História Mr. Glasses - Pele, alma, íris e sorriso

 Jeon Wonwoo remexeu-se na cama não apenas uma ou duas, mas sim diversas vezes, preferindo permanecer de bruços, o rosto vermelho e inchado de uma noite bem dormida enfiado no travesseiro fofinho. De fato, havia sido uma daquelas noites em que ele acordava às vezes, conferindo o horário e sorrindo para si mesmo ao perceber que faltavam horas para o despertador fazer seu trabalho.

Ademais, Kim Mingyu estava ao seu lado - estava tudo bem se ele não tivesse tomado banho no dia anterior, já que o Jeon não se importava tanto assim. Era gostoso se mover e esbarrar em sua pele amorenada, às vezes sentindo um braço ou uma perna alheia inconscientemente acomodando-se em seu corpo. Era bom tê-lo ali por si só, na realidade.

Fora acordado por um barulho estranho na cozinha. Era uma mistura de sussurros e louça sendo manuseada, como se alguém tivesse derrubado um prato dentro da pia. Piscou, preferindo manter o rosto acomodado no travesseiro, não querendo se mover.

- Wonwoo hyung… - Uma voz grogue e enrouquecida assustou-o, fazendo com que o mais velho ali erguesse o olhar, fitando com os olhos miúdos um Mingyu extremamente sonolento. - Hyung, já são seis e quinze… - Ele resmungou, as mãos desgovernadas por conta do sono batendo com brusquidão na região lombar do garoto ao seu lado, almejando acordá-lo.

- Ai, não precisa me bater... - Wonwoo resmungou com diversão, a voz rouca saindo suavemente em forma de riso.

- Hm, me desculpe… - Mingyu remexeu-se, completamente preguiçoso. Seu corpo esbarrou no de Wonwoo mais uma vez, suas costas amorenadas espremendo o garoto. - Aish, hyung, eu estou te esmagando, não estou? - Apesar de Mingyu receber uma resposta afirmativa, ele não se moveu.

Ficaram ali, naquela mesma posição: Wonwoo meio esmagado, as costas de Mingyu bem firmes contra as suas, sentindo os fios acinzentados de Mingyu em seu pescoço, o mais alto entre eles incapacitado de se mover por motivos de: preguiça.

- Mingyu, eu não consigo respirar… - Wonwoo admitiu calmamente, a voz sendo abafada pelo travesseiro abaixo de si, ainda de bruços.

Sentiu o corpo do mais novo rolando pelo colchão, sorrindo ao perceber que Mingyu acabou na mesma posição que ele: de bruços, bem ao seu lado, os ombros se tocando numa fricção cálida. Os fios de cabelo do Kim estavam num perfeito fuzuê, sinalizando que sua noite fora completamente bem dormida, um lado do rosto meio vermelho.

O garoto abriu os olhos, piscando devagarzinho ao encontrar o olhar felino de seu hyung. Estavam extremamente próximos, seus respectivos ombros sendo as únicas coisas que o separavam.

- Oi. - Mingyu gracejou, sorrindo para ele. Quando Wonwoo se quebrou num riso amável, o mais novo continuou: - você vem sempre aqui?

- Só venho quando você não está - Wonwoo também gracejou, rindo com a falsa expressão ferida de Mingyu. - Às vezes eu me surpreendo com o quão idiotas somos. - Admitiu, apoiando os cotovelos no colchão para se levantar. - Vem, precisamos levantar.

- Precisamos mesmo? - O Kim insistiu, grunhindo em frustração. Definitivamente, aquele não iria ser seu dia.

- Depende. Você pode faltar hoje e acumular faltas desnecessárias, ou pode faltar em dias em que realmente precisa faltar. - Sorriu, levantando-se da cama. - Você que escolhe, Mingyu-ah.

- Aish, hyung! - O mais novo rolou pelo colchão, um bico enorme formando-se em seus lábios, querendo permanecer no conforto de sua cama para sempre.

- E você tem que tomar banho também, seu porco. - Wonwoo gracejou, cutucando o mais novo na cintura.

