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História Muito Além Do Tempo - Lenda das pedras


Escrita por: XSBR

Notas do Autor


O capítulo tá um pouco maior do que o normal pra compensar o tempo que passei sem postar ❤ vou tentar postar capítulo dia sim e dia não. Boa leitura 💕

Capítulo 9 - Lenda das pedras


– Meu Deus, Fionna! – O Justin se desprendeu da garota e deu uma boa olhada nela. – O que Darren andou te dando pra comer? Fermento?

– O Papai não fez nada! Foi o tempo. Se acha que eu cresci tanto, significa que você ficou fora por tempo demais. Você finalmente voltou pra casa?

A garota ruiva e deslumbrante e linda perguntou, olhando pra ele com uma profunda adoração. Minha mente captou que ela chamou o senhor ao nosso lado de “papai”, então deveria ser filha dele.

– Hum... – Ele coçou a nuca. – Não.

Ela murchou, virando o rosto. E foi aí que me viu, abrindo mais um dos seus sorrisos deslumbrantes.

– Você deve ser a assistente nova. Sou Fionna Malone. – Ela estendeu a mão, parecendo muito simpática.

– Muito prazer, Fionna. Sou Rose Cooper. – Ela sorriu ainda mais enquanto trocávamos um aperto educado, e depois se virou pro Justin outra vez.

– E onde está o Vitor? – Ela tentou parecer desinteressada, mas percebi aquele brilho no olhar. Huummmmm. Interessante. Será que ela é afim do Vitor?

– Está cuidando de negócios mais empolgantes pra ele. – Ele riu e me olhou. – Eu sei que você deve estar exausta. Foi uma viagem longa e você não dormiu nada no avião.

E como eu poderia? Além dos ruídos da aeronave, eu pensava em Deirdre e seu amado, e no quanto aquela lenda se parecia com a minha história. Pensava na gentileza do Justin ao trocar de lugar com o papai Noel pra me distrair, e nas palavras do meu chefe quando ele disse que “existia uma resposta mais complicada”. Será que ele queria era ficar perto de mim? Será que ele sente alguma atração por mim também?

– Na verdade, eu estou exausta mesmo. – Encolhi os ombros.

– Mas eu aconselharia a segurar o sono um pouco mais – Ele complementou com o olhar fixo em mim. – Pra não sofrer com o fuso horário.

– Você não precisa de mim hoje?

– Nada de trabalho hoje. – Ele me dá um meio sorriso. – Descanse, já está quase anoitecendo e amanhã nós teremos um dia cheio. Fionna... Você pode mostrar onde fica o quarto da Rose?

– É claro!


E então ele e o Darren sumiram de vista e a menina se ofereceu para me ajudar com a mala. Eu recusei, e a arrastei escada acima, seguindo-a. Passamos por um longo corredor no segundo andar, cheio de quadros, tapetes, vasos e castiçais que se espalhavam perigosamente. Era melhor o Justin ter colocado tudo aquilo no seguro.

Quando chegamos ao quarto onde eu ficaria, meu queixo foi no chão. Era enorme. Havia uma espécie de antessala, e eu olhei, sonhadora, pra um tapete felpudo sob duas poltronas vermelhas de frente a uma lareira. Do outro lado, uma cama enorme parecia me convidar para deitar e cair no sono, mas lembrei do aviso do Justin, então deixei isso pra mais tarde.

– Quer comer alguma coisa? – Ela me tira dos meus devaneios, e meu estômago se agita, ainda nervoso com a tensão do vôo.

– Não... mas gostaria de fazer um tour pela casa, se não tiver problema.

A resposta dela foi exibir uma fileira de dentes com aquele sorriso deslumbrante. Acho que me enganei com ela. Parecia ser uma boa menina.

Saímos andando pela casa, indo para o térreo, onde ela me mostrou uma biblioteca duas vezes maior que a pensão inteira, e uma pequena sala de TV. Me contou que estava contente por Justin ter escolhido uma garota da sua idade como assistente, em vez de homens e mulheres de cinquenta anos que sempre a olhavam como se fosse um filhote de guaxinim barulhento. Em cinco minutos fiquei sabendo que ela cursava letras, amava gatos e vivia ali desde que a mãe abandonou seu pai. Ela tinha uma admiração muito grande pelo meu chefe, e o via como um irmão mais velho.

