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História Mais que uma escolha - Sem cura


Escrita por: nanacfabreti

Capítulo 8 - Sem cura


                                               ***********

— Sabe o que eu acho, não sabe? —Gabi perguntou do outro lado da linha.

—Que eu sou uma vadia? —quis saber sua opinião depois de contar como eu estava conduzindo meu relacionamento com Marcus.

Ela gargalhou.

—Claro que não! Mas, sério, esse cara te ama, não brinque com ele —ela me advertiu.

Respirei fundo.

—Eu sei, por isso deixei bem claro que vamos com calma —comentei sentindo o remorso começando a me corroer. —O pior é que ele acha que é o culpado por todo esse estrago.

 —Maria Cecília! —ela gritou e eu me assustei. — Deixe que pense, e nem ouse comentar com ele a passagem do furacão Alex em sua vida.

 —Não...eu não vou —afirmei sabendo que mesmo errada, essa era minha única opção. —Esse vai ser um segredo, meu e seu.

—E do Alex, não é?

 Arfei ao ouvir aquela frase.

—É.

—Lia, —ela começou e eu sabia, apenas por seu tom, que não viria boa coisa —e se o Alex aparecer, te procurar agora. Já imaginou ?

Parei por um minuto, olhei ao redor do meu quarto tentando me imaginar numa situação daquelas.

—Isso não vai acontecer, ele se decepcionou comigo, acabei passando uma imagem errada do que sou.

 —Sei lá, Lia...Se foi tão intenso pra ele como foi pra você, acho que esse risco existe sim. —Gabi parecia realmente preocupada.

 Eu não tinha dúvidas de que aqueles dias com Alex significaram muito para ele também. Esse é o tipo de coisa perceptível, e eu tinha certeza de que eu não fora apenas uma conquista para ele. A maneira com que ele se magoou em nossa última conversa, dava a dimensão do quanto ele estava envolvido comigo.

 No final, o que partilhamos, foi o tipo de situação que mesmo rápida, muda a sua vida para sempre, e eu sabia disso, que sempre teria algo dele em mim, e que talvez, nossa história tivesse de ser daquela maneira.

 Foi nisso que me agarrei para conseguir seguir em frente. Não adiantava ficar pensando que deveria ter feito diferente, eu não tinha como mudar o passado. Assim, com o decorrer dos dias e das semanas, enquanto Marcus voltava a ganhar cada vez mais espaço em minha vida, Alex vinha se tornando apenas uma memória boa, tal como são as lembranças de uma viagem maravilhosa, daquelas que você não volta o mesmo.

 

 

                                                      ***********

Faltavam dois dias para meu vigésimo aniversário, e também dois meses do dia em que conhecera Alex. Sim, eu ficava contando.

 Como cairia num começo de semana, Marcus fez questão de comemorarmos no sábado, e por isso ganhei folga da floricultura. Ainda não classificávamos nossa relação como namoro, isso porque eu continuava agindo com cautela.

 Por mais contraditório que pudesse parecer, eu estava evitando ir pra cama com Marcus. Essa foi a forma que eu encontrei de me redimir por ter dormido com Alex, em um primeiro encontro.

  Por muitas vezes, peguei-me julgando a mim mesma, meio que    inconscientemente,  por ter agido assim.

Não vou mentir, Marcus e eu estávamos mesmo progredindo, sem contar que ele era lindo e gentil, além do mais, aquela versão de namorado arrependido, acabou adicionando á ele um fator x, e quando nossos beijos ficavam mais acalorados, era apenas esse sentimento de culpa que me segurava.

 Naquele dia, depois de me pegar em casa, fomos direto para a dele, Marcus estava ansioso para me mostrar seu jaleco oficial.

 —Viu? Tem meu nome bordado —ele se gabou, entregando-me a peça para que eu olhasse.

 —Uau! Agora eu senti firmeza —elogiei, passando os dedos sobre seu nome escrito com linha azul royal.

