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História Mais que amigos, inimigos - Sorrisos e corações


Escrita por: hanabia

Notas do Autor


Oi!
Antes de mais nada, eu queria agradecer imensamente pelos comentários lindos de vocês! Sempre que tenho um tempinho, eu volto para ler todos de novo haha e sempre tento dedicar um momento para responder atenciosamente! Vou passar para retribuir todo o carinho logo logo!

Bem, eu tenho notícias para vocês: esse é o penúltimo capítulo :(
Temos esse e, depois, só mais um capítulo a ser postado.
PORÉM, estou escrevendo um epílogooo ~ eita que eu mordo e assopro haha
Em resumo, MQAI tem um prólogo, 11 capítulos e um epílogo.
E agora estamos no capítulo 10!

E aí, vamos começar a reta final?
BOA LEITURA!

Capítulo 11 - Sorrisos e corações


Catherine deu uma volta completa e a saia do vestido azul de cetim reluziu. Joshua partiu os lábios, o queixo caindo em pura admiração. Ela estava linda com aquele modelo — assim como nos outros treze que experimentou —, as alças finas e o decote em coração combinando perfeitamente com seu estilo.

— Não sei… — A garota olhou-se no enorme espelho à sua frente e depois virou-se para seus jurados, com as mãos na cintura demonstrando sua atual indecisão. Já sentia o cansaço lhe pegar de jeito, a exaustão de entrar e sair de vestidos de festas, principalmente quando uns apertavam demais sua cintura, era real. — Acho que ainda prefiro o prateado.

— O primeiro que você provou? — Kyungsoo perguntou e deu um risinho chato, recebendo um tapa de Joshua por seu mau-humor. Tudo bem que estavam ali há mais de duas horas, mas precisava ser um pé no saco?

— Não liga para ele, Cathezinha. — Joshua a tranquilizou, levantando e indo até ela. — Olha, na minha humilde opinião, você vai ficar perfeita em qualquer vestido. — Foi o melhor que conseguiu dizer. Não era lá um expert no assunto, então só tentava fazê-la se sentir bem.

— Mas eu preciso escolher… — reclamou, com um bico fofo nos lábios. Joshua, sem resistir, inclinou-se para dar um selar nela e, depois que o fez, arrumou uma mecha dos seus cabelos loiros e longos atrás da sua orelha. — Foi uma péssima ideia trazer vocês dois. — A conclusão soou um tiquinho cruel. — Você — ela cutucou o abdômen de Joshua com o indicador — fica me distraindo! E você — apontou com o queixo para Kyungsoo, que mexia no celular com uma feição entediada, esparramado no sofá confortável que achou ser a melhor coisa daquela loja — não serve pra nada!

Era principalmente nessas situações que Catherine queria que sua irmã mais velha, sua responsável, fosse um pouco mais presente. Assim, quem sabe, o dia de comprar um vestido para o baile não fosse tão difícil.

— Amorzinho — Joshua quase deixou escapar um risinho, pois a achava fofa emburrada —, por que não fazemos uma chamada de vídeo pra Charlie, pra Betty e pro Pietro? — Era a solução mais viável. — Com certeza algum deles vai atender, daí você pode ter mais uma opinião. O que acha?

Todos os membros do Clube dos 5+1 estavam aproveitando o curto recesso de inverno, apelidado de pseudo férias, para fazer algo. Charlie havia viajado para a fazenda de seus tios, o único lugar no mundo onde era mimada feito criança, e, como quase nunca parava quieta lá, mal tinha tempo de dar atenção virtual aos amigos — o que até fazia falta, porque era ela quem mais enchia o grupo de mensagens. Pietro, por sua vez, animado por ter vários dias livres depois de tanto tempo só focado nas atividades de NewFort, estava tão concentrado em finalizar seus jogos novos que mal saía do quarto.  

— Pode ser… — Ela assentiu, indo se sentar ao lado de Daniel enquanto Joshua pegava o celular e tentava ligar para o restante de seus amigos. — Posso saber o que é mais interessante do que o vestido da sua rainha, Dan?

— Regar meus cactos virtuais. — Ele brincou. Catherine revirou os olhos e encostou a cabeça no ombro de Daniel, tentando discretamente espiar o que ele fazia. Por sorte, pensou Kyungsoo, ele tinha aberto o aplicativo de jardim online antes da garota se aproximar, porque não queria ser pego fazendo algo do qual não se orgulhava.

A verdade era que o que tomava toda a atenção de Daniel era rolar o feed do perfil de Jongin no Instagram. Via e revia todas as fotos, virou mania nos últimos dias, e sempre chegava à mesma conclusão: todas as fotos mais recentes do pivô, os stories também, tinham algo em comum, algo capaz de fazer brotar paranoias na mente Kyungsoo, que cutucava seu juízo quando deitava para dormir. E esse algo era a presença de Yumi e do seu sorriso brilhante. Fosse dia ou noite, semana ou fim de semana, na praça ou no boliche, ela estava com o pivô. Parecia até que eles eram inseparáveis — do jeitinho que Kyungsoo achava que fosse ser com o Kim quando voltassem a ser melhores amigos.

Já fazia duas semanas que haviam reatado a amizade e algumas coisas entre eles dois, de fato, mudaram. Agora, trocavam mensagens o dia inteiro, conversando praticamente sobre tudo. Filmes, séries, livros, animes, mangás, música: passaram por todos esses tópicos, como se precisassem saber de todos os detalhes da vida um do outro no período em que eram arqui-inimigos.  Os “boa noite” às vezes viam em plena madrugada e digitar os “bom dia” era a primeira coisa que faziam ao acordar. Isso era bom, né? Porém, saber que era provável que, enquanto lhe respondia, o pivô estava com Yumi deixava tudo com um gosto meio amargo; uma discussão filosófica consigo mesmo seria necessária para definir se era ciúme, inveja ou os dois.

Bem, ele e Jongin estavam mais próximos, mas não como o Do queria. Invejava a relação de Yumi com o pivô — que custava a acreditar ser puro marketing ou uma amizade fruto da convivência. Falando em marketing, até a própria Charlie, a chefe de campanha mais aplicada da cidade, tinha percebido a extrema aproximação do Kim com a garota. Certo dia, ela até mandou uma mensagem dizendo “Vocês deveriam postar fotos assim” para Catherine e Kyungsoo, anexando uma dezena de imagens de Jongin com Yumi. “Eles formam um casal tão lindinho!”, adicionou depois.

E Daniel, ao ler essas mensagens, só quis vomitar. Charlie estava fazendo isso de propósito para irritá-lo? E daí que eles eram um casal “lindinho”? Quando imaginava-se andando com Jongin de mãos dadas pelos corredores — sim, seu sentimento pelo outro estava num nível extremo ao ponto de imaginar essas coisas —, achava muito mais aesthetic! O que no mundo poderia ser mais bonito do que ele ao lado do Kim? Era esse o tipo de pergunta que Daniel se fazia àquela altura.      

— Você pode prestar atenção nos vestidos só mais uns minutinhos? — implorou Cath, com a voz chorosa. — Já provei quase todas as opções, faltam só mais uns cinco. — Deu a informação como se a perspectiva de um término para aquilo fosse recuperar a paciência de Daniel. — Quando eu acabar aqui, vamos escolher seu smoking na loja que sua mãe falou.

— Desculpa por ser um chato, Cathezinha. — Kyungsoo guardou o celular no bolso. Passou um braço sobre os ombros dela, acolhendo-a melhor, e deu um beijo no topo da sua cabeça. — Prometo ser um rei menos inútil daqui pra frente. — Riu soprado da própria declaração. — Pelo menos por algumas horinhas.

— Oi. — Ouviram a voz sonolenta de Elizabeth. — Como tá por aí? Já conseguiram achar um vestido? — Ela tinha acabado de acordar, isso era evidente pela forma com que falava entre bocejos.

— Bom dia, ruivinha. — Joshua ironizou. Eram quatro horas da tarde. — Precisamos da sua digníssima opinião. — Ele segurou o celular mais longe do corpo para que eles três aparecessem na câmera.

— Desculpa te acordar, Beth — lamentou a líder de torcida —, mas eu fiquei confusa.

Betty estava trabalhando dia e noite em seu portfólio para a faculdade de Moda, seu principal sonho desde que era só uma garotinha. Por isso, desenhava e até costurava alguns modelos de sua criação, em prol de terminar a maior parte antes que precisasse voltar a se preocupar com as coisas da escola. Inclusive, foi por saber como a rotina da amiga estava pesada que Catherine havia resolvido não chamá-la para ir à loja de vestidos também. Entretanto, agora incomodá-la um pouquinho tinha virado questão de necessidade.

— Não tem problema. — Elizabeth coçou os olhos inchados e vermelhos, a voz ficando menos rouca à medida que dizia. — Eu vou só jogar uma água na cara e vocês me mostram os vestidos, ok?

— Oi! — Enquanto ouviam o ASMR da ruiva escovando os dentes e lavando o rosto, foram surpreendidos por Charlie, que juntou-se à chamada de vídeo com um grito.

— Que susto! — exclamou Catherine, levando uma mão ao coração. Talvez até as vendedoras na frente da loja tivessem escutado aquele grito.

— Olha só quem apareceu… — Kyungsoo debochou, fazendo cena. Ficou feliz ao ver a cara da garota, que só faltava engolir a câmera frontal do próprio celular de tão perto que estava; pelo ângulo, só podia ver os espreitados olhos azuis e os cabelos castanhos presos em um coque muito bagunçado. Ele sentia saudades de Charlie lhe perturbando o dia inteiro, sempre exalando energia, clamando para que saísse de casa. Ela era uma de suas principais fontes de serotonina. — Não esqueça de voltar inteira. — Foi o jeito dele dizer algo como “Espero que você esteja se cuidando”.

— Não se preocupe, Danzinho! — Charlie declarou. — Quando eu voltar, você vai ter que ouvir todas as minhas aventuras, que não são poucas, viu…?! Ontem mesmo eu andei a cavalo! Mais caí que andei, tudo bem, mas foi ótimo! — Ela gesticulava com a mão livre e atropelava as palavras ao contar. — Também quase quebrei um braço? Sim, mas...

— Charlie... — Joshua a chamou, rindo da forma com que ela se empolgou conversando. — Quando você voltar, a gente vai ouvir tudinho, todas suas histórias. Pode até ser mais tarde, se você quiser ligar, mas agora temos uma urgência para dar conta.

