Janeiro de 2018
"Um fio invisível conecta os que estão destinados a conhecer-se, independentemente do tempo, lugar ou circunstância, o fio pode esticar ou emaranhar-se, mas nunca irá partir."
— Akai Ito
É uma manhã ociosa. Pingos d'água escorrem pelas folhas do jardim, formando pequenas poças que refletem o rosto de uma inocente criança que por ali perambula. O frio da brisa chacoalha as janelas e portas das casas da pequena vila nascida em margens montanhosas, onde seus afáveis moradores vestem o agasalho da alma.
José é um destes. Apoiado na mureta do rio, em sua rotina de puro deleite, ele aguarda pacientemente o despontar na esquina de Margarida, dona de um olhar profundo e um esvoaçante vestido florido. São nestas horas do dia que a felicidade do rapaz ganha forma e se transforma nas canelas daquela delicada mulher.
KIMBERLY [ON]
— Acorda, Kim! — Sook me empurra da cama. — Não acredito que você irá se atrasar para o seu primeiro dia do estágio.
Sento na cama e afasto meu cobertor. Esfregando meus olhos, olho atentamente para o visor do meu celular e dou um pulo.
— DROGA! ESTOU ATRASADA! — grito assustada.
O tempo voa. Já se passaram quase dois anos desde aquela tragédia que, misteriosamente, eu tive uma segunda chance. É tão estranho como eu ainda me lembro do som da voz dele, do cheiro, do abraço de todas as manhãs.
Os dias se arrastavam e relutei em aceitar a dura realidade. Era doloroso lembrar de tudo aquilo que me fez perdê-lo, das lágrimas nos meus olhos, das noites sem dormir, sem comer, sem sorrir. Quanto a mim, estou tentando levar a minha vida normalmente. EU JURO!
Atualmente moro com uma amiga da faculdade que esteve comigo nos piores e melhores momentos em Seul, a Sook. Embora ela seja impulsiva e briguenta, temos gostos parecidos e conseguimos nos entender apenas com um olhar. Somos como irmãs siamesas, dividimos tudo, inclusive, nosso maior sonho de jovens adultas: encontrar um emprego decente.
Sook está à mesa na frente de um enorme copo de leite e pão com creme de avelã, mordendo calmamente pequenos pedaços.
— Meu preferido! — digo, me aproximando para roubar o pão da sua mão, mas ela me dá um leve tapa.
— AIGOO! Você deveria ter acordado cedo para escovar o cabelo e se arrumar melhor. Olhando para essas suas roupas maltrapilhas irão pensar que é desleixada, não tem vida social e possui um senso de moda duvidoso. — ela revela, franzindo a testa.
Reviro os olhos. Detesto quando a Sook tenta me dá conselhos em plena sete da manhã, sem direito a um café para me manter acordada.
— Até mais tarde, enjoadinha! Me deseje sorte. — peço de forma apressada indo em direção à porta de saída.
Atravesso toda a avenida às pressas para pegar o metrô, pois é a única forma de chegar a tempo no meu novo estágio que, digamos de passagem, foi difícil pra caramba de conseguir. Irei trabalhar para um escritório de arquitetura que executa praticamente todas as grandes obras da cidade, além de possuir mais quatro filiais espalhadas por toda a Ásia.
(...)
— Bom dia! Sou a nova estagiária do setor projetista e hoje é meu primeiro dia aqui. — digo, como se estivesse me explicando para a secretária, afim de que ela não me confundisse com uma completa estranha.
— Alguém te ligou ou mandou e-mail, avisando sobre a pequena mudança do local para o treinamento dos estagiários hoje? — ela me pergunta ativa.
— Não! — respondo tristemente, me culpando mentalmente por não ter aberto meu e-mail essa manhã para visualizar todas as novas mensagens.
Verifico todas os detalhes das informações na secretaria e tento não demonstrar minha alegre surpresa. Ao que parece, o treinamento será realizado na biblioteca Starfield Library.
Uma onda de agitação sacode meus ossos e reconheço vagamente a sensação de entusiasmo. Sempre achei que o paraíso seria uma espécie de biblioteca, repleta de livros com histórias incríveis esperando por nós. Deve ser um sinal positivo do universo.
— Olá! Você deve ser a senhorita Kimberly, estou certo? — um senhor simpático pergunta, provavelmente deve ser o projetista principal, ou seja, meu chefe.
— Sim! — respondo, curvando-me em reverência ao mais velho.
— Prazer em conhecê-la! Teremos muito trabalho pela frente. Seja bem-vinda!
— Muito obrigada, senhor! Espero contribuir de forma significativa aqui na empresa.
— Gostei da sua resposta. — ele fita o relógio em seu pulso. — Espero que a senhorita não se atrase para o treinamento.
— Ah, certo, obrigada pela atenção! Tenha um ótimo dia, senhor! — tento manter a calma na frente dele, mas por dentro estou numa pilha de nervos.
Sai imediatamente do escritório, sem me dar o trabalho de verificar o horário. Eu precisava chegar no local marcado o quanto antes. Não queria causar uma má impressão no meu primeiro dia do trabalho.
