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História Lua Nova - 5. Trapaça


Escrita por: xharmonyz

Capítulo 6 - 5. Trapaça


— Mila, por que você não tira uma folga? – Amber sugeriu, seus olhos focados pra o lado, sem olhar pra mim de verdade. Eu me perguntei a quanto tempo isso estava acontecendo sem que eu me desse conta.

O movimento estava lento na Heard’s. No momento só haviam dois clientes na loja, pelo tom da conversa eles eram mochileiros dedicados. Amber passou a última hora falando sobre os prós e os contras das mochilas mais leves com eles. Eles haviam tirado uma folga da sua séria conversa sobre preços pra tentar trocarem conversas sobre os últimos contos das trilhas. A distração deles deu a Amber uma chance de escapar. 

— Eu não me importo de ficar – eu disse. Eu ainda não tinha conseguido voltar pra a minha concha protetora de entorpecencia, e tudo parecia estranhamente perto e alto hoje, como se eu tivesse tirado algodão dos meus ouvidos. Eu tentei desligar a risada alta dos mochileiros, mas sem sucesso. 

— Eu estou te dizendo – disse o homem atarracado com a barba alaranjada que não combinava com o seu cabelo marrom. — Eu já vi ursos pardos bem de perto em Yellowstone, e eles não tinham nada a ver com essa criatura – o cabelo dele estava emaranhado, e as roupas dele pareciam estar sendo usadas há alguns dias. Fresca como as montanhas. 

— Sem chance. Ursos pretos não ficam tão grandes. Os pardos que você viu devem ter sido filhotes – o segundo homem era alto e esguio, o rosto dele era bronzeado e ele tinha um impressionante chicote de couro. 

— Sério, Mila, assim que esses dois desistirem, eu vou fechar o lugar – Amber murmurou. 

— Se você quer que eu vá... – eu levantei os ombros.

— Um dos quatro era maior que você – o barbudo insistiu enquanto eu juntava as minhas coisas. — Grande como uma casa e preto como piche. Eu vou denunciar ao guarda florestal daqui. As pessoas têm que ser informadas, isso não era no alto da montanha, sabe, isso foi apenas há alguns metros de onde a trilha começava.

O outro cara riu e revirou os olhos. 

— Me deixe adivinhar, você estava entrando? Não comeu comida que preste e dormiu no chão por mais de uma semana, certo?

— Ei, uh, Amber, certo? – o barbudo chamou, olhando na nossa direção. 

— Te vejo segunda – eu murmurei. 

— Sim, senhor – Amber respondeu, se virando. 

— Diga, houveram avisos recentes por aqui sobre... ursos negros?

— Não, senhor. Mas é sempre melhor manter a distância e guardar a sua comida apropriadamente. Você já viu as novas latas á prova de ursos? Elas só pesam dois quilos...