— Puft. Eu que pensei que vocês tinham ligado só pra contemplar minha beleza — brincou ela. — Enfim — soltou ar pela boca —, qual é a urgência? Onde vocês estão? Que lugar é esse?

— Comprando o vestido da Catherine pro baile. — Kyungsoo explicou, inclinando a cabeça para aparecer mais na câmera.

Charlie deu outro grito e Joshua rapidamente cobriu o alto-falante do aparelho, com medo de que fossem expulsos da loja.

Catherine bufou alto, impaciente.

— Merda, Charlie! — Joshua balbuciou, advertindo-a.

— Foi mal, foi mal…! — Charlie desculpou-se. — Ok, esperem — mandou ela —, vou pegar meus óculos! Preciso participar desse momento, é meu dever de chefe de campanha, ainda bem que vocês ligaram. Mas de quem foi a ideia de resolver isso bem quando eu não estou aí, hein? — Voltou a tagarelar e só parou quando Betty implorou para que focassem em Catherine.

A líder de torcida, assistida pelos quatro amigos — sabe-se lá onde Pietro estava —, provou outra vez seus vestidos preferidos, desfilando, dando voltinhas e fazendo poses cada vez que aparecia com um novo. Ao som da empolgação de Charlie e da opinião certeira de Beth, junto aos aplausos que Joshua e Kyungsoo lhe dedicaram, Catherine sentiu seu humor melhorar.

E, assim, findaram a tarde com uma escolha feita. Compraram um dos modelos mais caros, passando sem dó nenhuma o cartão da senhora Do, que havia se oferecido para cobrir todas as despesas da garota. Eles — antes que Charlie e Betty desligassem — também foram em outra loja do shopping para comprar um smoking para Daniel. Ele não via a mínima necessidade de possuir uma peça tão refinada sendo tão jovem e levando a vida que levava, sequer tinha ideia de quando usaria aquilo de novo, portanto, via mais sentido em alugar, o que economizaria uns bons dólares. Porém, sua mãe insistiu que comprasse um e ele quis contrariá-la.

— Nós ligamos para o senhor vir buscar quando os ajustes estiverem prontos. — O vendedor explicou ao deixá-los na saída.

— Tudo bem, obrigado. — Kyungsoo disse e se despediu com um sorriso educado. — Boa tarde.

— Boa tarde! — exclamou o vendedor, muito simpático.

— Uau, isso foi muito rápido. — Joshua olhou para o relógio em seu pulso no momento em que pagaram o smoking e concluiu. Kyungsoo havia pedido pelo modelo mais simples. Quando o vestiu, achou que o corte delineava bem o seu corpo e, segundo o costureiro ali presente, pouquíssimos ajustes seriam necessários. Então, decidiu que levaria aquele mesmo, sem pestanejar. Os outros minutos que levaram dentro da tal loja foram dedicados a achar uma gravata que combinasse com o vestido de Catherine. — E se a gente pegar um cineminha? — A sugestão agradou a garota, que logo assentiu. — E você, Daniel? O que acha?

— Pode ser. — O Do ponderou antes de responder, avaliando as circunstâncias e chegando a uma única condição: — Mas temos que comer algo antes. Meu estômago está roncando.

— Concordo — murmurou Joshua quando pararam diante da porta do elevador. Ao entrarem e escolherem o andar para o qual iriam, ele se colocou no meio de Catherine e Kyungsoo e passou os braços por cima dos seus ombros, trazendo-os para mais perto. — Pizza ou hambúrguer?

— Hambúrguer. — Os outros dois responderam em uníssono. Joshua balançou a cabeça e franziu o queixo, adorando a opção.

— Enquanto vocês fazem o pedido — Kyungsoo começou —, eu posso ir comprar os ingressos, ok? — propôs. — Como é final de semana, as sessões devem estar lotadas.

— Pode ser. — Joshua soltou-os quando a porta do elevador abriu no último andar do shopping, revelando a visão lateral da praça de alimentação.

— Sabem qual o meu hambúrguer, né? — Antes de ir na direção da bilheteria do cinema, Daniel virou-se para o casal e perguntou.

— Sim — confirmou a líder de torcida.

— Ok, fiquem de olho no celular que eu vou mandar mensagem com as opções de filme — informou e Joshua soltou um “ok”.

— Compra pras últimas fileiras! — avisou-o e ele fez um “legal” com a mão, saindo sem olhar para trás.

Ao afastar-se dos seus amigos, Kyungsoo andou um pouco até o cinema do shopping, que conhecia a planta como a palma da sua mão, porque frequentava ali desde que era um garotinho. Chegando lá, parou diante o painel com os filmes em cartaz e os respectivos horários das sessões, tirou uma foto e mandou para Joshua, que o respondeu prontamente, opinando sobre qual deveriam assistir. Com o nome do filme na ponta da língua, o Do foi para a fila da bilheteria, onde havia apenas algumas pessoas na sua frente.

Enquanto esperava, continuou mexendo no celular para se distrair. Checou suas mensagens pela milésima vez e franziu os lábios, decepcionado por não encontrar o que queria. Naquele dia, Jongin não tinha respondido seu “bom dia”, muito menos comentado algo sobre os vídeos que lhe enviou, que iam de memes à indicações de músicas. Não era anormal que, de vez em quando, o pivô sumisse um pouco, afinal estava ocupado com várias atividades — assim como Kyungsoo, que achava só ter tempo demais para pensar na falta que o Kim fazia porque estava procrastinando adiantar a matéria da escola.

Mesmo sabendo que, provavelmente, o pivô só deveria estar sem tempo para pegar no celular, Daniel não conseguiu deixar de ficar ansioso, esperando a hora que poderiam conversar novamente. Cedeu ao seu impulso de reler as últimas mensagens que tinham trocado e um sorriso nasceu em seus lábios sem que percebesse. Droga, estava tão perdidamente apaixonado por Jongin que o ar faltava em seus pulmões, que seu coração acelerava com o mais simples pensamento. Agora, vivia de fantasiar momentos com o pivô, momentos esses que a possibilidade de não acontecerem o deixava tristonho pelos cantos.

“Por que você não está comigo aqui? A gente podia dividir uma pipoca grande e o mesmo copão de refrigerante…” Kyungsoo questionou ao Kai-fruto-da-sua-imaginação. “Eu queria ver esse filme com você, segurar sua mão do começo ao fim, queria te dar um beijinho escondido no rolar dos créditos, antes das luzes acenderem…” Continuou, certo de que a cena-extra do longa seria, sem dúvidas, eles sorrindo envergonhados um para o outro.

Soltou um suspiro frustrado. Que mundo cruel era esse onde ele se nutria de fanficar com Jongin? Foi quando Kyungsoo se indagou sobre isso que seu raciocínio foi interrompido por uma risada alta. Ele achou estar enlouquecendo de vez.

Daniel conhecia aquela risada contagiante e espalhafatosa, era inconfundível. E, assim que seu olhar seguiu a direção do som, precisou piscar algumas vezes para confirmar se seus olhos não estavam lhe enganando.

A poucos metros de si, estava Jongin. Ele trajava uma camisa preta sem estampa, arrumada por dentro da calça jeans clara e um pouco frouxa nas pernas, e também um tênis branco e uma pequena bolsa de courino a tiracolo. Ao lado do pivô, para o desgosto de Kyungsoo, estava Yumi, seu corpo magro sendo moldado por um vestido lilás de tecido fino, sobreposto por uma jaqueta jeans, e ela usava por um All Star surrado nos pés e seus cabelos longos e pretos sustentavam as fivelas de sempre.

Daniel os assistiu passar pela saída do cinema como se visse um programa de TV. O casal, principalmente de longe, parecia ter saído diretamente do Pinterest; tão bonitos juntos que era triste de ver. E eles riam alto, a garota até batendo palminhas de empolgação — talvez conversassem sobre o que acharam do filme que acabaram de ver, o Do pensou, sem conseguir desviar seu olhar.

Vê-los daquele jeito fez Kyungsoo pensar em várias coisas, a principal delas sendo: se as famílias Kim e Do não se odiassem, se o medo de descobrirem que tinham voltado a serem amigos não existisse, ao invés de se encontrar às escondidas ou pelos corredores da escola, ele e Jongin poderiam desfilar no shopping assim?

— Daniel! — Os planos de Kyungsoo de não ser notado foram destruídos quando Yumi o viu e apontou na sua direção, acenando em discrição nenhuma. E não demorou para que o olhar dele cruzasse o de Jongin, que lhe deu um sorriso sem dentes.

O casal logo se aproximou e Kyungsoo, à medida que os acompanhava chegar mais perto, prestou atenção em como a garota andava de braços dados com seu melhor amigo, assim como ela fazia nos corredores de NewFort nos últimos meses. Então seu ciúme cresceu tanto que ele se esqueceu do que fazia, a atendente do cinema precisando chamá-lo duas vezes para que, enfim, fosse até o balcão.

Daniel disse o nome do filme e a quantidade de ingressos à mulher, tirando a carteira do bolso todo desajeitado, e ela pediu para que ele escolhesse os assentos de acordo com os disponíveis mostrados na tela em sua lateral.

— Q12, 13 e 14 — ditou, lembrando da ressalva de Catherine para ficarem ao fundo da sala —, por favor.

— Oi, Daniel. — Yumi sorriu para Kyungsoo e disse. — Como estão as férias? Estudando muito?  

— Oi… — O Do coçou a nuca, tão sem graça que ansiava sumir do mapa. Pagou e pegou os ingressos da mão da atendente, logo afastando-se para dar passagem à próxima pessoa da fila. — É… as férias estão boas. E, sim, tô estudando de vez em quando.

— Três ingressos? — Jongin não foi discreto, o questionamento, dito de forma neutra, foi como cumprimentou Daniel. Ele apontou para os papéis na mão do outro e levantou as sobrancelhas. — Veio com quem? — Ao perguntar, olhou para todos os lados, como se procurasse as companhias de Kyungsoo.

— Tô com o Joshua e a Cath — respondeu, mesmo ciente de que não precisava. A sua parte birrenta queria ter soltado um “Por que quer saber?”.

— Ah... — O Kim balançou a cabeça positivamente. — E cadê eles?

— Na praça de alimentação — contou, já fazendo menção a sair dali o mais rápido possível. Seu corpo suava de tanto constrangimento. Podia não fazer o menor sentido, mas Kyungsoo sentia como se tivesse sido pego espionando o casal. — Inclusive, preciso encontrar eles agora. — Deu um sorriso amarelo. — Até mais! — exclamou, falsamente gentil. — Tchau, Yumi. — Quando ele disse, a garota deu um sorriso fino e ergueu a mão, balançou os dedos em um acenar breve. — Tchau, Kai.

