1. Spirit Fanfics >
  2. Marfim >
  3. A Harpia

História Marfim - A Harpia


Escrita por: Nocturnall

Capítulo 13 - A Harpia


Já fazem setenta e duas horas que Megan não passou nenhum relatório ou qualquer notícia nem a nós e nem a corporação. Ela está em um missão para eles, por isso não temos todos os detalhes. Siris é a Guardian particular de Megan, ligada diretamente a Corporação e ela lhe acompanhará a Miesta Vilkay. Eu não confio nela, mas Megan sim. Então devemos ter um voto de confiança desta vez. Porém, mantenha-se calado e apenas ouça o que ela tem a dizer. Nem Cid e nem Claus poderão acompanhar você, muito menos eu. Você está registrado como auxiliar externo de Megan, por isso tem mais chances de acompanhar Siris. Além, é claro, de mostrar um grande talento furtivo em ouvir conversas particulares e entrar em locais proibidos. Vá para Miesta Vilkay e descubra o paradeiro de Megan, se possível a traga de volta. Nos informe assim que possível.

 

Essas foram as últimas palavras de Melena antes de partir para minha primeira missão como "Guardian". Nunca a tinha visto daquela forma, falando tão seriamente. Parecia até mesmo ser mais velha do que aparentava. Sempre tão sorridente e esbanjando charme, Melena era o tipo de mulher que você não imagina dando bronca ou falando seriamente com alguém. E a forma como ela falava, a urgência e a preocupação que tinha com o paradeiro de Megan, me deixava apreensivo.

Naquele mesmo dia conheci a mulher a quem chamavam de Siris. Ela era alta e magra, os cabelos negros lisos escorridos sobre os ombros, usava uma franja que, acredito eu, era uma tentativa de diminuir a sensação de estar diante de um robô. Assim como Kaiow, Siris andava, falava e agia como um robô, ou talvez ainda pior. Estava sempre séria e respondia apenas o que lhe era perguntado. Usava os trajes dos Guardians, a roupa colada de cor cinza com as listras azul neons. Fui obrigado a vestir o mesmo traje, já que a acompanharia como uma Guardian da empresa Slayer.

Eu a acompanhei até uma monstruosidade de metal a qual davam o nome de Harpia. A Harpia nada mais era do que uma nave, um avião, um amontoado de metais, cabos, placas e fios que podia voar. Minha admiração se tornou ainda maior após entrar naquela máquina voadora. Eu já tinha estudado sobre ela e Cid havia me contado para que servia cada botão e cada parte daquela nave, mas só após estar dentro de uma, sentado em meu acento, é que podia saber o que realmente era tudo aquilo. Fascinado, olhava para o painel a minha frente, que piscava com várias  luzes, cheio de botões e comando. Sentada no acento ao meu lado estava Siris, rígida como sempre. Colocou o cinto e o fone, mexeu em alguns botões e então me lançou um olhar gélido. Entendi sua mensagem, sem nem mesmo precisar falar. Afivelei o cinto e coloquei o fone que estava em um suporte acima de minha cabeça.

Eu ainda estava tenso quando a nave decolou, ouvi Siris falar com alguém da cabine de comando. A Harpia era uma das centenas de naves que estavam em um hangar em Marfim. Para ser sincero a grande estrutura não era tão diferente dos demais prédios espalhados pela cidade. Havia, era fato, uma longa pista para a decolagem de aeronaves como aquela, mas haviam outras que não precisavam de impulso para levantar voo. Todas aquelas máquinas pertenciam a Corporação e a logomarca estava estampada em toda elas. Porém, a Harpia não possuía qualquer identificação. Era uma nave negra, simples perto das demais. Algo para não ser visto, não ser notado.

 Depois daqueles meses convivendo na presença de Cid, o silêncio que era aquela cabine me deixava um pouco tenso. Eu observava o céu passando do lado de fora da janela, era difícil enxergar o mundo lá fora. Foi quando ouvi a poltrona de Siris ranger e ela se voltar em minha direção, desafivelando o cinto e retirando o fone.

-Já estamos longe de Marfim. Tenho ordens para lhe explicar o que vem acontecendo.

A olhei de canto e permaneci assim por um tempo, até entender que ela não faria nada além de me encarar até que me voltasse para ela e ouvisse o que tinha a dizer. Foi o que fiz. Suspirei, cruzando os dedos.

-Sou todo ouvidos.

-A Corporação Slayer está no desenvolvimento de novas tecnologias com implantes neurais complexos, o que tem gerado uma série de polêmicas não só em Marfim mas em outras grandes metrópoles. Com o intuito de desviar a atenção da mídia dos estudos biotecnológicos da empresa, senhorita Megan foi enviada para a pequena cidade de Miesta Vilkay, como uma distração.

Movi-me desconfortavelmente no acento, apesar do mesmo ser bem mais confortável que minha cama nos aposentos de Limiar, e olhei para ela, confuso.

-Megan deve ser alguém bem importante para ser usada como cobaia. -sorri, tentando quebrar o clima tenso, mas Siris permaneceu séria me encarando.

