História Minhas Lembranças - Snamione - Capítulo 1 - Primeiro contato

Eu estava com muita raiva. Muita raiva mesmo. Não era como se eu me importasse com o tal hipogrifo, porque não me importava já que vivo ou morto não faria diferença para mim, ou com qualquer que fosse o choro do Draco por ter sido atacado, ou ainda então com as reclamações por ter levado um soco da Granger.

Não. O que me irritava profundamente era o Potter ter achado uma maneira de libertar Sirius Black de sua condenação. Não me importava quem era inocente ou deixava de ser inocente, só não queria ter que saber que alguém tão insuportável estava andando por aí de cabeça erguida.

E ser estuporado por um aluno seguido de um ataque de um lobisomem, não havia contribuído em nada para a melhora do meu humor naquela noite. Pelo contrário, eu caminhava com um ar de ainda menos amigos pelos corredores da escola. Felizmente, ou infelizmente, não havia nenhuma pobre alma caminhando por ali considerando que o toque de recolher já havia passado há algum tempo.

Pensar que poderia finalmente descansar um pouco depois de tantas desgraças era o que me fazia ainda estar andando calado. Não que eu fosse de conversar sozinho, mas em uma noite como aquela, eu bem poderia estar esbravejando aos quatro ventos.

Porém meus planos foram por água abaixo quando o patrono do Dumbledore apareceu na minha frente, pedindo para que eu fosse a sua sala com urgência. Meu humor poderia ter piorado ainda mais, mas estranhamente eu senti um calafrio passar pela minha espinha. Algo estava terrivelmente errado. E foi sabendo disso que eu esqueci um pouco da minha irritação e comecei a praticamente correr pelo caminho.

- Severo. Que bom que você ainda não estava dormindo. – Disse o diretor assim que eu entrei no seu escritório, depois de subir as escadas calmamente para me recompor e não parecer tão afobado.

Minha irritação ameaçou retornar quando vi que o Potter estava na sala, porém ele estava com a filha dos Weasley, e essa chorava baixinho, o que chamou a minha atenção junto com o olhar preocupado mal disfarçado nos olhos do Alvo.

- O que aconteceu? – Perguntei verbalizando o que tanto rondava a minha cabeça em cada corredor pelo qual eu havia passado.

- Estamos à espera de mais alguns professores que foram chamados, mas não tem porque esperarmos. – Se mais haviam sido chamados o caso era ainda mais grave do que eu havia imaginado. – Conversando com seus colegas no salão comunal, a senhorita Weasley sentiu falta da senhorita Granger, indo então procurá-la em seu dormitório. Entretanto a moça não estava lá, algo atípico do comportamento dela. Então a senhorita Weasley avisou ao seu irmão e ao senhor Potter, e eles esperaram mais um pouco no salão, mas a Hermione não retornou. Preocupados eles vieram até a minha sala, e eu pedi aos quadros do castelo para que a procurassem, contudo ela também não foi achada. Antes que algo ruim possa acontecer, iremos iniciar as buscas lá fora. - A calma transmitida pelo diretor era de se admirar, ainda mais que era perceptível que ele não sentia aquilo.

Hermione havia desaparecido. Ao longo dos últimos anos, ela havia feito muitas coisas idiotas e inconsequentes pelo bem dos seus amigos, mas definitivamente não era do seu feitio sumir dessa forma, e ela com toda certeza não faria isso por algum simples capricho.

- Por onde quer que eu comece a procurar? – Respondi prontamente causando um olhar de espanto no Potter e um leve sorriso de canto de lábios no Alvo, ambas reações que eu resolvi ignorar.

Antes que o diretor pudesse dizer alguma coisa, Minerva entrou ofegante na sala. Como eu, ela provavelmente havia sentido que algo estava errado. Alvo repetir a explicação foi o suficiente para trocarmos um rápido olhar de compreensão e sabermos por onde iríamos começar.

- Vamos procurar na floresta. – Falamos juntos e decididos.

Talvez seria melhor esperar pelos outros, já que além dos perigos de sempre que haviam na floresta, hoje ainda havia um lobisomem e dementadores. Mas a prudência estava perdendo lugar para a crescente ansiedade que estava se instalando no meu peito. Hermione estava em perigo, eu tinha certeza.

E foi ao olhar nos meus olhos e ver o crescente desespero se tornando óbvio, que o professor desistiu de nos fazer esperar e liberou a mim e a professora para começarmos as buscas. Sem olhar para trás, saímos fechando a porta, já correndo a partir do momento em que saímos da vista dos outros que estavam na sala.

- Severo, tem ideia de por onde começar a procurar? – Mesmo que havíamos escolhido a floresta, ainda era um grande espaço para percorrer e procurar.

- Eu estou com um pressentimento muito ruim, Minerva. Acho que sei onde podemos encontrá-la. – Nós corríamos pelos corredores como alunos do primeiro ano, até mesmo com mais energia do que eles.

