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História More Than You Know - Capítulo I: Breath Of Youth


Escrita por: hidechanrainbow

Notas do Autor


Olá! Sejam bem vindos para a minha primeira MidoTaka e sinto dizer que esse cap ficou enorme #sorry, espero que gostem, foi bem difícil trabalhar com eles \o/

Capítulo 1 - Capítulo I: Breath Of Youth


Galpão: Quinta-feira – meia noite e meia.  

 

O som da batida eletrônica misturada ao alto nível de álcool no sangue fez Takao sorrir independente de qualquer motivo, sua mente girava e o corpo se movimentava sem que conseguisse manter algum ritmo, ainda assim tudo parecia fazer pleno sentido como se aquela combinação de luzes, sons e movimentos o completasse. “Me sinto tão bem” o pensamento transcorreu sua mente por longos segundos. “Eu poderia dançar para sempre”. Concluiu levando o copo vazio até os lábios, sua língua sentiu falta do líquido amargo e o cenho se franziu automaticamente.

 

- Ei, Kazunari, vamos dançar juntos? _a voz doce chegou ao seu ouvido mesmo com a música prestes a explodir seus tímpanos.

 

                O moreno apenas segurou a cintura fina da menina e preencheu sua boca solitária com os lábios macios da mesma, ele não precisava mais da vodka.

A música mudou, o DJ continuou a animar a clientela bêbada e antes que seus olhos repousassem no casal logo abaixo de si, teve que voltar a atenção para os discos à sua frente; assim que voltou a abaixar o olhar, o casal já não estava mais lá, a menina agora dançava sozinha com os braços jogados para cima e a cabeça pendendo molemente para o lado.

 

Faculdade de Tokyo: Quinta-feira – horas antes.

 

- Nah, Shin-chan, vamos jogar hoje? _o menor ajeitou o tubo que carregava pendurado em um dos ombros evitando assim derrubar o mesmo _por favor _completou com a formalidade já há muito esquecida por eles.

- Tenho provas essa semana, são provas de um curso de medicina, Takao _sua voz saiu arrastada e cansada.

- Oh me desculpe _murmurou _o meu curso também está pesado e quer saber? Seus colegas de classe estavam na balada do final de semana _a resposta que deveria ser curta e amistosa, acabou longa e ácida _tempo não é realmente um problema.

 

 

                Midorima virou à esquerda seguindo para o prédio onde teria duas aulas seguidas de anatomia, o jaleco preso em seu braço balançou furiosamente pelos passos largos. Takao não o seguiu, apenas observou o mais alto sumir pelas portas de vidro então deu meia volta refazendo o caminho até a cafeteria, não teria aulas no primeiro período. Seus olhos chegaram a marejar enquanto caminhava sem pressa pelo caminho de ladrilhos, brigar com o companheiro, o que antes era extremamente raro, agora parecia ter se tornado uma amarga rotina.

                Não era sua culpa... quer dizer, Midorima estava no penúltimo ano da faculdade de medicina e seus esforços por boas notas, plantões e atividade extra curriculares com certeza tomavam muito de seu tempo (bom humor e energia também), entretanto pelo menos 2/3 de sua sala, quando não namoravam, sustentavam um mínimo de vida social. Então por que infernos o amigo se recusava a sair com o estudante de arquitetura? Obviamente o moreno percebeu que tempo era o menor dos problemas, Midorima estava um pouco mais fechado do que de costume, mesmo se não morassem juntos seria possível perceber que suas atitudes haviam mudado em relação ao outro; a resposta para aquilo tudo pesou no coração de Kazunari fazendo a garganta travar novamente: uma garota.

                Na verdade “uma garota” era uma explicação banal, havia muito mais coisas envolvidas do que uma simples garota. Takao e Midorima saíram do colegial engajados num romance unilateral: Takao se apaixonou pelo colega de time muito antes dos jogos de inverno na qual perderam vergonhosamente para Rakuzan, Midorima por sua vez caminhou em passos lentos até finalmente ceder a esse amor, ou melhor dizendo, a insistência. Aconteceu após a formatura, enquanto todos pensavam no vestibular, Takao dedicou algumas horas de seu dia de folga para convidar Midorima até sua casa, o convite aceito terminou numa confissão desajeitada e num beijo curto pela parte do mesmo. Ele ainda se lembrava da cena, havia ficado nas pontas dos pés para alcançar os lábios macios, o selinho não fora correspondido assim como os sentimentos, mas pelo menos Shintaro nunca o repudiou. Na verdade ele nem respondeu. Depois daquele dia só foram se encontrar no campus da faculdade por uma coincidência e, conversa vai, conversa vem, acabaram alugando um apartamento na redondeza a fim de cortar gastos.

                Nunca mais aquele dia fora revisitado durante o tempo de convivência, Kazunari não mencionou seus sentimentos, Shintado também não.

 

- Merda... _engoliu o bolo em sua garganta.

 

                Os anos que sucederam foram tranquilos, Takao trancou a faculdade duas vezes mudando de curso até acabar em Arquitetura. Isso lhe rendeu os anos que serão necessários para Midorima terminar seu extenso curso, era como na época de escola: tomavam café da manhã juntos, às vezes jogavam basquete, um sempre estava em casa quando o outro chegava. Os plantões mudaram um pouco a rotina depois de cinco anos, Takao passou a vagar mais vezes sozinho pelo apartamento dando espaço para um incomodo sentimento que nunca o abandonou, mas que fora mascarado pelo comodismo: como seria ao terminarem ambos os cursos no ano seguinte? Kazunari seria forçado a desistir de tudo e arrumar um casamento para tentar ter uma chance de ser feliz. “Que ótimo”. O pensamento quase audível o fez jogar suas coisas sobre a mesa da cafeteria com total mau humor.

                E como se não bastasse aquele infeliz destino, Midorima agora andava rodeado por uma veterana de veterinária, onde ele teria conseguido amizade com meninas de outro curso? Jamais saberia. Claro que suspeitava dos seminários de saúde que sempre aconteciam, ainda assim seu antissocial e sistemático Midorima Shintaro conseguir a atenção (ou melhor, conseguir dar atenção) a uma linda menina de 1,80, com longos cabelos loiros e olhos azuis, de descendência alemã, estava fora de sua órbita de possibilidades.

                A verdade é que ele não queria pensar naquela possibilidade. Midorima sempre fora a pessoa que amou, desde a porra do colegial, há mais de oito anos, e agora o mesmo estava saindo com uma garota quebrando toda e qualquer esperança que um dia já teve. Seu conto de fadas esmagado pela realidade. Ficaria um ano vendo o amigo deixar o apartamento para seus encontros, veria a mesma em sua sala de estar e até mesmo transitar do quarto de Midorima até a cozinha sem pudor, pensaria no sexo que jamais seria ele o felizardo a experimentar.