 Ele retomou o jaleco e o vestiu por cima da roupa enquanto se olhava no espelho, depois, pegou o estetoscópio e colocou-o em seu pescoço.

—O que acha? Pareço-me mesmo com um médico? —ele indagou com os braços cruzados, seus olhos não desgrudaram dos meus.

 Não sei dizer se sua intenção foi parecer sedutor, mas, se fosse, ele tinha acertado em cheio. Meu coração chegou a acelerar, ele estava perigosamente sexy.

—Acho que as mães vão preferir serem examinadas no lugar de seus filhos, doutor Marcus... —Ajeitei-me na sua cama.

Ele estreitou os olhos e caminhou lentamente em minha direção.

—E você, Lia? O que acha de ser examinada por mim? —Ele colocou o estetoscópio em seu ouvido e sentou-se ao meu lado. —Deixe-me ouvir seus batimentos... — Encostou o aparelho bem no centro do meu peito.

 Comecei a rir, começava a ficar nervosa.

 —Shiiiiiiii. —Ele fez sinal com o dedo, para que eu parasse, depois olhou para o relógio em seu pulso. —Cento e vinte batimentos por minuto, nada mal.

 —Eu sei, sou totalmente saldável —sussurrei diante do seu olhar sedutor.

—Vamos fazer um teste então... —Ele se inclinou ainda com o aparelho em meu peito, começou a beijar meu pescoço, depois roçou os lábios pelo lóbulo da minha orelha e por fim colou sua boca na minha.

 Á principio aquele beijo foi calmo e delicado, bem ao estilo de Marcus, depois sua língua se aprofundou mais, com rapidez e vigor, enquanto a mão que estava livre corria por meu corpo sem reservas, ansiosa como há tempos não fazia. Senti uma vertigem, um arrepio bom e então ele se afastou.

 —Melhoramos. —Ele sorriu malicioso. —Não sei ao certo quanto, porque em algum momento eu parei de contar, mas posso afirmar, chegamos perto de duzentos batimentos por minuto.

—E isso é bom doutor? —Entrei na brincadeira.

 Marcus permaneceu em silêncio, apenas me olhava e sua respiração ficou curta.

—Isso significa que eu ainda exerço alguma influencia sobre você, sobre o seu corpo e isso me deixa muito feliz. — Marcus parecia uma criança que acaba de ganhar um brinquedo desejado.

No fim, ele estava certo, Marcus mexia comigo, e independente de qualquer coisa, nós tínhamos uma conexão que vinha se reestabelecendo, graças á ele, que com tantas atitudes bacanas só demonstrava o quanto ele era especial.

 Aquele pareceu-me o momento certo para tirar a prova de que eu estava curada. Tirei o aparelho de seu pescoço e o coloquei sobre o criado mudo, depois, desabotoei seu jaleco, devagar, adorando ver as expressões variadas no rosto de Marcus. Ele mostrava-se surpreso, não esperava minha iniciativa e confesso que eu estava gostando daquilo.

 Vestida em uma camisa com uma dúzia de botões, abri um a um sem desgrudar meus olhos dele, que àquela altura já engolia á seco. Quando terminei, Marcus não se segurou, grudou meus cabelos e passou a me beijar sem intervalos.

—Eu te amo Lia! —sussurrava em meus ouvidos. —Te amo muito.

Eu deveria ter dito que também o amava, mas naquele dia não consegui, era como se algo me impedisse, mesmo com todo meu esforço. Bem, eu sabia do que se tratava, meu freio tinha nome e sobrenome, no entanto, eu não podia permitir que ele se colocasse entre mim e Marcus, não naquele momento.

  Limpei meus pensamentos e encarei-o entregando-me á ele completamente, foquei em tudo de bom que vínhamos dividindo desde que nos conhecemos, só nós dois. Mentiria porém, se dissesse que que esquecera Alex, mentiria se dissesse que aquela “segunda primeira vez com Marcus” dera a mim as resposta que eu precisava, só que eu estava conformada, imaginava que seria isso, Alex sempre estaria presente, como uma sombra.