Enquanto Kim Mingyu revia as escolhas de sua vida, Jeon Wonwoo encaminhou-se para a cozinha. Sorriu para os dois garotos que estavam lá, aparentemente discutindo sobre coisas inúteis. Wonwoo sentou-se ao balcão, preguiçosamente coçando os olhos à medida em que tentava se habituar na conversa.

- Eu já disse pra você, Hansol, isso aqui é lixo! - Seungkwan resmungou, repentinamente erguendo um par de botas fuleiro, recheado de remendos e quase caindo aos pedaços. - Sinceramente, como você pode usar isto aqui?!

- Eu não posso fazer nada, é o único par de botas que eu tenho, o.k.? E, por favor, cuidado, você vai tira- Seungkwan! - Ergueu a voz, desesperado quando o mais velho simplesmente virou o calçado, arrancando a sola precária num movimento suave.

Wonwoo pressionou a mão contra a boca, tentando ao máximo se conter, mas não conseguiu. Começou a rir desesperadamente com Seungkwan, que ainda segurava a sola enquanto perdia as forças, suas risadas enchendo o apartamento.

Hansol não soube o que fazer por um instante, dividido entre rir da cena ridícula e se lamentar pelo seu único par de botas. Decidiu que a primeira opção era menos dramática, por isso apenas enfiou o rosto nas mãos e se pôs a rir, sentindo as mãos de Seungkwan pressionadas em seu ombro, talvez o mais velho usando-o como sustentação, já que não parava nem por um segundo de dar risada.

- Eu não acredito que você anda com isso por aí, Hansol… - Seungkwan tentou dizer, frágil e rubro, enxugando algumas lágrimas no cantinho dos olhos. - Francamente, eu estava esperando de tudo, exceto que isso acontecesse.

- Você está me devendo botas novas. - Hansol concluiu, tirando da mão do mais velho seu calçado estragado, apontando para ele com um dedo julgador.

- Caso você quiser, podemos hoje mesmo comprar algumas coisas. - Seungkwan deu de ombros, ainda meio risonho pelo acontecido. - Eu não me importo, você sabe. E, por favor, isso não vai fazer falta alguma… - Resmungou, apontando para o ex-calçado na mão dele.

- Depende. Caso alguém me emprestar algo pra eu calçar, não vai mesmo fazer falta… - Hansol resmungou de volta, observando as botas derrotadas.

- Eu posso te emprestar algo, Hansol - Seungkwan riu, acariciando a nuca do mais novo entre eles. - E hoje mesmo, à tarde, podemos comprar algumas coisas, o.k.?

Wonwoo sorriu enquanto roubava um pouco de leite morno, observando-os com um pouquinho de interesse. Francamente falando, gostava da forma com que eles interagiam entre si, como se fossem melhores amigos e namorados.

- Hyung… - Piscou, virando-se ao ouvir a voz dorminhoca de Mingyu. O garoto vestia shorts largos e uma camiseta regata maltrapilha, coçando os bíceps de forma preguiçosa, os fios desbotados completamente desleixados. - Está frio, não está? - Ele resmungou como um adolescente mal-humorado, obviamente procrastinando para tomar banho.

- Não… - Wonwoo riu, o noticiário de minutos atrás explicando que naquele dia a mínima seria de quinze graus. - Está agradável hoje, eu acho. Perfeito para um banho quente, não acha?

- Ainda está escuro, aish… - E então, Mingyu pegou sua toalha, a bochecha esquerda meio marcada de sono. O Jeon conseguiu acompanhar todo o processo; viu claramente quando o Kim piscou, parecendo despertar um pouco, os olhos bonitos arregalando-se suavemente com a provável ideia genial que passou por sua cabeça desmiolada. - Vamos tomar um banho juntos, hyung? - Perguntou com entusiasmo, sorrindo (muito convidativo, diga-se de passagem) para o mais velho ali.

Wonwoo chocou-se em seu copo, tossindo um pouco por causa do convite ilógico que acabara de receber.

- Não seja louco, Mingyu.

- Vamos, hyung, nada do que eu disse é um absurdo! - O mais novo insistiu, circundando os braços ao redor do torso fino de seu namorado, puxando-o para perto de si, fazendo com que ele se levantasse com dificuldade. - Você está tenso, eu posso até te fazer uma massagem, se você quiser.