                 As lágrimas voltaram a visitar seus olhos, dessa vez simplesmente as deixou que caíssem sobre o tampo de granito, estava cansado de imaginar coisas. Tudo em sua vida era pura e simples imaginação: passou a infância imaginando como era ter pais unidos, uma vez que sua família se separou quando tinha dois anos, depois imaginou como seria ser uma estrela no basquete até ser esmagado pela geração dos milagres, imaginou sua vida amorosa ao lado de alguém que realmente amasse e agora imaginava as piores cenas possíveis para seu final de vida acadêmica. Por que não dar mais um passo e imaginar seu emprego de bosta? Já que tudo o que restava era trabalhar para se sustentar; o que aliás, deveria fazer em poucas horas.

 

- Quero morrer _afundou o rosto dentre os braços.

 

                O dia passou sem nada novo, Takao não voltou ao apartamento optando por vagabundear o dia todo pelos prédios. Seus amigos o convidaram para mais uma das festas de arquitetura e prometeu pensar, infelizmente internamente já sabia que se recusaria uma vez que seu emprego de meio período, apesar de ser apenas freelancer, era justamente naquela noite.

                O sol já estava se pondo quando suas pernas o arrastaram para casa, pra variar, ainda tinha que se desculpar com o amigo. Odiava brigar, mesmo que Shintaro nunca realmente se importasse, pois já estava acostumado a ignorar certos descontroles das pessoas em função de sua profissão, o mesmo sentia um bolo de arame farpado em seu interior. A caminhada demorou muito mais do que os cinco minutos habituais, parou na loja de conveniência para comprar Oshiruko como pedido de desculpas e logo estava subindo os degraus até o apartamento 21. O barulho das chaves fez Midorima parar de escrever por um mero segundo, logo a lapiseira voltou a preencher as linhas em branco na velocidade de sempre; ele sabia que as batidas na porta do quarto não demorariam a vir e assim se concretizou segundos depois.

 

- Entre _respondeu curto sem tirar os olhos dos papéis ao redor, que preenchiam sua escrivaninha.  

- Shin-chan... hn, me desculpe por hoje de manhã... de verdade _sua voz falhou.

- Tudo bem, estou mesmo sem tempo, mas prometo que vamos jogar ainda.

 - Uhum.

 

                O sorriso que deveria vir saiu torto e mesclado com um aceno rápido, Takao deixou o quarto sem nem mesmo ter dado um passo à dentro, Shintaro respirou fundo deixando a lapiseira descansar sobre o livro: ao contrário do que parecia, não era um monstro. Sabia que o amigo estava chateado, ainda assim concertar cinco anos, ou mais, de um amor não correspondido era uma tarefa impossível de se fazer de um dia para o outro. Ele tinha que sentar e pensar, pensar e repensar sobre todas as coisas; o comodismo, no entanto, o levou a procrastinar. Na época jamais imaginou que reencontraria o amigo na faculdade e sem a insistência do menor sobre o assunto, acabou deixando de lado sua tarefa. Talvez um dos maiores erros em sua vida.

                Takao era importante demais para deixar de ser um amigo. Disso ele tinha a mais plena consciência.

                O homem de cabelos esverdeados ouviu a porta de entrada ser fechada novamente, sabia que Kazunari fora trabalhar e só voltaria de madrugada quando já estivesse dormindo. Olhou para o livro a sua frente, quando teria tempo? Quer dizer, já teve o tempo que perdeu do colegial até ali, agora que realmente estava atarefado com o curso não podia se dar ao luxo de cair em espirais de sentimentos adolescentes (mesmo não sendo mais um). Não gostava tanto assim de estudar, droga, se não se concentrasse naquilo seus pais o matariam. Mas deixar de pensar no assunto só o levava a se preocupar ainda mais quando tinha algum momento de folga, então entrava outro problema: compensava o stress dando atenção a coisas aleatórias e ultimamente tal coisa aleatória acabou ganhando seu tempo mais do que deveria e menos do que poderia. A veterana de descendência estrangeira era tão contagiante quanto à própria existência do basquete em sua vida.

                Não é como se estivesse gostando da mesma, claro, só que parando para pensar ela tinha não só atributos necessários para ser uma excelente escolha como também estava dando indícios de se interessar cada vez mais de si. Não só as conversas vinham de forma natural como também o sorriso e o brilho nos olhos, e Midorima só tinha presenciado isso uma vez em sua vida: Com Takao. Assim o ciclo em sua mente se fechou voltando aos velhos problemas. O moreno teria que aceitar sua decisão independente de qual for, pois eram amigos, as feridas da guerra perdida já seria outra história.

                Deixou a leitura de lado, precisava se alimentar ou sua cabeça entraria em colapso antes mesmo de resolver alguma coisa em sua vida. Assim que acendeu a luz da cozinha sua boca voltou a secar, sobre a mesa havia duas latas de sua bebida preferida. “Droga, Takao!”. O ato simples era um pedido de desculpas que seria encarado com normalidade semanas atrás, agora o coração do ex-jogador não só acelerou como também sua mente voltou a remoer o pensamento de minutos antes. Era como se decidir entre 8 e 80, simples, aparentemente.

 

----------- + --------------

 

                O relógio marcava 3:40 da madrugada quando Midorima se levantou para ir ao banheiro, passou em frente ao quarto do companheiro e entrou rapidamente encostando a porta de qualquer jeito, ávido para se aliviar. Quando estava pronto para fazer o caminho de volta reparou que a porta do quarto de Takao estava aberta, balançou a cabeça estendendo a mão para fechá-la, mas assim que o fez reparou que a cama de solteiro estava solitária. Estranhou. Com a adrenalina agora tomando conta lentamente de seu corpo, espiou o sofá da sala ainda do corredor encontrado o mesmo também vazio. Passou a mão pelo cabelo o bagunçando um pouco mais. O horário limite que o menor costumava voltar de seu trabalho era uma e meia da manhã, no máximo duas.

                Voltou para seu próprio quarto alcançando o celular que carregava sobre a mesinha de estudos, nenhuma mensagem. Takao sempre o avisava quando não voltava, era um pacto entre eles, Midorima entendia os motivos. O amigo crescera sendo levado de um lado para o outro pelos pais separados, sempre estava angustiado sobre a segurança de ambos e com isso as mensagens eram constantes. Cresceu acostumado a ter todos sob sua vista e agora que o trato fora quebrado deixou não somente Midorima preocupado como também irritado: detestava compromissos como aqueles, por isso crescera justamente fazendo o contrário com seus entes queridos; era uma preocupação que tinha tudo para virar paranoia.