—Podia dormir em casa, não acha? —Marcus reclamou com o carro parado em frente de onde eu morava.

 —Confesso que ainda tenho um certo receio quanto aos seus pais, não sei o que eles estão pensando de mim... — admiti fazendo carinho em seu rosto.

—Boba! —Ele riu. —Agora que voltamos a namorar oficialmente, vocês vão ter que se entender.

—Quem disse que voltamos a namorar? —provoquei, cessando as carícias.

Marcus se inclinou e me beijou, seguindo com leves mordidas na minha orelha.

 —Você não é o tipo de garota que faz sexo casual, então... —ele sussurrou em tom escarnio e eu entendi a brincadeira, mas admito, aquela frase me atingiu como uma bala de canhão.                                       

                                   ****************************

—Que merda Lia! Eu não acredito que ele falou isso! — Gabi surtava no telefone.

Eu mal me despedira de Marcus naquela noite e já estava pendurada com a Gabi numa ligação urgente.

 —Agora você imagina a minha cara? Eu devo ter empalidecido na hora —choraminguei. —Pior , estava tudo indo tão bem...Eu podia dormir sem essa!

 —Lia, acho que estamos dramatizando tudo isso, afinal, não pode vestir todas as carapuças que encontrar pela frente —ela afirmou depois de poucos minutos em silêncio. — Me disse que ele falou de brincadeira, não é?

 Eu estava abalada, andando de um lado para o outro do quarto.

—No contexto geral ele estava brincando, só que quanto ao meu comportamento não, afinal Gabi, eu não era mesmo o tipo de garota que faz sexo casual... —repeti a frase dita por Marcus e senti o peso de cada uma daquelas palavras esmagando a minha dignidade.

—Não era...Eté se aventurar com o Alex. —Gabi deu-me a impressão de ter pensado alto.

 —Não repete isso —implorei. —Eu nunca pensei que me meteria numa encrenca desse tamanho.

—Nem eu Lia! —Ela riu. —Esse é o tipo de coisa que Gabriele Muniz, faz.

Na segunda-feira, no dia três de setembro, acordei com vinte anos de idade, e sinceramente, para mim, que não era ligada em simbologias, esse era apenas um dia, ou melhor, o dia em que eu mudava de idade.

 Recebi os parabéns dos meus pais logo pela manhã, a mesa fora posta de modo especial, muitas das coisas que eu gostava estavam ali, inclusive elas, as benditas peônias...

 —Lia, sei que gosta mais das coloridas, mas não tínhamos, então pedi para a Lucia fazer esse vaso com as brancas mesmo. —Minha mãe beijou o topo da minha cabeça e depois sentou-se em minha frente.

—Fiz salada de frutas com mel, muito mel... —Foi a vez de ser paparicada por meu pai.

—Olha, muito obrigada por estarem sendo tão...Pais — sorri com carinho para os dois —,só que eu não vou poder fazer hora aqui, não posso me atrasar para a faculdade.

 Depois de engolir o café da manhã, dirigi com a cabeça ocupada de um jeito perturbador, por pensamentos  sobre Alex, sobre nosso último encontro e sobre como eu ainda me amaldiçoava por ter sido tão mórbida naquele dia.

—Dois meses... —falei baixinho, imaginando se ele também estaria se lembrando.

Algo dentro de mim, a parte doentia e contaminada de Maria Cecília, alimentava a esperança de que eu chegaria até a faculdade e ele estaria lá, esperando por mim.

 —Você é mesmo louca! —reclamei enquanto tentava fazer a maldita baliza pela terceira vez.

 Em meu curso, poucos sabiam sobre meu aniversário, e eu fiz questão de me manter introspectiva, não estava lá nem um pouco animada em receber os parabéns.

