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História Minha primeira história - Os dois lados do espelho - PARTE III


Escrita por: Nargom_

Notas do Autor


E continuemos.

Capítulo 3 - Os dois lados do espelho - PARTE III


— Chegamos. — Ouço alguém falar. Abro os olhos com dificuldade. O taxista me olha com cara de “Cara, eu lavei essa porra ontem para chegar uma guria e babar nos meus bancos?” É, exatamente essa cara. Pergunto quanto deu e, por sorte, me custa noventa reais. Saí ganhando dez reais dessa loucura toda. E perdendo o meu celular. Que bela merda, em grande Sophie?

Pago e desço do carro. Observo minha “casa”. Ela consegue ser a definição de modéstia. Pois preste só atenção: ela é um barraco, ou seja, há uma casa ocupando o lote inteiro e a minha fica por trás dela. Não basta ser menor, tem que ficar atrás também.

Mas eu não posso reclamar, fico feliz por conseguir pagar meu “moquifo” sozinha. Ele é dividido — mal dividido — em quatro cômodos. Ai você vem com a pergunta “Mas Sophie, se moram você e sua mãe juntas, quem dorme no quarto?”. Não se exalte, vou lhe responder. Ela. Simplesmente isso.

Eu abro o portão da frente, que estava apenas encostado, e caminho com calma pelo corredor estreito entre a casa da frente e o muro, até minha porta. Eu coloco as mãos no bolso da calça e lembro que as chaves ficaram no blusão. Que merda. Acho que nem existe Deus da Sorte, só o do Azar mesmo. Ou então esse da Sorte tem muita zoeira no coração. Não tem outra explicação.

— Mãe! — Digo alto enquanto bato na porta, e cesso assim que vejo a maçaneta girar. Pelo menos ela trancou a porta, isso é bom.

A porta se abre e eu finalmente posso vê-la. Minha mãe vem se destruindo desde a separação. Não sei como me sentiria se meu marido me traísse com outro homem, claro, não tenho marido, não tem como eu saber. Mas não tenho essa curiosidade toda também em descobrir.

Minha mãe está bem mais magra. De um pouco mais de sessenta quilos para cinquenta em poucos em dois meses. As mãos dela se tornaram tão tremulas que até o médico mais conceituado do mundo acharia que ela está com Mal de Parkinson. Mas eu prefiro chamar isso de depressão.

Ela começou uma mania de arrancar fios de cabelo quando está muito nervosa. Sua cabeça está cheia de falhas por conta disso. E você me pergunta "Isso tudo em apenas dois meses, Sophie?" Sim. Em dois meses que mais parecem uma eternidade.

Antes que eu pudesse dizer oi para cumprimenta-la, ela é mais rápida, e me defere um tapa na bochecha. Doeria bem mais se tivesse sido dado a dois meses atrás, mas a dor que eu sinto é psicológica. É irreparável.

— Onde esteve? — Ela berra. Eu olho para o chão. Será que existe algum livro que ensine o que se pode falar ou não para uma pessoa que tem depressão? Eu não quero machucar alguém que já está destruída. Eu continuo calada e permaneço olhando o chão.

— Dormi na casa da Jessie... Esqueci meu celular lá. — Não vamos dar muitos detalhes a ela. Não, não vamos dar detalhe algum.

Espero uma resposta ou qualquer reação negativa, mas ela simplesmente me fita, com um ódio no olhar. Minha mãe dá um longo suspiro e entra na casa, indo para o quarto e se trancando nele logo em seguida. Sinto meus olhos arderem, mas não vou chorar. Não vou.

Entro e tranco a porta. Olho para o relógio redondo de parede, são dez horas da manhã. Tenho um tempo antes do meu expediente. Tem três garrafas deitadas e vazias de Whisky no sofá. Isso faz eu me lembrar do álcool de ontem e meu estômago embrulha.

Fome. Preciso comer alguma coisa. Ando até a cozinha e abro a geladeira. Me deparo com nada menos e nada mais que uma geladeira completamente vazia. Que ótimo! Entrego dinheiro para minha mãe fazer as compras do mês e resulta nisso!  Quer algo bem feito? Faça você mesmo, é um bom lema.

Vou para a sala e sento no sofá, ao lado das garrafas. Por mais estranho que possa parecer, não me senti tão sozinha com elas do meu lado. Penso em Jessie, eu quero muito falar com ela, mas eu não tenho mais celular, muito menos um telefone em casa. Minha mãe tem celular, mas quem disse que tenho coragem de ir pedir? Acho que vou comprar um cartão para ligar por um orelhão ou algo assim, não quero continuar sem receber notícias.


~~

Com o telefone imprensado na orelha, eu aguardo Jessie atender a droga do celular. Esse suspense todo já está me corroendo.

