Lauren tirou o casaco e pendurou-o num gancho na lavanderia.
Um fio de luz escapava sob a porta da cozinha, iluminando o aposento às escuras. A casa estava silenciosa, e ficou satisfeita ao perceber isso. Naquele dia, como fizera desde que chegara de Missoula, tinha trabalhado até tarde e sentia os músculos doloridos pelo trabalho pesado, que insistira em fazer. Afinal, queria manter distância de Camila e estava conseguindo.
Todo trabalho que antecedia o inverno, desde a estocagem de alimentos e rações até a checagem dos geradores, era uma boa desculpa para manter-se ocupada. Cansada, suspirou, imaginando se mais um ou dois meses de trabalho intenso conseguiriam fazê-la ficar perto de Camila sem desejá-la desesperadamente.
Sacudindo a cabeça, tirou as botas e pegou uma calça jeans limpa, dirigindo-se para o banheiro. Poucos minutos depois entrava no chuveiro, suspirando de prazer ao sentir a água quente tocando-lhe os ombros e braços. Deixando a água escorrer sobre a cabeça, entregou-se à sensação reconfortante. Só então pegou o sabonete na prateleira e começou a ensaboar-se.
Só quando a água começou a esfriar, teve coragem de sair do banho. Bocejando, enxugou-se e vestiu a calça, sem se preocupar em fechar mais que os três primeiros botões da camisa. Enxugando os cabelos com uma toalha, abriu a porta. Já tinha dado alguns passos no chão frio, com os pés descalços, quando percebeu que não estava sozinha.
- Achei que tinha ouvido você entrar - disse Camila suavemente.
Estava parada na porta da cozinha, e os cabelos caíam sobre os ombros, emoldurando o rosto delicado. Vestia calça legging e um suéter folgado, num tom de cinza. Contra a luz, a silhueta do corpo bem-feito destacava-se ainda mais.
- O que está fazendo acordada? - perguntou, baixando a toalha.
- É sexta-feira.
- E daí?
- São só nove e meia. Amanhã não tem aula, e eu disse a Lissy que poderia ficar acordada até mais tarde, pois quem sabe você chegaria a tempo de lhe dizer boa-noite.
Embora não gostasse da interferência, Lauren não conseguia deixar de sentir-se culpada com relação a Lissy. Por um lado, sabia que fizera a coisa certa, evitando Camila. Mas por outro, deixara de ficar com a filha. Embora fosse vê-la no quarto todas as noites ao chegar e todas as manhãs, antes de sair, não era o mesmo que ficar com ela.
- É claro. Vou fazer isso.
Aprovação, e algo que lhe pareceu alívio, surgiu no rosto de Camila.
- Que bom.
Lauren esperou que saísse, mas Camila não se mexeu.
Em vez disso continuou a fitá-la diretamente. E, embora não houvesse nada de provocante em seu modo de agir, a simples presença de Camila, a voz levemente rouca, o perfume suave, bastavam para deixá-la ardendo de desejo.
- Aliás, vou agora mesmo - decidiu, de repente, atirando a toalha sobre a máquina de lavar e quase correndo para a cozinha, antes que cometesse uma tolice.
- Mas eu também queria... Lauren, espere! - exclamou Camila, enquanto ela passava correndo.
Pelo canto do olho, ela percebeu que Camila estendia o braço, tentando segurá-la, e por um momento desejou parar e sentir o toque, para descobrir se sua reação seria tão intensa quanto imaginava.
Só que tinha medo que apenas um toque Não bastasse. E sabia que seu autocontrole estava no limite. Seu corpo já mostrava os efeitos, só de pensar que Camila poderia tocá-la. Afastando-se mais um pouco, para ficar fora do alcance dela, virou-se e encarou-a.
- O que quer, Camila? - perguntou, num tom brusco.
Os lábios dela apertaram-se numa linha fina ao perceber a impaciência e irritação na voz de Lauren.
- Gostaria de conversar um pouco, se você puder.
- Não. - Ela sacudiu a cabeça, reforçando a resposta.
- Amanhã? - Camila insistiu.
- Sim. - Lauren afastou-se depressa, atravessando a cozinha e a sala, na direção dos quartos.
A porta de Lissy era a primeira à direita, ao lado do quarto dela. Controlando as emoções, tentou afastar Camila do pensamento, assumindo uma expressão neutra. Com movimentos contidos, olhou para dentro do quarto.
A menina não só estava acordada, como era evidente que esperava por ela. Embora o quarto estivesse iluminado apenas pelo pequeno abajur ao lado da cama, foi possível perceber o sorriso no rosto dela.
- Você veio...
Assentindo, Lauren parou junto à porta.
- Estava esperando que viesse - murmurou Lissy, mergulhando ainda mais debaixo das cobertas, enquanto ela se aproximava cautelosamente da cama. - Mesmo depois que a Camz disse que estava muito ocupada com o rancho.
As palavras a surpreenderam. Não imaginava que a menina sentisse tanto a sua falta. Nem que Camila tentasse justificá-la .
Inclinando-se, arrumou com gestos desajeitados o cobertor sobre o ombro delicado de Lissy.
- É tarde - disse, pouco à vontade. - É melhor você dormir.
- Está bem. - Mas apesar de ter concordado, não fechou os olhos, continuando a fitá-la como se esperasse mais alguma coisa.
Sem saber como agir, Lauren fitou-a, meio sem jeito.
- O que foi?
Ela hesitou, parecendo muito pequena e frágil, espiando-a sob as cobertas.
- Pode me dar um beijo de boa-noite, se quiser. Camz sempre faz isso.
Lauren pigarreou.
- Sim... Claro.
Consciente de quanto ela era pequena e delicada e, por outro lado, de como Lauren era grande e desajeitada, inclinou-se sobre a cama e beijou-a na testa. Apertando os olhos, desejou que as coisas fossem diferentes. Que ela fosse diferente. Que conseguisse ser o tipo de mãe capaz de abraçar a filha, de dizer como ela era especial e como a amava, em vez de apenas pensar essas coisas.
Mas não sabia como falar com uma criança de sete anos. Recompondo as emoções, endireitou-se.
- Boa noite, Lis.
Por um instante houve apenas o silêncio, mas por fim ela suspirou, revelando desapontamento.
- Boa noite - sussurrou, virando-se de lado, puxando as cobertas até o queixo e fechando os olhos.
Lauren ficou de pé, sem se mover, sentindo o coração pesado ao olhar para a figura frágil da filha. Embora não soubesse por quê, ela a desapontara. Por um instante a dor foi tão forte que mal conseguia respirar.
Por fim, com grande esforço, sacudiu a cabeça e forçou-se a andar, consciente de que não adiantava ficar parada ali. Simplesmente não entendia por que a decepcinara.
Já ia desligar o abajur quando percebeu que Camila estava parada no corredor, observando-a atentamente. Por um instante, os olhares se encontraram, e então ela afastou-se depressa.
Ainda assim, pela expressão do rosto dela, sabia que testemunhara a cena com Lissy. E que percebera o seu fracasso.
Num misto de raiva e desespero, desligou a luz e foi para o quarto.
Continua...
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