 

- Inferno _desbloqueou o aparelho mandando uma mensagem no whats, percebeu que o menor não consultava o celular há horas.

 

                Eles eram amigos há anos, não podia simplesmente deixar aquilo quieto. O toque ritmado do celular fora ignorado, sem opções, deitou tirando o aparelho do silencioso; se Takao pedisse ajuda conseguiria acordar.

                Depois da noite mal dormida, Midorima despertou minutos antes do despertador, se levantou com o celular em mãos indo até o quarto do lado e encontrando o mesmo vazio. Se aprontou para a aula rotineiramente e deixou um bilhete grudado na geladeira pedindo para que o moreno entrasse em contato, pois estava preocupado. O caminho até o campus rendeu alguns resmungos, se bem se lembrava, quintas-feiras eram dias de festas da arquitetura, então o amigo só podia ter perdido a cabeça e ido até o Galpão. Ele esperava que pelo menos o menor tivesse ido trabalhar, precisava do dinheiro para se sustentar (mesmo que fosse na casa de lamen, comida que Takao aliás odiava).

                Takao odiava tanta coisa ainda assim sorria para tantas outras, era admirável como seu interior seguia a vida com harmonia. Fazê-lo triste doía muito.

 

- Midorima-san! _a voz macia cortou seu pensamento, virou o pescoço encontrando a dona da voz perto do portão de entrada _bom dia.

- Bom dia Michaela-san _seu sotaque fazia a menor rir por algum motivo.

- Primeiro período de anatomia _se lamentou.

- Antes do almoço é sempre desagradável _seus passos se tornaram mais lentos para que a mesma não precisasse correr para acompanhá-lo _está indo bem no último ano?

- Sim, parece que vou me formar _ela cruzou os dedos fazendo uma falsa prece para o céu _hum! Vai começar a vender bolinhos de oshiruko na doceria atrás da loja de conveniência!

- Oi?! _ajeitou os óculos mesmo que os mesmos estivessem no lugar.

- Exato! _apontou para o mesmo _ precisamos!... quero dizer, se for bom eu te aviso.

 

                Naquele ponto da conversa Midorima percebeu que Michaela criou a primeira chance desde que se conheceram. Midorima era fechado, antissocial, difícil de acertar algo que o fizesse se animar. A dona dos olhos azuis amava oshiruko por ironia do destino e aquela notícia era a oportunidade perfeita para o mais alto a convidá-la a um rápido passeio fora do campus, mesmo que não significasse nada de mais, seria um passo para a amizade pender para um relacionamento. Não tinham mais 15 anos afinal, a inocência estava fora dos limites do bom senso. O sim e o não ficaram presos na garganta do ex-jogador, os motivos para ambas as escolhas eram simples então nada o fazia realmente declinar para nenhum dos lados. Os segundos que Michaela deu ao seu orgulho eram muito mais do que preciosos e precisavam ser aproveitados.

                Midorima também tinha sua dose de insegurança, se declinasse será que a mesma daria outra chance?

 

- Seu terceiro período está vago?

- ...sim _a voz saiu animada e contida.

- Então me espera no portão, a gente compra e volta. Tenho laboratório, mas dá tempo de ir lá. Só preciso entregar um trabalho-nanodayo _justificou.

- Ok! _deu um tapinha em seu ombro _até mais Midorima-san! _se despediu pegando um atalho à direita, Midorima sorriu.

 

                Perto do almoço seu celular ainda continuava inativo dentro da bolsa, nenhuma mensagem do amigo. Cogitou passar no prédio de arquitetura, mas suas aulas não dariam o tempo necessário e no almoço nenhum aluno ficava nas salas. O terceiro período já estava preenchido pelo compromisso marcado pela manhã e restava ao mesmo esperar até o final de seu dia letivo. Tentou mais uma vez ligar para o número decorado, que agora, como das seis vezes anteriores, caía direto na caixa postal.

                A noite veio antes que o dono dos olhos esverdeados reparasse, acabou indo até a biblioteca e se esqueceu da hora por conta do extenso trabalho passado na aula anterior. Tomou as ruas apressado, agora verdadeiramente preocupado com Takao, praticamente correu até o prédio cor gelo e não foi educado ao cruzar a portaria. Se arrependeu, pois talvez precisasse perguntar ao porteiro se o companheiro não tinha aparecido caso não estivesse em casa. A porta fora aberta com um leve tremor, a ansiedade cresceu em seu peito ao ver um par de tênis surrado na porta de entrada.

 

- Takao! _o timbre alto cortou o silêncio, abriu a porta do quarto com violência encontrado o menor deitado na cama de bruços _você está bem? Oe, estou falando com você-nanodayo!

- Shin-chan... _a voz rouca saiu fraca _foi mal, não sei onde foi parar meu celular... e não conseguir ir até o campus, voltei faz algumas horas.

 

                O menor se virou na cama parcialmente deixando o rosto visível, ele fazia força para manter os olhos abertos.

 

- Me desculpe...

- Idiota _resmungou.

- Me de-desculpe... _a voz agora estava embargada pelo choro, Takao sabia o quanto Midorima odiava o pacto de ficar avisando onde estavam e queria se desculpar por ter sido um babaca por isso.

- Você está bem? _voltou a repetir a pergunta, não é como se fosse sair de lá sem saber o que havia acontecido.

- ...não muito, meu estômago não deixa parar nada desde ontem... fui na festa de arquitetura.

 

                Midorima deixou o quarto e voltou em poucos segundos, com um copo de água e duas aspirinas nas mãos.

 

- Vou estudar, tome isso e descanse.

- Obrigado _murmurou _de verdade.

- Depois a gente conversa _fechou a porta se trancando em seu próprio quarto.

 

                A raiva estava lado a lado com sua tristeza. Kazunari Takao nunca havia feito nada inconsequente antes. Admirava a rigidez do rapaz diante loucuras, ainda mais estando na faculdade cercado por milhares de caminhos tortos. Bom, claro que o mesmo também nunca havia feito nada do tipo, mas Midorima era diferente, tinha pais rígidos, uma personalidade ridiculamente fechada e medo de ser descoberto fazendo algo errado. Takao era livre.

                Para seu melhor amigo ter feito algo assim então deveria estar realmente triste com algo, com Midorima no caso. Não era um amor infantil, era um amor de anos. Um amor adulto, com desejos e tremores; Shintaro nunca fizera nada para impedir, se sentia a pior das escórias. Esperou até o pior acontecer para começar a pensar no assunto, poderia não ter sido Michaela, mas qualquer outra; era isso que sua amizade significava?

