Sábado, 2:35AM.
Mônica
— Deve ter subido pra tirar fotos das meninas dormindo, isso sim. — Acusei sem um pingo de remorso, sentindo o rancor pingar da minha voz enquanto ele me olhava com o cenho franzido.
Mas também, ‘tava com uma puta dor no estômago de ter vomitado, minha cabeça ‘tava girando, e meus olhos não abriam direito de ter chorado no peito da Magali.
O beijo deles tinha que ter sido daquele jeito?
— Olha gente... São duas da manhã, eu ‘tô louca e geral tá cansado dessa briguinha infeliz! — A Maga reclamou em voz baixa, puxando o Cebola pra dentro do banheiro e trancando a gente lá depois de sair. Escutei ela girar a chave do lado de fora. — Então vão se foder! Da forma como melhor preferirem! — Ela esbravejou do lado de fora, e nós dois nos encaramos envergonhados.
— É tudo culpa sua! — Murmurei enquanto apontava um dedo no rosto dele, quase encostando na ponta do nariz.
Fazia muito tempo desde que a gente tinha ficado trancados no mesmo banheiro.
— Minha? Que porra eu fiz, Mônica? — ele parecia realmente perplexo, mas eu ‘tava concentrada demais em chegar até a porta pra estourar a maçaneta. Depois eu me resolvia com a Isa, só queria sair dali o mais rápido que desse.
— Você ferrou minha vida, Cebola. — resmunguei e dei vários trancos na maçaneta, até conseguir escutar o lado de fora cair no chão e a porta se abrir. — ‘Tô cansada de você já.
Já tinha puxado a porta aberta pra sair dali, quando ele grudou no um pulso e me jogou com força contra o mármore da pia, fazendo minha bunda bater contra a beirada e eu soltar um grunhido involuntário.
— Que caral...? — comecei, sentindo minha visão turvar devido ao movimento repentino e o álcool no meu sangue, mas ele tapou mina boca e grudou seus olhos nos meus, e eles pareciam mais arregalados que o normal, urgentes.
— Me escuta, calamba! — ele me segurava pelos dois pulsos, como se eu não pudesse me soltar (não que eu estivesse em perfeitas condições no momento), e usava o resto do corpo pra me prensar na pia, e eu estaria odiando isso se não estivesse tão bêbada. Aquela gim-tônica nem parecia estar tão forte assim. — Me dá um motivo, Mônica — encarei seus olhos enquanto ele parecia suplicar, as duas sobrancelhas erguidas de perplexidade. — A porra de um motivo só pra eu expor a mina que eu amo depois que eu finalmente consigo ir pra cama com ela?
Arregalei os olhos e a respiração trancou no meu pulmão, tentando não deixar nenhuma daquelas palavras passar. Ele nunca tinha dito que me amava. Pra falar a verdade, nos últimos tempos, ele nem parecia se importar tanto assim comigo, sempre ficando distante.
— Ama? — sussurrei num fio de voz, deixando que seus braços me apoiassem, porque minhas pernas pareciam gelatina e tinha suor gelado na minha coluna.
Ele sorriu daquele jeito que sorria sempre que pretendia me fazer queimar por dentro, desceu o rosto até a altura do meu e encostou os lábios no meu ouvido.
— Porra, baixinha, quantos nós vou ter que fazer pra chamar sua atenção?
O ar quente da sua respiração que bateu no meu pescoço foi o mesmo ar que escapou do meu peito enquanto tentava urgentemente respirar direito pra poder responder que eu também queria, que eu estava esperando por aquilo há anos, mas minha visão escureceu e eu apaguei antes de conseguir.
~*
Segunda-feira, 7:00AM.
Cheguei no colégio bem na hora do sinal tocar, anunciando a primeira aula. A Magá tinha vindo na frente, então meu pai me deu uma carona antes do trabalho.
Tinha voltado a fazer calor no Limoeiro, então já ‘tava preparada pra ouvir a bronca que iria levar do treinador Átila quando ele visse o tamanho da minha saia. Mas eu fiz de propósito, as duas primeiras aulas seriam educação física, e eu não ‘tava na menor disposição pra fazer nada, só queria ficar na minha.
