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História Massacre de Realengo - One Shot - O Monstro e os Anjos


Escrita por: ClaraMarques04

Notas do Autor


É um assunto delicado de ser falado e de ser escrito, em nenhum momento quis ofender ou perturbar quem quer tenha lembranças de tal fato. Por ter sido real é mais difícil de retratá-lo nas palavras por ser horrível. E pior ainda é saber que as pessoas são tão insensíveis que comparam Realengo com Columbine, esquecendo que ambos massacres tiveram vítimas inocentes de mentes perturbadas.

Queria deixar claro que não quis em nenhum momento inocentar o assassino, até porque nenhuma vontade brutal deve ser feita por conta de mágoa ou prazer. Nenhuma religião pode corresponder ao ato. Nenhuma dor resta a não ser dos sobreviventes e dos pais que têm marcas eternas daquele maldito dia. Então, não, eu apenas o tornei mais humano e tenho as bases dos noticiários e de informações colhidas por vídeo.

Porque... Se ele queria acabar com Bullying, que fosse pelas palavras e não pelas armas.

Capítulo 1 - O Monstro e os Anjos


BASEADO EM FATOS REAIS

 

Setembro, 2001 – Realengo, RJ

As diversas conversas ecoavam nos corredores da escola, cada voz tinha o nível do timbre. Alguns baixos, outros altos, e pessoas que se contêm no sussurro. Mas a voz dele não tinha som nenhum. Suas palavras ficam guardas na cabeça que fica sempre cabisbaixa para evitar o contato visual. Mesmo tentando evitar a conversa vinha de forma importuna, quer dizer, risadinhas e piadinhas não são as melhores falas para um teatro ou até mesmo para um Standup. O volume é alto e contagioso o suficiente para envolver os presentes no pátio.

O garoto esgueirou-se na direção do corredor das salas de aula pronto para qualquer fuga. As meninas tinham crises de risos, seguindo os moleques sedentos de diversão nas custas dos outros.

- O Sherman sempre fugindo... – comenta um garoto, rindo.

- Na saída ele não vai ter chance. Ele é um boboca. – gargalharam as garotas.

Saída... Sempre na saída. É de utilidade pública saber que do outro lado do portão a escola perde a responsabilidade, por isso é mil vezes melhor atacar na saída, na terra sem lei. Do portão para dentro a história é outra. Pouco preocupa os conflitos que existem entre eles, o que importa são as notas e o desenvolvimento educacional.

Nas carteiras mais afastadas o garoto tinha a mesma postura nos intervalos. Escondia o rosto nos braços dobrados na madeira prevalecendo-se o silêncio. Ignorava as bolinhas de papel acertadas na cabeça ou as provocações audíveis, só queria que a droga do sinal tocasse. A matéria é escrita no quadro negro, mas seu caderno está em branco, nada disso vai mudar seu futuro. Que pensamento triste, diz a professora assim que o vê encolhido na parede.

Ele podia estar de boca fechada e a cabeça cheia. Cheia de dor, sangue que mesclavam nas lágrimas contidas, aquilo basta. Ergueu a cabeça permitindo a luz do sol te cegar, no mesmo instante a munição de papel acertou-lhe em cheio na têmpora acompanhado de risadinhas. O garoto não queria mais, não mais, aquilo basta. Aquilo basta!

O sinal tocou, o suor desce na testa, o sangue esfria, hora de correr. Correr é a melhor opção quando se é incapaz de revidar, é o mais sensato, seria melhor se alguém da plateia parasse o show. Que plateia respeitosa. Fica quieta pronta para aplaudir.

- Preciso ter uma conversa com você. – disse a professora, impedindo a fuga e o ataque. O garoto treme ao perceber que a senhora se dirigia ao mesmo. – Com licença, senhores. – Os meninos reclamam da boa sorte, que, envolveu como manta nos ombros dele. Próximo da mesa, a professora abre a pasta onde os números de vermelho se destacam na mesma linha no nome do dito cujo. – Suas notas só pioram desde o primeiro bimestre. Os outros professores também disseram o mesmo. Se quer frequentar uma boa faculdade, se quiser ter um futuro neste país seus números têm que aumentar...