                As horas se passaram em sua lentidão, Midorima abandonou os estudos e começou o jantar, que geralmente era feito por Takao ou por nenhum deles optando pelas entregas. O frio parecia querer congelar os ossos apesar de ser uma época relativamente quente, então optou por um caldo não muito forte no sabor, mas nutritivo, pensando exclusivamente no amigo. Esperava que o mesmo pudesse finalmente se alimentar. Não demorou para Takao ir tomar seu merecido banho e aparecer na cozinha em roupas confortáveis, sabia que o mesmo ainda estava sonolento e enjoado, porém também sabia que ele jamais voltaria para cama se desfazendo da boa vontade do amigo. E aquela era mais uma vez a prova de seu amor, pequenos detalhes que não passavam despercebidos, mas tão pouco era recompensado.

 

- O cheiro está ótimo _comentou para quebrar o clima pesado, não havia necessidade entretanto, Midorima não estava mais irritado.

- Acha que consegue comer?

- Vou tentar _sentou-se à mesa já devidamente posta e se serviu _e-eu... _encarou a colher se arrependendo em seguida, sua aparência estava horrível _...não ia para a festa, sei lá.

- Você não foi trabalhar?

- ...si- não _tentou mentir, mas Shintaro perceberia no ato então ficaria ainda pior.

 

                O suspiro de insatisfação cortou o coração de Takao, odiava ser motivo de decepção.

 

- Takao, você sabe que não pode dar essas mancadas no trabalho, ainda sem celular para ligar pro Sr. Mikado, o que vai dizer a ele? _o sermão era ouvido em silêncio, a sopa, antes difícil de ser degustada, agora parecia totalmente intragável.  

- Vou passar lá amanhã _murmurou.

- ...diga que se sentiu mal _jogou a toalha desistindo de repreendê-lo, o fez por puro hábito, mas não era para isso que estava ali naquela vez.

 

                O moreno levou a primeira colherada do caldo amarelado até a boca e o contrario do que achou, conseguiu engolir com muito prazer. Sua expressão de surpresa veio com um sorriso pequeno.

 

- Está uma delícia _se ocupou em assoprar a segunda colher em seguida.

- Que bom _relaxou se ajeitando melhor na cadeira _termine de comer, sua cabeça ainda dói?

- Não, como sabe que estava doendo?

- Eu sou um médico-nanodayo.

 

                Takao concordou rindo aliviado pelo mesmo estar lhe tratando com amabilidade apesar de todas as mancadas que dera.

 

- Eu sei que ando um pé no saco esses tempos, me desculpe.

 

                A voz do moreno se fez presente depois de alguns minutos de silêncio, seu prato já no final dava espaço agora para o sono, mas ele ainda queria continuar com a companhia do maior. Era sempre bom, independente da situação.

 

- Não vou fingir que eu não sei o que está acontecendo _continuou _...quero dizer, acontecendo comigo. Cheguei a... te decepcionar, então ah... foi mal mesmo, não vou fazer novamente.

 

                Takao queria colocar ponto final em todo o problema. Novamente as escolhas simples que deveria fazer no fundo tinham um peso muito maior do que aparentava. Já tinha procrastinado por todos os cinco anos desde a confissão do menor, a aparição de Michaela fizera o assunto vir à tona de maneira mais desagradável possível, ele sabia que essa não seria a primeira nem a última vez a acontecer coisas ruins. Se desse para trás agora, seu futuro nunca seguiria por um caminho reto.

 

- Takao, olha... eu realmente não soube o que te responder na época.

 

                O assunto tocado fez Kazunari tremer, Midorima nunca falou sobre aquele dia e chegou a duvidar se ele se quer tivesse entendido sua confissão. Estava claro que a resposta era sim, e mais, que só fora uma fuga babaca.

 

- E não sei o que responder agora. Eu não sei se gosto de você desse jeito.

- Esquece _engoliu em falso, uma estranha corrente elétrica saia de seu peito e percorria até a ponta de seus dedos _é sério, você é o meu melhor amigo. Se eu te perder por causa de atitudes sem noção, vou me sentir a pior pessoa do mundo, por isso prometo não fazer mais nenhuma idiotice.

- ...

- Sei que tem seus pais e sua família tradicional _murmurou _o peso do seu futuro no hospital do seu pai, todo o dinheiro que eu não tenho.

- Isso não te-

- Sabe que sim _e apesar de cortá-lo, não precisou erguer a voz, Midorima era apenas um excelente ouvinte e se calava quando alguém continuava a falar _sabe que não é simples apenas chegar em casa e dizer que está namorando um homem ou que vai morar com um após a formatura. A Michaela é muito melhor do que enfrentar tudo isso... e, claro, nos conhecemos há anos, você sabe que gosto de você há cinco, cinco _frisou _longos anos, não vai mudar o que sente por mim agora. Só... acabei perdendo a cabeça depois de refletir nisso um pouco demais, mas se precisar eu vou morar em outro lugar. Não tem problema. A única coisa que não posso imaginar, Shin-chan, é deixar de ser seu amigo, então não se preocupe uh? Independente do que escolha vamos ser amigos, de coração.

 

                O monólogo fez Shintaro prender a respiração, sua mente, que deveria trabalhar “fervilhosamente” para respondê-lo de forma correta, ficou em branco. Takao se levantou com os pratos em mãos e os depositou na pia, daria tempo ao amigo enquanto lavava a louça do jantar.

 

- Co-como soube que o que sentia por mim era amor sem nunca termos... sabe.

- Ido pra cama? _perguntou por puro e simples prazer de zoar com a cara do amigo, velhos hábitos jamais seriam corrigidos _e se eu disser que já imaginei? _arriscou olhar para trás vendo um rosto extremamente corado, mas sério _é... tipo isso. Quando queremos muito uma coisa, ou quando pensamos muito em algo ruim, a gente imagina e sente. É assim que eu descobri que amo você.

- ...entendo _murmurou.

- Relaxa, nunca imaginei nada de mais _mentiu por seu próprio constrangimento _ vai ficar de boa?

 

                Takao enxugou os pratos e voltou para perto da mesa, os preciosos óculos de Midorima não estavam no lugar e o mesmo mantinha o rosto coberto pelas palmas das mãos.

 

- Sério... já tive lição suficiente pelos meus atos. Gosto de você demais para vê-lo infeliz, ok? Isso vai passar, eu vou me acostumar...  boa noite, Shin-chan. Amanhã tenho o primeiro período, então me espere. Boa noite _repetiu agora acariciando os cabelos macios e ligeiramente sem corte do amigo, nunca havia demonstrado carinho de modo físico além do selinho roubado no fatídico dia da confissão, Midorima estremeceu.