As portas se abriram pra me deixar sair na chuva. Eu estava espremida por dentro do meu casaco enquanto corria pra o meu carro. A chuva batendo no meu capuz parecia estranhamente alta também, mas o som do ronco do motor era mais alto que qualquer coisa. Eu não queria voltar para a casa vazia de Alejandro. A noite passada havia sido particularmente brutal, e eu não tinha nenhuma intenção de revistar a cena do sofrimento. Mesmo quando a dor diminuiu o suficiente pra me deixar dormir, ela não foi embora. Como eu disse a Hailey depois do filme, eu não tinha dúvidas de que teria pesadelos. Eu sempre tinha pesadelos agora, toda noite. Não pesadelos, na verdade, não no plural, porque era sempre o mesmo pesadelo. Você acharia que eu tinha ficado entediada depois de todos esses meses, que havia ficado imune a isso. Mas meus sonhos nunca falhavam em me deixar assustada, e eles só acabavam quando eu me acordava gritando. Alejandro já não vinha mais pra ver o que havia de errado, pra ter certeza de que não havia nenhum estranho me estrangulando ou algo assim - agora ele já estava acostumado. Meu pesadelo provavelmente nem assustaria outra pessoa. Nada pulava e gritava “Boo!”. Não haviam zumbis, ou fantasmas, ou psicopatas. Não havia nada, na verdade. Só o nada. Só o labirinto sem fim de árvores cobertas de musgos, tão quietas que o silêncio batia quase insuportavelmente nos meus ouvidos. Estava escuro, como neblina ou um dia nublado, com luz suficiente apenas pra que eu visse que não havia mais nada lá pra ver. Eu me apressava na escuridão sem um caminho, sempre procurando, procurando, procurando, ficando mais frenética enquanto o tempo passava, tentando me mover mais rápido, apesar da velocidade me deixar mais desajeitada... Então chegava aquele ponto no sonho - e eu podia senti-lo chegando agora, mas eu não parecia ser capaz de me acordar antes dele chegar - quando eu não conseguia me lembrar o que eu estava procurando. Então eu me dava conta de que não havia nada pra procurar, e nada pra encontrar. Eu me dava conta de que nunca houve nada além dessa floresta vazia, melancólica, e nunca houve nada além disso pra mim... nada além de nada... Essa era geralmente a hora que eu me acordava gritando. Eu não estava prestando atenção de pra onde estava dirigindo - só vagando pelas estradas vazias, molhadas enquanto evitava o caminho que me levaria pra casa - porque eu não tinha mais pra onde ir. Eu desejei poder estar entorpecida de novo, mas eu não conseguia me lembrar de como fazia isso antes. O pesadelo estava cavalgando na minha cabeça e me fazendo pensar nas coisas que me causavam dor. Eu não queria me lembrar da floresta. Mesmo quando eu me afastava das imagens, eu sentia meus olhos se enchendo de lágrimas, e a dor começava a passar perto do buraco no meu peito. Eu tirei uma mão do volante e usei-a pra agarrar meu tórax e segurá-lo em um só pedaço. 

Será como se eu nunca tivesse existido. As palavras corriam pela minha cabeça, mas faltava nelas a perfeita claridade das alucinações que eu tive ontem à noite. Elas eram só palavras, sem som, como uma imagem numa página. Só palavras, mas elas abriram o buraco no meu peito, e eu pisei bruscamente no freio, sabendo que não devia dirigir estando incapacitada desse jeito. Eu me curvei, pressionando meu rosto no volante e tentando respirar sem os pulmões. Eu me perguntei quanto tempo isso podia durar. Talvez algum dia, anos mais tarde - se a dor diminuísse de forma que eu pudesse aguentar - eu poderia olhar de volta para aqueles meses que foram os melhores da minha vida. E, se fosse possível que a dor diminuísse a ponto de me permitir fazer isso, eu tinha certeza que me sentiria agradecida pelo tempo que ela me deu. Mais do que eu pedi, mais do que eu merecia. Talvez algum dia eu fosse capaz de ver as coisas desse jeito.

Mas e se o buraco nunca ficasse melhor? E se as beiras em carne viva nunca sarassem? E se o dano fosse permanente e irreversível? Eu me segurei com força. Como se ela nunca tivesse existido, eu pensei desesperada. Que promessa estúpida e impossível pra se fazer! Ela podia roubar minhas fotos e pegar seus presentes de volta, mas isso não fazia as coisas voltarem a ser como eram antes de eu conhecê-la. A evidência física era a parte mais insignificante de equação. Eu estava mudada, por dentro eu estava mudada ao ponto de ser difícil me reconhecer. Mesmo por fora eu parecia diferente - meu rosto pálido, exceto com os círculos que os pesadelos haviam deixado embaixo dos meus olhos. Meus olhos estavam escuros o suficiente na minha pele pálida que - se eu fosse linda, vista à distância - eu podia me passar por uma vampira agora. Mas eu não era linda, e provavelmente estava mais próxima de um zumbi.

