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História Lover - Trin


Escrita por: wumeirong

Notas do Autor


Apenas um aviso: para quem está ainda não assistiu ao episódio 2 da terceira temporada, >>>>este capítulo contém um SPOILER<<<<.
Se você, assim como eu, ama spoiler, manda brasa.
Se você não gosta, então assista antes de ler :)

PS: vou deixar o link do vestido que eu citei na fic, e da costureira francesa também (porque é uma história muito interessante!)

Capítulo 3 - Trin


“The way you move is like a full on rainstorm
And I'm a house of cards
You're the kind of reckless that should send me running
But I kinda know that I won't get far
[…]
I'm captivated by you, baby, like a fireworks show
[…]
Get me with those green eyes.”

Sparks Fly, Taylor Swift

 

Birmingham, Inglaterra, 1924

 

Parecia que a ressaca do casamento estava durando o mês todo. Maria Clara se sentia desanimada e irritadiça. A cereja do bolo de seu infortúnio foi que, uma semana antes de um evento importantíssimo dos Shelbys, sua regra resolveu chegar.

Meu Deus, ela estava a ponto de surtar. O vestido que planejara usar no jantar de caridade dos Shelby era branco! E não tinha uma segunda opção de traje!

Tinha como ser mais azarada?!

Mexendo em suas roupas, encontrou uma caixa delicadamente escondida ao fundo. Quando sua mãe trouxe tudo o que tinha, ela não imaginou que traria exatamente tudo. Abrindo o pacote, quase teve uma crise de choro. O vestido do noivado de João Antônio – que anos atrás fora proibida de usar por ser jovem demais, solteira e a peça ser escandalosa por si só – estava delicadamente embrulhado em um tule bem clarinho, fazendo o verde parecer mais suave. Marie o retirou dali, esticando-o no alto para ver o modelo inteiro.

-Ah, caramba! – ela balançou a cabeça, desacreditada. – meu robe-sylphide!

Criado por Jeanne Margaine-Lacroix, a moda Directoire nada mais era que usar um vestido justo, marcando a cintura, o quadril e o busto. Sua costureira no Brasil havia viajado para Paris em 1902 buscando novidades, e voltou encantada com a ousadia de Madame Lacroix. Quando Marie ficou mais velha – aos 17, em 1920 – e o noivado de João foi anunciado, a mulher continuava apaixonada por aquela invenção francesa... Como tinha conhecimento do espírito “moderno” (mas reprimido) da menina, sugeriu que criassem um robe-sylphide adaptado em renda verde esmeralda e forro verde escuro, tons que ficavam lindos nela. Mesmo sabendo que a família provavelmente não a deixaria usá-lo, Marie concordou sem hesitar – por via das dúvidas, pediu um vestido reserva “normal” em tom pêssego.

Apesar da linda peça branca que tinha escolhido para o baile, o robe-sylphide o superava! E agora, mais velha e sem a presença dos pais, não havia muita coisa que a impedisse de usá-lo.

Rezando para ainda caber naquela numeração (ao certo havia emagrecido um pouco desde que chegara na Inglaterra – pela comida não tão saborosa que consumia), ela despiu-se do pijama e iniciou o trabalho de provar seu maior xodó.

O tecido caiu como uma luva, delineando seu corpo de uma maneira que, antigamente, não o tinha feito. A pedraria bordada até perto do joelho brilhava em harmonia com o forro e o finíssimo cinto embutido em seda esmeralda; o decote em “coração” evidenciava seu busto de forma delicada e sutil. Virando-se meio de lado, Maria Clara observou o decote em “V” nas costas, os botões que eram o fecho... E, mais embaixo, sua bunda parecia redonda e empinada, mesmo que o vestido estivesse aberto. Rindo incrédula, deu uma volta em frente ao espelho.

Ela se sentia tão feminina! Tão bonita!

Satisfeita com o resultado, Marie chamou a campainha do quarto e esperou que sua dama de companhia aparecesse. Teve muita sorte que Ana Vera não quis voltar ao Brasil e aceitou ficar na Inglaterra para ajudá-la... Não tinha certeza se se acostumaria à uma aia inglesa.

-Marie? – a mulher enfiou o rosto para dentro, cerca de cinco minutos depois.

-O que acha, Ana? – indicou o vestido.