 

                O silencio voltou a reinar no cômodo pequeno. Shintaro, antes com escolhas sem respostas, agora estava totalmente perdido.

 

------- + ---------------

 

Eu tenho que aprender a amar sem você

Tenho que carregar minha cruz sem você

Preso no meio e estou prestes a

Descobrir sem você

E eu terminei sentado sem você

Foda-se, vou sair sem você

Vou destruir esta cidade sem você

Estou indo Bonnie e Clyde sem você

 

                A música foi cantarolada sem ânimo pelo moreno que se trocava lentamente, não havia dormido o suficiente e seus sentidos estavam letárgicos. Deixou o apartamento na companhia de Shintaro naquela manhã fria de Sábado, teriam aulas nos dois primeiros períodos e então finalmente o final de semana começaria para os estudantes da faculdade de Tokyo. Takao se despediu, infelizmente não a tempo de ver Michaela se aproximando, engoliu todo e qualquer sentimento entrando no prédio de administração só para não precisar ouvir a voz animada. Se sentia tão ridículo ao ponto de admitir que talvez tivesse regredido anos de sua vida até a adolescência, ou talvez nunca tivesse sido tão idiota com 15 anos como estava sendo agora.

                Depois de alguns minutos de martírio, deixou o prédio pegando caminho contrário, o dia teria que passar rapidamente ou sua cabeça ia explodir.

 

Agora estou fugindo, meu querido

De mim e da verdade, eu temo

Meu coração está batendo, não consigo ver claramente

Como eu estou desejando que você estivesse aqui

 

Avicci – Whithout you

 

                O pior dia daquela semana ainda estava por vir, Domingo trazia não só a monotonia de 2/3 do comércio fechado aos redores do campus, como também as ruas vazias por pessoas ocupadas dando espaço para famílias com crianças birrentas e casais apaixonados. Takao olhou com desgosto para a janela, em épocas mais felizes de sua vida, estaria jogando basquete, mas perdera interesse no esporte uma vez que o companheiro simplesmente parara de jogar. Ele nem mesmo enfaixava mais os dedos. Foi um choque quando percebeu tal fato, não sabia dizer exatamente quando aconteceu, ainda assim acabou mudo por longos minutos até perguntar para Shintaro o que aquilo significava, a resposta curta (“Nem jogo mais, então pra que-nanodayo?”) deu muito mais dor no coração do que qualquer outra notícia.         

As coisas mudam, Kazunari parecia o único a se manter como sempre fora: autossuficiente, animado e com antigas manias como deixar as roupas extremamente bagunçadas fora do guarda roupa e manter sua estante de livros impecável. Já eram 21 anos do mesmo jeito.

 

- Estou saindo.

               

                Seria possível que Midorima o faria ficar mudo pela segunda vez na vida? Takao virou o pescoço com tanta violência que ouviu o osso estalar, mas não deu atenção ao fato.

 

- Como?!

- ...saindo-nanodayo _apontou para a porta de entrada.

 

                A imaginação logo deu ao moreno tudo o que ele não precisava. Midorima nunca saia aos Domingos se não para ir à loja de conveniência. Sempre tinha algo para estudar ou então dedicava-se aos exercícios físicos ou ainda para recuperar o sono perdido, seja o que for, sempre em casa. Takao se jogou no sofá e ligou a TV, praguejou 500 vezes até se acalmar. Ele dava chances para uma menina que acabou de conhecer, mas nunca para o amigo que já o amava desde, praticamente, sempre. Ótimo. A vida era uma merda mesmo. Ele nem podia estar reclamando, só que naquela altura do mau humor não se importava com ética nenhuma, só queria aliviar seus sentimentos sufocantes de alguma forma.

                O mês todo de Abril e o próximo, e Takao desconfiou que o próximo também, seria tão ruim quanto. A mesmice dos dias haviam voltado, faculdade, trabalho, provas e Michaela. Midorima aparentemente não estava saindo com a loira, mas os encontros poderiam estar sendo apenas mascarados por sua expressão séria de sempre, bem como eventualmente poupar Takao sendo mais discretos possíveis. A verdade é que o moreno já imaginara o suficiente para sofrer arduamente, o péssimo hábito o deixava não somente chato, quanto também tirava toda sua vontade de fazer as coisas. Se não desse devida atenção para as matérias nas quais tinha dificuldade, acabaria pegando dependências e estaria fodido, literalmente, pois a faculdade cortaria sua bolsa.

                Mas a vida é uma desagradável caixinha de surpresas, e naquela manhã de quinta-feira, exatas sete semanas após a festa que quase matou Kazunari de ressaca física e moral, Midorima acordou atrasado, esquecendo o item da sorte e recebendo uma nota baixa no trabalho, além da única máquina de bebidas que tinha o oshiruko estar com o item em falta. Apesar dos pesares e de tudo ir contra sua sorte, ergueu a cabeça e se plantou em frente ao prédio de arquitetura tentando seguir seus planos; queria ele ter feito outra coisa longe de Takao e assim nunca teria o gatilho para sair de vez das dúvidas e da covardia de encarar tal problema de frente.

Ele teve que esperar quase uma hora, mesmo após o quarto período terminar, para encontrar Takao. A surpresa do menor o fez correr pelos corredores.

 

- Shin-chan! Aconteceu alguma coisa?

- Não, quer dizer... _balançou a mão _meus óculos acabaram partindo no meio, mas estou bem sem eles-nanodayo.

- ...hoje não é cinco estrelas para câncer? Onde está seu item da sorte?

 

                O homem de cabelos esverdeados apertou os olhos.

 

- Esqueci.

- Você está bem? _a pergunta agora veio acompanhada de um riso nervoso.

- Vamos _girou os calcanhares e seguiu pelo caminho marcado pelo ladrilho.

- Espera, espera! _segurou no ombro do maior _...eu sei que você é fanático... ou melhor, eu sei que acredita em sorte e azar. Não se force.

- Vamos _disse decidido _só não me deixe tropeçar em nada.

- Mas Shin-chan!

- Ah cacete _resmungou _você sempre concorda com tudo o que eu falo, é meu dia de azar mesmo.

 

                Os passos largos de Shintaro os levaram até a doceria atrás da loja de conveniência, sua única esperança que tudo desse certo, obviamente, fora esmagada ao ter a notícia que não teria seu delicioso doce de oshiruko. O desanimo quase o abateu, resolveu então sentar-se na mesa mais afastada de possíveis acidentes e esperou que Takao fizesse seu pedido. O menor voltou com um café expresso e um chouxcream.

 

- Morde _ofereceu o doce recheado de creme de baunilha _estou fincando com dó de você _riu em seguida achando hilário o fato de o amigo estar numa maré de azar repentina.

