— Dois shots de soju, Jin, por favor. — peço, já sentada em uma das banquetas do bar junto a Taehyung, vendo a cabeça do maior afirmar e seu corpo seguir para um lugar distinto — Então, Tae... o que tem te deixado assim? — inclinei minha cabeça para poder analisar melhor seu rosto, que carregava uma imensa tristeza.
— É difícil... tudo. — seus dedos longos desenhavam algo indecifrável na superfície amadeirada do balcão do bar. Uma pausa em sua fala foi feita assim que Jin se aproximou novamente.
O líquido transparente escorregou do interior da garrafa, indo diretamente para os minúsculos copos. Jin fez questão de enchê-los até o limite, algo como uma cortesia para nós.
— Deixarei os dois à vontade. — Seokjin se inclinou e eu sorri fraco em sua direção, agradecendo por toda sua gentileza.
Voltei a olhar na direção de Tae e ele não havia se mexido nem sequer um milímetro, continuava da mesma maneira que estava antes de Seokjin aparecer. Logo sua voz grossa voltou a alcançar meus ouvidos e eu pus-me a manter toda minha atenção em suas palavras.
— Minha mãe tem osteoporose... — ele novamente interrompe sua fala e leva vagarosamente seus dedos até o copo pequeno como o soju — Nós descobrimos isso faz um tempo, deve ter uns dois ou três anos.
— Existem remédios que podem ajudar nisso, ela já foi a um médico, certo?
— Sim, ela toma os remédios certos, mas acontece que eu tenho medo, medo de acontecer algo com ela de novo. — ele prontamente pega o copo com a bebida e toma tudo de uma vez, batendo com o fundo do copinho sobre o balcão, fazendo uma careta cuja qual ele nem mesmo tentava disfarçar — Nós só descobrimos a doença porque ela tinha quebrado a ulna. Eu estava ajudando ela com a louça e meu pai chegou, como sempre, bêbado em casa. Foi até o freezer e percebeu que não tinha a bebida dele gelada. — Taehyung fechou os olhos e respirou fundo, soltando todo o ar lentamente. Era possível ver sua fúria pela maneira como ele apertava o copo. Sem mais nem menos, empurrei o meu até ele. O barulho do vidro arranhando a madeira fez com que ele abrisse os olhos. Ele viu a bebida em sua frente e depois olhou para mim, como se pedisse permissão para pegá-la, apenas fiz um simples sinal com a mão de “vá em frente”.
Sua mão rapidamente se apossou do copo e o levou até sua boca, despejando o líquido tão rapidamente quanto Jin quando as colocou no copo. Novamente o barulho do fundo do copo sobre o balcão e a careta desagradável.
— Ele simplesmente empurrou as costas da minha mãe contra a pia com tanta força que conseguiu quebrar o osso dela... ele quebrou o braço dela! — Taehyung parecia mais estressado que o normal. Passei minha mão sobre suas costas em uma tentativa de acalmá-lo. Não dirigi nenhuma palavra para ele, apenas deixei-o desabafar tudo antes que pudesse dizer algo.
Me virei um pouco e avistei Jin, logo fazendo um sinal que ele entendera que queria mais duas doses.
— Foi aí que a gente descobriu que ela tinha a osteoporose. Ela toma os remédios, mas eu não deixo ela fazer muita coisa, sempre tento lavar a louça quando tem, varrer o chão quando ele está sujo e por aí vai... não é porque meu pai é um sujo que eu vou deixar que minha mãe viva na imundíce. — Jin se aproxima, despejando novamente o conteúdo da garrafa de soju.
Os olhos de Tae acompanhavam a bebida traçando seu caminho ao copo, se assemelhando a água que cai do bico da torneira. — Mas, então... eu acho que ele ainda não entendeu a gravidade da situação. É como se na cabeça dele ela estivesse normal e apenas disfarçando para não precisar fazer as “coisas de mulher”.
Peguei o meu copo e dei apenas um gole simples, deixando mais um pouco de bebida dentro do copinho. Tae apenas ficou girando seu copo pela base, olhando para ele sem desviar a atenção em nenhum momento.
— Teve um dia que ele chegou em casa, cheirando a bebida como sempre, e me viu lavando a louça. Minha mãe estava na sala assistindo televisão e eu estava quase terminando de lavar os talheres. Quando ele viu a cena, não aguentou e simplesmente explodiu, mas não na minha frente, ele fez questão de ir para sala e berrar com a minha mãe. Eu fui correndo ver o que estava acontecendo, então quando cheguei lá, ele estava estava apertando o pulso dela. Era visível que ela estava assustada, mas quando eu me aproximei, ele me afastou com força para poder empurrar ela para cozinha. Ele não parava de berrar “Eu já não disse que era para você fazer as coisas de mulher?”, “Eu não criei um homem para ser a porra de uma bichinha que lava a louça!” e “Faça seu papel, vagabunda”. — Tae apenas fechou seus olhos e mordeu seu lábio inferior. Eu senti que ele queria prender o choro, era visível.