Assim que saímos para os jardins aumentamos ainda mais a nossa velocidade indo diretamente para a entrada da floresta. Naquele momento eu estava me sentindo como um cão de caça. Estar errado e ser apenas uma sensação não eram opções. Minha mente não estava ali para dizer o quanto isso era perigoso, ou como ela poderia estar em outro lugar, mas eu apenas segui em frente, sabia que estava indo para o caminho correto, esse era o único motivo possível para a sensação de que a cada passo o meu coração era apertado com mais força.

- Alguém ou alguma coisa caiu por aqui. – Disse Minerva quando chegamos até um barranco, pelo qual se ela não tivesse falado nada, eu provavelmente também teria caído.

- Alguém. – Disse depois que havíamos descido um pouco. Pelo chão era possível ver pequenos pedaços de tecido presos em pequenos troncos de árvores e outros obstáculos que estavam ali. Tudo indicava, pelas cores, que poderia ser um uniforme de algum aluno.

Com cuidado continuamos descendo. O chão estava liso e escorregadio, porém volta e meia tinha alguma coisa em que facilmente poderíamos tropeçar, sendo uma armadilha perfeita para alguém que cada vez mais ficava apreensivo imaginando quem havia passado por ali.

Quando chegamos ao fim do barranco senti o meu coração apertar de uma forma que eu nunca havia visto antes e olhando mais à frente entendi perfeitamente a causa disso, já que havia uma menina com os cabelos castanhos espalhados pelo chão e um uniforme destruído da Grifinória.

Hermione. Estendida com os braços abertos, pálida e com os olhos vidrados. Olhando de onde estávamos nem parecia estar respirando, porém após o choque inicial, foi com uma esperança renovada que eu percebi que ela tremia.

Mas essa esperança quase foi embora novamente quando ouvi a Minerva arquejar. Acima da menina havia uma nuvem de dementadores, o que era quase impossível de se ver já que tudo estava tão escuro, porém eles eram a causa da temperatura ambiente estar tão abaixo do comum.

E foi sem tempo para hesitar que eu lancei um patrono com toda a minha força quando percebi o movimento de um dos dementadores. Eles não estavam se preparando para se alimentar dela, da sua boca já saía uma pequena esfera azul, a essência da sua alma.

Felizmente minha lembrança foi forte o suficiente para todos os dementadores se afastarem. Em um segundo eles estavam em cima dela, com um deles tão próximo de tirar o último pensamento racional que ela poderia ter, no outro eles já estavam saindo de perto e indo para o outro lado do rio em que a Hermione estava próxima da margem.

Em um segundo eu estava em desespero compreendendo que ela iria morrer, e no outro, pela primeira vez, eu estava usando a minha lembrança dela, na primeira noite em que esteve no castelo, olhando para o céu encantado do salão principal, para produzir o patrono mais forte que eu já havia conseguido na vida.

- Severo. – Minerva me chamou assustada depois que o lago e a floresta voltaram ao silêncio de antes.  

Não esperei para ver se ela iria perguntar se eu estava bem, apenas a olhei por um momento e corri para a menina que continuava deitada. Hermione tremia, agora com mais força, e rapidamente novas lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto que já estava marcado.

- Hermione, você está machucada? – Perguntei com uma voz tão doce que nem achei que era minha. Retirei a minha capa e com cuidado a coloquei sobre ela.

Sem olhar nos meus olhos, ou para qualquer lugar que não fosse o céu, lentamente ela negou com a cabeça. Era quase imperceptível, mas era o que eu precisava para saber que ela podia ser carregada e, eventualmente, ficaria bem.

- Minerva, vou precisar que você ilumine o caminho de volta para nós. – Disse me abaixando lentamente, tentando não assustar a menina.

- Certamente, Severo. – Foi o que bastou para ela sair do transe que se encontrava e caminhar até nós, pegando a minha varinha para que pudesse iluminar melhor o caminho.

- Hermione, eu vou precisar carregá-la. – Falei com o mesmo tom de voz, porém agora um pouco mais baixo.

Por um momento achei que ela iria gritar, ou então dizer que não queria estar perto de mim, mas ela ficou apenas parada, esperando. Percebendo que ela não iria reagir negativamente, com cuidado e bastante calma a peguei no colo, deixando que a Minerva arrumasse a minha capa sobre ela, para que nenhuma parte do seu corpo frio ficasse descoberto.

Nós somos bruxos, eu poderia ter usado um feitiço para tirá-la dali, mas além daquilo tirar a minha varinha de combate, ainda não a deixaria confortável, que era o que ela mais precisava nesse momento. Porém mais um motivo se mostrou presente quando a menina respirou fundo, fechou os olhos e acomodou a cabeça no meu peito.

Naquele pequeno tempo não havia Hogwarts, Minerva ao meu lado ou professores que começávamos a escutar dos limites da floresta. Ali estávamos apenas eu e a Hermione compartilhando uma calmaria que normalmente não nos era comum, mas que pelo menos dessa vez eu deixaria que fosse visível suspirando e fechando os meus olhos, agradecendo por ela estar em segurança nos meus braços.