-Jesus, Maria, José! É o... – Ana fechou a porta, com as mãos na boca em surpresa. – do noivado de João Antônio?! – se aproximou, girando para observar o traje inteiro.

-O próprio. – Marie assentiu.

-A sinhazinha... A senhorita quer usá-lo?!

-Sim. O que acha? Agora não tenha mais papai para me proibir, e os Shelby são relativamente mais “abertos”. – piscou. – então? Gostou? Ficou estupendo, não?!

-Ficou esplêndido, sinhazinha, mas não acho que é certo! Você se lembra do desastre que foi antes!

Marie cruzou os braços, insolente.

-Lembro, porém agora estamos em uma situação diferente, Ana! E prometo que após usá-lo, irei guardá-lo e não mexer até que esteja casada. – era quase uma verdade.

-Vai adiantar se eu for contra? – Ana Vera balançou a cabeça, incrédula. – parece que ele está mais bonito do que antes, não? A senhorita está uma moça feita, sinhazinha.

-Não me chame assim! – Maria Clara riu, um misto de bronca e confiança. – então está decidido: irei usá-lo. Eu gostaria de prender o cabelo, também, para mostrar as costas...

-A senhorita perdeu o rumo depois que ficou independente.

-Que sorte a minha que não sou independente, eh?

Marie riu de si mesma, porque acabava de imitar Tommy. Ana a ajudou a tirar o vestido e prometeu que iria lavá-lo ainda naquela noite.

 

A semana se estendeu e a regra de Maria Clara, que geralmente durava sete dias, durou apenas cinco. Ela não tinha mais a desculpa para continuar com a ideia maluca de vestir-se com o traje verde, porém... O usaria mesmo assim. Era como se finalmente marcasse a nova fase que vivia: uma moça adulta, feita (como diria Ana) e dona de si. Poderia não ser completamente independente, mas era inegável que estava perto deste destino.

Ela ficou inquieta até o momento em que Ana subiu para ajudá-la a se arrumar. Maria Clara ficou tagarelando sem parar – um traço de quando não se aguentava de ansiedade – durante todo o processo. Sua voz sumiu, no entanto, quando viu o resultado final refletido no espelho: um lindo coque Charleston sem adornos, o maravilhoso vestido e um sapato igualmente lindo com salto “um pouco” acima do recomendado. Para a maquiagem, Ana concordou com o batom vermelho, mas os olhos deveriam ser suaves. Além das luvas na mesma seda esmeralda do cinto, as joias também foram singelas: apenas um par de brincos em gota de pérola.

Cobrindo-se com um sobretudo preto, a única coisa aparente era a cauda um pouco longa. Respirando fundo, ela saiu do quarto bêbada em adrenalina. Aquele era seu momento!

Quando desceu, encontrou Michael escorado na parede do foyer fumando um cigarro. Marie prendeu o ar, não sabendo porque ficava tão surpresa com a beleza do homem. Ou será que o smoking apenas intensificava tudo?! Ele também a analisou dos pés à cabeça, tragando a fumaça e inclinando o rosto minimamente para o lado.

-Alguém morreu?

-Sim, minha paciência com você. – Marie retrucou, dando-lhe as costas e indo até a biblioteca. Poderia tomar uma taça de conhaque antes de sair, não poderia?

Ainda assim, escutou os passos de Michael logo depois de entrar no salão. Não é possível que ele quisesse discutir com ela! Logo hoje que estava excepcionalmente feliz e não queria gastar energia com aborrecimentos... Mesmo que estes aborrecimentos tivessem olhos verdes brilhantes, ombros largos e uma voz deliciosa, num sotaque lindo.

-Você sabe que hoje teremos que bancar os amigos unidos, não sabe? Tommy está contando com a presença de muitos parceiros e investidores. – ele falou. – então seria bom se começasse a me tratar com mais respeito, milady.

-Você quem começou! Eu nem ia te dirigir a palavra. – ela rolou os olhos, servindo-se de mais conhaque do que a dose comum. Iria precisar.

-Mais respeito, Vossa Graça. Damas devem ser afáveis e controladas. – Michael sorriu com escárnio. – e certamente não bebem conhaque na presença de cavalheiros.

-Ora, que engraçado. – sorveu um pouco da bebida. – não vejo nenhum cavalheiro por aqui. – ela se apoiou no aparador, inclinando a cabeça como ele havia feito minutos atrás.