Wonwoo estava tão ferrado que ainda não existiam palavras para descrever seu estado. Mingyu correu até seu quarto, pegando uma toalha novinha para que o mais velho usasse, o sorriso espontâneo e brilhante nublando seus pensamentos. Deixou-se ser guiado até o banheiro simples dos três, a porta meio enferrujada fazendo um barulho estranho ao ser fechada.

Mingyu deixou a luz apagada. O banheiro, no entanto, não estava mergulhado no breu; o sol ameaçava escapulir entre o horizonte, alguns raios travessos já pintando duas ou três nuvens de salmão, o céu até então lúgubre e estrelado começando a ganhar certa tonalidade.

Wonwoo respirou pesado, não sabendo ao certo se estava pronto para aquilo. O problema não era ver o corpo de Mingyu, e sim Mingyu ver o seu. Havia certas coisas impressas em sua pele que não tinha confiança ou conforto suficientes para mostrar. Eles já haviam tido sim sexo, mas era muito diferente.

Mingyu iria observá-lo atentamente, coisa que não aconteceu daquela vez; iria prestar atenção nos detalhes, e Wonwoo sabia bem que os detalhes eram as coisas mais importantes.

Hesitantemente, escorregou seus dedos por debaixo do tecido fino de sua camiseta, retirando-a num movimento suave, a tez imediatamente eriçando-se pela exposição ao ar frio dentro do banheiro. Olhou ao redor, achando melhor colocar suas roupas sobre a máquina de lavar ao lado do box.

- Woah, você realmente não pega nenhum solzinho, hyung… - Mingyu admirou-se, rindo ao tocar a pele arrepiada de Wonwoo, surpreendendo-se sempre; era tão macia. Possuía um corpo franzino e tão delicado ao ponto de conseguir ver e sentir com clareza sua espinha dorsal sob a tez quente, cada vértebra sensível ao toque. Mingyu deslizou o indicador e o médio pelo conjunto de ossos, chegando facilmente às vértebras lombares, parando ao sentir o corpo de seu hyung tensionar, e, mesmo no escuro, conseguiu ver as nuances rubras que percorreram por seu rosto. - Você realmente está tenso. Eu vou ajustar a água, o.k.?

- Hm - respondeu o mais velho, o corpo todo em chamas pelo contato delicado em suas costas. Retirou a última peça de roupa quando ouviu o chuveiro ligar, o vapor delicado subindo suavemente sobre o box, a luz precária que entrava pela janela projetando timidamente sombras pelo cômodo. Eram sombras deformadas pela quantidade de coisas que tinham no banheiro, mas de forma alguma eram assustadoras.

O ambiente era, lentamente, preenchido pelo aroma suave de xampu e sabonete, numa mistura agradável de morango e melancia, o som tranquilizador da água escorrendo ritmicamente chegando aos poucos aos ouvidos de Wonwoo.

Vagarosamente, o mais velho espiou dentro do box, encontrando um Mingyu muito concentrado em espalhar xampu em suas mãos, a água caindo por suas costas de forma bela, a luz refletindo em todas as gotículas que deslizavam por sua pele amorenada, os fios acinzentados já úmidos.

- Chega perto, hyung… - Chamou-o, não precisando erguer o olhar para saber que Wonwoo estava ali. Os pés descalços do Jeon doeram pelo contato álgido do piso e da água morna, apressando-se para aproximar-se de Mingyu, evitando que caísse no chão ao se segurar no garoto. Mingyu sorriu, erguendo as mãos lambuzadas de xampu para puxar a cabeça de seu hyung para debaixo do chuveiro, deixando que uma risadinha saísse de seus lábios ao ver que o garoto fechou instantaneamente os olhos, quase como um gato.

O Kim iniciou uma massagem prazerosa nos fios negros de Wonwoo, vez ou outra repuxando uma ou duas mechas com delicadeza, os dedos acariciando sua nuca, atrás de suas orelhas, perto de sua testa. O Jeon sentia-se como um felino que, pela primeira vez, tomava banho. Não tinha coragem de abrir os olhos, sentindo a água quente escorrendo por entre os dois.