— Te ligo mais tarde — falou Jongin, em coreano. Kyungsoo assentiu, sem saber ao certo como reagir a isso, e, ao virar-se, ouviu a garota perguntando ao pivô o que ele havia dito. “Tchau”, foi o que o Kim respondeu-a. 

O Do riu soprado e, por sorte, a vontade de ser invisível foi sumindo à medida que se afastou do deles.

— Parece que você viu um fantasma — comentou Joshua assim que Kyungsoo se sentou à mesa, já não achando o hambúrguer tão atraente assim.

Sinceramente, o dia, para Daniel, acabou ali. O lanche delicioso e as duas horas de duração do filme de comédia não foram suficientes para que seu humor voltasse ao normal. E, na volta para casa, sentado no banco de trás do carro de Joshua, a janela aberta fazendo o vento forte bagunçar seu cabelo e ressecar seus olhos, sentiu-se mais triste ainda. Uma melancolia bateu em sua porta e ele sequer se questionou antes deixá-la entrar e bagunçar tudo, do cérebro ao coração.

Àquela altura, só tinha uma certeza: precisava fazer algo a respeito do seu sentimento por Jongin. Guardá-lo era uma péssima ideia, talvez expô-lo também fosse, mas pelo menos imaginava que colocá-lo para fora faria seu peito pesar menos.

Foi pensando em como daria o primeiro passo que Kyungsoo atendeu a ligação de Jongin, lá pelas onze da noite. Conversaram como se nada tivesse acontecido naquele dia, como se o pivô não tivesse ignorado as mensagens alheias e como se o Do não tivesse praticamente fugido do Kim no shopping.

E a chamada só se encerrou quando Jongin dormiu na linha. Kyungsoo, munido de suas reflexões — um pouco mais complexas do que gostaria —, deu-se ao luxo de escutar a respiração baixinha e lenta do pivô por mais alguns minutos, enquanto sentia o próprio sono chegar e fazer seu corpo amolecer. Depois, com muito custo, desligou.

Ao precisar adormecer sentindo falta de coisas que nunca viveu ao lado do Kim, convenceu-se que chegara a hora. Fosse na manhã seguinte, no próximo final de semana ou só depois de uns dias, Kyungsoo tomaria uma atitude. Estava convicto de que não suprimiria mais os seus sentimentos.

Só restava torcer para que essa convicção não sumisse na madrugada gélida.

 

 

A volta às aulas após o curto recesso de inverno foi caótica. Kyungsoo nunca se viu tão ocupado. Abranger os clubes, as aulas e os últimos preparativos para o baile de inverno era como uma missão impossível, que ficava mais difícil ainda quando lembrava-se do seu compromisso com as atividades da campanha para rei e rainha. Essa grande bagunça resultou em uma drástica redução nas suas horas de descanso e lazer, o que, como consequência, transformou-o em uma pilha de nervos. Sem tempo para mais nada da sua vida pessoal, às vezes nem para lavar o cabelo ou cortar as unhas dos pés, o Do estava completamente focado em suas responsabilidades acadêmicas.

O mesmo era válido para Jongin, que aproveitava que seus treinos tinham diminuído a carga horária para estudar o triplo do normal, objetivando recuperar sua posição no ranking de alunos, pressionado pela exigência de seus pais. O pivô nunca esteve com a cara tão enfiada nos livros antes — durante toda sua vida, sua inteligência foi mais daquelas que não exigiam muito esforço, se ele lesse algo hoje, lembraria-se daqui dez anos com facilidade —, e isso era algo novo em sua rotina. Algo bem estressante, por sinal.

O Kim sentia falta de sair com seus amigos, de jogar por pura diversão e de ter disposição (ou pelo menos tempo) para se exercitar. Até correr antes do nascer do sol parecia uma dádiva agora que amanhecia cheirando as folhas do seu velho livro de biologia. A única coisa não relacionada às matérias da escola que tinha a possibilidade de fazer eram os ajustes finais da campanha para rei e rainha, mas disso Yumi cuidava quase sozinha, só precisando dele para tirar dezenas de fotos; ela tinha até organizado um cronograma com postagens diárias, para gerar o interesse dos demais alunos no relacionamento deles — a dúvida para saber se eram realmente um casal ou não sendo a principal estratégia de marketing.

Os dois ocupadíssimos garotos, entre o final de uma obrigação e o começo de outra, mesmo com a mente borbulhando diversas preocupações, lembravam-se todos os dias de sentir falta um do outro. As poucas mensagens que trocavam não bastavam para nenhum dos dois. Jongin queria ficar com Daniel por horas, jogando videogame e falando sobre qualquer coisa que não envolvesse NewFort.

E Kyungsoo queria praticamente o mesmo; pegou-se desejando que eles voltassem no tempo uns meses atrás. Qualquer data próxima ao dia que declararam a trégua, que, depois, tornou-se a promessa de voltarem oficialmente a serem melhores amigos e nunca mais se distanciarem, já seria o suficiente. Queria voltar para quando, várias vezes por semana, passava o almoço junto ao Kim, ou quando precisava gastar suas pernas andando até a quadra para encontrá-lo. Ansiava voltar até para os dias do recesso de inverno... as sorrateiras visitas surpresas que o Kim o fazia, as ligações longas e o constante troca-troca de mensagens. Tudo isso fazia muita falta.

Era como se tivessem experimentado uma amostra grátis do quão bom podia ser estarem juntos — do quão bom era reaprender a conviver tão próximos — e, puft, agora precisassem pagar um alto preço para terem isso de volta. E, com certeza, se soubessem qual era a moeda de troca, pagariam sem pestanejar. Daniel e Jongin queriam reviver qualquer um de seus momentos, melhor ainda, queriam viver novos, aumentar suas memórias juntos. Quando estavam sozinhos, a atenção completamente voltada para o que faziam, diziam e sentiam, era como se o mundo lá fora não existisse; na verdade, era como se existisse, mas não os importasse.

E estavam com saudade dessa sensação.    

Enquanto a rotina não aliviava e não davam um jeito de se encontrarem, eles iam, quase sem querer, confortando um ao outro no dia a dia.

 

“eu vou votar em você :)”

 

Era quarta-feira. Kyungsoo sentiu o celular vibrar no bolso do jaleco e ignorou a notificação pelos segundos em que retirava as luvas de látex. Tinha acabado de limpar todas as bancadas com a ajuda da senhora Jorden e estava feliz pelo relógio em seu pulso ainda marcar oito horas da manhã.

Assim que leu a mensagem, deu um sorriso terno, seu corpo sendo tomado por uma sensação morna e gostosa. Havia uma foto em anexo e, ao abri-la, seu sorriso se alargou, o motivo da sua cara de bobo sendo uma selfie de Jongin fazendo um V dos os dedos indicador e médio, mostrando o broche da campanha de Catherine e Kyungsoo preso à blusa que usava. 

Daniel correu até sua mochila, onde tinha guardado no bolso de emergências um broche da campanha de Jongin e Yumi — só para pesquisa científica mesmo. Por um acaso, o pivô havia saído bonito naquela foto (também não era como se fosse possível ele sair feio…); seus cabelos longos contavam com duas finas tranças embutidas no topo, fazendo-o parecer um verdadeiro príncipe. Tão lindo que era revigorante parar para admirar, mesmo que a princesa Yumi ao seu lado fizesse Kyungsoo fazer um bico insatisfeito.

 

“vou votar em você também :)”

 

Daniel enviou a mensagem e depois segurou o broche, tirou uma foto e enviou-a para o pivô também.

Observação importante: sim, não é necessário nenhum comentário sobre o quanto Kyungsoo tinha se tornado um grande emocionado, ele estava muito ciente disso.

— Falando com a namorada? — A professora observava a expressão apaixonada de seu monitor há segundos e não conseguiu deixar de comentar.

Nesse momento, a mente espertalhona de Kyungsoo fez duas coisas. Primeiro, corrigiu a senhora Jorden: estava falando com seu namoradO. E, segundo, corrigiu a si mesma: estava falando com seu melhor amigo. O pensamento intruso fez Daniel balançar a cabeça. Em que capítulo da sua fanfic mental tinha pedido Jongin em namoro? Não se lembrava.

— Não. — Ele mudou a feição assim que negou, envergonhado por ter sido pego em flagrante. 

— Hm… — A mulher murmurou, com um olhar divertido, e, não querendo ser invasiva, nada mais disse.

Kyungsoo arrumou suas coisas, guardando o jaleco na mochila, e seguiu seus planos, agora um pouquinho mais energizado. Passou a manhã inteira assistindo às aulas, mais olhando para a frente do que fazendo anotações, e aproveitou o almoço para finalizar uma redação enquanto engolia um sanduíche natural com o auxílio de uns goles de Coca-Cola — equilíbrio é tudo. No período da tarde, deu alguns tapinhas nas suas bochechas para se manter acordado nas três aulas e quase deu um grito em comemoração quando o sinal tocou.

— O professor quer falar com você. — Daniel murchou quando Steph chegou perto de si e anunciou, assustando-o por ter aparecido tão de repente. Estava no seu armário, guardando alguns livros e pegando outros, no momento em que foi surpreendido pela presença alheia. E não foi capaz de segurar um suspiro chateado, porque tudo que mais queria era ir para casa o mais rápido possível, tomar um bom banho e se dedicar aos trabalhos que tinha acumulado.

— O que ele quer? — O Do perguntou ao colega com uma ruga entre as sobrancelhas. Fechou o armário, fazendo um barulhão, porque a porta vivia emperrando, e seguiu andando ao lado do outro pelo corredor, já na direção do Clube de Música.

— Eu não sei… — O adolescente coçou a barba ao dizer. — Nós estávamos decidindo as coisas para a apresentação do clube no baile, repassando algumas músicas da lista que você fez, e ele pediu pra eu te chamar — contextualizou. — Deve ser só porque você é do comitê, nada demais.

— É — Kyungsoo meneou a cabeça, confirmando —, verdade. Obrigado por me avisar, Steph. — Esperava que o professor só quisesse isso mesmo, discutir as músicas que alguns membros do clube tocariam e, talvez, sobre o tempo que duraria a apresentação. Daniel tinha elaborado aquela lista meses atrás, nem lembrava direito quais tinha colocado, porém, se o assunto da conversa fosse ela, gastaria pouco tempo.