Como se ela nunca tivesse existido? Isso era loucura. Era uma promessa que ela nunca poderia manter, uma promessa que já estava quebrada quando ela a fez. Eu bati minha cabeça no volante, tentando me distrair da dor mais aguda. Isso fez eu me sentir boba por estar lutando pra manter a minha promessa. Havia lógica em tentar manter uma acordo que já havia sido quebrado por um dos lados? Quem se importava se eu fosse estúpida e pouco cuidadosa? Não haviam motivos pra evitar a falta de cuidado, não haviam motivos pra eu não ser estúpida.

Eu ri sem humor pra mim mesma, ainda sufocando por ar. Sem cuidado em Forks - não havia uma proposta mais sem esperança. O humor negro me distraiu, e a distração aliviou a dor. Minha respiração ficou mais fácil, e eu fui capaz de me inclinar no banco. Apesar de estar frio hoje, minha testa estava molhada de suor. Eu me concentrei na proposta sem esperança pra evitar escorregar de volta para as memórias dolorosas. Não ser cuidadosa em Forks você precisaria ter muita criatividade - talvez mais do que eu tinha. Mas eu desejei poder encontrar algum jeito... Eu podia me sentir melhor se não estivesse segurando apertado, completamente sozinha, um pacto quebrado. E eu fosse uma quebradora de pactos também? Mas como eu ia trair o meu lado do acordo, aqui nessa cidade tranquila? É claro, Forks não foi sempre assim tão tranquila, mas agora era exatamente o que ela aparentava ser. Era chata, era segura.

Eu olhei pra fora pelo parabrisa por um longo momento, meus pensamentos se movendo lentamente - eu não parecia ser capaz de fazer esse pensamentos irem pra lugar nenhum. Eu desliguei o motor, que estava roncando de um jeito piedoso depois de ficar parado por tanto tempo, e saí nos chuviscos. A chuva fria pingava nos meus cabelos e então fazia cócegas pelas minhas bochechas como lágrimas de água fresca. Isso ajudou a limpar minha cabeça. Eu pisquei pra tirar a água dos meus olhos, olhando pra o nada na estrada.

Depois de alguns minutos olhando, eu reconheci onde eu estava. Eu estacionei no meio da Avenida Russel ao norte. Eu estava de pé na frente da casa dos Cheney - minha caminhonete estava bloqueando a entrada para a garagem deles - e do outro lado da rua moravam os Markeses. Eu sabia que precisava tirar a minha caminhonete, e que eu precisava voltar pra casa. Era errado ficar perambulando do jeito que eu estava, distraída e prejudicada, uma ameaça nas avenidas de Forks. Além do mais, alguém ia reparar em mim em breve, e me denunciar para Alejandro. Enquanto eu respirava fundo me preparando para me mover, uma placa no quintal dos Markeses chamou minha atenção - era só um pedaço grande de cartolina encostado na caixa de correio deles, com letras pretas rabiscadas.

Às vezes, o inesperado acontece. Coincidência? Ou será que era para ser? Eu não sabia, mas parecia meio bobo pensar que de alguma forma isso estava escrito, que a placa A VENDA, COMO SÃO escrito à mão para as delapidadas motocicletas no quintal dos Markeses estava lá por algum propósito maior, bem ali onde eu precisava que elas estivessem. Então talvez isso não fosse o inesperado. Talvez houvessem outras maneiras de não ser cuidadosa, e eu apenas não tivesse aberto os olhos pra elas. Despreocupada e estúpida. Aquelas eram as palavras favoritas de Alejandro ao se referir à motocicletas. O trabalho de Alejandro não oferecia muita ação considerado aos tiras de cidades maiores, mas ele era chamado em acidentes de trânsito. Com as longas e molhadas extensões da pista virando e contornando ao redor da floresta, ponto cego depois de ponto cego, não haviam poucos tipos de ação como essa. Mas mesmo com os enormes barris colocados nas curvas, a maioria das pessoas saia da pista. 