A expressão de Michael endureceu, mostrando que Maria Clara havia tocado em um ponto sensível. Bem, era uma satisfação finalmente vê-lo magoado!

-Você deveria saber seu lugar, Maria Clara. – a resposta veio ríspida e dolorida como um tapa. Ele percebeu naquele segundo que havia passado do limite, mas quando os olhos dela brilharam em fúria, não pôde evitar se admirar. Marie quase nunca se acovardava com ele.

-Eu sei meu lugar, Mr. Gray: acima de você, sempre. – ela virou todo o conteúdo do copo, deixando que a ardência do álcool a encorajasse. – alguém deveria lhe dizer com frequência o quão grosso é, para que sua mente pequena comece a absorver a verdade.

Michael odiou a resposta infantil que daria, porém odiou ainda mais que seu corpo começasse a ter ideias sem sua autorização. Ao invés de acima, ele parecia acreditar que o lugar de Marie poderia ser em cima ou embaixo dele... E já não falava sobre posições hierárquicas. Não era de se assustar que garotas desafiadoras chamassem sua atenção.

-Não se preocupe, milady. – sorriu ácido. – muitas mulheres me dizem isso, com mais frequência do que imagina. Aliás, – ele cruzou os braços, despreocupado. – me elogiam por não possuir nada pequeno, inclusive a mente.

O real sentido do que disse a atingiu com mais rapidez do que ele programou. Os olhos de Maria Clara se arregalaram e ela deixou a taça sobre o aparador em um movimento desengonçado, como se estivesse realmente desconcertada com o comentário.

-Você é todos os tons de canalha, Mr. Gray.

-Ora, achei que já soubesse. – ele deu de ombros. – não foi você quem insinuou agora a pouco que eu não era um cavalheiro?!

-Não. – Marie soltou uma risada sem humor. – não e não. Você não vai estragar minha noite! Essa noite não! Tem todas as outras para me aborrecer, mas essa em especifico, não.

-Mesmo? – Michael abriu um sorriso divertido, como se recebesse a proposta de um ótimo desafio. Meu Deus, o homem era impossível!

Maria Clara balançou a cabeça em negativa, enchendo a taça outra vez e virando todo o conteúdo. Usava um vestido maravilhoso, sentia-se linda e animada. Michael Gray não estragaria aquilo, nem que precisasse ser uma completa vaca para se assegurar disso. E começaria a agir desde já: se havia algo no mundo que ele detestava, era ser ignorado. Portanto, agarrando-se ao sobretudo, passou por ele e voltou para o foyer.

A sorte lhe sorriu quando viu Ada descendo as escadas.

 

Apesar de fazerem o caminho todo em um silêncio tenso – que preocupou Polly e Ada razoavelmente –, os dois não puderam permanecer daquela maneira quando chegaram ao baile. Tommy logo os abordou e indicou com quem deveriam conversar inicialmente, depois que sentariam juntos à mesa e onde ficariam na hora do discurso.

-Meu Deus, Tommy, ao menos nos deixe desfazer dos casacos antes de dar ordens! – Ada pediu em um misto de indignação e risada.

Maria Clara estava consciente da própria tremedeira. Não poderia ficar com o sobretudo, era lógico, mas estava muito insegura agora. Usar o vestido na frente de Ana e sonhar com aquele momento era uma coisa... Vivê-lo, outra completamente diferente. Quando um chapeleiro se aproximou, soube que não tinha mais escapatório. Desabotoando seu “escudo”, ela evitou olhar para os outros presentes e se focou em não tropeçar nos próprios pés ao se virar.

Alguém tossiu.

Ela escutou uma exclamação vinda de Ada, e o suave “Marie” de Polly.

-Você vai nos levar até Mr. Heartwell, Tommy? – sua voz saiu controlada e tranquila. Marie se parabenizou mentalmente, deixando a adrenalina tomar conta por alguns segundos.

-Vou. – ele não se moveu. Ninguém o fez, na verdade.

-Se Michael ficou mudo, acho que é um bom sinal. – Polly brincou, olhando para a sobrinha.