— Alô? — Ouço-a bocejar. Meu coração dispara.

— Caralho, Jessie! — Estou tão irritada e feliz que não sei nem o que dizer, muito menos como dizer. — Onde você está? Está viva?

— Não, infelizmente você é uma necromante. — Ela gargalha alto.

— Não ria! Você quase me matou de susto! — Eu grito.

— Mas foi uma piada, uai.

— Não, não estou falando disso. Estou falando que você sumiu e não me disse nada. Onde você está?

— Epa, epa, epa. Você está preocupada? Quem não atende a merda do celular é você. Caramba, eu já liguei, tipo, umas dez vezes e só dá sinal de desligado. — Estou confusa. Eu não sei nem o que falar. — Cara, ontem você ficou enchendo a cara até altas horas com um moleque loiro e eu fui me divertir. Bebi e dancei com umas pessoas que não lembro nem a pau o nome, e quando fui te procurar, você tinha sumido.

— Espera. Como assim? — Não entendo mesmo. Eu lembro que o Simon me disse que ela tinha saído com alguns caras. Jessie pigarreia forçadamente.

— Não me interrompa, fofa. Como eu ia dizendo: perguntei ao barman se ele tinha visto aonde você havia ido, e ele me disse que você tinha saído com o menino loiro. E eu pensei “eeeita que hoje rola”. — Esbureço, e olha que esse evento ocorrer comigo é muito raro. — Então, quando comecei a ficar cansada, peguei o carro e vim para casa. Tentei te ligar quando cheguei e você nada. Tentei há pouco tempo, e você nada! Qual o seu problema?

— Tá de sacanagem que você está bem! Isso não é possível! Eu estou desesperada desde ontem e você vem me dizer que está bem! Namoral, retire tudo o que disse e me diga que te assaltaram, estupraram, mataram ou sei lá o que. — Ela começa a gargalha até perder o fôlego. Meus Deus!

— Mas vamos ao que interessa. Saiu da seca ontem? Quero detalhes. — Mesmo não podendo ver ela, eu sabia que Jessie estava com aquele sorriso malicioso. Aquele mesmo, o que você não consegue olhar para ele

— Eu sei lá. Eu estava muito dopada.

— Nossa! Como essa minha amiga é detalhista, senhor. Com todos esses detalhes eu posso até escrever um livro.

— Essa ironia machuca, vaca. — Rimos, ela por eu ser A engraçada — só que não —, e eu por estar feliz em saber que ela está bem. Nossa, esse drama durou por tempo suficiente, já deu. — Vou desligar, e não tente ligar no meu celular. Não faço a menor ideia de onde ele foi parar. — Ela manda um beijo e desliga.

Menos uma para eu me preocupar. Nossa! Que alivio. Mas então Simon mentiu, qual era a intenção daquele cara? Mas enfim, eu não posso enrolar muito, já que meu expediente começa daqui a pouco. E graças ao álcool, terei que comprar um novo celular. Se bem que não seria uma má ideia ir ao bar ver se alguém guardou. Sim, sou inocente o suficiente para achar que algum ser de nobre e puro coração pegou e guardou meu celular para me entregar, não me julguem.

Embora eu ainda não tenha trocado de roupa, já que minha mãe trancou a porta do quarto com ela dentro, eu ainda estou descalça, com uma blusa de homem e com a minha calça mais amarrotada do que nunca. Se eu corro o risco de ser tão mal falada que ninguém nunca vai querer me amar por eu me vestir de mendigo? Claro que corro! Mas estamos falando do meu celular. Já estou aqui na rua, debaixo do orelhão mesmo, o que custa ir ao bar à alguns quarteirões daqui? Além da minha dignidade? Quero morrer.

Caminho na rua, me encolhendo cada vez mais ao passo que as pessoas que passavam cochichavam e me encaravam. Não sou uma mendiga, sou apenas inconsequente. O sol brilha lá em cima, talvez hoje ele estivesse espirado, pois o chão estava começando a ficar quente. Apresso o passo e consigo chegar no bar trinta minutos andando.

Eu quero muito beber uma água ou qualquer coisa gelada, mas gastei o dinheiro que eu tinha com um cartão de orelhão. Estou me arrependendo. Entro desconfiada no bar. Procuro alguma alma viva e avisto o mesmo barman da noite passada. Acho que posso chamar isso de sorte. Ando até ele:

— Com licença. — Ele limpava alguns copos com um pequeno lenço branco até eu o interromper.

— Meu Deus. Ontem você bebeu tanto, tem certeza que quer beber de novo? Está tão cedo. — Ele parece preocupado. Não quero botar álcool na boca de novo nem tão cedo, meu chapa.

