece com a Letícia, com a Maria, a Joana, a Antônia e a Francisca. Acontece com sua vizinha, sua mãe, sua irmã, acontece com você.
Ao escrever o capítulo de ontem, meu principal objetivo foi chamar a atenção de todos à agressão contra a mulher. Se você conhece uma mulher que é agredida, ou se você é uma mulher que é agredida, denuncie. Não cale sua boca, não cale sua voz. Faça valer a pena a dor e a morte de tantas mulheres, para que hoje a Lei Maria da Penha pudesse nos defender.

“Briga de marido e mulher, não se mete a colher.” Se houver agressões, metemos não só a colher, como o telefone também. Disque 180. Denuncie!


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