À menção do homem, Maria Clara se virou para ele, surpresa com a constatação. Ele realmente estava mudo. E Michael nunca ficava mudo sobre suas roupas! Sempre tinha algum comentário desagradável para fazer, mas agora estava apático. A única coisa que indicava que ainda respirava eram os olhos subindo e descendo pelo vestido de Marie... Ou seria por seu corpo? O modelo não deixava tanto para a imaginação como os outros. Porém, havia algo tão agradável em ver como a cor de sua roupa evidenciava os globos verdes dele que Maria Clara não conseguiu se incomodar com seu silêncio – pelo contrário, sentia-se feminina e poderosa.

-Bom. – Tommy pigarreou. – vamos? – ofereceu os braços para a irmã e a tia, deixando para Michael a tarefa de escoltar Marie para dentro.

O menino continuou sem se mexer e ela precisou se esforçar para criar uma situação.

-Michael, – o chamou. – apesar de minha mente se deleitar com a ideia de que você se transformou em uma estátua e não precisarei mais tolerar sua existência, nós temos um trabalho a fazer e Tommy está esperando.

Aproximando-se, Marie estava pronta para agarrar o antebraço dele e arrastá-lo – se fosse preciso – para a festa. Acontece que Michael se precipitou, e, para o choque de ambos, deixou que seus impulsos falassem mais rápido. Ele a tocou na cintura, os olhos aumentando de tamanho involuntariamente ao se dar conta de que era mesmo um vestido justo e que aquele corpo era mesmo o de Maria Clara.

Não que nunca tivesse tocado cinturas sem a barreira de um espartilho. Mas, ali parecia que nunca o tinha. A sensação era inegavelmente diferente e o assustou por completo. Michael sentiu como se invadisse o espaço dela, como se a tocasse por baixo do pano. Mesmo com toda a pedraria e tecido, foi como tocar a pele nua. Afastando-se da mesma maneira que alguém se afasta do fogo, ele ofereceu seu braço.

-O que foi? – ela parecia preocupada. – você está bem?

-Tommy. – pigarreou como o primo. – Tommy está esperando.

O incômodo cresceu quando se inteirou que, tanto os homens quanto as mulheres, iriam encarar Marie da mesma maneira que ele havia feito. Primeiro, porque aquela cor a destacava tanto por combinar com sua pele e seu cabelo escuro, quanto por ser incomum em moças solteiras. Segundo, porque o modelo era muito ousado... Mais do que qualquer outra jovem provavelmente se arriscaria a vestir num evento. E terceiro, porque, frisando duas preocupações anteriores: ela era jovem e solteira. Atrevimentos dessa magnitude eram reservado às mulheres casadas ou às “moças da vida”.

Será que Marie tinha noção do quão perigoso aquilo era?

Pelo canto do olho, conseguiu perceber algumas caras surpresas e outras severas. Seu corpo tencionou no ato, um misto de desconforto pela situação e de volúpia por estar tão perto da brasileira. Ele queria e não queria ser qualquer um dos expectadores só para reparar como a bunda dela se mexia enquanto andavam... Apostaria algumas boas libras que o quadril se movia sensualmente, mesmo que  não fizesse por querer.

Mr. Heartwell, como esperado, estava sem reação. Marie se curvou minimamente, algo que sempre fazia ao encontrar qualquer investidor ou cliente, e a maneira como os dedos apertaram de leve o antebraço de Michael para manter o equilíbrio fez com que a garganta dele secasse. Talvez se xingasse alto, voltaria a agir como o Michael Gray normal e dono de si.

Puta que pariu, era apenas uma roupa!

Não tinha porquê agir como um adolescente virgem...

Como Finn! Não duvidava que o primo estaria da mesma maneira... A grande diferença é que Finn era um adolescente virgem, e Michael não. Fazia muito tempo, aliás.

-Mr. Heartwell, é um prazer reencontrá-lo. – a voz dela estava no mesmo timbre suave e profissional que adotava quando estava na Shelby Co..

-Lady Marie. – ele tomou sua mão, beijando-a por cima da luva. Heartwell deveria ter pouco mais de quarenta anos e era um homem bem-cuidado. Michael nunca havia se incomodado com a ação, porém ela nunca usara um vestido justo em reuniões de trabalho. – permita-me dizer que está exuberante hoje. – ele sorriu charmoso, e Michael segurou o impulso de rolar os olhos. Dois segundos atrás o filho da puta estava com a maior cara de assustado!

-Obrigada. – ela aceitou o elogio. – tento ficar ao nível do que a Shelby Company merece.

Ah.

Agora Michael queria rir. Bem, ponto para Maria Clara.