O fim de semana foi tenso, me fez pensar se a viagem realmente me ajudou, ou se só me deu uma espécie de fuga temporária. Ainda ‘tava me recuperando do fim de semana, coisa que minha mãe percebeu, mas preferiu me deixar quieta.
E eu só queria saber quem foi o filho da puta que drogou a galera pra eu poder conversar com ele.
Entrei na sala, que já ‘tava cheia, como sempre, e procurei uma carteira vazia. A Magá acenou pra eu me sentar com ela, mas fingi que não vi e fui até o fundo da sala. Não queria admitir, mas tinha um clima estranho entre a gente, e não sei se era vergonha da minha parte por toda a cena que aconteceu entre o choro e o hospital, ou se pelo fato dela ter beijado o Cebola e gostado.
Porque ela gostou. Conheço minha melhor amiga. E mesmo que ela não fosse admitir, eu sabia.
E talvez, só talvez, eu sentisse uma pontada de ciúmes por isso, mesmo que a culpa não fosse realmente dela.
Mas também tinha um clima péssimo entre o Cebola e eu, já que ele foi cortado no meio de uma suposta declaração, quando eu desmaiei e depois fiquei internada.
Então não foi surpresa ele erguer os olhos quando me aproximei e seu rosto corar junto com o meu. Mas a única cadeira vazia ficava do lado do Cascão, que sentava atrás dele.
— Falaí, Môniquinha! — Cascão me saudou aos gritos quando sentei.
Bufei irritada e afundei na cadeira, sentindo que esse seria um longo dia.
~*
— Professor Átila, não tem a mínima chance de eu vestir isso! — reclamei pela terceira vez, balançando uma calça legging de ginástica, que, segundo ele, a escola tinha para situações como essa.
— Primeiro: é treinador! — vociferou, enquanto tentava se livrar de mim indo até a quadra. — Segundo: é isso ou diretoria, a senhorita escolhe. — e me deu as costas.
Estiquei o tecido de novo entre as mãos, sabia que era pelo menos dois números menor do que as roupas que eu usava, e com certeza a coitada da calça não sobreviveria ao primeiro agachamento sem rasgar nas coxas, mas engoli qualquer protesto que tivesse e fui em direção ao banheiro onde as meninas estavam se arrumando pra aula de educação física. Quando me aproximei comecei a escutar as vozes vindas de dentro dele, e nem era minha intenção ouvir a conversa dos outros até escutar o nome da Magali.
— Pois é, menina, e depois daquele beijão, o Titi ainda disse que pegou ela na cozinha com outro boy. — era a voz da Denise, e eu sabia muito bem de que beijo ela ‘tava falando.
— Quem sabe assim ela não sai de cima do Cascão e...
Entrei no banheiro, como se não estivesse escutado nada, e as duas pararam de falar no mesmo instante.
— Bom dia, meninas. — cumprimentei sem ânimo, olhando para as duas pelo espelho manchado. — Não te vi na festinha sexta, Cassandra. Não ‘tá feliz por eu ter voltado? — Questionei e comecei a descer o zíper lateral da saia.
Deu pra ver quando ela engoliu em seco, respirou fundo e ajeito um cacho que se desprendia do cabelo sempre bem preso. Eu continuei o processo de tirar minha saia fresquinha e comecei a tentar subir aquela maldita calça apertada.
— Denise, pode nos dar licença um instante? — se virou pra ruiva, que teve as expectativas de presenciar tudo mirradas.
A Denise saiu do banheiro no instante em que eu consegui colocar a legging no lugar certo. Ou pelo menos o lugar mais certo possível considerando que ela provavelmente rasgaria com qualquer movimento brusco.
— Mônica, você sabe que não é nada pessoal com você, é só que... — ela começou sem me fitar, coisa que não era comum, considerando que a Cascuda e eu sempre tivemos um nível afiado de discussão.