As excessões pra essa regra eram geralmente os motociclistas, e Alejandro havia visto muitas vítimas, quase sempre crianças, jogadas na pista. Ele me fez prometer antes que eu tivesse dez anos que eu nunca aceitaria uma carona numa moto. Mesmo com essa idade, eu não precisei pensar duas vezes antes de prometer. Quem ia querer andar de moto aqui? Seria como uma banho a sessenta quilômetros por hora. Tantas promessas que eu cumpri... Tudo se juntou pra mim nessa hora. Eu queria ser estúpida e irresponsável, e eu queria quebrar promessas. Por quê fazer um só? Foi só até aí que eu pensei. Eu caminhei na rua até a porta da frente dos Markeses e toquei a campainha. Um dos garotos veio abrir a porta, o mais novo, o novato. Eu não conseguia lembrar o nome dele. O cabelo cor de areia dele só alcançava o meu ombro. Ele não teve problemas pra lembrar meu nome: 

— Mila Cabello? – ele perguntou, surpreso. 

— Quanto você quer pela moto? – eu perguntei, apontando para a placa de venda com o meu polegar por cima do ombro. 

— Você está falando sério? – ele quis saber. 

— É claro que estou.

— Elas não funcionam. 

Eu suspirei impacientemente - isso eu já tinha deduzido pela placa. 

— Quanto?

— Se você realmente quer uma, pode pegar. Minha mãe fez o meu pai colocá-las lá para que elas fossem recolhidas com o lixo. – eu olhei para as motos de novo e vi que elas estavam numa pilha de sacos no quintal junto com uma pilha de galhos. 

— Você tem certeza disso?

— Claro, você quer perguntar para ela?

Provavelmente fosse melhor não envolver adultos que podiam acabar comentando isso com Alejandro. 

— Não, eu acredito em você.

— Você quer que eu te ajude? – ofereceu-se ele. — Elas não são leves.

— Tudo bem, obrigada. Mas eu só preciso de uma.

— Pode levar as duas – o garoto disse. — Talvez você consiga reutilizar algumas partes.

Ele me seguiu no aguaceiro e me ajudou a carregar as duas motos pesadas e colocá-las na traseira da minha caminhonete. Ele parecia estar ansioso pra se livrar delas, então eu não discuti.

— O que você vai fazer com elas, afinal? – ele perguntou. — Elas não funcionam a anos.

— Eu meio que adivinhei isso – eu disse, levantando os ombros. O meu momento de inspiração não tinha vindo com um plano intacto. — Talvez eu as leve ao Dowling.

Ele bufou.

— Dowling vai cobrar para concertá-las mais do que elas valem.

Eu não discuti com isso. John Dowling havia ganhado uma reputação por seus preços; ninguém ia até ele a não ser que fosse uma emergência. A maioria das pessoas preferia dirigir até Port Angeles, se o carro fosse capaz disso. Eu tive sorte nesse aspecto - eu me preocupei quando Alejandro me deu minha caminhonete anciã que eu não tivesse como pagar pra mantê-la rodando. Mas eu nunca tive um problema sequer, a não ser o barulho do motor e o limite de cinquenta e cinco por hora. Shawn Mendes a manteve em ótima forma quando ela pertenceu a seu pai, Billy... A inspiração bateu como um trovão - o que não deixava de ser razoável, levando em consideração a tempestade. 

— Quer saber? Está tudo bem. Eu conheço alguém que constrói carros.

— Ah... Isso é bom – ele disse, aliviado. 

Ele acenou enquanto ia embora, ainda sorrindo. Garoto amigável. Eu dirigi rápido, e agora com um propósito, na pressa de chegar em casa antes que Alejandro tivesse a chance de aparecer, mesmo num evento altamente improvável de que ele saísse mais cedo. Eu corri em casa até o telefone, as chaves ainda na mão. 

— Chefe Cabello, por favor – eu disse quando o encarregado atendeu. — Aqui é Mila.