-É claro. – Heartwell assentiu. – Tommy me disse que os dois iriam conosco até Birmingham para um tour guiado na fábrica de carros.

-Perfeito. – foi Michael quem respondeu. – ainda pretende comprar um galpão por lá?

-Há uma imensa possibilidade que sim. Sei que existem alguns terrenos próximos à indústria de vocês e acho que seria uma boa maneira de economizar com logística. – Heartwell soltou uma baforada do charuto. – estou pensando nas ofertas que posso fazer à Tommy.

-Discutiremos isso quando formos à Birmingham, que tal? – ele sugeriu, educado. Tinha quase certeza que Tommy rechaçaria qualquer ideia do gênero, mas isso era uma questão futura. Agora, Michael e Marie precisavam conversar com os outros convidados.

-Ah, Michael, ali está Mrs. Waldorf! Eu havia prometido que contaríamos a ela sobre as bebidas do casamento, porque Mr. Waldorf quer comprar um whisky. – Marie apontou discretamente para uma senhora mais velha, que estava rodeada de outras matronas. – vamos?

-Nos vemos mais tarde, Mr. Heartwell. – Michael se despediu, acompanhando Marie no rumo da mulher. – ainda bem que você a viu. Estava com medo de deixá-lo desiludido sobre o galpão.

-É claro que Tommy não vai aceitar qualquer coisa e Heartwell não tem muito a oferecer nessa questão. – ela balançou a cabeça em negativa. – agora me ajude a vender, no mínimo, duas caixas de whisky e prometo que não precisaremos ficar juntos por muito tempo.

-Eu não contaria com isso, afinal, Tommy deu ordens específicas. – ele encolheu os ombros.

-Faltam algumas horas para o jantar; tenho certeza que conseguiremos escapar um do outro se nos esforçarmos o suficiente. – Marie, de repente, acenou animada para alguém. – Thea!

-Marie! – Lady Tumblewood se aproximou, rindo. – achei que nunca te encontraria nessa multidão! Parabéns, o evento está lotado de gente!

-Está, não está? – a brasileira parecia orgulhosa.

-Mr. Gray. – Thea fez uma sutil reverência com a cabeça.

-Lady Tumblewood. – Michael sorriu educado. Como ela não ofereceu a mão, ele nem tentou pegá-la. E também, não tinha o costume de beijar a mão das mulheres.

-Se importaria se eu monopolizasse Marie agora? – Thea perguntou a ele, esperançosa. – Louis está aqui e trouxe alguns amigos conhecidos dela... Gostaria que...

 -Cinco minutos. – ele concordou. – e depois, Waldorf, eh? – a encarou.

-Obrigada, Michael. – Maria Clara sorriu satisfeita.

Não é que estivesse desesperada para ver Louis e os outros, mas estava aliviada por finalmente se afastar de Michael e poder recuperar um pouco da sanidade.

Um sorriso depreciativo surgiu nos lábios do britânico, porque, conforme previra, Marie balançava o quadril para andar – diferente do modo “rígido” das moças inglesas. Porém sua atenção não durou muito nesse tópico, já que o traseiro dela estava tão evidente que seus olhos nada fizeram para evitar se fixar naquela região... E por lá permaneceram até que a multidão engolisse Maria Clara completamente.

-Estão a quanto tempo sem brigar? – John apareceu acompanhado de Finn.

-Hm... – ele franziu o cenho. – desde que saímos de casa. Acho que faz uma hora ou menos.

-E qual é o recorde?

-Uma hora ou menos?! – Michael brincou.

-Ela trouxe os amigos ricos. – Finn comentou, rindo. – vamos arrecadar muito.

-Marie é um anjo. – John concordou. – não achei que fosse aguentar uma semana conosco, mas olha aí, está faz quase três anos e ainda tira dinheiro dos próprios amigos!

-A sua ideia de santidade é bem peculiar, John. – Michael disse ao primo. – bem, eu vou procurar algo substancial para beber... A noite é longa e aguentar tudo isso sóbrio será difícil.

-Tommy te deu muitas ordens? – Finn perguntou curioso.

-Mais do que o necessário para um suposto jantar.

-Você é a parte legal do negócio, Michael. – John lhe deu um tapa suave no ombro, como se tentasse confortá-lo. – é uma das facetas do cargo, já deveria ter se acostumado.

-Não que eu esteja reclamando, mas tem dias que só quero...

