História Me deixe entrar - Capítulo único

Atormentado por meus pesadelos e fantasmas eu bebia meu wisky sentando neste quarto novamente.. Todas as noites após o jantar, dia após dia, mês após mês, ano após ano... Minha vida se resumia a este quarto e a vaga lembrança de sua dona. Pensava em como fui estúpido por deixa-la ir e orgulhoso o suficiente diante de sua morte ao não deixa-la descansar, amaldiçoei-a todos os dias a partir daquele dia, e todas as noites me arrependo amargamente disso.

            O quarto de Cathy continuava intocado... as mesmas cortinas, o mesmo entalhe na parede. Posso até senti-la pensar pelo quarto, andando de um lado para o outro em busca das respostas para seus dilemas. A vingança veio doce, penso eu... Olho o meu copo quase vazio e penso em todas as pessoas que enganei ou roubei, todos os olhares de amargura direcionados a mim enquanto deixava minha trilha de mentiras e podridão... A vaga lembrança de minha esposa vem a mente a até mesmo a face de meu filho fraco me tira alguns segundos.. Mas agora vejo que o velho Earnshaw tinha razão, pois você pode dar riquezas ao homem, porém nunca irá tirar a pobreza dele..

            Ouço o vento tintilar as colheres de bronze e lembro me novamente do motivo desse lugar amaldiçoado chamar-se O morro dos ventos uivantes. E ao mesmo tempo que me levanto, vejo na penumbra da janela seu rosto... Novamente. E seus sussurros quebram o silêncio de meus pensamentos; Sou eu Heathcliff, Cathy... Sua Cathy... Deixe-me entrar.

            Toco a janela pensando em como isso me tortura lentamente, mas Cathy nunca foi uma boa garota... Penso que ela vem se certificar de que eu sofreria até o último dia da minha vida... Quando ela finalmente viria me buscar para irmos juntos ao inferno. Abro o trinco da janela e ouço-a bater com força na parede, o uivo do vento se torna mais forte ricocheteando meu rosto, ferindo a carne. Observo as charnecas obscuras e vejo um vulto passear livre pela paisagem. Inevitavelmente recordo nossa infância e amaldiçoo aqueles dias que me lembravam vagamente a sensação de felicidade que ambos tínhamos sem saber..

            A cólera me toma o ser e atiro o copo na parede... Novamente. Caio de joelhos fraco, indomável, incorrigível... Como posso viver sem minha vida? Como posso viver sem minha alma? Repito novamente. E novamente escuto seu maldito sussurro Sou eu Heathcliff, Cathy... Sua Cathy... Deixe-me entrar.

- Diabos Catherine! O que mais quer de mim? Grito inconsolável. - Porque não me leva logo! Ao invés de me presentear com sua ausência? Tornou-me louco!

            Ouço a porta bater e me deparo com o fruto da minha desgraça. Cathy me olha ofegante e desnorteada como se tivesse corrido uma longa jornada. Levanto-me com dificuldade e a olho de esguelha.

- O que faz aqui bruxa maldita?

- Vim ver o quão amaldiçoado o senhor é, senhor Heathcliff. Ao ponto de ser atormentado por seus próprios pecados.

- Vá embora peste, volte para seu quarto! Empurro a com força e bato a porta novamente. Como se já não bastasse sua ausência, tenho que conviver com o fruto de meu erro ao deixa-la. Maldita seja Catherine Earnshaw, por me deixar uma parte sua como herança de outro. Deito-me em sua cama e fecho os olhos relembrando seu cheiro ainda vivo nos lençóis maltrapilhos e adormeço em agonia eterna por sua falta e o forte desejo de tê-la novamente.