Mal coloquei meus pés na floricultura e Lucia veio ao meu encontro, abraçou-me com animação e depois ficou com um ar misterioso.

— Lia, entregaram um presento pra você. —Ela sorriu com os olhos arregalados. —Está lá dentro.

 —Marcus... —Sorri já seguindo para os fundos da Florista.

 Sobre a mesma mesa de vidro, onde há tempos fora colocada a caixa vermelha dada por ele, dessa vez era outra caixa. De madeira escura, na tampa havia um timbre com duas letras “S”, que formavam um símbolo, símbolo esse que eu reconheci, só não me lembrava de onde.

Curiosa, ergui a tampa, bati os olhos naquele conteúdo e senti o baque, achei que fosse desmaiar. Revestida de veludo azul marinho, três fileiras de doces finos variados, colocados dentro de forminhas que pareciam joias, ao lado, separados por uma divisória, uma garrafa de espumante, o mesmo do casamento da irmã de Alex.

Fechei meus olhos e me lembrei daquele símbolo, Saint Sucré, a doceria que fornecera os doces e o bolo da festa da irmã de Alex... Claro! Por isso eu me lembrava. Vi   naquele sábado em Santo Valle o símbolo nas vans e no fundo das forminhas por todo o dia. Como esquecer?

 Sabia que não era coincidência, só uma pessoa podia ter me enviado aquilo e apenas para confirmação, busquei desesperada por um cartão. Nada.

O quê ele estava pretendendo com aquilo? Queria que me lembrasse do sabor dos seus beijos?

—Idiota! Acha mesmo que eu poderia me esquecer? —insultei-o baixinho, e ainda atordoada, fui falar com Lucia.

 —Quem trouxe a caixa? —questionei ansiosa.

 —A própria doceria fez a entrega. —ela respondeu depois de me encarar com estranheza.

 —Nenhum cartão? —Continuei, tentando reestabelecer minha sanidade, ou o pouco que restava dela.

Lúcia balançou a cabeça em negativa.

—Não, a moça apenas entrou e disse que era uma entrega para Maria Cecília.

Passei a mão em minha testa, notei que estava trêmula.

—Minha mãe está na estufa? — perguntei prestes a desabar.

—Sim, e seu pai foi até aquele sítio buscar umas mudas...

—Certo. —falei voltando para dentro, peguei a caixa e passei por Lúcia como uma ventania. —Se as coisas apertarem por aqui, pode me chamar, estarei em casa.

 Ela apenas balançou a cabeça positivamente. De alguma forma ela parecia me entender.

 Em meu quarto, com a porta trancada sentei-me no chão, de frente para aquela maldita caixa. Eram quase duas da tarde, eu veria Marcus somente à noite e muito rapidamente, ele estava numa semana de provas e por isso o foco era a faculdade.

 Para mim foi ótimo, eu teria tempo de me recompor.

 Permaneci na mesma posição por mais de uma volta do relógio, olhando para os doces e para a garrafa, tentando entender, tentando decifrar se existia alguma mensagem subliminar ou algum sinal.

 Era tão injusto que Alex estivesse fazendo aquilo comigo, me mandando um presente, se é que aquilo podia mesmo ser chamado de presente, sem me dar chance de resposta, sem que eu pudesse indagá-lo quanto aquilo, afinal, ao que me constava, ele estava na Argentina.

  Abri meu guarda roupas e ergui uma pilha de blusas dobradas, sob elas a revista que  aposentada há uns bons dias. Nem precisei folhear para ter acesso às páginas desejadas, eu já passara por elas tantas vezes, que estavam quase soltas.

 —Justo agora que eu estava começando a seguir em frente, Alex? — Reclamei enquanto olhava para ele ali sorrindo.

 Como era de costume, quando se tratava dele, meu juízo costumava tirar férias. Peguei as chaves do meu carro e saí, dirigi sabendo exatamente onde queria chegar. Santo Valle.