— Oh, oi, Mila – o encarregado Steve disse amavelmente. — Eu vou chamá-lo.

Eu esperei. 

— Qual é o problema, Mila? – Alejandro quis saber assim que atendeu o telefone.

— Eu não posso ligar sem que haja uma emergência?

Ele ficou quieto por um minuto. 

— Você nunca fez isso antes. Há alguma emergência?

— Não. Eu só queria saber a direção da casa dos Mendes, eu não tenho certeza se lembro o caminho. Eu quero visitar Shawn. Já fazem meses que eu não o vejo.

Quando Alejandro falou de novo, sua voz estava muito mais feliz. 

— Essa é uma ótima idéia, Mila. Você tem uma caneta?

As direções que ele me deu eram bem simples. Eu o assegurei que estaria de volta para o jantar, apesar de ele me dizer pra que eu não me apressasse. Ele queria se juntar comigo em La Push, e eu não ia cair nessa. Então foi com um prazo que eu corri rápido demais pelas ruas escurecidas pela tempestade. Eu esperava encontrar Shawn sozinho. Billy provavelmente ia me dedurar se ele soubesse o que eu estava planejando. Enquanto eu dirigia, eu me preocupei um pouco com a reação de Billy ao me ver. Ele ficaria contente demais. Na cabeça de Billy, sem dúvida, isso tinha funcionado muito melhor do que ele teria ousado esperar. Seu prazer e alívio só serviriam pra me lembrar de uma das coisas que eu não suportaria ser lembrada. 

Hoje não, eu implorei silenciosamente. Eu já estava desgastada. A casa dos Mendes era vagamente familiar, uma pequena casa de madeira com janelas apertadas, a pintura fraca desgastada a deixava parecida com um celeiro. A cabeça de Shawn apareceu na janela antes mesmo que eu pudesse sair da caminhonete. Sem dúvida o barulho familiar do motor o havia avisado da minha chegada. Shawn ficou muito agradecido por Alejandro ter comprado a caminhonete de Billy, evitando que Shawn tivesse que dirigi-la quando tivesse idade pra isso. Eu gostava muito da minha caminhonete, mas Shawn parecia considerar os limites de velocidade um empecilho. Ele me encontrou a meio caminho da casa. 

— Mila! – seu sorriso grande cresceu no seu rosto, seus dentes brilhantes formavam um vívido contraste com a cor ruiva escura da sua pele. Eu nunca tinha visto o cabelo dele fora do rabo de cavalo antes. Parecia que uma cortina de cetim estava cobrindo os dois lados do rosto largo dele. 

Shawn havia alcançado um pouco do seu potencial nesses últimos oito meses. Ele já havia passado daquela fase em que os músculos suaves da infância ficam sólidos, naquela estrutura magra dos adolescentes; seus tendões e veias haviam ficado proeminentes embaixo da pele dos seus braços e mãos. O rosto dele ainda era doce como eu me lembrava, apesar dele ter endurecido também - as maçãs do rosto estavam mais altas, sua mandíbula ficou quadrada, todos os traços de infância desapareceram. 

— Oi, Shawn! – eu senti uma urgência de entusiasmo que não era familiar por causa do sorriso dele. Eu me dei conta de que estava feliz por vê-lo. Isso me surpreendeu. Eu sorri de volta, e alguma coisa voltou pro lugar silenciosamente, como duas peças de quebra-cabeça que se correspondiam. Eu esqueci do quanto gostava de Shawn. 

Ele parou a alguns metros de mim, e eu encarei ele surpresa, inclinando minha cabeça pra trás apesar da chuva estar molhando meu rosto. 

— Você cresceu de novo! – eu acusei, assombrada. 

Ele sorriu, o sorriso cresceu impossivelmente. 

— Um e noventa e sete – anunciou ele, satisfeito. A voz dele estava mais profunda, mas ainda tinha o tom rouco que eu me lembrava. 