Bem, para a felicidade de Kyungsoo, apenas uns minutinhos foram suficientes para que o professor falasse o motivo de tê-lo chamado ali. E, para sua frustração, a conversa veio junto a um convite que lhe deixou inseguro.

— O que foi dessa vez, meu caro? — Daniel foi encontrado por Joshua e Catherine na saída da escola, e Joshua, ao ver a expressão distante no rosto do menor, questionou, abraçando-o lateralmente.

— Daniel? — Kyungsoo parecia sequer ter escutado a pergunta de Joshua, então Catherine se colocou à frente dele e estalou os dedos à altura dos olhos alheios. O Do pestanejou, parecendo finalmente despertar dos seus pensamentos.

— Estou ouvindo… — murmurou, abraçando Joshua de volta, seus braços curtos conseguindo laçar a cintura alheia por poucos centímetros.

— Aonde você tava? — A garota indagou, balançando o rabo de cavalo loiro. — Pensei que já tinha ido pra casa.

— Bem, eu já deveria ter ido — à medida que ia dizendo, Daniel deitava mais a cabeça no ombro largo de Joshua —, mas fui chamado no Clube de Música.

— Ih, o que houve? — Joshua perguntou, afagando os cabelos do menor. Somente pelo jeito que o Do estava lhe tratando, todo carinhoso, conseguia perceber que ele estava ou exausto ou preocupado.

— O professor de música quer que eu cante e toque pelo menos duas músicas no baile de inverno. — Por fim, desfez o suspense e contou, dando um suspiro leve.

— Isso não é bom? — Catherine não entendeu o porquê aquilo parecia um castigo para Kyungsoo. Seria vergonha? Mas ele nunca foi tímido para nada relacionado à escola...

— O que foi? — Charlie questionou, a voz estridente fazendo Kyungsoo crispar os lábios. Ela e Pietro haviam acabado de se juntar a eles, então pegou o assunto na metade. — Que rodinha de fofoca é essa?

— O professor do Clube de Música pediu pro Daniel tocar no baile. — Quando Catherine explicou, Charlie cresceu os olhos e abriu a boca, surpresa.

— Que incrível! — Ela se voltou para Kyungsoo, que engoliu seco. — Você aceitou, não é?

— Se fosse só tocar, eu teria aceitado — Daniel começou a explicar, gesticulando sem jeito —, mas ele quer que eu cante também e…

— E daí...?! — Charlie não deixou ele terminar, já foi logo rebatendo. — Garanto que não tem como você ser pior do que o Trevor cantando. — Trevor, um aluno do terceiro ano, era o vocalista da bandinha de garagem que sempre tocava nos eventos da escola.

— Pode até ser que eu seja menos ruim… — Kyungsoo pontuou —, mas eu nunca cantei na frente de ninguém além dos membros do clube e… — “De Jongin”, ele completou em silêncio.

— Você precisa aceitar, Danzinho! — Charlie insistiu novamente. Daniel a deu um desconto por isso. Sabia que ela também estava uma pilha de nervos. Focada em conseguir votos, a chefe de campanha chegava mais cedo à escola todos os dias para distribuir broches e panfletos, com a ajuda de Collin. Competia atenção diretamente com os membros do time de basquete, que, em peso, eram os assistentes da campanha de Jongin e Yumi.  

— Deixa ele em paz, Charlie. — Pietro advogou e a garota revirou os olhos. Estando ao lado de Daniel, que continuava agarrando Joshua, levou uma mão até o meio das costas alheias e, alisando-o devagar, disse: — Dan, você pensa melhor sobre isso e depois decide de vez, ok? — Kyungsoo assentiu, era isso que faria. Antes de qualquer coisa, precisava considerar uma série de possibilidades boas, normais, ruins e péssimas. — O que você disse ao professor?

— Que daria uma resposta na sexta — contou o Do.

— Ótimo — Pietro encerrou o contato entre eles com uma carícia leve e deu um sorriso fino —, você tem um dia pra decidir. Acho que é tempo o suficiente.      

— Concordo. — Kyungsoo murmurou.

— Você não é obrigado a aceitar, né? — Joshua quis saber, crente de que, se alguém em NewFort ousasse querer obrigar seu amigo a fazer alguma coisa que ele não se sentisse à vontade, iria atrás de passar a história a limpo.

— Não. — O menor negou, soltando o nadador. — Só vai ficar complicado para mim se eu não aceitar, porque todo mundo do clube vai fazer algo na apresentação do baile — lamentou. — Se pelo menos eu tivesse sido avisado antes, o baile já é sábado…!

Charlie estalou a língua.

— Vai dar tudo certo — disse ela, dando dois tapinhas no ombro de Daniel —, é só você aceitar logo de uma vez e começar a ensaiar de hoje.

Kyungsoo revirou os olhos e ergueu as mãos em rendição.

— Estou indo — anunciou e saiu andando —, até amanhã! — completou sem olhar para trás.

Praticamente correu para casa, os passos apressados combinando com sua playlist intitulada “no pain, no gain”, que, apesar de nunca ter pisado em uma academia na vida ou de nunca ter tentado levar uma vida fitness, tinha feito para encher de músicas que o ajudavam a se manter acordado e esperto. Como podia pregar os olhos com aberturas de anime quase estourando seus tímpanos?  

Quando chegou ao seu quarto, Kyungsoo jogou a mochila no tapete, sem querer assuntando Dory, que abriu um só olho para ver o que tinha acontecido e voltou a dormir. Ele tirou a roupa em tempo recorde e foi tomar banho, os cinco minutos debaixo do chuveiro sendo capazes de revigorá-lo alguns porcentos. Depois que entrou num short de tecido fino e em uma blusa quase o dobro do seu tamanho, sentiu-se ainda melhor, pronto para a maratona de estudos que deveria durar até a madrugada.

Desceu e foi à cozinha pegar alguns lanches, sabendo que sua mãe, quando voltasse do trabalho, traria-lhe o jantar — aceitava esse tipo de mimo sem culpa, considerando um pagamento pelo tanto que seus pais o atazanavam. Por fim, ele sentou-se à escrivaninha com a má postura de sempre, as pernas levantadas na cadeira confortável e costas desalinhadas, e abriu seu planner digital no computador, onde tinha anotado tudo que deveria fazer.

Mais tarde, umas dez horas da noite, muito antes do seu pescoço começar a doer ou dos seus dedos ficarem duros de tanto escrever, os estudos de Kyungsoo, que iam de vento em popa, foram interrompidos. “Droga, esqueci de desligar o celular”, reclamou mentalmente. Quando o aparelho começou a vibrar de instante em insistente ao seu lado, ele foi perdendo a concentração aos poucos, até perceber que era tarde demais para não cair na curiosidade de checar as notificações.

 

“meus pais não estão em casa”

“só voltam mais tarde…”

 

E, bem, ficou feliz que não resistiu à tentação de ler as mensagens. As frases de Jongin fizeram suas mãos gelarem, simplesmente porque não fazia o menor sentido o Kim tê-las enviado se não tivesse segundas intenções.

 

“e?”

          

Kyungsoo já tinha entendido o recado, mas digitou a pergunta por puro charme. E, antes mesmo de receber uma resposta, já foi logo fechando os livros e cadernos.

— Me desculpem, é uma questão de prioridade. — Olhou ardiloso para a escrivaninha, dando de ombros. Pelo menos tinha acabado um dos três trabalhos: convenceu-se de que isso era suficiente e, com a consciência quase limpa, escolheu aproveitar a oportunidade raríssima de encontrar o pivô.

 

“você quer vir aqui?”

“a gente pode jogar um pouco”

“ou fazer o que você quiser"  

 

Daniel sorriu, o mesmo sorriso bobo que estampava sua cara sempre que recebia uma mensagem do Kim, mas dessa vez também cheio de esperança.

 

“vou… :)”

“entro pela porta da frente?”           

 

Foi como o Do respondeu.

 

“pela porta da cozinha é melhor”

          

Quando recebeu a instrução, Kyungsoo soltou o ar pela boca, como se precisasse se preparar para algo muito difícil. Entrou em seu closet e só saiu ao achar um moletom confortável e sem furinhos, vestindo-o por cima da camisa. Ainda foi até o banheiro para conferir sua aparência. Arrumou os cabelos com as mãos (deixando-os exatamente do jeito que estava antes, porque os fios lisos e pretos eram teimosos) e escovou os dentes só por garantia; se Jongin tinha segundas intenções, o Do tinha terceiras e quartas.

Antes de sair, pegou o celular, colocando-o no bolso do moletom, e murmurou um “boa sorte” para o seu eu-do-futuro. Como, devido às suas nulas habilidades físicas, pular da janela estava fora de cogitação, ainda que o telhado pouco íngreme, segundo Jongin, fosse facinho de escalar, Daniel saiu de fininho do seu quarto, trancando a porta e levando a chave consigo. Devagar e atencioso, aproximou-se do quarto de seus pais, ouvindo-os conversar dentro do cômodo. Então, desceu rapidamente as escadas, só andando com cautela quando precisou passar pela vigia de Dory, que dormia na sala de estar, bem deitada na poltrona de seu pai. 

Após conseguir sair de casa sem ser notado — apenas nesse instante percebendo que não tinha planejado como faria para voltar —, Kyungsoo arrastou seus chinelos até os fundos da casa do seu vizinho. O vento frio do inverno, que fazia sua respiração virar fumaça e tornou a pontinha de seu nariz um pouco vermelha, aumentou seu nervosismo.

Faziam trinta e dois dias que o Do havia decidido tomar uma atitude quanto ao seu sentimento pelo pivô. Sim, ele estava contando, mais especificamente, marcando na agenda que carregava para cima e para baixo. E, esse tempo todo, não houveram chances dele ficar a sós com o Kim. Por isso, agora era o momento perfeito.

Perfeito o momento era, mas a insegurança e o medo ainda latejavam forte no peito de Daniel. Será que conseguiria agir?

— Oi. — Jongin disse baixinho e Kyungsoo achou toda a coragem do mundo no sorriso bonito e cheio de dentes que ele lhe deu quando abriu a porta e puxou-o para dentro da casa depressa. “Eu vou beijar você.” Daniel afirmou para si mesmo no momento em que viu que Jongin usava apenas uma camiseta e um shortinho curto como o seu, como se o termômetro fosse uma piada. Para acabar de completar, os cabelos dele estavam soltos e bagunçados. Era impossível estar mais simples e bonito. “Hoje!”, completou o Do. — A quanto tempo — ironizou o pivô. Tinham se visto mais cedo na escola, mas não trocaram uma palavra sequer.