– Aqui é o escritório do Justin. – Ela apontou pra uma porta escura no corredor. Ouvi a voz dele lá dentro, embora não tenha conseguido entender o que ele dizia, já que falava em gaélico outra vez.

Voltamos a subir para o segundo andar, passando de frente às portas onde ela havia me dito que uma delas, a que ficava mais próxima ao meu quarto, era o quarto do meu chefe. Foi então que vi uma porta bem no fim do corredor, quase escondida entre as sombras. De alguma forma, pareceu bem sinistra.

– E o que é aquela porta ali? – Apontei, e ela olhou, com um sorrisinho no rosto.

– Bom, em todos os anos que moro nessa casa, só posso te responder uma coisa: Não sei. Na verdade, só sei que é um lugar muito especial para o Justin, e ele não deixa ninguém subir lá. É uma espécie de sótão, meu pai disse que é lá ele guarda as coisas mais especiais que encontra nas escavações.

Me lembrei da conversa que tive com ele na noite em que tive a visão, e pensei que essas relíquias deveriam ser bem especiais e valiosas mesmo, pra não permitir que ninguém entrasse lá. Me perguntei se ele deixaria eu dar uma espiada, mas ao lembrar da minha propensão a desastres, concluí que as chances eram zero.

– Hummm… interessante. ⠀

– Quer saber o que é mais interessante? – Ela me olhou de olhos arregalados. – As paredes dessa casa guardam uma antiga história de amor.

– É mesmo? ⠀

– Sim! Vem, vou te contar tudo lá de cima! – Ela me pegou pela mão e me arrastou pro lado oposto do corredor, onde havia outra escada. ⠀

Assim que chegamos lá, eu arfei. Havia um enorme salão que ocupava todo o comprimento da casa. O teto ligeiramente inclinado nas laterais davam mais amplitude ao lugar, e as diversas janelas permitiam admirar toda a propriedade, o jardim lá embaixo e, de longe, uma parte de Inverness. Fiona então parou em frente a uma as vidraças e fez sinal pra que eu chegasse perto. ⠀

– Dizem que era um amor impossível. – Ela começou a contar. – A moça era da alta sociedade, e o rapaz, não. Mesmo assim, eles se apaixonaram perdidamente, mas não deu certo. Ela acabou morrendo. Então o plebeu a trouxe para cá, é o ponto mais alto dessa região. O primeiro raio de sol toca aquela colina todas as manhãs. – Ela apontou para um local onde havia uma cruz de pedra escura. – Cada moeda que ele conseguiu juntar, ele gastou na construção desta casa, o palácio que a amada merecia. ⠀

– E o que aconteceu com ele? – Perguntei, porque só havia uma cruz na colina.


– Ninguém sabe ao certo. Alguns acreditam que ele morreu de coração partido. Outros, que ele enlouqueceu, saiu pelo mundo procurando por ela e nunca mais encontrou o caminho de casa. Eles nunca conseguiram ficar realmente juntos. ⠀

Nossa, isso me lembrou… ⠀

– Caramba! Isso me lembra uma lenda escocesa que li na internet! ⠀

– Qual lenda? Aqui temos muitas! – Ela ri, e então eu comecei a contar a lenda que vi depois que cheguei do consultório da dra. Edna. Fionna abriu um sorriso de quem reconheceu a história, e concordou com a cabeça. – Sim, na verdade, essa lenda que você leu e a história dessa casa as vezes se entrelaçam. Alguns dos mais velhos dizem que esse guerreiro de Culloden é o mesmo que ergueu essa casa onde nós estamos, mas há tantas variações da história que ninguém nem mesmo sabe se alguma delas são reais. Existe essa que você viu na lenda, de que ele vaga até hoje, enfeitiçado, a procura da amada. Outros dizem que ele morreu de amor… talvez seja só uma lenda, mas eu gosto de acreditar que foi real. ⠀

Olhei pra ela de esguelha. ⠀

– Mas é uma história bem trágica. ⠀

– Mas você não vê? É o amor puro e forte, que transcende o tempo, que chama atenção em histórias assim! – Ela suspira. – O Justin tem namorada do Brasil? ⠀

Fiquei atônita pena mudança de assunto. ⠀

– Eu não sei… – Respondi, de repente desconfortável. Não gostava de imaginar ele com outras mulheres. – Acho que não. ⠀