— É só que você decidiu surtar do nada, né Cassandra? Me dá uma luz, porque eu não ‘tô conseguindo te acompanhar, amiga.
Ela respirou fundo, os ombros baixos se endireitando quando ela finalmente me fitou com os olhos tristes, brilhantes pela ameaça de lágrimas.
— Vocês acham que eu não percebo mesmo, Mônica? — sussurrou, como se soltar aquelas palavras doesse profundamente nela. — Acha que não sei o jeito que ele olha pra Magali? O jeito como ele sempre olhou? Quando nós éramos mais novos eu pensei que... — um soluço cortou sua frase, e ela abraçou o próprio corpo como sempre fazia quando se sentia exposta demais. — Eu pensei que, conforme crescêssemos, ele iria cair na real e perceber que ele me ama! Mas a cada dia que passa eu tenho medo de que ele perceba o contrário. — quando terminou, as lágrimas já rolavam livremente e ela falava baixinho, como se admitir aquilo para o universo a deixasse mais fraca. — Todo mundo sempre admirou a amizade de vocês quatro, mas me arrisco a dizer que nem o Joaquim sabe como é cansativo tentar estar à altura da Turma da Mônica, até porque, ele mesmo já desistiu há muito tempo.
Passei meus braços pelos seus ombros, sem saber direito como reagir. Não esperava todo esse desabafo, e geralmente a conselheira do grupo era a Magá.
Foi aí que lembrei que toda essa raiva da Cascuda era direcionada exclusivamente para a Magali, e não o Cascão.
— Gabi... — chamei, fazendo com que me olhasse nos olhos mais uma vez. — Eu só não entendo por que todo esse ódio com a Magali. Poxa, o que ela te fez?
Percebi que foi a pergunta errada no momento em que ela se afastou de mim de forma rude, me fazendo cambalear alguns passos.
— Qual é, Mônica?! Quão ingênua você pode ser, porra? — gritou, passando as mãos nervosamente pelo cabelo. — Mônica, ela beijou o Cebola na sua frente e não demonstrou remorso algum depois. Isso porque é sua melhor amiga. — cuspiu as palavras e eu arregalei os olhos, não querendo que ela me levasse a pensar dessa forma, mas era inevitável. — Você acha que ela teria a consideração de não pegar o meu namorado, Mônica?! Consideração a mim?! Sua amiga não é tão santa quanto vocês pintam, e no fundo você sabe.
Eu sabia. Sabia?
~*
Não consegui evitar.
E eu sei que eu ‘tô sendo uma cuzona.
E também sei que eu conheço a Magá desde sempre.
Mas quando o treinador Átila me elegeu junto à Marina pra separar os times de vôlei, não consegui escolher a Magali.
E é óbvio que ela percebeu. Afinal, era um acordo silencioso entre nós que uma sempre escolheria a outra quando fosse possível.
Mas as palavras da Cassandra ecoavam na minha mente como um grito ecoa num cômodo vazio.
E eu sei também que quem a beijou foi o Cebola, mas ela não pareceu odiar, não trocamos nem uma palavra sobre o ocorrido. E ok, nós dois não namoramos nem nada, nem mesmo conversamos mais, mas ela sabe muito bem dos meus sentimentos por ele.
Infelizmente todos sabem.
O primeiro saque foi meu, o que claramente foi um erro do meu time permitir, considerando que minha mente ‘tava à mil e eu não conseguia dosar a força nesse estado.
O que resultou na bola atravessando a quadra de vôlei e indo parar no campo dos meninos, que tiveram o jogo interrompido quando o objeto aterrissou em cheio na cabeça do Do Contra.
As meninas da quadra só me fitaram com o olhar “eu-não-vou-buscar” e começaram a conversar entre si.
Então saí pisando duro em direção aos times masculinos, onde uma quantidade preocupante se reunia em volta do DC.
— Galera, eu ‘tô bem, mesmo. — escutei ele resmungar antes mesmo de alcançá-lo, mas dava pra perceber na forma como ele enrolava as palavras que não era 100% verdade.