— Oi — respondeu-o entre um riso. — A quanto tempo — repetiu. — Por que seus pais saíram pra jantar em plena quarta-feira? — Conhecendo bem os Kim, Daniel sabia que devia existir um bom motivo.

— Minha mãe foi promovida — contou.

— Que ótimo — murmurou o Do. — E por que você não foi comemorar com eles?

— Eu… queria ficar sozinho — declarou Jongin, não soando muito convincente. Ele coçou a nuca e continuou: — Na verdade, eu queria ficar um pouco com você, então… — Escolheu não continuar a frase.

— E se eu não viesse? — Kyungsoo perguntou, fazendo uma expressão arteira, os cantos da boca e as sobrancelhas levantados.

— Eu iria até você — rebateu o pivô, simplista.

— E por que não me chamou mais cedo? — O Do não quis reclamar, longe disso, só estava curioso.

— Eu precisava terminar o trabalho de Biologia — contou e Kyungsoo riu da situação, porque esse era o mesmo trabalho que fazia antes de receber as mensagens do pivô. — Então terminei o mais rápido que consegui pra poder te chamar pra cá.

Kyungsoo murmurou um “hm”, aceitando a justificativa, e deu uma volta completa para reparar no lugar. Muitas coisas haviam mudado; os azulejos decorativos não eram mais os mesmos, a cozinha, toda modernizada, tinha uma ilha no meio como aquelas que tanto via nos episódios de Irmãos à Obra, e uns vasos de cerâmica com diversos tipos de flores estavam espalhados pelos quatro cantos.

— Parece um lugar completamente diferente — comentou o Do, voltando a olhar para o Kim.

— Minha mãe adora ler revistas de decoração, você sabe. Mas tem um cantinho nessa casa que continua igual. — Jongin comentou, animado com a presença de Daniel, e segurou a mão alheia. — Tá muito frio lá fora? — questionou e viu o menor franzir o cenho. — Você tá gelado — explicou e levou o indicador livre à ponta vermelhinha do nariz do outro, que achou fofa demais, pressionando-a quase sem força. — Vem, vamos subir. — Ao anunciar, arrastou Kyungsoo pelos cômodos até que chegassem à escada, subindo-a ainda de mãos dadas.

Os móveis podiam ser novos, os quadros e a cor das paredes também, porém, o caminho para o quarto de Jongin continuava o mesmo, e segui-lo fez Kyungsoo dar um sorriso contente em segredo.

O cômodo realmente permanecia idêntico ao que se lembrava, apenas com algumas pequenas mudanças, essas que só deu conta porque realmente tinha uma planta detalhada do lugar armazenada em sua memória. Os posters de times de vários esportes diferentes haviam triplicado de quantidade, ao ponto de quase não ter espaços sobrando nas paredes. O quadro lotado de fotos acima da escrivaninha, que tinha mudado para uma maior e de madeira mais clara, não tinha mais fotos deles dois (imediatamente, o Do lembrou-se que a mãe do Kim jogou todas fora, com exceção daquela que o pivô guardava escondida no armário da escola). E a coleção de mangás também parecia ter aumentado. Os diversos volumes, além de ocuparem as estantes e os nichos, estavam espalhados em pilhas altas pelos cantos do quarto, numa bagunça e descuido característicos do pivô.

— Você ainda gasta sua mesada toda em mangás? — Kyungsoo indagou, admirado. Jongin havia soltado a mão dele quando passaram da porta, como se soubesse que ele iria bisbilhotar suas coisas um pouco.

— Quase toda a mesada — ressaltou o Kim. Kyungsoo riu fraco, indo até uma das estantes e lendo alguns títulos da coleção alheia.

— Faz tempo que eu não leio nada — comentou Daniel, o dedo indicador passando por alguns dos volumes empoeirados.

— Se quiser, pode pegar qualquer um emprestado. — Jongin afirmou, indo para sua cama.

— A gente nunca terminou de ler Bleach. — Agora, o Do tinha em mãos um volume qualquer de um dos mangás que liam juntos quando eram mais novos, o que pararam na metade após o incidente da cicatriz. — Ou você leu sem mim? — Virou-se para o pivô e o encarou com um olhar de dúvida.

— Não… não tinha graça continuar esse sem você. — O Kim gostou da pergunta e não hesitou em respondê-la com sinceridade, um sorriso meio tristonho e nostálgico desenhado em seus lábios devido aos flashbacks que invadiram sua mente. — Até porque foi você que quis ler Bleach, lembra? — Kyungsoo assentiu, formando um bico em seus lábios. Jongin era tão bom em ser verdadeiro que cada palavra sua era carregada de sentimento. A esse ponto, o Do já acreditava que era impossível não se apaixonar por ele. — Eu comprei porque você disse que queria.

 — É... eu lembro. — As bochechas de Daniel adquiriram uma corzinha e ele quebrou o olhar. Com as mãos passeando pela estante outra vez, procurou o volume número um de Bleach e, quando o achou, tapou o nariz e bateu a poeira. — E se a gente começar a ler tudo de novo? — Jongin ficou tão feliz com a proposta que Kyungsoo viu nitidamente o momento que os olhos alheios brilharam. 

Em resposta, o Kim deu dois tapinhas no colchão, indicando que o menor viesse se sentar ao seu lado. E assim o Do fez, já nervoso com a proximidade.

— Como fazemos? — O pivô questionou, apontando para seus corpos. Ainda eram garotos, mas garotos grandinhos, ao ponto da sua cama parecer minúscula.

— Levanta só um instante — pediu Kyungsoo e, mesmo sem entender o que ele faria, Jongin o obedeceu.

Sozinho na cama, o menor arrumou os travesseiros em suas costas e escorou-se na cabeceira, bem confortável. Sem pensar duas vezes, abriu um pouco as pernas e gesticulou para que o Kim deitasse entre elas. Jongin arqueou as sobrancelhas e franziu o queixo, surpreso, seu coração acelerando de imediato. Aquilo era muito mais do que o que consideraria saudável para seus órgãos vitais. Seus pulmões pareciam ter desistido de funcionar, e ele sentiu o peito apertar.

— Não vai vir? — Somente quando o Do indagou foi que o pivô despertou de seu surto.

Jongin foi para perto de Kyungsoo, sentando lentamente entre as pernas dele, suas costas pouco a pouco grudando no peitoral alheio. Daquela maneira, eles ficaram com os rostos lateralmente próximos e com as pernas se encostando quase por completo.

— Você cresceu demais — comentou o Do, largando o mangá por um instante e abraçando o Kim da melhor forma que conseguiu. Quando ficavam desse mesmo jeito, anos atrás, as pernas do pivô não eram tão longas e ele era bem mais magro. — Mas eu ainda consigo te laçar, olha — brincou, passando os braços em volta do pescoço alheio e encenando um mata-leão. Depois que o maior entrou na brincadeira e deu três tapinhas em seu antebraço, como se desistisse da luta, Kyungsoo deu uma risada gostosa, acompanhado de uma gargalhada do Kim.

Daniel não resistiu. Assim que pararam de rir e suspiraram alto, tão leves quanto o ar, ele voltou a abraçar Jongin, um pouco mais forte dessa vez. Era tão bom tê-lo perto ao ponto de poder sentir seu perfume sem esforço algum, de sentir o calor da sua pele, os fios de cabelo dele grudando em seu pescoço. Céus, como era bom… queria que esse momento nunca acabasse, poderia vivê-lo por uma eternidade e, a cada vez que a cena se repetisse, prestaria atenção em um detalhe diferente, convicto de que isso só o faria amar mais e mais estar com o Kim. Para sempre.

E ali, envolto pelos braços de Kyungsoo, Jongin se sentiu puramente feliz, tão feliz que seus olhos marejaram de tanta emoção. Então ele teve a certeza de que, se um dia precisasse escolher qual era o melhor do lugar do mundo, escolheria qualquer um onde o Do estivesse.

— Ok… — murmurou o Do, desfazendo o aperto para pegar o mangá deixado de lado e entregar nas mãos do pivô. — Você segura — decretou e o maior prontamente o pegou nas mãos, abrindo na primeira página, de trás para frente.

— Uma, duas, meia e… — Fez uma pausa para averiguar se Kyungsoo lembrava que eles sempre contavam antes de começar a ler, porque competiam para ver quem terminava cada página primeiro. — Já! — completaram em uníssono.

Ao começarem a leitura, Kyungsoo teve problemas. Conseguiu prestar atenção em dez páginas, apenas. Dez páginas essas que terminou de ler primeiro, fazendo com que seus segundos ociosos fossem preenchidos com os olhares que lançou a Jongin. O maior piscava frequentemente, concentrado no início da história de Ichigo Kurosaki, a boca aberta e a língua passeando entre os lábios, como fazia sempre que lia algo.

— Posso passar? — Já era a página número quinze, e o Do assentiu mais uma vez, mentindo. Não conseguia mais olhar para o mangá, não quando Jongin estava tão pertinho e lhe atraía feito imã. Ichigo que o perdoasse, mas sua aventura, naquele momento, não parecia tão interessante quanto o pivô.

Inconscientemente, levou uma mão até os cabelos do Kim e iniciou um leve cafuné. Jongin, manhoso como era, inclinou a cabeça para maximizar o contato com a ponta dos dedos alheios, e isso possibilitou que Kyungsoo tivesse uma melhor visão dele. A curva do pescoço exalava um cheirinho bom e era possível saber que a pele do Kim era macia sem nem mesmo precisar tocá-la; parecia tão suave que Daniel se pegou querendo dar beijinhos ali, lentamente percorrendo cada milímetro.

E, quando Kyungsoo subiu seu olhar para o rosto de Jongin, sua situação piorou. Não soube ao certo se foi a forma concentrada com que ele lia ou o modo como a língua brincava divertida e despretensiosa entre os lábios carnudos, mas sentiu uma vontade de beijá-lo crescer em si e ficar tão enorme que era impossível de suportar. Como faria isso? Daquele ângulo, seria meio difícil, talvez até estranho, e ele não conseguiria avaliar se Jongin estaria de acordo com o ato. Droga, de que adiantava ser ótimo em matemática se não era capaz de projetar uma solução para aquele problema geométrico? 

O Do passou a língua pelos próprios lábios apenas uma vez, como se quisesse experimentar a sensação, e engoliu seco. Não custou a concluir que sua imaginação já não era suficiente — talvez nunca tivesse sido — para saciar seus desejos.

— Terminou? — Jongin surgiu com a pergunta e virou para encará-lo. Quando seus olhares se encontraram, Kyungsoo soube que não aguentava mais.