— Será que isso vai parar? – eu balancei minha cabaça sem acreditar. — Você está enorme.

— Mas ainda sou um varapau – ele fez uma careta. — Entra! Você está ficando toda molhada.

Ele guiou o caminho, enrolando o cabelo nas mãos enquanto andava. Ele puxou um elástico do bolso e o colocou no coque. 

— Ei, pai – ele chamou enquanto se curvava pra passar pela porta da frente. — Olha quem está aqui.

Billy estava na pequena sala quadrada, um livro nas mãos. Ele colocou o livro no colo e se empurrou pra frente quando me viu. 

— Bem, mas quem diria! É bom te ver, Mila!

Nós balançamos as mãos. A minha ficou perdida na mão grande dele. 

— O que te trás aqui? Está tudo bem com Alejandro?

— Sim, absolutamente. Eu só queria ver Shawn, faz uma eternidade que eu não o via.

Os olhos de Shawn brilharam com as minhas palavras. O sorriso dele era tão grande que parecia estar machucando as bochechas dele. 

— Você pode ficar pro jantar? – Billy estava ansioso também. 

— Não, eu tenho que alimentar Alejandro – eu disse brincando.

— Eu ligo para ele – sugeriu Billy. — Ele sempre é bem-vindo.

Eu ri para esconder meu desconforto.

— Não é como se você nunca mais fosse me ver. Eu prometo que voltarei em breve, tanto que você vai se cansar de mim – afinal, se Shawn fosse consertar as motos, alguém ia ter que me ensinar a guiá-las. 

Billy gargalhou em resposta. 

— Ok, talvez da próxima vez.

— Então, Mila, o que você quer fazer? – perguntou Shawn.

— Qualquer coisa. O que era que você estava fazendo antes da minha interrupção? – eu estava estranhamente confortável aqui. Era familiar, mas só distantemente. Aqui não haviam lembranças dolorosas de um passado recente. 

Shawn hesitou.

— Eu ia começar a trabalhar no meu carro, mas nós podemos fazer outra coisa...

— Não, isso é perfeito! – eu interrompi. — Eu adoraria ver o seu carro.

— Ok – ele disse, não convencido. — Está lá atrás, na garagem.

Melhor ainda, eu pensei comigo mesma. Eu acenei pra Billy. 

— A gente se vê mais tarde.

Um monte de árvores grossas e moitas escondiam a sua garagem. A garagem não era mais do que dois abrigos pré-formados que foram colocados no seu interior com as paredes viradas pra fora. Embaixo desse abrigo, em cima de blocos, estava o que parecia com um carro completo. Eu reconheci o símbolo na grade, pelo menos. 

— Que tipo de Volkswagen é esse? – eu perguntei. 

— É um velho Rabbit, 1986, um clássico.

— Como está indo?

— Quase terminado – ele disse alegremente. E então sua voz caiu num tom mais baixo. — Meu pai cumpriu sua promessa na primavera passada.

— Ah – eu disse. 

Ele pareceu entender minha relutância em falar sobre o assunto. Eu tentei não me lembrar de Maio passado, no baile. Shawn foi comprado pelo dinheiro do pai e partes do carro pra ir lá e me entregar uma mensagem. Billy queria que eu mantivesse uma distância segura da pessoa mais importante da minha vida. Acabou que a preocupação dele foi, no fim, desnecessária. Eu estava muito segura agora. Mas eu ia ver o que podia fazer pra mudar isso. 

— Shawn, o que você sabe sobre motos? – eu perguntei. 

Ele levantou os ombros. 

— Um pouco. Meu amigo Embry tem uma moto suja. Nós trabalhamos nela juntos ás vezes. Por que?

— Bem... – eu torci os lábios enquanto considerava. Eu não tinha certeza de que ele conseguiria manter a boca fechada, mas eu não tinha muitas outras opções. — Eu recentemente adquiri duas motos, e elas não estão em ótimas condições. Eu estava imaginando se você podia fazê-las andar.