Rapidamente me levantei para aproximar minha banqueta da dele, e assim poder deixar meu braço sobre seus ombros, uma maneira de lhe dar apoio, mostrar que eu estava ali, que ele poderia contar comigo. Eu tinha uma sensação estranha no peito, queria poder de alguma forma chegar e dizer, “Eu tenho a solução”, “Tudo agora vai melhorar na sua vida, porque eu consegui Tae, eu consegui a solução”, mas eu não tinha, não tinha como resolver nada para ele. Eu queria me bater e até chorar junto a ele. Sua vida estava sendo um completo caos e eu não tinha como ajudar, não era algo simples de se lidar, e eu estava feliz por ele ser tão forte.
— Eu quis matar ele. (S/n), por uma questão de segundos eu poderia ter matado ele. — ele me olha com os olhos brilhando cheios de água. Deixei minha mão alisar suas costas, enquanto olhava em seus olhos, que apenas me mostravam a amargura que sentia — Acho que talvez ele tenha esperança, mas e se algo acontecer e eu acabar... (S/n), está cada vem pior suportar tudo isso.
Neste momento, eu senti que era hora de eu começar a falar.
— Taehyung, eu não posso dizer o que você deve fazer, porque por mais que tente ingerir tudo isso, eu nunca vou sentir o que você sentiu na pele. É tudo muito difícil, e eu estou feliz por você ter suportado tanto, você é um guerreiro. — continuei a acariciar suas costas enquanto falava — Tae, você aguentou muito isso na sua vida, e acontece que mesmo que você ache em alguns momentos que matar é a solução... não vai ser. — ele abaixou e virou a cabeça novamente para o copo, deixando duas lágrimas caírem — Talvez as confusões acabem, mas os problemas vão surgir, e talvez tudo fique pior. Lembre-se disso quando tiver tal pensamento, está bem?
Permaneci um tempo olhando para ele até perceber que sua cabeça havia balançado em afirmação.
— Tudo bem. — deixei minha cabeça ficar abaixada por um certo tempo — Quando sentir tudo muito estressante, pode me ligar, apenas desabafe comigo, chore no telefone se precisar, isso vai te ajudar de muitas maneiras.
— Por que a minha vida tinha que ser tão difícil? Por que isso acontece comigo? — sua voz estava embargada, seu rosto se virou para o meu e lágrimas rolavam por sua pele lisa. Sua boca formava um sorriso invertido.
Uma total tristeza tomou conta de mim. Eu sentia que algo em mim me obrigava a achar uma saída para ele, porque que ele não merecia tudo aquilo, e de fato, ninguém merecia nem ao menos algo parecido, mas eu não sabia o que fazer.
— Porque a vida sabe que você é uma boa pessoa, e sabe que você vai saber lidar com toda essa situação.
— Mas as coisas estão desmoronando, eu não vou conseguir resolver isso.
— Você chegou até aqui, o pensamento de matar seu problema apenas passou pela sua cabeça, mas você não o fez, porque sabe que o certo não é isso afinal. Você está lidando Taehyung, você está conseguindo. Talvez se a vida tivesse colocado outra pessoa no seu lugar, ela não saberia suportar tudo da maneira que você sabe, as coisas vão melhorar, sempre melhoram, independente do que você está passando, Tae. Nós passamos por coisas terríveis, e logo depois podemos ser felizes, sabe por quê? — ele nega com a cabeça, ainda me encarando — Porque a vida se estabiliza. Você vai sofrer, mas vai viver muitos momentos bons ainda.
Solto um longo suspiro após terminar de falar e bebo o resto da minha bebida que tinha em meu copo shot. Ao me ver fazendo aquilo, Tae resolve fazer o mesmo com sua bebida, que já estava ali há um tempo, parada.
Ficamos um tempo quietos, apenas escutando a música calma e baixa que tocava nas caixas de som do ambiente. Ainda tinha dentro de mim a sensação de que algo a mais deveria ser feito, mas o quê? O que mais eu poderia fazer se eu não sabia? Todas as minhas palavras dirigidas a Taehyung foram sinceras e eu sinto que dei tudo de mim. O que mais quero é que ele consiga se livrar de tudo que lhe faz mal, e eu acredito que ele seja capaz de enfrentar tudo isso. Ele é forte, e eu acredito muito em sua capacidade.