- Não quero _a expressão se assemelhava a de uma criança de cinco anos, quando acordava na manhã seguinte ao Natal e não tinha presentes. Takao fora obrigado a engolir o café quente para conter seu impulso de beijá-lo, mesmo que na bochecha _...nem sei porque deu tudo errado hoje-nanodayo.

- Vai passar, Shin-chan! Tinha planejado alguma coisa?

- ...é, eu tinha, não. Eu tenho _se corrigiu _vamos jogar basquete.

 

                Os olhos acinzentados de Takao brilharam ao ouvir a palavra basquete, terminou seu doce o mais rápido possível e arrastou Midorima para fora do estabelecimento. O caminho até a quadra de rua fora preenchido por risos longos e histórias antigas, algumas remeteram as vitórias, outras a derrota, falaram então dos antigos membros da geração dos milagres. Shintaro se lembrou de Akashi e sua derrota para Rakuzan, tratou de mudar de assunto temendo que algo de ruim acontecesse – como Akashi de repente aparecer na quadra de basquete – mas o infortúnio da vez fora a chuva que começara a 200 metros do local, um time que ali jogava já deixava a quadra em passos largos, Midorima parou sob uma árvore querendo chorar por aquele dia ainda longe de acabar.

 

Tudo porque decidira imaginar. 

 

- ...eh... então... vamos voltar? Seu azar pode ficar perigoso _e até mesmo o cético Takao acabou cedendo para a força maior do universo.

- Vamos voltar _respondeu murcho já pegando o caminho contrário.

 

                A volta não foi demorada, eles logo entraram nos quartos parar trocar a roupa gelada e Takao cedeu o banheiro para o azarado do dia. Depois de alguns minutos de espirros e tentativas de ligar o aquecedor, finalmente ambos se encontravam sentados no sofá, imóveis, temendo que mais algo de ruim acontecesse. Tudo bem que mesmo ali, um tufão poderia aparecer do nada e acabar com suas vidas, mas resolveram não pensar mais no assunto.

 

- ...então, que planos eram? _Takao perguntou ao mesmo tempo em que ponderava ligar ou não a TV.

- Eu imaginei.

- Uh? _apertou o botão do controle duas vezes sem respostas, precisou se levantar para trocar as pilhas; era possível que o azar fosse contagioso?

- Fiz o que você disse para fazer, imaginei-nanodayo.

 

                A tosse do moreno não veio por um golpe de azar, mas sim por um descuido com a própria saliva: meses atrás ele tinha dito algo semelhante, sim, mas nunca chegou a acreditar que seu companheiro de apartamento faria mesmo aquele tipo de coisa.

 

- Im-imaginou exatamente o que?

- Coisas, ah, pode concertar meus óculos? _apontou para a bolsa jogada no canto da sala, Takao imediatamente abriu o zíper à procura da caixinha enquanto disfarçava seu embaraço.

- E...?

- Hoje era para ser um dia em que... uh, queria passar um tempo com você. Mas deu tudo errado.

 

                A fita adesiva grudou na mesa, depois nos dedos de Takao e fora acabar parando em sua blusa, tudo, menos nos óculos.

 

- Você é incrivelmente honesto _murmurou cortando um pedaço novo de fita _não entendo o motivo de não ter respondido minha confissão na época...

- ...eu só tinha 16 anos _confessou _fiquei com medo. Como você disse, meus pais, minha vida... até então eu pensava só em ter uma casa, uma esposa e um emprego-nanodayo.

 

                O riso cortou o ar, imaginar Midorima Shintaro casado com dois filhos e uma esposa o esperando para o jantar era certo e absurdo ao mesmo tempo. Precisou de fôlego para voltar ao concerto da armação.

 

- Bom... bom, e? _ergueu o acrílico preto contra a luz e reforçou o emendo.

- Deu tudo errado, não dá pra ser agora.

 

                Takao quase voltou a quebrar o que havia em mãos, ele precisava de muita calma naquele momento.

 

- Shin-chan, só deu errado por... coincidência do universo, mas me diga, o que não pode ser agora?

 

                Os óculos estavam de volta no rosto do maior, ele ajeitou a armação duas vezes antes de voltar a pensar no assunto. Assim que sua boca abriu para responder, o interfone tocou insistentemente. Ele respirou fundo e fechou os olhos.

 

- E-eu atendo _Takao se levantou querendo que a pessoa do outro lado morresse de ataque cardíaco naquele exato momento, mas assim que atendeu quem quase morreu fora o próprio Takao. Dois de seus colegas de classe estavam na portaria o esperando para o compromisso da semana.

 

                Takao Kazunari quis morrer. Midorima Shintaro quis morrer.

 

- ...hn caralho _resmungou  desligando o aparelho _Shin-chan... ah, não vou ter deixar sozinho aqui, você vem _falou em bom tom do quarto, voltou de lá com sua carteira em mãos e uma camisa.

 

                Midorima ergueu a sobrancelha e cruzou os braços na clara postura que não sairia de casa.

 

- Pago quantos oshirukos você quiser e compro seu doce na volta da faculdade por um mês... até o final do ano _bateu o pé impaciente _não dá pra eu ir sem terminar a conversa e não posso não ir, sou responsável pela festa dessa semana.

- Tak-

- Pelo amor de Deus, eu prometi que levaria mais uma pessoa pra ajudar _acabou confessando a verdade depois das tentativas frustradas de persuasão_ mas eu esqueci porque você apareceu no prédio.

 

                O mais alto respirou fundo, caçou sua carteira na bolsa e trancou a porta ao sair. Não era MESMO seu dia de sorte.

                O Galpão, lugar onde as festas se realizavam, estava vazio salvo alguns veteranos que montavam a decoração e o balcão de bebidas. Kazunari chegou cumprimentando os que passavam por si e apresentando Shintaro; não demorou muito para ambos ficarem atarefados. Depois de quase duas horas enchendo os freezers de gelo e cerveja, distribuir os copos plásticos e mais alguns outros detalhes chaves para a balada começar, os amigos finalmente se viram livres da tarefa. O moreno sentou no freezer que acabara de fechar com uma latinha em mãos, abriu a cerveja com o barulho característico e virou o conteúdo com vontade.

 

- Posso ir para casa? _Midorima olhou ao redor ajeitando os óculos que escorregaram devido ao suor.

- Eh... não quer ficar, Shin-chan? Pode beber a vontade _estendeu a latinha que fora aceita sem hesitação.

- Não. Hoje não está sendo um dia de sorte.

- Preci-

 

                Sua voz fora cortada pelo som alto da batida eletrônica, Shintaro precisou chegar mais perto para ouvir o que Takao dizia.