 Eu não tinha ideia do que faria assim que estacionasse meu carro em frente á casa de Alex, mas era para lá que eu estava indo. Quando dobrei a esquina, as mesmas sensações da última vez que estive lá tomaram contas de mim. A mesma angustia, os meus joelhos trepidando e o ar que não conseguia chegar aos meus pulmões.

 Com dificuldade de pisar no acelerador, parei algumas casas antes da dele. Não havia nenhum carro estacionado nas ruas daquele quarteirão, e com o celular nas mãos e o número de sua casa no visor, eu me dividia entre apertar o botão discar, ou não.

 Um, dois, três toques, no quarto uma voz feminina atendeu. Ela dizia alô, enquanto eu sentia minha voz desaparecer.

 Claro, eu estava louca mesmo. Desliguei o telefone e cobri meu rosto com minhas mãos, de repente caí em mim, olhei para os lados sem ter a mínima ideia do que estava pretendendo com aquilo.  Como minha mãe dizia quando alguém perdia o juízo falei a mim mesma:

—Lia, você não está batendo bem!

                                                 *************

—Isso meio que já passou dos limites, você não acha? —Eu, outra vez ligava para a Gabi.

 —Eu sei...E desculpa ficar te alugando o tempo todo com isso, só que você é a única com quem eu posso falar sobre Alex... —Comecei a chorar. — Isso está me enlouquecendo, parece uma doença...

  Ela arfou.

—Olha, eu estou no meio de uma aula —Gabi sussurrou —,segure as pontas e me espere, daqui á pouco chego em sua casa, e Lia, tente não fazer nada do que possa se arrepender.

 Eu me esquecera de que Gabi tinha aulas práticas ás segundas-feiras, ela fazia Educação Física e eu estava lá, atrapalhando minha melhor amiga.

 Passava das seis da tarde quando reconheci o barulho do motor do carro de Marcus, e eu ainda estava em meu quarto, com todas as lembranças de Alex espalhadas pelo chão. Enfiei tudo no guarda roupas e desci para encontrá-lo.

—Meu amor, parabéns! —Ele me abraçou com força. —Isso é pra você. — disse entregando a mim um embrulho pequeno.

 Abri, era uma pulseirinha de ouro com um fecho de coração.

—É linda Marcus! —Fui sincera. —Muito obrigada! —Entreguei-a para que ele  colocasse  a joia em mim.

—Que bom que gostou. —Ele me beijou. —Agora tenho que correr, preciso estudar, amanhã tenho uma prova daquelas.

 —Certo, vou ficar fazendo pensamento positivo. —Abracei-o para me despedir e fiquei em seus braços por um tempo.

 “Como eu queria que isso bastasse...” — pensei.

 —Está tudo bem, Lia? —Ele acariciou o meu rosto e eu estava quase chorando.

—Sim —menti. —Acho que é só aquela depressão que as mulheres sentem com a iminência da velhice...

 Marcus riu.

 —Você é impossível! —Ele me deu mais um beijo. —Te amo —declarou antes de partir.

 —Eu sei —murmurei sorrindo, ao mesmo tempo que sangrava por dentro.

 Depois de um longo banho, lágrimas e auto piedade , coloquei um pijama e decidi me torturar um pouquinho mais, afinal, estava apegada a ideia  de que a dor era para ser sentida.

  Coloquei meu CD do Nickelback para tocar, peguei a revista, a caixa e joguei-me  sobre minha cama, liberando todas a lembranças daquela semana de amor vivida com Alex. Todas elas e então, o esforço que eu vinha fazendo para esquecê-lo, estava indo por água á baixo. Eu não estava nem aí, queria mesmo outra overdose.

—Lia! —Ouvi meu nome vindo do lado de fora do quarto. Era a Gabi.

 —Oi. —Abri a porta e a deixei entrar, minha voz estava fanha.

—Eu. Não.Estou.Vendo.Isso! —ela falou pausadamente, correndo os olhos por toda a cena que parecia ter saído direto de uma novela mexicana.