A senhora continuou a falar, mostrando-se preocupada e de certa maneira, ele entendia. Ver aqueles números baixos lhe chama a atenção. Não é o pavor de ser reprovado. Não é questão de se sentir burro. É uma questão maior...

- A gente deve medir o homem pelos números?

A professora parou de falar na hora. Uma pergunta deveras interessante e estranha partindo de uma criança, quase que um pré-adolescente. A senhora pensou ter ouvido errado, mas de testa franzida o garoto encara as notas baixas, mostrando estar ciente. Ela entrelaça os dedos antes de responder.

- Estamos falando de seu desenvolvimento escolar, então, neste caso sim.

- E o adulto que já saiu da escola? Lá fora ele é bom por causa dos números grandes?

- Se ele sabe o que está fazendo... – responde a professora, procurando o senso da pergunta. -... É claro que vão parabenizá-lo. Enfim, estamos entendidos?

O gesto de concordância veio pela compreensão filosófica, as notas, talvez, continuariam no vermelho.

Nem a conversa na sala impediu que os outros fossem embora e cantar liberdade. Queriam diversão. E fugir... Dá tempo de fugir. Mas é covardia quando três te encurralam com direito a assistência de outras meninas. Agarram-lhe pelos braços puxando-o para o banheiro masculino, as garotas abriram a porta da cabine. Os dois enfiam a cabeça dele dentro do vaso sanitário, enquanto o outro pressiona a descarga. O garoto se afogou no resto de urina e na água que descia frenética. De rosto molhado e com dificuldades para respirar. Tudo o que ele ouvia naquela minúscula cabine eram os deboches de seus “colegas” e as provocações.

Tem uma platéia razoável, que só pede bis.

As garotas que até então ficaram nos risos, resolveram alisar o corpo dele.

- Vamos mexer com ele, vamos sacanear ele.

 Causando-lhe repulsa. Quanto maior a repulsa maior é o deboche. Elas não parariam. O cheiro de urina mesclado no abuso resulta no embrulho estomacal. Mesmo o garoto vomitando, não deixaram partir. A idéia se agravou a ponto de virar cruel demais, mas foi a oportunidade de fuga que o permite sair.

E subia a rua de volta para casa no calor de quase quarenta graus, sentindo o fedor da urina e as agressões pesarem os ombros. Já em casa, nada lhe confortou mais do que saber que de noite iria para a igreja junto da mãe e dos irmãos. Nem mesmo no conforto das palavras ele conseguia extrair amizades. Só cumprimenta de trás da saia da mãe.

Certo dia ainda em Setembro, todos os telejornais reportam o ataque nos Estados Unidos do dia 11. Ataque nas famosas torres gêmeas que, ainda, supostamente, Osama Bin Laden planejou. As cenas causam choques em qualquer um, inclusive no garoto que nem piscava diante da televisão. Números são estimados, são grandes, grandes demais para qualquer ser humano.

***

7 de Abril, 2011 – Realengo, RJ

Todas as outras crianças de sapatos caros, é melhor correrem mais rápido que minha bala – Pumped Up Kicks, Foster for People

Tinha que dar certo. Ia dar certo. Por que não daria? Está tudo pronto. O vídeo, a carta, sabe bem o que irá fazer. E vai dar certo. E se não der? Por que não daria? Eles pensaram nos seus sentimentos quando te prensavam no chão? Não. Não. Nunca pensaram. É a única maneira de vingar eles. É o único modo deles aprenderem a respeitar os fracos e inocentes. Não haverá mais agressão contra os menores. A injustiça há de acabar. Você será aclamado como justiceiro, como herói.

A mesma voz que grita no subconsciente prestes a subir. Plano que vai sair do papel, a garganta seca, a respiração falha e os murmúrios anunciando com o êxito da insanidade.  Os dois revolveres cutucando-lhe o quadril de forma discreta nos bolsos, o equipamento é dos bons e o motivo é convincente.

O zelador se curvava na frente do portão para amarrar os sapatos, um olho eletrônico no canto superior, isso não o intimida. Notando a presença dele do lado de fora o zelador pergunta o que ele procura naquela hora da manhã, o rapaz pigarreia e dá a entender que quer buscar cópia do histórico escolar que pediu semanas atrás. Sem saber o funcionário libera a entrada para o assassino.