— Não. — Sua voz saiu em um sussurro. Eles se encararam por uns segundos, até que uma ruga surgiu entre as sobrancelhas do Kim.

— O que foi? — indagou o maior, ajeitando-se no colchão para olhá-lo melhor. Kyungsoo sentiu sua respiração pesar, o coração acelerar e a boca ficar meio seca. — Soo?

Ouvir o apelido foi a gota d’água. Kyungsoo desgrudou o corpo de Jongin do seu, gesticulando para que ele sentasse de frente para si, e segurou os ombros alheios. 

— O que foi? — repetiu, confuso. Daniel, então, pressionou o dedo indicador nos lábios dele, em um pedido silencioso para que ele não dissesse nada.

Jongin permitiu-se entrar em pânico (um pânico bom) assim que Kyungsoo moveu as mãos e segurou seu rosto. Engoliu seco e mordiscou a parte interna das bochechas, sem saber como reagiria; se parecesse assustado, o Do poderia interpretá-lo errado. Por isso, tentou esconder a euforia que fazia festa em seu peito e respirou fundo.  

Kyungsoo fez o que queria. Aproximou-se mais, ao ponto dos joelhos deles esbarrarem, e inclinou-se para a frente, não encerrando a distância entre os rostos por um triz. Passou os dedos pela cicatriz, do início, acima da sobrancelha rala, até o fim, abaixo do olho esquerdo, sentindo cada detalhe do seu relevo e gravando-os na memória. Nunca esqueceria do que aquela cicatriz marcava, mas pretendia adicionar algo feliz ao seu significado.  

Daniel fixou os olhos na boca de Jongin. Os lábios que tanto queria provar nunca, nunca mesmo, estiveram tão perto, a não ser em seus sonhos, e soube disso quando seus narizes se tocaram, fazendo-os suspirar leve. Encarou o pivô novamente, como se buscasse nas orbes a certeza de que estaria tudo bem se prosseguisse. E, para sua mais completa alegria, encontrou-a.

Jongin fitou-o com um desejo que transbordava de seus olhos e inundava o cômodo.

— Jongin… — Kyungsoo soltou o nome alheio em um sussurro, sua respiração chocando contra a pele alheia. O corpo inteiro de Daniel estava morno e suas ações já não eram mais pensadas cuidadosamente. Agia mais por impulso, dançando uma música que não sabia quando tinha aprendido os passos.

— Hm? — Jongin murmurou com muita dificuldade, alternando o olhar entre os olhos redondinhos que tanto gostava e a boca em formato de coração.

E, envolto na certeza de que finalmente tentaria fazer aquilo que quis por anos, Kyungsoo grudou os lábios em um selar quase sem pressão.

Jongin sentiu seu corpo inteiro arrepiar com o contato, mil e um fogos de artifício estourando dentro do seu ser e fazendo-o querer gritar alto. Gritar para a vizinhança inteira ouvir que, sim, Kyungsoo gostava de Jongin e Jongin gostava de Kyungsoo, e, por hora, nada mais importava.

Quando se afastaram, apenas um pouquinho, Kyungsoo piscou diversas vezes, atordoado com o misto de sensações que lhe tomaram.

— Eu gosto de você. — Daniel não soube como foi capaz de falar tão direitinho, porque sua mente era uma mistura confusa de todas as palavras que poderia usar agora. Jongin pestanejou, quase sem respirar. — Eu gosto de você há muito tempo, desde que… nós éramos crianças, eu acho… — confessou, sendo impossível evitar que seus olhos marejassem. — Não, eu não acho… eu tenho certeza! — exclamou baixinho, a feição expressiva evidenciando cada coisa que dizia. Jongin deu um sorriso bonito e derramou uma lágrima que nem percebeu ter se formado; seus olhos sorriam também. — Não sei se você sente o mesmo por mim, mas…

Jongin o calou com um novo beijo, um mais intenso. Começou com um selar com mais força, que logo tornou-se um conjunto de selares um pouco desajeitados, os lábios formando biquinhos. O pivô sentiu Kyungsoo enroscar os dedos em seus cabelos longos e interpretou isso como um sinal verde para aprofundar o ato. Partiu a boca e raspou os dentes no lábio inferior de Daniel, em um convite para que ele abrisse a boca também — o Kim não viu, mas nesse instante o Do abriu os olhos, hesitando um pouquinho. Não tinha beijado muito em seus dezessete-quase-dezoito anos de vida, e se beijasse mal?

Quando afastou os pensamentos e cedeu à boca de Jongin, não se arrependeu. Muito pelo contrário. Foi quando se beijaram, exploradores e apressados feitos nos filmes de romance, que Kyungsoo se sentiu flutuando em meio a um imenso céu estrelado. Os créditos podiam subir, porque aquele era um fim perfeito para a história deles dois. “E foram felizes para sempre” nunca fez tanto sentido para o Do quanto agora, que havia começado a implorar para os deuses superiores que fizessem a frase existir na vida real.  

Eles encerraram o beijo entre risos; precisavam admitir que era 0,05% estranho beijar alguém que foi apenas seu melhor amigo (e arqui-inimigo) por anos. Porém, até a estranheza era gostosa e engraçada, não sendo suficiente para deixar um clima estranho entre eles.

— Eu gosto de você também — afirmou Jongin, rente aos lábios de Kyungsoo. Os garotos abriram os olhos e grudaram as testas. — Eu gosto de você há muito tempo, desde que nós éramos crianças, eu tenho certeza! — Assim que o pivô passou a lhe parafrasear, o Do sentiu suas bochechas enrubescer. — E eu passei os últimos meses me perguntando se você sentia o mesmo por mim. Em muitos momentos, eu… soube que sim. Mas também duvidei… duvidei de mim, de você e duvidei que a gente pudesse ser… — Jongin suspirou e sorriu, não achando que era necessário prosseguir.

— Oh, merda, Jongin… — reclamou Kyungsoo, quebrando o contato entre eles. O maior arregalou os olhos, o coração quase parando. Tinha dito algo de errado? — Eu odeio tanto você! — Ao exclamar, praticamente pulou em cima de Jongin, fazendo-os caírem deitados sobre o colchão, um em cima do outro. — Odeio você ser tão bonito, odeio você ter deixado o cabelo crescer por saber que fica mais bonito ainda assim e odeio meu mundo parar quando você sorri. — Começou um ataque de cócegas nas costelas alheias. — Odeio você dentro do uniforme do time de basquete e odeio, principalmente, você fora do uniforme, desfilando de cueca no vestiário como se isso não fosse nada. — Pego de surpresa, Jongin ria alto, contorcendo-se abaixo do menor, tentando escapar das cócegas. — E odeio essa sua risada de bicho engasgado! Eu te odeio tanto!

O Kim resolveu se vingar e inverteu as posições sem muita dificuldade.

— Eu também odeio você! — exclamou alto, retribuindo as cócegas. — Odeio você ser lindo, odeio essa sua boquinha em formato de coração, odeio o seu cheiro ser o mais cheiroso que eu já senti na vida — à medida que ia ditando, Jongin ia diminuindo a frequência das cócegas —, odeio a carinha de enjoado que você faz quando tá com raiva, odeio você ficar irresistível de jaleco, ou tocando violão ou até mesmo só respirando…! E, nossa, como eu odeio quando você me chama de Kai como se não soubesse que eu gosto de te ouvir dizer “Jongin”! Eu te odeio! — Desta vez, a exclamação veio baixinha, rente ao ouvido alheio.

Quando os ataques pararam, eles se olharam profundamente e o corpo do Kim uniu-se ao de Daniel — o pivô apoiando-se nos braços para não fazer muito peso sobre o Do. Não demorou para que se beijassem de novo, agora com uma calma envolvente. E, quando o fôlego faltou, contentaram-se em descansar um no vão do pescoço do outro, usando todos os sentidos para aproveitar o momento.

Nenhum dos dois acreditava que estavam vivendo aquele sonho.

Só se separaram quando o celular de Jongin tocou — porque o Kim sabia que não era uma ligação qualquer, aquele era o toque específico do contato de sua mãe. Ele se levantou depressa para pegar o aparelho em cima da mesinha de cabeceira.

Kyungsoo, que viu “mãe” escrito na tela do celular do pivô, assistiu o maior atender a ligação e trocar poucas palavras com a mulher.

— O que ela queria? — questionou assim que viu Jongin desligar com uma expressão tristonha.

— Ela tá chegando, ligou pra pedir pra eu abrir o portão da garagem — contou, sentando ao lado do menor —, o botão de fora tá quebrado e ela esqueceu o controle. — Mas você pode ficar aqui, eu tranco a porta do quarto e… — acrescentou, com um bico pidão nos lábios.

— Eu bem que queria — falou Kyungsoo —, mas já tá tarde. E a gente precisa dormir bem, amanhã começa a montagem da decoração do baile e vai ser um inferno.

— Não vou deixar você ir embora — decretou, segurando uma das mãos de Daniel.

— Mas eu preciso ir… — murmurou e levantou da cama, arrastando o pivô até a saída do quarto. — A gente se vê amanhã na escola.

Jongin, por fim, assentiu. Embora quisesse ficar com Kyungsoo acordado a noite inteira, trocando beijinhos e confissões, sabia que eles precisavam descansar.

— Então… o que acha da gente ir e voltar juntos da escola? Amanhã e… todos os outros dias? — perguntou, achando que o plano era uma boa ideia para passarem algum tempo juntos mesmo que o dia fosse corrido.      

— Mas a Yumi não tá vindo te buscar e deixar todos os dias? — Kyungsoo sentiu uma pontinha de ciúme lhe cutucar quando disse o nome da garota. Depois de tudo que aconteceu naquela noite, pensar nela pendurada ao lado do pivô parecia um castigo. — O que não faz sentido, porque a gente mora em cima da escola, praticamente.

— A-há! — Jongin sibilou. — Eu sabia que você tinha ciúme dela — comentou, com um olhar divertido, e recebeu um tapa no ombro. — Posso te contar uma coisa? — Kyungsoo confirmou com um balançar de cabeça. Eles já desciam as escadas da casa do Kim. — Nunca rolou nada entre eu e ela, de verdade. Eu nem cogitei essa possibilidade, nem ela.

— Ela não gosta de você? — O Do não estava nem um pouco convencido. Tudo que tinha visto era apenas um casal de amigos se divertindo? Não parecia.