-Não ter que escutar ladainha de empresários e outros ricos?

-Também. – ele assentiu.

 

Os cinco minutos se transformaram em dez, e depois em quinze. Antes que ela pudesse relaxar porque não fora incomodada, sentiu um par de olhos a observando. Michael estava parado entre o arco que dividia o salão, e ela perto da escada, fingindo que ele não existia.

-Ele não faz parte da gangue, né? – a pergunta de Thea só serviu para provar a Marie que ele realmente estava por perto. – o corte de cabelo... O modo como se porta...

-Michael é diferente. – ela assentiu. – nossa tarefa é legitimar os negócios.

-Entendo. – sua amiga abriu um sorriu enviesado. – se eu não fosse completamente apaixonada por Louis, não duvido que teria centrado toda minha atenção em Mr. Gray.

-Por quê?

-Porque ele é o melhor dos dois mundos, tolinha! É perigo e segurança, legalidade e ilegalidade, mistério e certeza... Ao mesmo tempo que você sabe que ele é “limpo”, não consegue provar que nunca sujou as mãos com alguma coisa dos Blinders. – Theodora enumerou nos dedos enquanto o descrevia. Apesar do tom de voz não indicar ofensa, Marie se ofendeu um pouco.

Ela falava como Charlotte.

Porque, de acordo com o próprio Michael, Charlotte só estava com ele pela emoção de ficar com um Blinder... Como se ele não tivesse mais nada a oferecer.

-Entendi. – Maria Clara engoliu o descontentamento. Thea vivia em uma realidade diferente, e era compreensível que “sonhasse” com mais emoção. – ele tem uma namorada.

Apesar de Michael dizer o contrário, ela sabia que era quase aquilo.

-Sério? E onde ela está? Por que não veio com ele?

-Eu não sei. – Marie encolheu os ombros. – não conversamos sobre isso.

-Bem, mas você está aqui! E lindíssima com um vestido incrível! – ela sorriu. – queria ter a confiança de usar algo parecido, mas sou muito conservadora.

-Confesso que não tinha confiança alguma para colocá-lo, porém o fiz em um impulso.

Theodora abriu a boca para comentar declaração de Marie, mas sua voz não saiu. Michael caminhava em direção à roda delas com uma expressão de pouquíssimos amigos.

-Mr. Gray! – Thea sorriu exagerada. – você por aqui?

-Lady Tumblewood. – ele fez uma cortesia. – Maria Clara.

-Michael. – Marie preparou os ouvidos para uma bronca.

-Acho que sua noção de “cinco minutos” é diferente da minha.

-Talvez. – concordou, sem conseguir evitar o desafio.

-Então, só para ficar claro, seus cinco minutos já passaram e precisamos conversar com todas as pessoas que Tommy mandou antes do jantar. – ele comentou ácido. – vamos?

-Vamos. – Marie abraçou Thea. – vejo você mais tarde, certo?

-Sim! Vou reservar um lugar na nossa mesa!

-Obrigada. – a brasileira sorriu, erguendo o queixo assim que passou por Michael.

Eles foram para a companhia dos Waldorf primeiro, depois falaram com Mr. Rushford, que era um dos principais patrocinadores das corridas de cavalo que Tommy frequentava. Os dois estavam se aproximando de Mr. Forsberg quando todo o alvoroço teve início.

As coisas aconteceram tão rápido que Marie não saberia ao certo fazer uma ordem cronológica caso precisasse. Um segundo ela estava repetindo mentalmente o discurso que faria para Mr. Forsberg, e no outro, estava sendo prensada na parede pelo corpo de Michael, que a segurava com mais força do que o recomendado. Marie não tinha tanta certeza, mas podia jurar ter ouvido o barulho de um tiro... Porém, como estava tão concentrada na conversa que teria com Mr. Forsberg, talvez estivesse sonhando – poderia ser apenas algo que caiu e fez um ruído alto. Não havia motivos para um tiro ecoar naquele salão, com aquelas pessoas. Ninguém seria louco o suficiente de atirar em um Shelby ou nos convidados deles.

Ela abriu os olhos, encontrando o perfil de Michael.

-O que foi? – forçando a voz para faz-se ouvir, Marie absorveu a gritaria que se iniciava.