 

- Preciso ficar para trabalhar no bar! _deu uma batidinha no balcão ao lado _me desculpe, Shin-chan, o que você tinha para me dizer era importante, não?

- Conversamos depois _fez um gesto de descaso.

 

                Takao olhou para o amigo sem conclusões. Não sabia se ficava esperançoso ou jogava a toalha de vez, mas agora não era à hora certa então apenas concordou descendo do eletrodoméstico, Shintaro estava quase sumindo por entre as pessoas quando três amigos de classe o abordaram começando uma conversa animada, em pouco tempo a balada começara a encher e Takao o perdera de vista.

                O clima de festa contagiou o local em menos de meia hora, e agora, perto das duas da madrugada, Takao já estava ensopado de cerveja e suor, seus olhos pesados não davam a ele chance de aproveitar muito bem o clima agitado. Queria voltar e conversar com Midorima. Passou o tempo todo pensando no que ele teria imaginado e como consequência sua conclusão; já passara da hora do dono dos olhos esverdeados lhe dar um fora definitivamente. O mau humor que se instalou logo no começo só aumentou ao perceber que Midorima não tinha ido para casa, mas estava por ai, dançando e bebendo com os amigos de classe. Era sempre um martírio para que o mesmo saísse de casa, ficou chocado ao perceber que na verdade ele era levado bem facilmente pelo clima ao seu redor.

                Será que o problema era Kazunari Takao?

 

- Kazu! Mais uma breja, por favor _a voz irritante chegou ao seu ouvido e não fez questão de sorrir ao entregar a latinha nas mãos pequenas da amiga de classe.

- Você está bem? _voltou a se aproximar.

- Não muito, acho que vou pra casa _apontou para a saída _pode me cobrir?

 

                A menina acenou e acariciou os cabelos melados do maior, ela deu a volta no balcão ao mesmo tempo em que Takao fazia o caminho contrário.

 

- Valeu por hoje, Kazu! _agradeceu acenando de forma animada _melhoras!

- Força ai Mika! _sorriu de leve agradecendo do fundo do coração por estar livre de seu trabalho. 

 

                Midorima olhou para o balcão de bebidas não vendo mais o amigo, voltou para o debate sobre os jogos da NBA da temporada fazendo gestos largos com a mão, não estava bêbado, mas o consumo do álcool o fez se soltar o suficiente para continuar a prender a atenção dos colegas. O mais alto deles apontou para o ombro de Midorima quando o assunto encerrou, ele se virou dando de cara com Michaela à suas costas.

 

- Hey guys! _o aceno animado fez suas pulseiras tilintarem _Shintaro, você numa festa, não acredito!!! Essa precisa de uma comemoração, o que acham?!

 

                Os meninos gritaram e deram tapinhas no ex-jogador.

 

- Você sabia que ele foi um dos melhores lançadores do Japão na época do colégio?! Basquete, quero dizer _Izuma, o mesmo que avisara Midorima sobre a presença da menina, tratou de incluí-la no assunto.

- Sério?! Nunca me disse isso, Midorima! _ sua voz saiu mole e quase sensual, pelo visto tinha gostado da nova informação _atleta de primeira linha. Na Alemanha isso é o máximo da popularidade quando se está no colégio.

 

                Midorima ajeitou os óculos não podendo esconder seu embaraço.

 

- Fui líder de torcida e quer saber?! Nunca tive chances de sair com nenhum dos jogadores _balançou a cabeça.

 

                Sua intenção era tão clara quanto água, os colegas assoviaram e incentivaram Midorima à pegar a menina que esperava agarrada ao seu pescoço. O contato não significava muita coisa, apenas um peso em seus ombros; o perfume forte encoberto pela bebida não o excitava nenhum pouco assim como a maquiagem borrada no canto dos olhos, mas aquele era um momento que não poderia simplesmente dar as costas e sair andando por vários motivos: primeiro: não queria deixar a oportunidade passar, estava animado e quase bêbado, fazia séculos desde a última vez que pegara alguém e Michaela era linda, um salto em sua autoestima; segundo: já tinha saído de sua rotina e o dia fora o pior possível, uma vez jogado tudo para o alto, por que não continuar assim?; terceiro: se recusasse ia magoar a menina e ser motivos de piada a semana toda, não é como se amasse sua reputação e imagem, entretanto ainda era um ser humano e demonstrar afeto se tornou quase uma obrigação por toda a atenção que aceitou da menina durante aqueles meses.

                Midorima se virou segurando a nuca da loirinha, deu um beijo relativamente rápido em seus lábios e, apesar dos meninos não terem ficado satisfeitos, a mesma sorriu e comemorou agradecendo seu calouro. 

 Mas era seu dia de azar. Takao viu ao longe, deixou a garrafa de cerveja escorregar por dentre os dedos se espatifando no chão. O líquido espumoso encharcou seu tênis, no segundo seguinte, entre um suspiro e um piscar de olhos, ele não estava mais lá.

               

- Merda _resmungou retirando os óculos por um momento, claro que tinha previsto algo do tipo dada a sua sorte do dia, porém por um segundo tentou acreditar que não aconteceria algo tão clichê.

 

Midorima passou a hora seguinte tentando encontrar o amigo, a balada de repente se tornara grande e barulhenta demais, sua cabeça deu pontadas de cansaço e a irritação veio à tona. Percebeu então que o amigo ainda estava sem celular, mas um número estranho mandava avisar que Takao havia ido para sua casa, que estaria tudo bem e que um taxi esperaria por Midorima quando ele quisesse. Pela primeira vez em todos os anos que se conheciam, sentiu como se uma descarga elétrica saísse do coração e percorresse até a ponta de seus dedos. Ambos sabiam que o beijo do mais alto era tão natural quanto o próprio sentimento de amizade, que acabaria acontecendo, o que Midorima não sabia é que os olhos tristes do amigo surtiriam um efeito péssimo em seu interior, não péssimo no sentido que ele havia imaginado, mas um péssimo diferente. Não sabia explicar, era novo. Algo novo. E sob o efeito do álcool, a imaginação ganhou um reforço fazendo com que Midorima finalmente entendesse a explicação de Takao: quando queremos muito algo, imaginamos, e assim sentimos.

                Ele sentia exatamente o que queria naquele momento e Michaela simplesmente ficara esquecida em alguma parte aleatória de sua mente. Sem mais ânimo para continuar, fora para casa.