— Acho que sim, ela gosta de mim… — Kyungsoo revirou os olhos. — Como um amigo — completou o Kim. Tinha feito suspense de propósito. O menor estreitou os olhos. — É sério!

— Tudo bem — concluiu. Haviam chegado à cozinha. — Já vou — murmurou, mesmo sem querer mover um músculo sequer para longe de Jongin. — Tchau. — Passou pela soleira da porta, mas logo cedeu ao impulso de voltar e dar um último selar no pivô. — Tchau — repetiu, acariciando a bochecha alheia.

— Tchau. — Jongin inclinou-se para dá-lo um beijo na testa e, então, acompanhou-o sumir de vista.

Daquela vez, as mensagens de boa noite que trocaram foram um pouquinho diferentes.

 

“boa noite, dorme bem”

“e sonhe comigo de cueca no vestiário”

“até amanhã :) ♥ ”

 

Kyungsoo, envergonhado, arrependeu-se de ter revelado aquilo, sabia que Jongin usaria isso contra si sempre que pudesse.

 

“idiota”

“até :) ♥ ”

 

E, com sorrisos e corações, a noite se encerrou.

 

          

Daniel Do nunca pensou que acordaria feliz em pleno auge de sua adolescência, mas a primeira coisa que fez quando mexeu-se entre os lençóis, inconscientemente buscando o celular, foi sorrir. Esticou-se, o som dos seus ossos estalando sendo a trilha sonora para o amontoado de lembranças vívidas da noite anterior, e sorriu mais ainda. Não via a hora de beijar Jongin outra vez, de abraçá-lo forte e sentir o perfume alheio se misturar com o seu.

Naquela manhã, Kyungsoo fez tantas coisas ao mesmo tempo que considerou-se um super-herói. Com o terceiro álbum do Arctic Monkeys tocando alto na pequena caixinha de som que tinha, lavou o cabelo, tirou uns cinco pelinhos do queixo e do buço e até passou uma loção pós-banho. Dentro do seu closet, experimentou algumas opções de roupa — achando-se um bobão por fazer isso — e acabou dentro de um suéter vinho e de uma calça jeans azul escuro, com alguns rajados na lavagem.

Ao olhar-se no espelho, teve a certeza de que faziam anos que não ia para a escola tão arrumado assim. Completou o visual com um relógio de pulseira de couro, que havia ganhado de sua mãe no Natal passado, e considerou-se pronto.

Depois que espiou pela janela e não viu o pivô, desceu as escadas apressado e pegou uma maçã na fruteira em cima do balcão da cozinha, onde estava preso um bilhete que continha a localização do seu café da manhã, como de costume, pois seus pais já tinham saído para trabalhar. Deu uma nova mordida na fruta e foi abrir o microondas, vendo uma pilha de três panquecas com frutas vermelhas e mel no topo. Sabendo que seu dia seria muito corrido e que dificilmente teria como almoçar, colocou as panquecas em uma vasilha de plástico e guardou na mochila para comer mais tarde.

Então, cheio de energia, enviou um “ok” para o pivô e saiu de casa.

— Bom dia. — Kyungsoo se sentiu menos bobo quando viu que Jongin ostentava um sorriso maior que o seu. Haviam forjado um encontro por acaso na rua, os dois saindo sincronizados, para caso alguma das vizinhas fofoqueiras do turno matinal os vissem. — Gostei do suéter.

— Bom dia. — Passaram a andar lado a lado. O pivô segurando a alça da sua bolsa de esportes à tiracolo, que combinava com a blusa do time de basquete que usava junto a uma calça jeans clara, e Daniel vez ou outra tamborilava os dedos nas próprias coxas. — Gostei do penteado. — Os cabelos longos do Kim estavam presos em um coque baixo e arrumado, apenas alguns fios da parte da frente soltos no rosto; era nítido que ele tinha gastado alguns minutos arrumando-os.

— Como acha que vai ser hoje? — Jongin quase não olhava para a frente, tendo as orbes presas a Kyungsoo. Não conseguia parar de encará-lo.

— Cansativo. — O Do soltou um suspiro audível. — Mas estou feliz que isso tudo está acabando. Organizar o baile foi muito mais difícil do que eu imaginava.

— É, concordo — murmurou. — Gastei muito mais tempo com o comitê do que pensei, mas pelo menos uma coisa boa essa trabalheira toda me trouxe.

— O quê? — indagou, levantando as sobrancelhas.   

— Você — afirmou, simplista, e riu da expressão sem graça que Daniel fez ao desviar o olhar. — É sério, você não concorda? — O menor fez um bico pensativo e o pivô se sentiu na obrigação de explicar sua conclusão. — Na minha opinião, foi ser da Diretoria do Comitê que fez a gente se reaproximar.

Kyungsoo balançou a cabeça, concordando. Quando pararam em um cruzamento para esperar o sinal abrir para pedestres, fitou o maior, que agora prestava atenção no semáforo, e pensou em como o Kim estava certo sobre aquilo. Se não fosse o comitê do baile, que os fez reaprender a conviver, entrando aos poucos na rotina um do outro, eles provavelmente ainda seriam rivais, o terror da senhora Theodore com suas brigas frequentementes. Por isso, por terem trilhado o caminho que os levou até aquele ponto, ficou grato até por cada situação que o fez perder a paciência.

Compartilhando sorrisos e risos, mudando o assunto para quando leriam Bleach, porque o Kim realmente queria ler tudo do começo (e terminar), chegaram em NewFort; ambos secretamente reclamando por morarem tão perto da escola, o que era inédito.

— Te vejo mais tarde. — Cruzaram o portão da entrada e ficaram um de frente para o outro. Daniel precisou de muito autocontrole para não se esticar e selar os lábios de Jongin. — Boa aula.

— Boa aula — falou baixinho, também querendo encerrar a despedida com um beijo breve.

Porém, sem mais nenhuma melosidade, eles se afastaram e seguiram caminhos diferentes.

 

 

Kyungsoo passou o dia tão sorridente que Joshua perguntou umas trinta vezes o que ele tinha aprontado. Charlie fez o mesmo e, junto à Elizabeth, montou teorias sobre o que poderia ter acontecido para deixar o Do de bom humor em plena quinta-feira, ainda mais quando estava tão atarefado. Ignorando as besteiras de seus amigos, ele tentou focar nas suas responsabilidades, abrindo seu planner digital de cinco em cinco minutos para conferir se não estava se esquecendo de algo.

A coisa mais difícil das aulas não foram os conteúdos complicados da reta final do ensino médio, mas sim fazer com que sua mente não repassasse a noite passada no meio dos monólogos dos professores. Também precisou se controlar para não riscar todas as folhas do seu caderno com seu nome e o de Jongin dentro de um coração, sem nem saber como a vontade de realizar essa atitude clichê tinha se instalado em seu cérebro. Será que estava incluída no pacote “me apaixonei”, que havia baixado e executado sem hesitar? 

Na hora do almoço, Kyungsoo dirigiu-se para a quadra, local onde aconteceria o baile. O comitê se dividiu em duas equipes para a montagem da decoração, que seria muito trabalhosa de organizar; a equipe de quinta-feira, liderada por Daniel, começaria o trabalho, limpando todo o espaço e montando as estruturas maiores, já a equipe de sexta-feira, supervisionada por Kai, estava encarregada de finalizar tudo, deixando apenas mínimos detalhes para os membros do setor de Serviços Gerais dar conta no sábado à tarde, horas antes do evento.

Kyungsoo cumprimentou o zelador, atualmente incumbido de controlar a entrada e saída de alunos da quadra. Todos os anexos esportivos de NewFort continuavam abertos, mas a quadra e o vestiário quase privativo do time de basquete estavam interditados, somente membros do comitê podiam entrar. Já no corredor, esquivou-se de algumas tábuas de madeira, partes da decoração, e andou rápido até encontrar seus colegas de equipe. Tinham um longo trabalho a fazer.     

— Surpresa! — Antes que ele entrasse, de fato, na quadra, alguém colocou as mãos sobre os seus olhos e exclamou baixinho em seu ouvido.

— O que você tá fazendo aqui? — Daniel perguntou, reconhecendo Jongin pela voz e pelo cheiro. Colocou as mãos por cima das dele e as tirou de seu rosto, segurando-as na altura do peito. — Hoje não é seu dia. — Embora estivesse feliz (muito, muito feliz) por poder encontrar o pivô antes do que imaginava, preocupou-se.

— Vim ajudar, ué — respondeu, simplista, passando a língua nos lábios. — E ficar com você, é claro. — Quando o maior completou, Kyungsoo revirou os olhos, mas logo desmanchou sua primeira reação para dar um sorriso envergonhado.

— E você vai faltar às aulas da tarde? — Era com isso que o menor estava receoso. Os membros da equipe de quinta foram liberados das aulas no período da tarde, para que não fossem prejudicados, e, seguindo a mesma lógica, a presença dos membros da equipe de sexta não seriam cobradas pelos professores na tarde do dia seguinte.

— Sim — confirmou e o Do crispou os lábios —, mas só porque a senhora Theodore concordou.

— Você foi falar com ela? Só pra ficar comigo? E ela deixou? — Kyungsoo fez as perguntas de uma vez, fazendo Jongin rir um pouco.

— Sim, não e sim. — Em sequência, o Kim deu as respostas. — Não foi “só para ficar com você” — fez as aspas com os dedos —, mas também pra ajudar com a arrumação.

— Ah — murmurou Daniel, fazendo bico. — Que pena que disse isso — foi baixando o volume da voz —, você até ia ganhar um beijo pela fofura — sussurrou a última parte.

E, a partir daí, Jongin começou uma ladainha sobre o porquê dele merecer ganhar um beijo de qualquer jeito, ladainha que se encerrou quando outro membro do comitê passou ali perto e os lançou um olhar suspeito. Eles, então, recompuseram-se e foram ao trabalho.

Às sete da noite, cinco alunos, incluindo os dois garotos que mais pareciam os protagonistas de um romance adolescente bem na metade da história, ainda estavam ali, montando o enorme painel da entrada, encaixando as peças de madeiras que o Clube de Teatro tinha feito a gentileza de pintar — talvez Kyungsoo tivesse subornado Elizabeth para convencê-los, só talvez.      

— Acho que está bom por hoje. — Foi quando Daniel declarou, dando soquinhos no final da sua coluna, que o zelador apareceu chamando-o.

— Daniel Do! — A voz do homem quase idoso, que sempre o chamava pelo nome completo, ecoou no ambiente. Ele tinha as mãos na cintura e parecia ter acabado de acordar de uma boa soneca. — Tem um aluno lá fora querendo falar com você.