– Que pena. – Ela murchou um pouco. – Fico aflita por ele. O Justin é tão sozinho. Não deixa ninguém chegar muito perto. Ninguém deveria ser tão sozinho assim. ⠀

Ela me da um olhar significativo, e eu sinto meu peito apertar, porque concordo totalmente. ⠀

Fiquei observando cruz celta no topo da colina, me perguntando se todas as histórias escocesas tinham um final trágico. O plebeu e sua amada, Deirdre e Naoise, Justin e sua mulher. ⠀

– De todo jeito, é bem a cara dele comprar uma casa com tanta história como essa. – Mudo de assunto pra afastar a angústia que me bateu, e ela ri. ⠀

– Você diz isso porque ainda não viu o castelo dele! ⠀

CASTELO?


– O Justin… digo… o senhor MacKenzie tem um castelo? ⠀

Ela deu um risinho quando eu me atrapalhei. ⠀

– Sim, fica na ilha de Skye. É magnífico! Fica aberto para visitação, mas como você está com ele, ele pode te levar a qualquer hora. – E então eu me lembrei de quando ele me pediu pra reunir os documentos de “sua propriedade na ilha de Skye”. Não imaginei que fosse um castelo! ⠀

– Caramba… ⠀

– Pois é! – Ela sorri. – Olha, infelizmente eu preciso ir, tenho prova amanhã. Porque não aproveita pra conhecer os jardins? ⠀

Mas eu preferi voltar para o quarto e ligar lá pra casa para avisar que cheguei sã e salva. Depois, pensei em desfazer a mala, mas ao abrir, me deparei com os pacotes de pão de linguiça que minha mãe fez e insistiu que eu trouxesse pra viagem, enquanto me dava conselhos com a dona Lola. Peguei um dos pacotes e os observei por alguns segundos, as palavras de Fionna rodopiando em minha cabeça: “Ninguém devia ser tão sozinho assim”. ⠀

Meus pés então se moveram por vontade própria, e de repente eu já estava batendo na porta do escritório do Justin. Demorou um pouco para ele abrir, mas assim que ele apareceu na porta, logo entendi o motivo: Estava com o celular colado na orelha. Fez sinal pra que eu entrasse e continuou no telefone. Eu olhei a decoração ao redor enquanto isso, percebendo a mistura de épocas que casavam perfeitamente entre si. Vi quando o Justin voltou para sua mesa abarrotada de coisas e se debruçou sobre ela, procurando alguma coisa. Foi aí que uma folha escorregou, dançou pelo ar e caiu perto da estante. ⠀

Eu me abaixei para pegá-la. Havia nela um desenho de um objeto meio ovalado, possivelmente uma pedra com alguns entalhes no centro. Os risquinhos escuros eram muito parecidos com os que haviam no colar que o Logan fez pra mim… digo, fez pra Davina. ⠀

Só que eu não tive como ter certeza, porque o Justin puxou o papel da minha mão com rispidez, me assustando. Sua expressão fechada me alertou de que ele não gostou nada de eu ter me metido em seus assuntos, o que era ridículo, afinal, era só um desenho de uma pedra.


– Preciso desligar, Liam. Ligo pra você daqui a pouco. – Ele encerrou a chamada e me fitou. – Está tudo bem? ⠀

– Sim. Você precisa de algum documento específico? Posso procurar pra você. ⠀

Ele escorou o quadril na mesa, deixando o desenho sobre a bagunça e apoiando as mãos no tampo. ⠀

– Não preciso. – Ele sorriu. – Rose, o fato de você estar hospedada aqui em minha casa não quer dizer que você trabalha pra mim 24 horas por dia. ⠀

– Eu sei… não foi por isso que vim. ⠀

– Não? – As sobrancelhas dele se arquearam. ⠀

– Minha mãe mandou isso pra você. – Estendi o pacote amassado. Depois de olhar para o pacote por algum tempo, ele o pegou, parecendo… emocionado. – Espero que goste de pão de linguiça. – Falei, retorcendo as mãos. – Especialmente porque vou te acompanhar por aí, e provavelmente todas as minhas roupas estão fedendo a isso. ⠀

Os olhos dele cintilaram, e sua risada baixa fez os pelos do meu corpo se arrepiarem. ⠀