Mingyu, então, puxou-o para mais perto, passando a palma de sua mão entre os fios negros, enxaguando com todo o cuidado do mundo, adorando o cheiro - quase - afrodisíaco daquele xampu em especial.

- Pode abrir os olhos agora, hyung… - Mingyu murmurou, observando quando o mais velho abriu cada pálpebra lentamente, suas mãos pousadas na curva do pescoço de Wonwoo, prendendo a respiração ao encontrar as íris tão escuras que facilmente mesclavam-se às suas pupilas. Os fios mais compridos ousavam acomodar-se sobre seus olhos, as madeixas negras e brilhosas refletindo com graciosidade a luz que, a cada segundo, somente aumentava. - Você é, realmente…

- O quê? - Sorriu, a proximidade dos dois sendo até mesmo aconchegante.

- Nada. Eu estava pensando numa coisa, hyung… - Mingyu murmurou com um sorrisinho, o polegar acariciando a pele do pescoço de Wonwoo. - Nós nunca saímos juntos. Tipo, para a algum lugar, sabe?

Wonwoo piscou, aquele pensamento repentinamente atingindo-o.

- Oh, realmente… Yah - ele deu um soco sem força no ombro de Mingyu, provocando no garoto uma careta insatisfeita. - Que tipo de pessoa você é, querendo ter o primeiro encontro só depois de começar a namorar?

- Eu digo o mesmo pra você, Jeon Wonwoo - Mingyu apontou com um tom rabugento nível criança de quatro anos, os dígitos escorregando do pescoço para o torso do mais velho, fazendo questão de lhe provocar cócegas num ponto realmente sensível de seu abdômen.

Wonwoo se encolheu, rindo enquanto tentava se mover, agarrando os pulsos de Mingyu para tentar fazê-lo parar, sua risada rouca enchendo o cômodo. Depois de um pouco de sofrimento por parte de Wonwoo, o Kim sorriu, transformando as cócegas num aperto firme na cintura do mais velho, os dígitos acariciando a região quente pela água.

- Agora, falando sério, hyung. Aonde você gostaria de ir, caso saíssemos? - Quando Wonwoo deu de ombros, Mingyu inspirou fundo. - Hm, o.k. então, eu decido. - Ele pareceu pensar por uns segundos, sorrindo ao chegar numa conclusão. - Já sei, hyung. Que horas você sai hoje do seu trabalho?

- Às sete e quinze… - Juntou as sobrancelhas, parecendo perdido.

- Perfeito. É só me esperar que eu irei buscá-lo, o.k.? Iremos a um lugar bem legal.

Wonwoo até diria alguma coisa, mas fortes batidas na porta assustaram a ambos os garotos. A voz rouca de Seungcheol pediu para que eles andassem logo, porque, segundo o mais velho ali, o mundo não estava os esperando.

- Wonwoo-ah, você quem irá pagar a conta de água! - Completou antes de se afastar, deixando um Mingyu muito risonho e Wonwoo alarmado para trás.

- Eu preciso mesmo falar com você, Seungkwan. - Chwe Hansol disse a mesma coisa pela décima vez, mantendo-se atrás do mais velho enquanto tinha em seus braços mais de vinte peças de roupa distintas, todas elas possíveis candidatas à cesta de compras do garoto de Jeju.

- Você pode falar à vontade, Hansolie… - Seungkwan murmurou, não prestando tanta atenção assim, retirando do cabide uma camisa social branca que, em sua cabeça, ficaria perfeita no corpo escultural de Hansol. Virou-se, jogando de qualquer jeito a peça sobre o amontoado de roupas nos braços do mais novo, voltando a investigar os cabides. - Ah, eu acho que achei a combinação perfeita para a calça jeans que eu botei aí… - Ele murmurou, a imagem de um Hansol bem vestido muito clara em sua mente (pervertida).

- Eu preciso que você preste atenção em mim… - Ele riu, um pouco divertido pelas ações exageradas do outro. Francamente falando, Seungkwan queria renovar o guarda-roupa de Hansol, coisa que o Chwe não estava muito satisfeito com. - Você não precisa fazer isso, por favor. Aliás, Seungkwannie, por que você está fazendo isso?