-Maria Clara, você vai fazer exatamente o que eu mandar. – Michael voltou a olhá-la. – no três se aperte em mim e vamos seguir até aquela porta perto da grande escada, tudo bem?

-Michael?

-Agora não. – ele a cortou. – no três, Marie.

-Espera! Preciso segurar a saia para correr melhor!

-Então me dá a mão. – os dedos dele procuraram pelos dela. – no três. Um... Dois... Três.

Eles correram sem olhar para trás, as mãos tão apertadas que os nós começavam a ficar brancos. Na euforia, Maria Clara não percebeu que fizera um rasgo na saia do vestido, criando na renda uma frenda que ia até a altura do joelho. Assim que alcançaram a porta, Michael a abriu e os dois entraram em uma saleta escura, iluminada só pela luz da lua que atravessava uma pequena janela alta... Aquilo deveria ser um depósito. Os globos verdes brilhavam mesmo no breu, e a voz rouca de Michael foi como um cobertor de falsa calmaria para ela.

-Você está bem? – ele perguntou, ofegando levemente pelo esforço.

-Estou bem. Você?

-Também. – ele assentiu. – acho melhor esperarmos um pouco para sair.

-Aquilo foi um tiro?

-Foi.

-Meu Deus!

-Eu sei, mas não vamos entrar em pânico, eh?!

Ela quase riu do comentário, porém seria apenas o reflexo do nervoso. De nada ajudava estar quase grudada em Michael, sentindo o cheiro de tabaco e colônia masculina. Para que não surtasse, Marie deu um passo para trás, apoiando-se na parede e colocando certa distância entre os dois. Em alguns minutos eles poderiam sair e ela não correria o risco de ser pega em flagrante totalmente enfeitiçada por ele – porque, se Lizzie notara, com certeza outras pessoas notaram também. Quem sabe até Michael!

Quando os ruídos do lado de fora pareceram cessar, ele abriu uma fresta da porta para analisar o lugar. Havia só o movimento dos garçons e faxineiras limpando taças quebradas, vasos derrubados e coisas do gênero. A atmosfera estava absurdamente tensa, e ninguém precisava ser um gênio para concluir que algo grave aconteceu; a julgar pelo tiro, alguém se feriu ou...

-Vamos. – Michael procurou pela mão de Marie. – agora está tudo bem.

-Você tem cert- Oof! – ela foi puxada com força, chocando-se com as costas dele. – caramba, Michael! Um pouco mais de delicadeza, eh? – ajeitando a postura, Marie olhou todo o salão.

Sua voz sumiu à vista de todo o caos. Tentando organizar os pensamentos enquanto seguia Michael para a saída, ela prometeu que não iria surtar. O que quer que se passou ali precisaria de uma cabeça lúcida e tranquila para resolvê-lo... Caso houvesse solução, claro. De qualquer modo, uma menina descontrolada não ajudaria ninguém.

Porém, nem todo o ouro do mundo a teria preparado para a realidade.

Quando alcançaram a entrada do opulente prédio, Ada, Finn e John conversavam efusivamente, com caras muito, muito preocupadas. Esme, em contrapartida, estava apática perto de uma pilastra. Marie sentiu o estômago rodopiar, e uma onda de agonia a assolou.

-Ah! Finalmente! – John gritou. – onde diabos vocês estavam?

-Nós nos escondemos em uma saleta atrás das escadas. O que foi que aconteceu? – Michael respondeu assim que se aproximaram. – onde está todo mundo?

-Eles foram para o hospital. – Ada falou em um misto de ansiedade e pavor. – G-grace levou um tiro... Não acho que vá resistir. – ela passou as mãos pelo rosto, nervosa. – não sei, não sei.

Maria Clara viu o mundo sair do eixo. Aquilo era, no mínimo, horrível. Ela não tinha ideia de como se sentir, porque nunca foi próxima de Grace, mas... Tommy... Meu Deus, ele a amava com todas as forças! Depois de tantos empecilhos, estava finalmente começando a trilhar um rumo respeitável e “reformado”. Então, de repente, a vida lhe dá um golpe desses.

Pobre Tommy.

Sendo a cabeça lúcida e tranquila que havia se proposto a ser, ela tomou a mão de Ada.

-Vocês precisam ir para o hospital, devem ficar ao lado de Tommy! Eu vou terminar aqui com os funcionários da festa e depois vou direto para sua casa, tudo bem?

-Quem vai ficar com você? Sem chances de estar sozinha.