— Caramba, Mô, ‘tá querendo matar o coitado? — Titi brincou, mas logo recebeu uma olhada feia da minha parte e se calou.
O DC ‘tava sentado no chão, com um inchaço avermelhado começando a se formar na testa e a bola assassina aos seus pés.
— Do Contra me desculpa! — ajoelhei ao seu lado, me sentindo mais culpada do que preocupada. Uma bolada nunca matou ninguém, né?
Ele virou os olhos pra mim, e mesmo que estivessem meio desfocados pela confusão, deu pra ver que ele me reconhecia e que lembrava do fim de semana agitado.
Dá pra acreditar que ele ficou puto por eu não ter mais clima pra pegação depois de ver a Magali e o Cebola se agarrando? Cara emocionado...
— Eu já falei que ‘tô bem, Mônica. — me cortou, afastando meus dedos de si o mais gentilmente que pôde.
— Gente, o moleque já disse que ‘tá de boa, vamo continuar? — o Cebola perguntou com tédio aparente na voz, atraindo os olhares pra ele.
Antes que eu pudesse mandar aquele imbecil pra onde eu ‘tava pensando, o treinador apareceu, já com um kit de primeiros socorros e uma ocorrência geral para a sala.
Bufei quando ele mandou todos de volta pra sala, logo informando que ficaríamos duas semanas sem as aulas práticas pra tentarmos virar “gente”.
De boa. Qual o problema em ser a pessoa que tira a educação física de um bando de adolescentes, né?
~*
Segunda-Feira, 11:45AM.
A dona Alzira era uma professora de sociologia e filosofia que deu uma palestra aqui no colégio uns anos atrás, na época em que o Zé Luís ainda era aluno, mas nunca mais apareceu por aqui.
Então foi uma surpresa quando ela entrou na sala na última aula, anunciando que iria iniciar um projeto com a nossa turma que duraria três dias. O tema era algo sobre como a gente reage ao ter nossa privacidade invadida, o que eu achei uma ótima ideia.
Bom, pelo menos foi o que pareceu no princípio.
Aí ela mandou a sala se dividir em duplas e começou a habitual gritaria.
— Pode dupla de três?! — O Jeremias gritou do fundo da sala, enquanto a Denise puxava o Xaveco pra perto do moreno.
Engoli o desespero da situação e foquei no objetivo: conseguir uma dupla, rápido. Requisitos: Não ser pior que eu na matéria e não ser uma das pessoas que eu quero evitar no momento. Número que crescia incrivelmente rápido.
Olhei ao redor: a Cascuda já tinha puxado o Cascão, que parecia nem um pouco animado; a Denise abraçava firmemente o Xaveco e o Jerê, recusando-se a escolher um dos dois; a Carmem tinha grudado na Marina, então ela ‘tava fora de cogitação.
Conforme as duplas iam se formando, eu começava a me desesperar, afinal, a Magali me encarava com expectativa, e eu nem me atrevia a olhar na direção do Cebola.
— Sem dupla, Moniquinha? — escutei a voz do Toni e me virei pra ele, que tinha feito dupla com o DC. — Se quiser, eu largo esse aqui pra gente fazer juntos.
Dei o dedo do meio pro loiro após ouvir a conotação sexual que colocou naquela frase ridícula, no momento em que a professora obrigava a Denise a se separar dos garotos e formar uma dupla com a Magali.
— Nem vem. — resmunguei alto o suficiente para no momento em que colocou sua cadeira do meu lado.
— Tarde demais, já assinei nossos nomes na lista do trabalho. — deu de ombros e se sentou de qualquer jeito, espalhado como sempre.
— Negativo, cada um tem que assinar o próprio nome, Cebolinha, e eu não lembro de ter assinado o meu. — ralhei, olhando pra ele pela primeira vez e me arrependendo em seguida.
Ele ‘tava com uma camiseta preta mais colada ao corpo, então deu pra perceber que seu peso tinha começado a voltar ao normal. A calça jeans ainda escorregava no quadril, mas isso devia-se ao fato de que ele detestava usar cintos.