— Legal – ele pareceu realmente feliz com o desafio, o seu rosto brilhou. — Eu vou tentar.

Eu levantei um dedo num aviso.

— O problema é – comecei. — Alejandro não aprova motos. Honestamente, uma veia na testa dele provavelmente estouraria se ele soubesse disso. Então você não pode contar pra Billy.

— Claro, claro – Shawn sorriu. — Eu entendo.

— Eu vou te pagar – continuei. 

Isso o ofendeu. 

— Não. Eu quero ajudar. Você não precisa me pagar.

— Bem... que tal um acordo então? – eu estava pensando nisso enquanto falava, mas me pareceu razoável o suficiente. — Eu só preciso de uma moto, eu eu vou precisar de aulas também. Então, que tal isso? Eu vou te dar a outra moto, e então você pode me ensinar.

— Legaaaaal – ele fez a palavra parecer maior. 

— Espere um segundo, você já está legalizado? Quando é o seu aniversário?

— Você perdeu – ele zombou, estreitando os olhos com falso ressentimento. — Eu já tenho dezesseis.

— Não que a sua idade tenha te impedido antes – murmurei. — Eu lamento pelo seu aniversário.

— Não se preocupe com isso. Eu perdi o seu. Quantos anos você tem? Quarenta?

Eu inalei. 

— Quase.

— Nós vamos fazer uma festa para acertar as coisas.

— Parece um encontro.

Os olhos dele brilharam com as minhas palavras. Eu precisava controlar o entusiasmo antes de passar a ideia errada - é só que já havia muito tempo que eu não me sentia tão leve e animada. A raridade do sentimento o deixava ainda mais difícil de controlar. 

— Talvez quando as motos estiverem prontas, nossos presentes para nós mesmos – acrescentei. 

— Fechado. Quando é que você vai trazê-las?

Eu mordi meu lábio, envergonhada.

— Elas estão na caminhonete agora – admiti.

— Ótimo – ele pareceu ser sincero. 

— Billy vai ver se as trouxermos pra cá?

Ele piscou para mim. 

— Seremos rapidinhos.

Nós saímos pelo leste, nos escondendo entre as árvores quando estávamos na vista das janelas, fingindo não estarmos fazendo nada, só na dúvida. Shawn tirou as motos rapidamente do fundo da caminhonete, levando elas pra escondê-las onde eu estava entre os arbustos. Pareceu fácil demais para ele - eu me lembrava das motos sendo muito, muito mais pesadas que isso. 

— Elas não estão muito ruins – Shawn observou enquanto nós as empurrávamos nos esconderijos entre as árvores. — Esta aqui na verdade até vai valer alguma coisa quando estiver pronta... é uma velha Harley Sprint.

— Esta é sua, então.

— Tem certeza?

— Absoluta.

— Mas elas vão gastar um pouco de dinheiro – disse ele, fazendo uma carranca olhando para o metal preto. — Nós vamos ter que juntar dinheiro para as peças antes.

Nós nada – discordei. — Se você vai fazer isso de graça, eu pago pelas peças.

— Eu não sei... – murmurou. 

— Eu tenho algum dinheiro guardado. Fundo para a faculdade, sabe.

Faculdade... bobagem, eu pensei comigo mesma. Não era como se eu tivesse economizado o suficiente pra ir pra algum lugar especial - e além do mais, eu não tinha nenhuma vontade de deixar Forks, do mesmo jeito. Que diferença faria se eu mexesse um pouco no dinheiro? Shawn só balançou a cabeça. Tudo isso fazia sentido perfeitamente para ele. Enquanto nós nos esgueirávamos de volta para a garagem, eu contemplei minha sorte. Só um garoto adolescente concordaria com isso: enganar nossos pais para concertar veículos perigosos usando o dinheiro que vinha da minha faculdade. Ele não parecia ver nada de errado nisso.

Shawn era um presente dos deuses. 



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