Silêncio. Até que ela voltou a falar, e suas palavras seguintes me nocautearam.

-Senhorita Megan é filha do CEO da corporação Slayer. Ela é a herdeira de toda a corporação. Obviamente qualquer passo que a filha do CEO David Christopher Morrigan Slayer de para além de Marfim atrairá não somente a mídia como também a atenção dos fanáticos Tempest.

Ela levantou-se, deixando a Harpia voar livremente pelos céus ao comando do piloto automático, enquanto eu tentava compreender o que as palavras dela realmente significavam.

-Quer dizer... -consegui falar depois de algum tempo- Que ela é realmente a "chefa"?

Siris mexia em alguns papeladas que retirou de uma gaveta até então oculta na parede da cabine, voltando para mim e entregando os papeis. Neles haviam a foto de uma garota de olhos e cabelos cinzentos, era muito jovem, nada além dos dezessete anos. Porém, ao olhar melhor, conseguia identificar os traços de Megan.

-É ela.

-Senhorita Megan tem muitos disfarces, mas esse é o oficial o qual ela usa para se mostrar ao mundo como filha de David.

-Mas... Ela...

-A jovem de cabelos negros -continuou Siris, interrompendo minhas palavras, mas entendendo minha confusão- É a verdadeira Megan, mas ninguém realmente sabe isso. -ela suspirou, um sinal bem humano de cansaço. Ela desviou os olhos antes de voltar a me encarar- Aquela mulher que está no comando do Limiar me avisou que você não sabia nada a respeito de Senhorita Megan e disse para continuar em silêncio, já que esta foi a última ordem da senhorita. Porém. -ela revirou os papéis, colocando um acima dos outros- Esta é a última mensagem que recebi dela.

Diante de mim havia um e-mail impresso, as palavras eram curtas e diretas.

"Miesta Vilkay possuí um vórtice, tenho certeza disso. Há algo muito estranho e sobrenatural acontecendo por aqui. Busque Khalian, o traga com você. Conte a ele a verdade sobre mim."

Reli aquelas palavras algumas vezes antes de erguer o olhar para Siris.

-O que isso significa?

Ela olhava pela janela da cabine, lá fora a escuridão da noite nos engolia.

-Talvez senhorita Megan tenha encontrado uma forma de lhe devolver a memória ou de enviá-lo ao seu verdadeiro lar.

Arqueei a sobrancelha ao ouvir aquilo. Siris não me olhou.

-Ela me falou sobre você. Sou a Guardian particular de senhorita Megan e ela me contou tudo, até mesmo sobre o que acontece em Limiar. Mesmo que Melena não saiba.

 

Siris disse que iria dormir e me deixou na cabine sozinho. Se ela realmente era capaz de dormir eu não tenho certeza, mas agradecia aquele momento a sós comigo mesmo e as informações que ela me passou, tanto sobre Megan como as que me contou depois daquilo. Ela havia me contado que sob as ordens de Megan encontrou o local de onde eu provavelmente teria vindo, ou de onde eu havia partido após perder a memória. O porto de Lamúria possuía uma arena de batalhas. Provavelmente eu era apenas mais um escravo rebelde, obrigado a batalhar em troca de um pouco de comida. Lamúria, pelo que constava no arquivo cedido por Siris, era uma cidade portuária mercantil com uma variedade bastante grande de culturas. Havia algumas pistas sobre quem seria meu antigo "senhor", porém, nada que confirmasse ou esclarecesse meu passado. Era obvio que se eu queria descobrir quem era ou como havia chegado ali, precisaria ir pessoalmente a Lamúria. Porém, o que quer que Megan houvesse encontrado, talvez pudesse me ajudar de alguma forma.

Novamente encontrei a página onde estava a foto de Megan de cabelos cinzentos, haviam alguns dados a seu respeito, mas não sabia se poderia realmente acreditar neles.

 

Nome: Megan Akasha Morrigan Slayer

Data de nascimento: Não consta

Pai: David Christopher Morrigan Slayer

Mãe: Eleonora Morrigan Slayer

Tipo sanguíneo: Não consta

Naturalidade: Marfim

 

No final da curta lista haviam alguns dados que eu desconhecia, dígitos seguidos de letras entre outros caracteres. Gostaria de saber o que significavam. Ainda folhei aqueles papeis durante algum tempo antes que o cansaço e sono me derrubassem.

 

 

 

 

 

 

O cheiro de terra molhada e sangue invadia minhas narinas. As gotas de chuva que tocavam minha pele ardiam. Meu corpo estava sendo arrastado. As pedras contra minhas costas, os cabelos longos grudados em meu rosto. O gosto de sangue em minha boca. Abri brevemente os olhos. Minha visão turva não identificava nada, apenas um céu escurecido pela chuva que caia. Alguém me arrastava pelo braço esquerdo, a dor do braço quebrado havia sido tanta que naquele momento já não era mais capaz de sentir nada. Nada além da chuva e do desejo que a morte em breve me encontrasse.