— Se toca, Mônica. — chamou minha atenção novamente, fazendo meus olhos focarem nos seus, confusos. Ele tinha um sorriso sacana nos lábios. — Fui viciado em descobrir o máximo sobre você por anos, acha mesmo que não consigo falsificar sua assinatura? — Abri a boca pra responder, mas as palavras não saíram, de tão chocada que sua confissão me deixou. — Mas desencana, não ‘tô armando nada não, é que não tinha mais ninguém pra fazer dupla.
Passei os olhos pela sala de aula, reparando que realmente todo mundo já tinha sua dupla e a lista rodava pela sala pra ser assinada. Reparei também que a Magá tinha um olhar magoado em minha direção, e eu só consegui desviar os olhos, envergonhada.
Não que fazer um trabalho com o Cebola fosse melhor, mas pelo menos eu poderia me fazer de burra e jogar toda a responsabilidade pra cima dele, que era orgulhoso demais pra levar um zero, então não teria que passar tanto tempo assim com ele. Com a Magali seria diferente, nós iríamos passar tardes e noites na casa uma da outra, envoltas num clima péssimo de vergonha e rancor.
Eu precisava dar um jeito nisso, mas uma coisa de cada vez.
— Por mim tanto faz, não vai mudar nada mesmo. — reclamei baixinho, mas tenho certeza que o garoto escutou, pois me olhou com o canto de olho e depois disso não fez mais piada alguma.
— Muito bem, turma! — A dona Alzira chamou a atenção de todos, que milagrosamente se calaram pra ouvir ela falar. — Vou entregar uma caixinha pra cada dupla e não quero que abram até eu mandar. O que tem dentro vai ser essencial para o trabalho de vocês.
Ela passou de mesa em mesa entregando as caixinhas de papel pardo, que não era muito maiores que um estojo de lápis. Quando peguei a nossa, percebi que era muito leve e o barulho quando chacoalhava era abafado. Tinha o número 7 escrito em caneta vermelha na nossa caixa.
— Agora, antes de abrirem, quero esclarecer algumas coisas sobre nosso projeto. — Voltou a falar, dessa vez com um tom sério, fazendo o Cebola e eu nos olharmos preocupados, ninguém mais queria nada no estilo Sococó da Ema. — Faremos um experimento social de três dias sobre como a invasão de privacidade afeta a saúde mental das pessoas, e, para isso, a escola passou a última semana ligando para os pais de cada um aqui em busca da aprovação de todos.
Um burburinho nervoso se espalhou pela sala, todos muito mais assustados com a seriedade do assunto do que antes.
— Adoro quando vocês fazem essas carinhas ansiosas. — a professora riu de um jeito coquete, voltando a falar em seguida. — Quero que todos tenham a mente bastante aberta, e saibam que dentro de cada caixa há também um livreto sobre como deverão ser feitas cada atividade.
— ‘Tô com medo dessa mulher. — Cascão “sussurrou”, o que rendeu risadas do pessoal do fundo e um tapa na orelha dado pela Cassandra.
— Pois bem — dona Alzira continuou. — Podem abrir as caixas.
O Cebola foi mais rápido que eu e puxou a caixa de cima de mesa, se empenhando em rasgar as camadas de fita adesiva pra conseguir abrir. Bufei irritada e puxei o celular pra olhar as horas, constatando que faltavam apenas dez minutos pra finalmente poder ir embora.
Escutei várias expressões surpresas ecoarem pela sala, inclusive do garoto ao meu lado, então me virei pra ver que ele encarava o conteúdo interno com os olhos arregalados.
— Puta que me pariu, não mesmo! — a Cascuda gritou, mas não dei importância, mais preocupada com o rubor que subia nas bochechas do Cebola.
— O que foi? — perguntei, seus olhos subindo até os meus, mas sem me responder. — O que foi, porra?!
— Mô, não surta, ok? — pediu em um tom controlado, fazendo meus pelos se arrepiarem. — Você vai curtir isso tanto quanto eu.