 

---------- + ---------------------

 

                Sexta-feira era dia de laboratório e entrega de trabalho, mas Midorima rolou pela cama ignorando o despertador. Foda-se, levaria uma falta e mandaria o trabalho por e-mail, e naquele momento se colocou na mesma situação de Takao; fazendo a coisa errada por sentimentos mal resolvidos. A verdade é que estava relativamente bem para ir à faculdade, entretanto a vontade não se fazia presente e o coração passava por apertos que nunca sentira antes. Como o amigo dissera, não era agora, depois de cinco anos, que de repente ia se apaixonar pelo mesmo, mas sair de sua zona de conforto o deixando triste por outro alguém, pareceu muito mais difícil/complicado do que imaginava e aquilo necessitava de um ponto final. Tentou sair com Takao e ver sua reação durante o dia, tentando se decidir entre tentar ou largar mão, mas a sorte o abandonou totalmente.

                Oha-Asa falhou pela primeira vez.

 

- ...sorte... adultos não têm sorte, têm apenas a realidade-nanodayo _resmungou.

 

                Tão logo sua voz sumiu, o silêncio fora preenchido pelo barulho das chaves na porta de entrada e passos pesados vieram em sua direção.

 

- Shin-chan?! _a porta se entreabriu _você está bem?

 

                O moreno estava de banho tomado e com uma camiseta vinho que não lhe pertencia, ainda assim pronto para o dia letivo que os esperavam.

 

- Estou de ressaca, não vou hoje. Não tenho nada pra fazer também _mentiu.

- ...ok, calma ai _foi e voltou de seu quarto, agora com a mochila nas costas _quer que eu traga o que para comer? Só tenho as aulas da manhã.

 

                Midorima pensou por um momento.

 

- Massa.

- Beleza, estou saindo, Shin-chan! _e voltou a fechar a porta sem esperar pela resposta. Estava atrasado.  

 

                Shintaro olhou sem ânimo para o teto branco, precisava terminar a conversa o quanto antes, uma vez que voltasse ao campus seria abordado por Michaela. Não era de seu feitio deixar as coisas saírem do controle, se formasse uma bola de neve então acabaria perdendo não somente o amigo, mas também sua paz no pouco círculo social que fizera naqueles quase cinco anos de faculdade. Estava fugindo com destreza da menina até aquela maldita festa.

                O sono veio em seguida, queria continuar a pensar, infelizmente o cansaço não deixou e roubou sua consciência sem que percebesse. Midorima só fora acordar quatro horas depois, com o barulho no quarto ao lado. Se espreguiçou e trocou o shorts de pijama por uma bermuda qualquer, assim que colocou os pés na cozinha, Takao o abordou com um sorriso no rosto.

 

- Melhor?

- Sim... lasanha? Oh! Lasanha de massa verde _a saliva tomou conta de sua boca seca.

- E encontrei seus doces de oshiruko também, estão na geladeira _assoviou de modo despreocupado _sente-se. Vou esquentar nosso almoço, quer salada?

 

                Takao continuou a cozinhar sem que Shintaro tivesse coragem de começar o assunto, o medo o fazia querer procrastinar. Ele sabia, no entanto, que Takao estava esperando enquanto fingia estar tudo bem.

 

- Espera ai, senta aqui primeiro _o chamou com um tom autoritário _quero conversar com você.

 

                Se Takao dissesse que não sentiu medo, estaria mentindo horrivelmente. Era pior do que a ansiedade no basquete, era pior do que qualquer coisa que já sentira na vida.

 

- Dig-diga _obedeceu tomando a cadeira da frente.

- Você... não é que eu não goste de você. Eu não gosto de ninguém, claro que pode ser por falta de tentar, nunca descartei essa possibilidade... e se eu dissesse que você não passa de um amigo, mesmo que importante para caralho, eu não sentiria essa vontade de te consolar quando está triste por eu não te corresponder.

- ...hn _abaixou o olhar para o tampo de vidro e observou os próprios pés.

- Escolher nunca foi meu forte. Jamais achei que teria que escolher entre uma pessoa e outra.

- É... tem razão _riu descontraído, a frase arrogante estava recheada de verdades, quantas pessoas já não passaram pela mesma situação? _como eu disse, só quero te ver feliz. Vou sair do apartamento, tudo bem?

 

                A declaração surpreendeu o mais alto, não era tão absurda quando parecia, ainda assim não queria ter ouvido nada do gênero tão cedo. Pelo menos não enquanto estivesse oficialmente solteiro. Os sentimentos de Takao pesaram muito naquele momento trazendo um silêncio necessário para Midorima encontrar as palavras certas, o menor se ocupou com a sacola de plástico a dobrando de forma metódica.

 

- Nunca fiquei com um homem _Midorima balbuciou.

- Eu já, mas estava bêbado em uma das festas, acho que ninguém viu, pois nunca ninguém comentou sobre _riu _...ah Shin-chan... você está curtindo a Michaela, vai fundo. Sério. Vai perder uma pessoa foda pra cacete se tentar sair comigo.

- Não estou preocupado em perder ou ganhar, só fazer alguma escolha.

- Sem brincadeiras _se sentiu ofendido por estar sendo tratado com a mesma importância da menina.

- Estou com cara de estar brincando? _soltou o ar de forma exagerada _de qualquer forma, Michaela vai ter que ficar de escanteio por enquanto. Não estou nem com vontade de continuar com isso quem dirá cair de vez na dela, então você... por favor, me dê um tempo, não saia do apartamento.

 

                O sorriso que delineou os lábios do moreno foi o suficiente para Shintaro encerrar a conversa, satisfeito consigo mesmo. Não era um sim, nem um não, ainda assim o suficiente.

 

- Se eu disser que não estou feliz estaria mentindo _olhou para os lados não conseguindo encarar os olhos claros a sua frente _tem certeza?

- Como um ataque cardíaco _cruzou os braços _sei que entendeu que isso não foi uma confissão, nem um pedido de namoro, certo?

- Obviamente _a risada alta era dramática como Takao gostava.  

 

                O clima voltou a ser leve entre os amigos, Takao passou o dia jogando CS e Midorima estudando, um só importunava o outro eventualmente quando se levantavam para irem ao banheiro ou cozinha. Trocavam uma piada ou outra e logo se despediam. A mesmice dos dias trouxe ao moreno alívio por ter seu Shin-chan de volta, não havia ganhado a guerra, mas pelo menos aquela batalha lhe rendeu uma vitória.

                O jogo de agora em diante seria muito mais árduo e aberto: Kazunari Takao faria de tudo para conquistar Shintaro Midorima antes de outra pessoa o fazer. Claro que tentava o feitio há anos, mas nunca fora, no bom sentido, descarado. Sempre com receio de ir longe demais, sem que Midorima percebesse suas reais intenções, acobertado pelo medo. O coração ficou de fato mais leve, os acontecimentos deram novos horizontes para o eterno apaixonado Takao. Ganhara o sinal verde.

               

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Notas Finais


Um muito obrigada para todos que acompanharam Born To Be Free \o


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