— Passe as chaves na porta —pedi voltando a me deitar.

 —Esse é algum tipo de ritual pré -suicídio? —Ela caminhou até meu aparelho de som e abaixou o volume. —Never goona be alone? Essa música faz até mesmo uma pessoa feliz, chorar.

  Permaneci em silêncio. O que eu poderia dizer?

—Lia, eu sei que já te falei, e não quero parecer redundante, mas isso —ela apontou para a revista—,é doentio.

 Sentei-me e abracei minhas pernas.

—Eu estava indo bem Gabi, aí ele vem e me manda essa droga de caixa. —apontei para o presente , agora com apenas metade dos doces. —Eu não estou sabendo lidar...

 Ela pegou um brigadeiro.

—Posso? —perguntou ressabiada antes de colocá-lo na boca.

—Claro. —Comi um também.

—Como tem certeza de que foi ele?

 Peguei a revista e mudei de página.

—Olha aqui— mostrei com o dedo —,o mesmo champanhe, e veja os doces, até as forminhas o desgraçado mandou fazer iguais. — Fixei meus olhos na foto da mesa de doces do casamento de Chiara.

 —É. —Gabi ficou na mesma posição que eu. —Você tem razão, agora, esse cara deve ter um parafuso a menos, igual a você... Mandar um negócio desses á troco do quê?

Dei de ombros, eu não tinha mesmo noção de sua intenção.

— Eu cheguei a pensar em ligar para a doceria e perguntar alguma coisa, só que vira e mexe eles participam dos mesmos eventos que nós, fico com medo de minha mãe ficar sabendo, de surgir algum comentário, sei lá.

 —Claro, eu não arriscaria, só que esse nem é o ponto, não é Lia? —Gabi balançou a cabeça com desaprovação.

 —Já sei... —respirei fundo— Eu estou com o Marcus e sério, nós estamos bem, eu só não esperava por isso, além do mais, eu sou humana.

Gabi ficou pensativa e depois fez uma meia careta.

 —Tudo bem Lia...Já que você está aí, submersa em toda essa lama emocional, vamos fazer as coisas direito então. —Ela se levantou e caminhou até a porta.

 —Aonde vai? —indaguei sem querer que ela fosse embora.

 —Vou até a cozinha, pegar taças e gelo...Vamos beber esse champanhe e acabar com esses doces. Vou deixar que  me conte mais uma vez, tudo o que sentiu nos dias em que esteve com Alex.—Ela levantou o dedo—Só que amanhã ,você não toca mais nesse assunto, sério, isso  vai ter que acabar.

  Balancei a cabeça concordando, eu sabia que ela estava certa.

—Tudo bem...Digamos que esse vai ser o velório, mais tarde faremos o enterro...

  Gabi arqueou as sobrancelhas.

—Isso, boa garota!

Na manhã seguinte, acordei mais cedo que de costume, sabia perfeitamente que tinha algo de suma importância para fazer.

Movida por uma força inédita, peguei a caixa que estava largada no chão cheia de forminhas vazias, a revista e também o conjunto de lingerie preto e dourado, além do cartãozinho de quando ele foi até a floricultura. Fechei tudo ali dentro e apesar de simbólico, senti naquele ato, um real desejo de apagar Alex da minha vida, de uma vez por todas.

 Depois que enfiei a caixa no maleiro, sob um monte de cobertas e edredons, junto de algumas outras velharias, respirei com um certo alívio.

—Descanse em paz, Alex... E que sejam novos tempos... —sussurrei como se fosse uma prece.

 Assim, como se os céus tivessem me ouvido, minha vida, antes um trem desgovernado, começava finalmente a entrar nos trilhos. Um, dois, três anos se passaram desde o meu vigésimo aniversário e nenhuma outra notícia de Alex.