(...)
Sinto-me bem na biblioteca, folheando inúmeras revistas e livros que foram passados como referências para que eu lesse. Meus ombros relaxam completamente, mas meus dedos começam a batucar involuntariamente na mesa. Estou examinando cada parágrafo dos textos sobre arquitetura moderna, até que ouço "sem querer" uma conversa de duas estranhas.
— Nossa, aquele garoto é lindo demais! — exclama uma das garotas aleatórias sentadas a minha frente.
Fiquei tão desligada do mundo que, por meros segundos, esqueci que estava num ambiente público. Então, viro minha cabeça para enxergar o motivo da fala daquela garota desconhecida e, abruptamente, sou surpreendida pela beleza do rapaz próximo a janela. Seu olhar está perdido em um pequeno manuscrito. Pelo tamanho da sua concentração ao lê-lo, aquele livro parecia um outro universo.
Permaneço paralisada por alguns minutos, apenas o admirando. Até ele pressionar os lábios um contra o outro e suavemente virar o rosto. Seus olhos puxados, atentos e curiosos deslizam e param na minha direção.
Enquanto o vejo me analisando, um leve tremor percorre meu peito. Meu celular toca no bolso do casaco e várias pessoas me advertem por causa do barulho. Após silenciá-lo e pedir desculpas, percebo que o rapaz continua a me observar. Um sorriso tímido escapa da boca dele. Socorro. Arrepios se espalham pelo meu corpo e acabo sorrindo em resposta.
E quem diria, que a partir dali eu aprenderia que na vida nada é por acaso, tudo tem um propósito.
UMA SEMANA DEPOIS...
Os dias transcorreram e eu saí da conjunção de nerd distraída para uma stalker dedicada, alucinada e fora da casinha. MEU DEUS! QUE VERGONHA! Cheguei a difícil conclusão de que preciso analisar em que ponto da minha vida eu me deixei levar por aquele sorriso! MERDA! Aquele maldito sorriso não saia da minha mente.
Todas as tardes no escritório, enquanto ele trabalhava construindo maquetes de forma meticulosa, tão inacessível e alheio ao que acontecia ao seu redor, eu fitava-o, quase contemplando-o. Às vezes sinto que se eu ficar quieta o observando, por alguns instantes, o tempo congela. E juro, que se de alguma forma fosse possível viver naquele segundo paralisado, eu viveria para sempre.
ÓTIMO! Agora além de estranha, me tornei uma perturbadora de espaços privados.
Por curiosidade, quase desespero, fui ao Departamento Pessoal da empresa e aproveitando a ausência de uma das funcionárias, dei uma vasculhada nas listas com os horários de trabalho de cada estagiário. Como já estava por ali, resolvi bisbilhotar as fichas com informações de cada um.
Com uma certa pitada de Sherlock Holmes, em questões de minutos, descobri tudo que precisava para continuar minha jornada perigosa pelo "garoto desconhecido do estágio".
Minha primeira e essencial descoberta foi seu nome.
Pasmem para o quão lindo o nome dele é: Kim Taehyung.
(...)
— VOCÊ FICOU MALUCA? — Sook berra com aquela voz estridente. — Bebeu xixi ou algo do tipo? Caia fora disso já! Isso é claramente uma cilada, Kim!
— Calma, Sook! Com todo esse seu exagero, vou pensar que ele não presta. — respondo com tom de sarcasmo.
Ela sacode a cabeça em sinal de afirmação e continua:
— Mas essa é a minha intenção, colocar seus pés no chão e mostrar que KIM TAEHYUNG é o típico homem problema que só traz dor de cabeça para uma mulher. Todas as veteranas da universidade sabem disso.
— Está falando sério? Porque eu nunca ouvi falar desse garoto?
Sook claramente não esperava essa minha pergunta. Vejo algo divergente em seus olhos, e acredito que ela vai me dizer para não encher o saco. Mas, em vez disso, ela solta uma gargalhada e quase se engasga com o refrigerante que estava bebendo.
— Desculpa! — diz. — Acho que a gente vive em universos paralelos. Kim, você não beija ninguém a mais de um ano. Quando a gente vai para alguma festa, em vez de paquerar, você bebe todas as cervejas da mesa e apaga. Então, como você saberia alguma fofoca referente a qualquer homem do planeta Terra?
— AIGO! Virei uma jovem solteirona! Preciso me apressar e comprar meus trinta gatos. — brinco enquanto jogo uma almofada nela e acerto bem na sua cabeça.
— PABOYA! — ela pragueja.
Em seguida, rimos sem parar das minhas bobagens. Pela primeira vez, depois de muito tempo, estamos jogadas na cama, rindo, conversando sobre namoro, festas, viagens, família. É complicado de explicar, mas me sinto completamente leve, como se tudo aquilo fosse algo novo para mim. Estou começando a ver as situações de ângulos diferentes.
No livro da minha existência havia uma imensa folha em branco, que atualmente representava a minha vida amorosa, e lá registrei uma única frase:
“Diga-me, o que pretende fazer com sua preciosa e única vida?”
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