Puxei a caixa de suas mãos, tomando coragem antes de descer o olhar e encontrar duas argolas prateadas e grossas, presas uma à outra por um fio de metal não mais comprido que meu braço.
~*
— Eu preciso passar na minha casa, Cascuda, não dá pra ir direto pra sua, caramba! Quer que eu durma pelado ou com uma calcinha sua?!
Bufei irritada pela centésima vez e menos de cinco minutos, vendo o casal discutir nos bancos dianteiros do carro do Cascão.
O “projeto social” – se é que podia ser chamado assim – era basicamente forçar a convivência de duas pessoas distintas durante três dias em todos os momentos possíveis. Como? Com algemas. Ressalvas, de acordo com o manual do projeto, eram apenas na hora do banho, troca de roupas, e – graças a Deus – se um dos dois precisasse usar o banheiro.
O foda era que uma cópia da chave que abria as algemas foi entregue a cada uma das famílias dos estudantes, a fim de que só os nossos pais pudessem soltar, e apenas nos momentos permitidos pelo manual.
Em que mundo essa gente vive em que é uma ótima ideia amarrar dois adolescentes juntos? O Cascão e a Cascuda, por exemplo, tenho certeza que vão se matar nas próximas duas horas.
— Não dá, Cascão! Eu tenho uma palestra pra assistir online às 14:00Hrs e você já enrolou muito meu tempo quando resolveu levar os dois pra casa.
— Nosso tempo, amor. — corrigiu, recebendo uma olhada feia. — E não exagera, a casa do Careca nem é tão longe.
A realidade era que nosso amigo não queria deixar nós dois sozinhos por mais tempo que o necessário, o que me fez agradecer demais. Mas desconfio que ele também não se sentia muito confiante em ficar à sós com a própria namorada, o que me fazia relembrar nossa conversa mais cedo no banheiro.
O casal tinha escolhido prender a mão esquerda do Cas com a mão direita da Cassandra, o que não deve ter sido muito bem pensado, considerando que agora quem estava incumbida de levar o celta pra casa era a Cascuda, já que ele não conseguiria. E ela detestava dirigir.
E confesso que eu também não me sentia muito animada de ser parada numa blitz, uma vez que ninguém ali tinha carteira de motorista, e estávamos todos amarrados uns aos outros.
Logo estacionamos em frente à casa do Cebola, que estava igual à última vez em que vim aqui, uns meses atrás, e uma sensação sufocante se instalou na minha garganta, fazendo com que minha mão esquerda travasse na porta, sem abri-la.
— Mônica? — o Cascão me chamou alguns segundos depois, me puxando do transe. Percebi que todo mundo no carro ‘tava quieto, talvez esperando alguma reação minha. Nem mesmo o Cebola me encarava, e tive que agradecer mentalmente por ele não me pressionar. — ‘Tá de boa, você sabe, né? — Questionou baixo e eu concordei com a cabeça, mesmo sem acreditar nisso. — Relaxa, vai ser bom pra você tirar tudo a limpo, e se decidir que não quer mesmo isso, pode só quebrar o cabo e ligar que a gente vem te buscar, né, Cascuda?
— Com certeza, Mô, pode confiar. — ela me encorajou.
Desci do carro com o Cebola logo atrás, a não mais de um metro de distância, o que ocasionou uma pisada forte no meu calcanhar direito.
Vi o celta Braian se afastar com as vozes exaltadas do casal que ainda discutia e sacudi a cabeça, rindo comigo mesma. Eles pareciam mais irmãos do que um casal na maior parte do tempo. Nem sequer via eles se beijando com tanta frequência, mas acho que isso deve-se ao fato de a Cascuda não gostar de se expressar em público, muito diferente do Cascão.
— Vamos pra dentro, o almoço já deve ‘tá pronto. — escutei o Cebola chamar antes do fio de metal que nos unia começar a ser puxado.
Puxei de volta com mais força, fazendo ele cambalear pra trás e bater seu ombro contra o meu.
— Não esquece quem é a dona da rua, Cebolinha. — sussurrei antes de passar por ele e começar a rebocá-lo até a casa verde.
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