Boo Seungkwan virou-se, meio desacreditado com a pergunta idiota do outro. Por quê? Era claro que era porque Seungkwan gostava dele e queria fazê-lo sentir-se bem, oras! (E também porque ele sentia-se levemente culpado por ter estragado as botas de Hansol, mas deixemos que ele se sentisse um altruísta de carteirinha).

Brincadeiras à parte, Boo Seungkwan não sabia ao certo como dizer para o garoto a sua frente que gosto tanto de você que podia fazer qualquer coisa, caso quisesse, e me dói o coração perceber que você só tem sete camisetas, e duas delas você usa pra dormir. Seria cômico caso não fosse tão trágico (Seungkwan pensou um pouco a respeito e, nah, continua engraçado).

- Por quê? - Indagou com olhos incertos, não sabendo para onde olhar. - Você odiou?

- Não! - Hansol quase gritou, preocupado em ter sido interpretado mal. - Não é isso, definitivamente. Eu fico feliz que você esteja fazendo isso, mas… Tem certeza que eu não sou um incômodo? Quero dizer, não é como se eu te comprasse muitas coisas. - Murmurou, as maçãs de seu rosto adquirindo nuances patéticas de vermelho.

Seungkwan deixou que uma risada nasalada cortasse o ar, seu pobre coraçãozinho não suportando tudo aquilo.

- Às vezes eu penso que eu quem sou um incômodo, já que posso apenas te comprar coisas… - Admitiu, sabendo bem que não era um apoio emocional tão grande para ele como Hansol era para si.

- Somos dois idiotas, Seungkwan. - O Chwe riu, achando graça no comportamento meio dramático dos dois. - Por que você não compra duas ou três coisas pra mim, e eu considero isso como um presente de aniversário adiantado, huh? - Tentou negociar, sabendo que não iria machucá-lo caso fosse por aquele caminho.

- Perfeito. - Seungkwan sorriu, pegando o cotovelo de Hansol e empurrando-o na direção dos provadores. Olhou para seu relógio de pulso, satisfeito ao notar que ainda eram três e sete. - Vista algumas coisas e volte pra eu averiguar a situação - orientou como um profissional, empurrando o garoto para dentro de um provador, fechando a cortina logo em seguida.

Seungkwan voltou, sentando-se num banco comprido e fofinho, ao lado de mais alguns homens. Alguns tinham seus queixos apoiados nos punhos, parecendo impacientes, enquanto outros apenas dormiam. Vez ou outra uma moça aparecia do provador, na grande da maioria das vezes parecendo estonteante, mas a única coisa que os rapazes faziam era manear a cabeça e dizer, numa voz monótona “está ótimo, querida”.

Hansol espiou pela cortina, seu bom senso na hora de escolher roupas estando abaixo do nível do mar sendo meio preocupante a ele; apesar de todas as peças terem sido escolhidas por Seungkwan (que não tinha um senso de moda tão bom assim, mas qualquer um é mais decente que Hansol), ele com toda a certeza arranjaria uma forma de fazer a pior combinação possível - francamente, Hansol era aquela Eevee no ovo de dez quilômetros.

Seungkwan folheava sem interesse uma revista qualquer de celebridades que tinha achado sobre o banco quando Hansol botou a cabeça pra fora do provador. Seu olhar imediatamente voou na direção do garoto, levantando-se devagar para que pudesse julgá-lo melhor de pertinho.

- Por que você quis me dar uma camisa social? - O mais novo perguntou com certo receio, não sabendo ao certo o que fazer com aquela peça cara grudada em seu corpo.

- É sempre bom ter algo do gênero em seu guarda-roupa, Hansol. Agora, vem, me deixa ver… - Murmurou, puxando o garoto para fora. - Meu Deus. Se antes eu não tinha motivos pra te comprar camisas sociais, agora eu tenho. - Ele murmurou, observando com adoração o jeito com que a camisa lhe caía perfeitamente. O jeans preto marcava todos os lugares estratégicos, deixando o corpo do garoto mais bonito. - Você ficou realmente muito bem… Acho que a mesma coisa irá se repetir com todas as roupas, então eu acho mais fácil você escolher suas favoritas.

