Ameliè Bernstein estava cansada.
Mais uma noite ficou sem dormir, envolta em lembranças - ou pesadelo do mundo real, como dizia - e seus negros olhos se encheram de lágrimas quando ninguém estava por perto. Quando ninguém a julgaria. Quando podia se fechar no seu mundo e ser ela mesma, e não precisaria usar a máscara da falsa alegria.
"Não sinta, não pense, apenas faça.”
Mais uma vez aquela voz atormentava sua mente.
Voltaria a ser o que sempre foi: um fantoche.
Repentinamente entrou num buraco negro, e de lá não saiu, fora engolida pelo vazio... A pequena garota adormeceu exausta.
E do mesmo modo que dormiu, despertou.
Fora ao banheiro, e se olhou no espelho. Viu uma jovem de cabelos ruivos, longos e ondulados, totalmente revoltos e rodeando seu pequeno e infantil rosto repleto de sardas. Viu também sua pele branca, com cicatrizes do seu passado, hematomas do presente e olheiras ao redor dos olhos negros, denunciando uma noite mal dormida. Tirou suas roupas, revelando um corpo um tanto marcado pelo tempo, e pela dor. Mal comia, o que a fazia ser magra a níveis doentios... Era apenas mais uma garota.
Tomou um banho, tentando purificar-se de tudo o que passou, mas como imaginava, não deu certo. As memórias continuavam lá.
Banho tomado, era a hora de ir à escola... Um pequeno inferno, onde reprimem até o que não existe.
Onde se encontram as criaturas mais monstruosas de todas... Humanos.
E onde todas as cicatrizes começaram, com empurrões, xingamentos, socos, chutes, facas, enfim... Foi apenas o princípio. Ameliè olhou o céu, e até o céu azul e o sol brilhante pareciam estar zombando dela... Aquele não seria um bom dia.
Entrou no grande colégio trajando seu típico uniforme - calça jeans escura, camiseta roxa, moletom azul e all stars vermelhos - e logo passaram as líderes de torcida olhando-a de cima a baixo, aos risos e a ofendendo, coisa que era comum.
Ela apenas ignorou, indo ao seu armário e retirando seus materiais, logo procurando sua sala.
A ruiva nunca era deixada em paz... Sempre tinha alguém no corredor para julgá-la.
"Lésbica, nerd, estúpida, monstro."
Era isso e outras coisas mais que ouvia durante o dia, e que fingia ignorar. Apenas fingia, porque se magoava com cada um deles.
Durante as aulas, tentava prestar atenção, mas seus pensamentos sempre vagueavam, até que o professor chamou-lhe a atenção, arrancando risos da sala e jogaram bolinhas de papel nela quando o professor não via.
Bullying. Era disso que chamavam? Devia ser... Mas independente do nome, doía saber que não era amada.
Que ninguém gostava dela.
Mas, para a surpresa dela, um garoto a chamou pra sair.
Ele se chamava Aaron Cullman. Era um jovem de cabelos lisos e negros, olhos num tom de castanho claro, alto e com a pele levemente bronzeada.
Ela gostava dele fazia anos, então aceitou.
Mas não devia.
Ele a chamou pra ir à casa dele.
E chegando lá, ele fez pipocas, escolheu um filme e a ofereceu um copo de suco.
Ela aceitou, e depois que terminou-se o filme, a comida e a bebida, ele queria algo mais.
Mas ela não queria entregar-se, tinha medo.
E você, que está lendo, deve pensar: ele foi uma boa pessoa e a entendeu.
Mas não.
Ele dormiu com ela, querendo ela ou não.
Ele a invadiu.
A violou.
E ela não conseguiu fugir.
Estava presa a tudo isso.
E quando ele saiu de cima dela, tudo o que ela fazia era chorar.
Se sentia suja.
Se sentia como a pior pessoa que podia existir.
Vestiu-se sem olhar para ele e saiu de sua casa.
Mas não parou por aí... Ao chegar em casa, Ameliè foi ao espelho.
Viu-se, viu a pequena e frágil moça que era.
E deu um soco no espelho, fazendo com que o vidro entrasse em sua mão direita.
Ao ver o sangue cair no chão tão branco do banheiro, deu um sarcástico sorriso.
Retirou caco por caco da mão, ainda apreciando o sangue fluindo de sua mão até o frio chão onde estava.
Chega de máscaras.
Ela pegou uma faca na cozinha.
Voltou ao banheiro e olhou o espelho quebrado.
Sorriu uma última vez, e atravessou a faca em seu pescoço, e com sua força restante, retirou-a de lá, e sabe qual foi a sua última visão?
A de seu sangue caindo, de tudo acabando e um escuro tomando conta de si.
O buraco negro a engoliu novamente, mas nunca mais acordou.
Tudo o que ela queria era apenas que a aceitassem do jeito que ela era.
Que a amassem.
Queria ser feliz.
Mas lá se vai Ameliè... Uma garota tão cheia de morte.
E de vida.
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