Novamente forcei meus olhos a abrirem e esperei até que finalmente a imagem a minha frente focasse. Quem quer que estivesse me arrastando estava guiando uma fila de guerreiros alados que usavam armaduras bronze. As asas fechadas próximas ao corpo. Cada um arrastando um de meus companheiros, além de criaturas de pele bordô. Eles marchavam em silêncio, não fosse o barulho dos corpos em atrito contra o chão. Todos os alados estavam atentos a algo. Espadas, machados, clavas, arcos em mãos. Virei a cabeça para o lado, estavam costeando um despenhadeiro, não havia nada além dele, nada além de uma queda sem volta. Não para eles, para os alados e suas gigantes asas brancas, manchadas de sangue e terra.

Respirar se tornava cada vez mais difícil, quem dera poder enxergar. Mas eu me esforçava. Por que a morte não logo aparecia para me levar? Por que ainda me arrastava daquela forma? Por que não davam fim aquela tortura? Fechei os olhos com força e, quando os abri, achei ter visto uma miragem. Algo de minha mente. Voltei a fechar os olhos, porém, o som de surpresa vindo dos alados me fez voltar a olhar. O que estava acontecendo?

Não, aquilo não era uma miragem, muito menos algo criado pelo meu desespero e delírio. Diante de nós uma ponte translúcida surgia, o material de seu feitio poderia ser o mais belo e brilhante cristal, não fosse o fato de simplesmente desaparecer conforme se mudava o ângulo do olhar.

O alado que segurava meu braço soltou-me num baque. Mais uma vez senti a tontura, a ânsia, o gosto do sangue. Rangi os dentes no mesmo momento em que vi surgir no fim daquela ponte, uma torre que surgia do nevoeiro do despenhadeiro e subia para o infinito céu do entardecer, desaparecendo por entre as nuvens. Do grande portão que ligava a torre a ponte, uma jovem de cabelos azuis e vestes negras surgiu saltitando e sorrindo, mas, ao erguer os olhos parou imediatamente. Tentei olhar para os alados, mas a figura exótica daquela garota, de pele tão clara, cabelos tão azuis, a expressão de espanto tornando-se medo,  me impedia de tirar os olhos dela. A garota deu um passo para trás, temerosa, porém, antes que pudesse voltar para o portão de onde havia saído, os alados levantaram voo, partindo em sua direção.

Eu queria poder gritar, queria poder me levantar e correr até ela. Independente de quem fosse, aqueles alados não estavam ali para lhe fazer uma amigável visita. Fechei os olhos com força, sentindo meu estômago embrulhar, sentindo-me fraco e inútil, sentia minhas forças se converterem em ódio. Com meu braço são soquei o chão e então me coloquei a levantar. Com o dobro de esforço que precisava para fazer tal ação, finalmente consegui ficar sentado, mas, o mundo ao meu redor pôs-se a girar. Chacoalhei a cabeça e tentei focar em algo, mas tudo girava, tudo parecia estar cercado em névoas.

Então, acreditei que finalmente meu corpo havia se entregado ao delírio da morte quando vi raízes despontarem da terra como chicotes e espinhos. As árvores rangeram e pareciam se aproximar cada vez mais do despenhadeiro. Cipós e ramos se emaranhavam para tornar uma corda rígida e firme que ia contra o céu numa investida enlouquecida contra os alados que agora davam meia volta, atacando aquela fúria da natureza que estava contra eles.

Me inclinei para frente, abaixando a cabeça para então pegar impulso e tentar ficar em pé. O que consegui foi ralar meus joelhos já machucados contra o chão. Apoiei-me em minha mão para não cair novamente. As raízes surgiam de todos os lados e eram, em grande parte, cortadas e aniquiladas pelos alados que estavam envolvidos de mais com aquela insana batalha que nem sequer notaram que eu ainda estava vivo. Os corpos de meus companheiros e dos demônios, despojados pelo chão a beira do despenhadeiro, jaziam imóveis.

Tentei me aproximar de um deles, tentei encontrar uma arma, tentei reagir, mas meu corpo já não mais respondia a meus comandos. Eu estava fraco de mais, ferido de mais. Ergui a cabeça olhando para o céu. A chuva ainda caia, calma e suavemente, banhando meu rosto. Deixei meu corpo obstruído tombar para trás. Deixei que o som da batalha se tornasse apenas um ruído em minha já conturbada mente.

-Você está vivo. -ouvi uma voz ao longe- Eu vou ajudar você.

Abri os olhos com esforço. Pelo menos meus olhos ainda reagiam. De joelhos ao meu lado estava a mais bela mulher que eu já tinha visto. Uma elfa de longos cabelos negros e olhos azuis, sua pele tão clara estava um pouco suja de terra. Era um pecado estar ali, em meio aquela batalha. Mas, suas roupas também estavam sujas, eram apenas trapos. Tentei falar algo, mas minha garganta estava seca.

-Tudo bem, não fale nada, sairemos logo daqui.

Antes que pudesse pensar em como ela me tiraria dali, senti o chão abaixo de mim estremecer e em segundos um casulo feito de raízes se formou ao nosso redor.

Cheiro de terra.

A falta de ar.

Desespero.

Escuridão.

Silêncio.



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...