E as roupas favoritas de Hansol eram compostas de uma calça de moletom, uma camiseta de manga curta e uma blusa de moletom estampada (nenhum dos itens havia sido escolhido por Seungkwan, diga-se de passagem).

- Você é um caso perdido, Hansol… - Seungkwan murmurou enquanto apoiava a bochecha no punho, sugando devagar o milkshake de morango pelo canudo listrado.

- Por quê? - O outro riu, satisfeitíssimo. - Eu adorei a estampa daquela blusa, era um dos meus rappers preferidos. Acho que eu vou usá-la pra sempre. Obrigado, Seungkwan. - Riu, enfiando algumas batatas fritas na boca.

- Até porque é a única blusa de manga comprida que você tem… - O garoto de Jeju resmungou, mal-humorado. - Mas, calma, você tinha algo pra me dizer, não tinha?

- Ah, sim… - Hansol mastigou tudo rapidamente, colocando a mão sobre a boca para não parecer um porco. Seungkwan notou quando o garoto adquiriu uma expressão realmente séria, deixando de comer seu lanche apenas para encará-lo melhor. - Eu sei exatamente o que fazer para realizar o desejo da Ka-yee. - Murmurou, prestando atenção na reação de Seungkwan. Aparentemente, o mais velho permaneceu estático. - Eu só preciso de uma coisa, e tenho certeza que sua irmã mais velha pode arranjar isso… - Ele continuou, curvando-se sobre a mesa. - Eu realmente pensei que seria muito difícil encontrar o que precisava e que só encontraria com sua irmã, mas a Vi felizmente tinha muitas coisas. No entanto, a lente está quebrada, e sem a lente um retroprojetor fica meio inútil, você não acha? - Ele sorriu, realmente feliz.

- Minha irmã é quase vice-presidente de uma empresa de TI, então não acho que será um problema ela nos arranjar uma lente. - Seungkwan murmurou, remexendo o canudo dentro do milkshake.

- Você está bem? - Hansol espremeu as sobrancelhas, confuso em relação àquele comportamento quieto de Seungkwan.

- Estou, é que… Sempre que eu penso sobre ela, eu não sei… - Inspirou fundo, olhando fixamente para o copo transparente em sua mão. - Eu conversei com ela há um tempinho, sabe? Ela me mandou uma mensagem, me perguntando o que eu estava fazendo, e acabamos por conversar por um tempão. A cada dia que passa o corpo dela está mais frágil, como se não suportasse mais dor. E ela é tão inocente, Hansol.

O garoto soltou um suspiro, olhando por um tempo para as mãos de Seungkwan, não sabendo o que dizer.

- E ela tem chance de, você sabe… - Tentou, não encontrando palavras que pudessem completar a frase. Seungkwan observou como ele gesticulava as mãos, perdido.

- Morrer? Eu não sei. - Ele completou com uma voz miúda, brincando com o canudo. - Semana que vem ela fará um transplante de células estaminais. É o último recurso, sabe? - Murmurou, olhando para o conteúdo do copo. - Basicamente, ela retirará as células cancerígenas com uma dose muito elevada de radiação. No entanto, essa dose destrói não apenas as células cancerígenas, mas também os glóbulos sanguíneos normais. Depois que essas células e glóbulos são eliminados, ela irá receber células estaminais saudáveis, que serão retiradas de sua medula óssea, e elas se desenvolvem em novos glóbulos sanguíneos.

- Ela vai estar completamente indefesa quando esses glóbulos forem eliminados, certo? - Hansol murmurou, já sabendo qual a pior parte do processo.

- Hm. - Seungkwan assentiu, mordendo os lábios. - Neste período, qualquer coisa pode ser fatal. Por isso que ela será internada de novo, por várias semanas. - Ele suspirou, acariciando a testa como se pensar sobre fosse uma tremenda dor de cabeça. - Eu tenho tanto medo do corpo dela não aguentar.

Hansol queria se estapear. Queria porque sentia-se um idiota sem saber o que dizer; queria consolá-lo, dizer que tudo ficaria bem e que eles dariam um jeito nisso, mas tinha medo de se contradizer e acabar não apenas machucando ao garoto em sua frente, mas machucando a si mesmo.