— Acho que você tem razão, (S/n). Talvez os pensamentos ruins só me viessem porque eu queria simplesmente resolver tudo, nesses momentos a gente não pensa direito e, sabe, eu me precipitei. Ainda bem que nada aconteceu, eu tenho que suportar, tenho que enfrentar tudo isso. Eu vou ser forte, pela minha mãe. — ele diz determinado, batendo o pequeno copo no balcão, mesmo que ele já estivesse ali antes.
— Você é forte, e muito, além de ser capaz de grandes coisas, Tae. Eu disse grandes coisas. — sorrio esperançosa para ele, que olha para mim com um sorriso que não mostrava os dentes.
— Obrigado. Acho que você foi uma das melhores coisas que já me aconteceu.
— Não tem que agradecer por nada, está tudo bem. — continuo com meu sorriso e levo uma de minhas mãos até seus fios de cabelo, passando a ajeitá-los — Somos amigos e amizade é isso, estou aqui, sempre que precisar.
Seu rosto, ainda inchado pelo choro recente, deixou que um sorriso fofo aparecese, o que me deixou contente e mais tranquila de certa forma.
— Vamos, me dê um abraço. — digo abrindo meus braços, ele prontamente se aproxima.
Ficamos um tempo cercados por nossos braços até que algo estala em minha mente: O horário.
— Você sabe que horas são, Tae? — digo após me soltar de maneira sútil de nosso abraço.
— Espera. — diz, passando a olhar para seu relógio de ponteiros no pulso — São onze e quinze. — seu olhar volta para mim e eu fico um pouco chocada pelo tempo ter passado tão rápido.
— Acho melhor irmos, não? Eu disse pro Hoseok que não iria chegar muito tarde no apartamento. — falo já descendo da banqueta e ele assente, fazendo o mesmo.
Vasculho minha bolsa e pego algumas notas de dinheiro.
— Não, espera, eu vou pagar também! — Tae se assusta ao ver que eu estava pegando o dinheiro e coloca as mãos nos bolsos da calça para, provavelmente, pegar o dinheiro.
— Não, tudo bem, considere isso como um presente meu, Tae. — seguro seus braços e me viro para o balcão, chamando Jin com uma de minhas mãos.
— Mas eu não posso deixar você pagar tudo sozinha, (S/n)!
— Você pode sim. Fique tranquilo, Tae. — abro um sorriso. Seu rosto mostra uma feição decepcionada, o que faz com que eu passe meus dedos por seus cabelos.
— Já estão indo? — a voz de Jin me chama a atenção, fazendo com que eu me vire novamente para o balcão.
— Ah, sim! Aqui Jin, pode conferir, por favor? — estendo minha mão com as notas de dinheiro e ele as pega, ainda me olhando fixamente.
— Claro, mas antes de vocês irem, será que eu posso conversar com você, (S/n)? Hm, a sós... — abre um sorriso sem graça e Tae ergue as sobrancelhas.
— Ah, tudo bem. Tae, você me encontra lá fora? — ele sorri sem mostrar os dentes e assente com a cabeça.
— Até mais, Seokjin. — seu corpo se curva para Jin, e o maior abre um sorriso para retribuir. Logo vejo Tae seguir em direção à saída e ficar parado na porta, analisando o movimento do lado de fora.
— Sim? — me viro para Jin e ele abre um sorriso.
— Então (S/n), eu gostaria de conversar algo sério com você. — uma pequena pausa em sua fala é dada, e percebo as notas de dinheiro que estavam em minhas mãos, mas que agora estão na dele, serem passadas de uma mão para outra, como se estivesse contando. Logo ele me entrega duas notas e eu as pego para guardar.
— Pode dizer. — meu olhar estava vidrado no zíper na bolsa que parecia estar emperrado, o que era estranho já que eu tinha aberto há pouco tempo para pegar o dinheiro.
— É sobre o seu amigo Namjoon. — ele faz uma breve pausa, e eu o olho meio em choque por sua fala.
— O que tem ele? — pergunto, já ficando curiosa pelo que ele diria.
— É que todas às vezes que ele vem aqui, ele tem agido diferente comigo. Você sabe se ele gosta de mim? — ele pergunta, parecendo realmente muito interessado em uma resposta.
Eu fico um tempo paralisada sem saber o que dizer. Eu deveria falar que sim, que Namjoon gosta dele e adiantar todo o processo? Ou isso seria uma ação ruim de uma amiga, já que quem deveria falar isso é ele mesmo?
— J-Jin, eu não... — acabo gaguejando um pouco devido meu nervosismo.
— Tudo bem, se não souber, não é sua culpa, mas, caso você descubra algo... — ele para de falar um tempo e olha para a madeira do balcão. — Tente explicá-lo que... eu sou hétero.
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