— Não. — Sorrio, sem graça. Eu sei que ele está reparando nas minhas vestes. Céus, que vergonha. — Eu apenas queria saber se você viu meu celular por aqui. Eu o perdi ontem. — Ele olha para algo atrás de mim. Acho que está tentando se lembrar, ou apenas fingindo que eu não existo. Então ele franze o cenho.

— Sim! Você tacou ele em mim ontem, e eu o guardei, imaginei que quando o efeito do álcool passasse você viria busca-lo. — Eu fico surpresa.

— Eu taquei ele em você?! Eu não me lembro de nada disso! — Meu tom sobe um pouco. Uma mania minha quando estou nervosa. Parece que, quanto mais nervosa e envergonhada eu fico, mais alto a voz fica também.

— Não se preocupe. — Ele começa a rir. — Você não mirou em mim. Fica difícil mirar quando estamos alterados. — Que homem bom. As vezes o Deus da Sorte compensa as coisas que ele faz comigo. Eu prefiro acreditar que a culpa é dele eu ter tanto azar. — Espere um minuto.

Eu me sento no banco em frente ao balcão. Estou suando bastante da caminhada-corrida até aqui. Pego meu cabelo e, num coque desajeitado, prendo no alto da cabeça em um nó. O senhor chega e me entrega o celular. Eu abraço o celular. Que sensação boa.

— Obrigada, moço! — Ele novamente sai, e quando volta, tem um jarro de água com alguns copos de gelo em uma mão e um copo de vidro na outra. Ela coloca os dois no balcão.

— Pode beber. — SENHOR! Colocaram um anjo na Terra. Ou esse é meu anjo da guarda. Pisco algumas vezes para voltar à realidade e encho o copo. Bebo e encho de novo. Repito isso por três vezes. Eu realmente estava com bastante cede.

— Não sei como agradecer! — Anuncio, o sorriso no meu rosto está imenso. Devo estar parecendo uma maníaca com um sorriso tão exagerado na cara.

— A sua felicidade já me deixa satisfeito. — Permaneço tomando mais alguns goles da água. — Tenho um par de chinelos guardados nos fundos. Vou busca-los para ti.

— Imagina! Não precisa, sério.

— Não são meus. Um bêbado os deixaram aqui há alguns meses. Acho que ele não vai mais precisar deles. — Eu fico sem ação ao ouvir o senhor. Mas fico feliz com o mimo desse estranho senhor que, apenas nessas ações, lembrou-me como me pai cuidava de mim quando eu era mais nova. Ele volta com chinelos tamanho 43. Para quem calça 36, aqueles chinelos terminaram de completar o meu look.

Agradeci por tudo, calcei os chinelos, e sai. Do lado de fora eu desbloqueio meu celular. Estranho. A bateria dele está em cem por cento. Mas enfim, vejo que há algumas chamadas perdidas. Mãe, mãe, mãe, Jessie, Jessie, Jessie, Jessie, Vó. Espera! Vó? O que será que ele queria. Vejo que a chamada foi realizada há dez minutos atrás. Retorno a ligação.

A minha única vó viva é a de parte de mãe. Meus avôs e minha outra avó morreram há muitos anos. Eu tinha dez anos na época. Faz muito tempo que não falo com minha vó Nina.

Ela nunca fez o tipo “vó boazinha”, Nina é bem autoritária, mandona e estranha. Ela gosta de guardar muita coisa antiga no porão dela, pelo menos a última vez que eu a visitei vi um porão entulhado de troço. O cheiro de naftalina estava intragável. Ela me atende:

— Por que seu celular estava desligado? Já imaginou se fosse alguma emergência? Eu já teria morrido à essa hora. — A voz de gente idosa me dá um arrepio na espinha que nem te conto. Embora eu ache que eu não seria uma das primeiras opões que ela ligaria caso estivesse tendo um ataque, tentei não ser mal educada.

— Bom dia para ti também! — Sem sucesso. Ela fica muda. Tiro o celular da orelha para conferir se a chamada havia caído. Mas não.

— Estou na sua casa. Preciso que venha aqui. — A velha vó nina. Entendeu? “velha”. Sim, estou sendo piadista. Haha. Desde que meus pais se separaram, ela nunca mais me deu sinal de vida. Embora eu ache isso estranho, tenho trabalho hoje. SIM, EM PLENO SÁBADO!, então:

— Vó, eu tenho trabalho hoje, só estarei em casa à noite. Se importa em esperar?

— Mas são meio-dia! Céus... — Ela começa a inspirar e expirar, lentamente, algumas vezes. Eu, do outro lado da linha, claro, apenas conto. Um, dois, três... — Certo, apenas venha o quanto antes. — Três vezes. No mínimo estava tentando não perder a calma.

— Combinado. — Desligo o celular. Nossa, que dia estranho. E ainda é bem cedo.



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