Algumas coisas mudaram ali, desde a cor das paredes até o formato das janelas. Ouvia sussurros do passado arrepiando sua espinha andando no corredor deserto. Saindo de uma porta depara-se com um rosto familiar no cenário estranho, os cabelos grisalhos mostram grande parte da consequência dos dez anos passados. Nada discreto e desesperado demais para realizar o ato encontra o porto seguro naquele avental amarelo.

- Se lembra de mim? – pergunta nada discreto, pegando a senhora de surpresa. Depois do susto ela o analisa da cabeça aos pés, tentando ser sincera na resposta. Incrível como a professora o conhecia e não sabia de quem se trata. – Quando estudava aqui a senhora me disse certa vez que quando um homem sabe o que faz ele alcançará o auge. Meus números não vão me decepcionar hoje.

A intenção é outra, sabia disso, só queria refrescar a indiferença da mulher diante dos insultos  dos maiores sobre o mesmo.

De dentro da sala de aula a professora passa a matéria se deliciando do silêncio dos alunos. Como de costume, assim que a lousa fica cheia vem a explicação teórica e foi assim que ele entrou, interrompendo a aula. Mesmo irritada pela imprudência permite que o palestrante entre. Encarou a sala de ponta a ponta vendo tantos rostos juvenis, olhares curiosos e um tanto inocentes prontos a ouvir.

O homem com toda sua frieza saca o Calibre 38 do bolso esquerdo, dando o primeiro tiro numa garota da fileira do meio. Atira seis vezes e pega a segunda arma usando-a também. Mochilas e mesas ao chão, sangue nos uniformes brancos, choro e gritos... Tudo fica abafado a ele. Ele se torna o monstro enfim...

Escolhas mínimas e de extremo risco: correr e passar por ele ou esperar entre os feridos a salvação. Encolhido no corpo do colega, o menino sussurrava orações imaginando um ser celestial abraçando-o, derrotando o monstro com o poder avassalador da luz. O menino teve a oportunidade de olhar diante dos olhos da criatura, olhar vermelho de ódio e malicia. O frio na barriga aumenta assim que a arma é apontada na sua direção... Cadê você meu anjinho da guarda?

- Fica tranquilo, gordinho... – resmunga o monstro, abaixando o revólver. O pequeno abre os olhos lentamente, encarando o ser alado iluminando a cabeça dele, apertando o braço com muita força com a outra mão. – Contigo não vou fazer nada. – garante, antes de soltar bala no peito da garota ao seu lado. Garota no qual não tinha sido protegida pelo anjinho.

Nunca o porte físico, aquele que é motivo de gozações e de piadinhas, foi o escudo humano. O menino agradece saindo da sala aos cambaleios, seguindo o fluxo de crianças desesperadas. Tiros foram ouvidos, desta vez da sala do lado. Um berro rouco infantil faz com que o policial entre no cenário da chacina.

Tantas almas no bolso eram poucas para ele. Precisava de mais. Precisava provar que o controle é dele. Tinha que calar as malditas vozes, abafá-las com os gritos. A pose de maioral é atingida no tórax, um dor insuportável. Nem sabia o quão a morte podia ser fria, ele ainda tinha chance antes de congelar.

Vamos... Que venha de tua vontade do que a alheia... Ele é impuro, o oposto de ti... FAÇA!

O tiro na cabeça faz o monstro parar de matar...

Faz as vozes se calarem, restando só as dos familiares que buscam a esperança de sentir o abraço inocente e oferecer segurança, conforto e alivio. Coisa que pais de doze crianças tiveram que substituir isso por lágrimas de desespero.

A presidência dá três dias de luto, a mídia faz matérias especiais, especialistas tentam compreender a sanidade do autor do massacre, creches ganham nomes das vítimas, a escola quer abafar, e no velório a borboleta azul pousa de caixão em caixão até chegar no céu para dar luz a elas... As crianças do Massacre de Realengo.

 

 

 


Notas Finais


EM MEMÓRIA

Ana Carolina Pacheco da Silva
Bianca Rocha Tavares
Géssica Guedes Pereira
Igor Moraes
Karine Chagas de Oliveira
Larissa dos Santos Atanásio
Laryssa Silva Martins
Luiza Paula da Silveira Machado
Mariana Rocha de Souza
Milena dos Santos Nascimento
Rafael Pereira da Silva
Samira Pires Ribeiro


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