 Quanto a Marcus e eu, tudo ia muito bem. Nosso namoro atravessava uma ótima fase, estávamos mais maduros, e eu me sentia menos pressionada. Com o término do meu curso, além do prazer que eu tinha encontrado em trabalhar na Florista, os planos de uma filial na região, ganhavam cada vez mais força.

 Estávamos a uma semana da minha formatura e então, eu seria oficialmente uma administradora.

—Eu nem acredito que estaremos reunidas em uma festa! —Gabi parecia uma colegial animada.

Ela se referia ao fato de eu ter convidado as outras três meninas, Carol, Marina e Emily, para minha formatura e todas terem aceitado ir. Nos últimos tempos, era cada vez mais difícil conciliar nossas poucas horas vagas.

—Fico feliz também —afirmei checando pela terceira vez, minha lista de confirmação.

 —E está tudo certo para quinta-feira? — Gabi debruçou no balcão.

—Sim, eles entregam nossos vestidos aqui. Eu recebi o e-mail da loja de aluguéis, hoje mais cedo —tranquilizei-a.

 Minha amiga continuou ali, me rodeando como se quisesse alguma coisa.

—Fala Gabi...O que você está escondendo? —desafiei-a cruzando meus braços, esperando por uma resposta.

—Não, é que... —ela começou—Não fez sua conta no facebook, não é?

Balancei a cabeça negativamente. Eu era totalmente avessa a essa coisa de rede social e enquanto ouvia todo mundo falando sobre cutucar, curtir e compartilhar, eu sequer me interessava em saber o que aqueles termos significavam.

 —Não fiz e nem pretendo —resmunguei. —Eu vivo em Monte Real, essa é a maior rede social que pode existir —ironizei.

 Ela fez uma careta, mas continuou com aquele ar.

 —Sabia que dá para encontrar qualquer pessoa, de qualquer parte do mundo? —Ela ergueu uma das sobrancelhas.  Entendi o recado.

 Encarei-a séria, aquela garota era mesmo impossível, mas como negar? Obviamente ela conseguira aguçar minha curiosidade.

—Certo. Você já o procurou? —Quis saber resignada quanto ao meu interesse.

— Não, eu esqueci o sobrenome dele. —Ela deu a volta e se colocou ao meu lado, em frente ao computador. —Podemos fazer isso agora!

 Pensar que poderia bisbilhotar a vida de Alex, e que isso estava ao meu alcance, pareceu-me tentador. Por outro lado, eu sabia que não era o certo a ser feito, mexer em algo que estava quieto, adormecido...

 —Acho melhor não fazermos, Gabi, eu tenho medo de como isso pode me impactar.

 —Credo Lia, quem escuta pensa que estamos falando de algo ilícito, como se você fosse um membro do A.A. — Ela riu com sarcasmo.

—É... —Fechei minha boca —sem dizer que era mais ou menos assim. Só eu sabia por quantas vezes usei o mantra do, só mais um dia, para conseguir conter meu desejo de revirar aquela “caixa de pandora”, que ficava no maleiro do meu guarda- roupas.

            Gabi deu um empurrãozinho para me afastar e logo já estava movendo os dedos sobre o teclado do computador.

—Vai Lia, como ele se chama mesmo? —Ele me encarou depois de digitar o nome Alexandre.

 —Eu odeio você! —reclamei sentindo a curiosidade me dominar. —Collerman, com dois “L”, falei, já sentindo o efeito que apenas seu nome me causava.

Meus olhos não desgrudaram da tela do computador, enquanto as fotos apareciam. Nenhuma era dele.

—Merda! —ela sibilou. —Nenhum resultado. —Gabi voltou-se a mim com um ar de indignação. —Em que mundo esse cara vive?

—Tente Alex Collerman —sugeri, àquela altura do campeonato, eu estava mais do que ansiosa.

 Ela digitou o nome e sim, lá estava ele, os mesmo olhos verdes hipnotizantes, e aquele sorriso que era meu lugar preferido no mundo. Irretocável, e como me fez bem poder vê-lo ali, finalmente numa imagem diferente das que eu tinha na revista.