Kyungsoo franziu o cenho e sacou o celular do bolso, checando se tinha perdido alguma notificação importante, mas não havia nada de novo. É válido ressaltar que o Kim ficou tão confuso e curioso quanto o menor.

— Volto já. — Ele murmurou, mais para Jongin do que para os demais, e saiu, não fazendo a mínima ideia de quem poderia ser. — Pietro? — Assim que passou da entrada do anexo, viu seu amigo e seus pensamentos ficaram mais embaralhados ainda. Kyungsoo só tinha visto Pietro uma vez naquele dia, no começo do almoço, ao negar quando ele se ofereceu para comprar para si.

— Oi. — Pietro andava em círculos e parou no momento em que viu Daniel. Estava com as mãos enfiadas dentro dos bolsos da calça jeans, e não tinha uma expressão muito boa no rosto. Parecia muito incomodado com algo. — Será que a gente pode conversar, Soo? — falou com dificuldade e pigarreou.

— É claro que pode… — Kyungsoo inclinou a cabeça para a frente, estudando-o. Ficou preocupado com o amigo de imediato, nunca tinha o visto naquele estado. — Agora?

— Sim… agora — confirmou e o Do assentiu, pronto para ajudá-lo com o que quer que fosse.

— Certo, pode falar, Pietro — anunciou, chegando mais perto do outro. — O que foi?

— Aqui não. — Pietro alternou o olhar entre Kyungsoo e o segurança, que podia escutá-los até mesmo se falassem moderadamente.

— Ok — sibilou Daniel. — Vamos andando, então… — sugeriu e o outro concordou.

Portanto, em total silêncio, eles andaram pela área externa de NewFort, a brisa da noite fazendo o Do alisar os antebraços por cima do suéter de tecido grosso; apesar de achar as roupas de inverno confortáveis, era um pouco sensível ao frio.

Eles acabaram no estacionamento da escola. Kyungsoo parou diante do primeiro carro que viu estacionado e encostou-se preguiçosamente. Estava moído, seu corpo doía da cabeça aos pés, principalmente suas costas, que imploravam por descanso. Fora isso, sentia tanto sono que bocejava a cada novo minuto.

— Então… — murmurou Daniel, esticando os braços e movendo o pescoço para se alongar um pouco. — Sobre o que você quer conversar, Pietro? Aconteceu algo?

— Sim, aconteceu… — Quando o italiano confirmou, Kyungsoo arrumou sua postura, ficando sério. A preocupação já doendo muito mais do que qualquer desconforto físico. Levantou um pouco o olhar para encarar o amigo e passou a prestar completa atenção nele. — Faz tempo, na verdade.. que esse algo aconteceu. — Eles estavam a poucos metros de distância. Pietro chutava algumas pedrinhas no chão, como se combatesse algum receio. — Aliás, desde o começo do meu intercâmbio, há quase três anos...

“Ok, agora isso tá ficando estranho”, Daniel pensou, cruzando os braços à frente do corpo.

— Eu pensei que esse tipo de coisa não existia, que era impossível isso acontecer tão rápido, mas… Daniel… — O italiano disse o nome alheio assim que seus olhares se encontraram. — Eu preciso te contar uma coisa — começou. Seu peito subia e descia rápido. — Eu juro que tentei guardar isso para mim, mas não aguento mais! — exclamou, cansado. — De verdade, eu perdi as contas de quantas vezes engoli o que vou te dizer agora.

Pietro respirou fundo e cerrou os punhos, sem acreditar que finalmente tinha reunido coragem o suficiente. Chutou mais uma pedrinha, dessa vez para muito mais longe que as outras, e foi se aproximando aos poucos de Kyungsoo, que, em reflexo, descolou-se do capô do carro e deixou os braços caídos ao lado do corpo.

— Eu sei que isso vai soar repentino — avisou Pietro —, mas eu gosto de você. — A frase veio quando ele ficou a palmos do rosto de Daniel. Kyungsoo viu estrelas, mas de uma forma ruim, de uma forma que o atordoou. Era como se estivesse em órbita feito um satélite desativado, sem rumo e sem propósito. Também sem um traje de astronauta, porque sentiu o ar faltar em seus pulmões. — Eu gosto muito de você... desde a primeira vez que nós nos falamos, naquele dia em que você me ajudou a achar um livro na biblioteca, eu gosto de você — continuou, enquanto o menor estava imóvel, os olhos arregalados e os lábios partidos. Cada vez que seu amigo conjugava o verbo gostar, Daniel se desesperava mais. — Eu não acreditava nessas coisas à primeira vista, mas elas são verdade… foi assim que eu comecei a gostar de você. — O Do engoliu seco, a sua boca ressecando como se tivesse visto um fantasma. — E isso pesa no meu peito toda vez que eu estou ao seu lado. Quando você sorri, me abraça, ou quando de repente me chama pra te levar em livrarias no outro lado da cidade… sempre que eu estou com você, essas palavras ficam entaladas na minha garganta! Eu gosto de você! — repetiu mais uma vez, enfático.

Kyungsoo engoliu seco de novo, perplexo. Seus ouvidos escutavam tudo que Pietro dizia, cada sílaba, mas seus olhos foram tomados por flashbacks de todos os momentos em que algum de seus outros amigos insinuou que ele e o italiano formariam um belo casal. Todas as brincadeiras que considerou piadinhas bobas tinham um fundo de verdade? E só ele não tinha sacado ainda as intenções de Pietro? E o que poderia fazer se Pietro tivesse interpretado suas ações como algo romântico? Como diria que foi tudo um grande mal entendido e não o enxergava daquela forma?

— E eu tentei demonstrar isso aos poucos, mas você, esse tempo todo, não parece ter entendido o que eu queria… o que eu quero. — Pietro disse isso para aliviar Kyungsoo de sentir culpa, e o próprio Do percebeu. O italiano não queria acusá-lo de nada, era só um desabafo, uma confissão frustrada. Porém, mesmo assim, Kyungsoo se sentiu culpado por não ter se dado conta do sentimento alheio antes. Se tivesse, poderia ter evitado que ele sofresse tanto, não poderia? Bem, o menor achava que sim, ainda que essa situação toda fosse muito mais complicada que isso. — Então eu... tentei até me afastar de você, tentei mesmo. Sumi no recesso de inverno porque pensei que ficar longe de você fosse fazer meu sentimento diminuir e, assim, quem sabe, eu conseguisse sufocar a verdade dentro de mim mais um pouco — bateu no próprio peito, sem força —, porque eu não quero perder a sua amizade… — Pietro engoliu seco e parou de falar. Seus olhos estavam molhados e isso fez Kyungsoo gelar de tão nervoso. — Eu…

Pietro aproximou-se mais e mais. Suas mãos, também gélidas, alcançaram o rosto de Daniel, fazendo o menor estranhar mais ainda o contato. Ao sentir os dedos alheios deslizarem por sua bochecha, enquanto era encarado com tamanha profundidade e tristeza, Kyungsoo sentiu seu coração batendo em sua garganta.

— Eu só resolvi te dizer isso agora porque… — O italiano pausou para puxar o ar. À medida que ele dizia, seu hálito morno batia na ponta do nariz e nas bochechas de Daniel. — Eu senti que você está se afastando de mim mais e mais. — Ao ouvir a afirmação, Kyungsoo quis explicar ao amigo que isso era apenas impressão dele. Em nenhum momento parou para pensar e decidiu ir excluindo Pietro de sua vida, jamais faria isso. Só não estava grudado nele, para cima e para baixo, porque vivia super ocupado, muito mais do que o de costume. Contudo, nada conseguiu dizer. — E, eu não sei, depois que você não quis que eu fosse pegar seu almoço, eu… — “Não foi nada isso, é só que eu trouxe comida de casa!” Daniel quis exclamar, mas as palavras não saíram. — Eu decidi que estava na hora de você saber de tudo. 

Quando Pietro tocou seus lábios, Kyungsoo sentiu todas suas forças irem embora. Parecia que tinha sido nocauteado, seu corpo não reagia aos seus comandos, não conseguia mover um músculo sequer de tão chocado com tudo que ouviu.

— Eu gosto de você... — O polegar do italiano continuava acariciando a boca de Daniel, que partiu-se quando seu queixo caiu.

Jongin, que observava a cena ao longe, interpretou tudo errado. Completamente errado. Tinha saído da quadra junto a Kyungsoo, com a consciência pesada por estar indo bisbilhotar a vida alheia, e só continuou porque viu que o tal aluno que queria falar com o Do era Pietro; tinha ciúmes deles desde sempre, isso não era novidade.

Já estava tranquilo porque, de início, tudo o que viu foi dois garotos, muito amigos, conversando — e mesmo que um deles, por acaso, fosse o que tinha acabado de se declarar para ele, não tinha nada demais. Entretanto, o coração do Kim começou a apertar quando viu a distância entre eles diminuir. De onde estava, não conseguia estudar nada sobre o assunto que falavam, mas não existiam muitas possibilidades que justificassem Pietro estar tão perto de Daniel como ele próprio estava na noite anterior.

E, no momento em que viu o italiano tocar em Kyungsoo, Jongin quase perdeu o controle. Deu um passo para a frente, pronto para ir até lá e perguntar o que Pietro achava que estava fazendo com seu futuro namorado, mas resolveu parar quando um pensamento lhe invadiu. Se Kyungsoo quisesse mesmo ser seu futuro namorado, não deixaria nada acontecer, certo?

Por isso, quis chorar quando Daniel partiu os lábios. Mil e uma paranóias iniciaram uma roda punk na mente de Jongin, que engoliu o choro e cerrou os punhos. Que merda de cena era aquela se desenrolando diante de seus olhos? Por que era tão sufocante se sentir traído?

Quanto mais decidia assistir, aquilo só piorava, ao ponto de Pietro inclinar o rosto para beijar o menor. Por que Kyungsoo não empurrou ele? Por que não parou aquilo? Por quê? Por que ele estava prestes a beijar outra pessoa depois de tudo que lhe disse? Era isso que as pessoas faziam depois de se confessar? Viravam as costas e agarravam a primeira oportunidade de decepcionar quem gostavam?

Jongin saiu dali antes que mais perguntas o fizessem enlouquecer, lágrimas finas rolando insistentemente por suas bochechas como se ele nunca mais fosse capaz de conseguir parar de chorar.


Notas Finais


NÃO ME MATEM, TENHAM FÉ
Muito obrigada por acompanhar essa história!
Nos encontramos logo (no último capítulo /surto


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