Marie olhou em volta, querendo muitíssimo dizer “Finn”, mas se segurando, porque ele deveria ir ao hospital também. Esme, apesar de apática naquele momento, seria boa companhia.

-Eu fico. – Michael se intrometeu. – Marie e eu somos a parte legal, de qualquer modo. Iremos pagar todos e checar a limpeza, depois nos encontramos na sua casa, Ada.

-Agora vão! Tommy precisa de vocês! – a brasileira os apressou.

 

Após quase duas horas de organização, Michael reuniu os funcionários e os pagou. Ele também disse para levarem toda a comida com eles, já que o jantar fora cancelado. Ironicamente, ao buscar por Maria Clara, a encontrou sentada na chapelaria com uma bandeja enorme de canapés e finger sandwiches (mini sanduíches) no colo, além de uma garrafa de champanhe aberta. Sem conseguir evitar, Michael soltou uma risada baixa.

-Como você tem fome em um momento desses? – perguntou, surpreso.

Marie levantou os olhos, encontrando-o parado no batente da porta. Seu coração acelerou em uma espécie de catarse, o alívio por não ter sido ele a receber o tiro; por mais que aquele fosse um pensamento egoísta e inapropriado, ela simplesmente não podia frear a sensação. Na verdade, queria correr para os braços dele e apertá-lo com força, só para assegurar que ainda estava vivo e bem. Se fosse um pouco mais corajosa, talvez o fizesse.

Como ela não respondeu, Michael se aproximou mais, parando a sua frente e pegando um sanduíche. Era a primeira vez que sentia a intensidade do olhar dela, e aquilo o desconcertou.

Marie tomou um generoso gole de champanhe, sacodindo a cabeça. Ou se levantava e saía logo, ou talvez, só talvez, deixaria o impulso falar mais alto e o beijaria. Era o tipo de primeiro beijo que nunca teria imaginado, mas diante as circunstâncias da noite, descobrira que a vida era algo muito rápido... Tinha que aproveitá-la, não?

E nunca ter sido beijada, principalmente mais velha, não parecia a maneira certa de viver.

Fitando Michael, ela memorizou o maxilar definido, o nariz, as sobrancelhas, o pequeno topete que o destacava de todos os outros Blinders, e a boca esperta, sempre tão preparada para provocá-la com afinco, como se fosse sua atividade favorita.

-Nós precisamos ir embora agora, Ada já deve estar em casa com notícias. – ele soltou. Apesar de Maria Clara parecer acordar de um transe, ela continuou em silêncio e com a atenção fixa nele. – tem alguma coisa no meu rosto?

As bochechas dela esquentaram e a vergonha inundou suas veias. Seria ingenuidade esperar que ele não tivesse notado que o observava tão profundamente.

-Posso levar essa bandeja? – desconversou então, porque era sua única saída.

-Claro. Pode levar a bebida também. – ele assentiu. – quer que eu pegue seu casaco?

-Por favor. – levantando-se, Marie segurou a comida e pegou a garrafa.

-Tinha alguma coisa no meu rosto? – Michael voltou a questionar.

-Não. – respondeu rápida. – eu só estava... A ficha ainda não caiu.

-Eu sei, mas é melhor não criarmos esperança e sim nos prepararmos.

-Pobre Tommy, não queria estar na pele dele.

-A vida é assim. Uma hora você está com alguém que ama, e na outra, sem aviso prévio, ele é arrancado de você. – dando de ombros, Michael foi alheio ao olhar de pena que Marie lhe dirigiu. A história dele com Polly era exatamente essa...

-Mas não deixa de ser triste.

-Não. – concordou. – sabe o que é triste também?

-O que?

-Que não consegui estragar sua noite, alguém infelizmente fez isso por mim.

Maria Clara afogou a risada. Como ele tinha coragem de fazer piada em um momento daqueles?! Porém, o senso de humor ácido era uma das coisas que mais gostava no britânico.

-Isso foi tão indelicado, Michael! – sua voz foi acompanhada de um sorriso.

-É um dom. – ele fez um floreio enquanto abria a porta do carro.

Marie o encarou, repetindo a si mesma que estava tão grata por ele não ter levado o tiro que seria capaz de chorar copiosamente. Bem, aquilo também era indelicado. Talvez eles combinassem em alguma coisa, afinal.


Notas Finais




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