- Nós vamos fazer isso antes dela ser internada, o.k.? - Hansol assegurou, agarrando a mão de Seungkwan com força. - Assim, ela só se lembrará de coisas boas. Ela vai perceber que nos importamos, que gostamos dela. Ela vai ficar bem, Seungkwan. E, caso ela não ficar… - Ele se aproximou, a face bem perto do rosto preocupado do mais velho. - Nós ficaremos com ela até o último instante.

Apesar de doer, estar com Hansol era reconfortante. Não é como se sarasse tudo e a situação ficasse mais fácil de aguentar, mas estar com alguém que queria entendê-lo já o ajudava imensamente.

Jeon Wonwoo virou a página de seu livro, concentrando-se bem na fonte média inserida na página de número 235. Estava muito bem entretido naquele seu exemplar de Harry Potter, os olhos vagando pela exata cena onde Hermione avisa ao Harry que Rita Skeeter já havia ido embora, sugerindo a ele que tomassem cerveja amanteigada no Três Vassouras.

- Yah, você deveria estar fazendo seu trabalho, Jeon Wonwoo. - Assustou-se com a voz irritada ao seu lado, virando-se para encarar um Jeonghan que sorria, divertido, para ele. - Estou brincando. O movimento por aqui anda parado, você não acha?

- Hm. - Concordou, maneando a cabeça e voltando a olhar para a página. - Não há muitos clientes a este horário… - Completou, piscando ao perceber que o mais velho o encarava. - O que foi?

- Você está… Diferente. - Ele sorriu, analisando o mais alto por alguns instantes. - De um jeito bom, eu quero dizer.

- Ah, obrigado… - Wonwoo sorriu sem mostrar os dentes, meio tímido pelo elogio repentino (e, um milagre havia acontecido: Jeon Wonwoo conseguiu detectar um elogio).

- Você vai sair hoje, não vai? - Jeonghan aproximou-se, olhando-o cuidadosamente. Quando Wonwoo assentiu, ele riu soprado. - Então, finalmente vocês sairão a um encontro, certo?

- Eu acho que sim. - Ele murmurou, fechando Harry Potter e o Cálice de Fogo para conseguir prestar atenção no mais velho. - Ele não me disse para aonde iríamos, no entanto.

- Aish, eu odeio isso. - Jeonghan resmungou, apoiando o cotovelo no balcão, ainda entretido com Wonwoo. - Mas eu sempre adivinho no meio do caminho… - Admitiu orgulhosamente, feliz pelo garoto finalmente ter um tempo com Mingyu. - Ele virá te buscar?

- Hm… - Wonwoo assentiu, repentinamente olhando para o relógio e percebendo que faltava meia hora para estar livre dali. - Daqui a pouco ele estará aqui… - Concluiu, guardando o livro em sua bolsa carteiro.

Trinta minutos transformaram-se rapidamente em cinco, e logo as portas da livraria foram abertas, revelando um tímido, desastrado, no entanto lindíssimo Mingyu, que vestia um de seus melhores casacos, o cabelo um pouco desleixado por conta do vento forte, mas nada impediu que Wonwoo sorrisse abertamente ao vê-lo.

- Podemos ir ou cheguei muito cedo? - Mingyu curvou-se no balcão, claramente ansioso.

- Você está cinco minutos adiantado. - Wonwoo constatou, dando um peteleco na testa do mais novo. - Até lá, você bem que poderia me dizer aonde vamos.

- Eu vou te levar para jantar. - Mingyu simplificou, apoiando o queixo no punho, um sorriso prepotente enfeitando seus lábios bonitos. - Mas, não se preocupe, não é em qualquer restaurante.

Jeon Wonwoo torceu os lábios, não sabendo ao certo como reagir àquilo. Quero dizer, pela expressão de Mingyu, com toda a certeza não seria um lugar comum que as pessoas geralmente vão quando se há encontros.

- Eu já posso ficar com medo? - Gracejou, mas no fundo tinha sim um pouquinho de verdade.

- Não, hyung… Pelo menos, ainda não. - Mingyu gracejou, mas Wonwoo notou que também tinha um pouquinho de verdade ali. - Você vai gostar, eu prometo.

Wonwoo, sendo a boa pessoa que era, acabou acreditando