—Pronta para saber tudo sobre a vida dele, depois que vocês... —Gabi olhou para mim, talvez tenha percebido que aquilo podia não acabar bem.

 Respirei fundo assentindo, não tinha volta.

—Vai Gabi, agora que começamos...

Como eu não entendia nada daquilo, Gabi começou um mexe, clica e volta, mas nada. As informações pessoais eram vagas, no entanto, descobrimos que ele estava mesmo morando na Argentina. Quanto as fotos, apenas a da capa e outras duas.

 Em uma Alex estava atrás de uma mesa de escritório, sentado com um lápis na mão, na outra, em frente a um bar com outros três rapazes, inclusive, reconheci um deles, Denis, da festa de casamento.

 —É, ele deixa tudo bloqueado para quem não é amigo...Quanto egoísmo!

—Talvez seja melhor assim. —Comentei sentindo-me estranha.

—E se eu mandar um convite de amizade para ele? —Ela se animou.

Balancei a cabeça, aquilo não era certo, eu acabava de tirar prova de que Alex até podia ser página virada, mas não um livro fechado.

—Vamos esquecer isso Gabi, eu não quero cutucar essa ferida — pedi séria, e ela entendeu.

—Ok. —Ela já desconectava da internet.

Bem... Dali em diante, acabei retrocedendo algumas casas no jogo da vida. Criei uma conta no facebook, claro que não com meu nome verdadeiro e sem fotos, não queria que ninguém soubesse da minha existência virtual, eu apenas acessava minha conta para poder acompanhar a vida de Alex, e mesmo sendo tão pouco o quê tinha, para mim era tanto...

Eu não via mal naquilo, e ficava imaginando quantas pessoas no mundo não faziam o mesmo que eu.

Não comentei nem com a Gabi, embora fora ela a percursora daquela situação. Antes de dormir eu me conectava e ficava ali, olhando para aquelas três miseras fotos. Como o ser humano tem uma capacidade extraordinária em ser autodidata, principalmente nas coisas que não se deve, eu, sem muito ter que me esforçar, comecei a entender melhor a dinâmica daquela maldita rede social.

“Chiara Collerman”, pesquisei lembrando-me da irmã de Alex e ponto para mim! Encontrei-a e para minha felicidade, as fotos dela eram liberadas, centenas delas e nesse meio, Alex, presente em tantas que me senti como se tivesse ganhado na loteria!

 Havia vários registros de viagens, desde praias ensolaradas até lugares cobertos por neve. Festas de aniversário, natal, réveillon, e em algumas, Alex aparecia abraçando uma garota morena, muito bonita, devo admitir. Seria sua namorada?

 Senti raiva da garota, raiva e ciúmes, como se ela estivesse pegando algo que era meu. Desliguei o computador e fui dormir tomada por um mau humor de dar medo.

 “Bem feito pra mim...!” —Pensei sem conseguir pegar no sono. Eu estava tão irritada, e não me conformava que mesmo depois de todos aqueles anos, eu ainda sentia aquilo tudo por Alex. Não era normal, não podia ser normal.

 Então a imagem dele e suas tantas viagens me incomodaram ainda mais. Em três anos, a vida dele parecia ter sido mais divertida e bem aproveitada, que a minha em vinte e três, e ao diferente de mim, tive a certeza de que Alex já nem devia se lembrar da minha passagem em sua vida.

Consumida pela dúvida, entrei na caixa de mensagens e digitei um texto enorme, nele eu contava detalhes sobre o meu sofrimento, sobre a minha raiva e sobre o meu amor. Com o cursor do mouse sobre a palavra, enviar, pensava e repensava nos prós e nos contras de fazer contato com ele.

—Maria Cecília...Isso não é nada bom... —aconselhei a mim mesma, seduzida por aquele click.



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