Talvez ele não entendesse o que eu realmente estava querendo dizer ao entregar aquele pãozinho. Talvez não compreendesse que minha mãe havia pensado nele. Que eu não conseguia nem desfazer a mala sem que ele dominasse minha cabeça. Mas eu havia dito. Do meu jeito, e isso já aliviava meu coração angustiado. ⠀

– Obrigada, Rose. – Ele colocou cuidadosamente o pacote sobre a papelada, e se aproximou de mim. – Pão de linguiça é uma das minhas comidas favoritas. ⠀

– Ah… que bom. – Respondo debilmente – E… eu… vou te esperar lá fora. Você parece ocupado. ⠀

– Eu te acompanho até a porta. ⠀

Mas em vez de ir abrí-la, ele permaneceu onde estava, me olhando intensamente. ⠀

Meu coração começou a bater tão forte que por um momento eu pensei que fosse quebrar minhas costelas. Fui incapaz de desviar o olhar do dele. Principalmente, fui incapaz de me mexer quando a mão dele atravessou o espaço entre nós dois e tocou – TOCOU! – meu rosto, o polegar áspero acarinhando minha bochecha. Justin parecia quase hipnotizado ao olhar para cada traço do meu rosto, até seus olhos finalmente pousarem na minha boca. Depois, os olhos escuros com uma coisa que eu só consegui reconhecer como desejo, encontraram os meus. Era como se ele buscasse uma permissão para agir de uma vez, e meu olhar devia ser reflexo do dele, porque de repente, ele inclinou a cabeça em direção à minha. ⠀

Inclinei o rosto para ele também, ansiando por aquele beijo, pelo momento em que sua boca grudaria na minha, em que nosso coração bateria um de encontro ao outro. ⠀

E acho que era o que teria acontecido, se a porta não tivesse sido aberta de repente. O movimento despertou Justin, que, sobressaltado, incrédulo e mais alguma coisa que eu não pude decifrar, me soltou de súbito, como se eu o queimasse. ⠀

– Ah, perdão. Pensei que estava sozinho, Justin… só vim avisar que o jantar está quase pronto. Desculpem pela interrupção. ⠀

Seu tom constrangido sugeria que ele tinha nos visto. Eu não tinha a menor ideia do que ele estava pensando, pois não consegui tirar os olhos de Justin, que se afastava de mim com uma expressão de dor e… Algo mais.

– Eu estava só terminando uma ligação. – Ele resmungou, engolindo com dificuldade. – E a Rose… já estava de saída. ⠀

Justin inspirou fundo, os olhos fechados com força, correndo as mãos pelos cabelos, parecendo terrivelmente atormentado… E arrependido. O nome daquela emoção que eu não consegui nomear um instante antes era remorso. Eu era fonte de arrependimento.

Magoada e humilhada, saí dali sem dizer uma palavra, passando Darren incapaz de olhar para ele. Subi as escadas, atravessei o corredor e fechei a porta do quarto antes de permitir que a dor e a vergonha me engolissem e eu extravasasse em uma torrente de soluços. Enquanto tudo que meu coração tolo fazia era amar Justin, tudo o que ele sentia quando olhava pra mim era culpa.


ESCÓCIA 1746.

Olhando para o breu da floresta à noite sentada à minha janela, eu me sentia definhar a cada dia que se passava sem Logan ao meu lado. Como tudo pôde dar tão errado? Pensar que a essa hora nós dois estaríamos longe, vivendo nosso amor, se não fosse meu pai ter descoberto tudo… ⠀

Me doía mais ainda ser eu a pessoa quem tinha que me manter longe dele. ⠀

Logan se curou do ferimento feito pelos monstros que meu pai chama de guardas, mas tive que desistir do nosso amor… por enquanto. Sim, por enquanto, porque eu não vou simplesmente desistir para sempre do amor da minha vida. Vou amar Logan até o fim da minha vida. Além da vida, eu tenho certeza. ⠀

Meu pai não é um homem bom. Não joga limpo. Ameaçou enviar Logan à força para a guerra dos Jacobitas se eu não o deixasse. A minha sorte é que o homem desprezível com quem ele quer que eu case, está viajando para a França. ⠀

Então o meu plano é muito simples: Vou me manter quieta até essa coisa dos Jacobitas passar. A batalha já se aproxima, pois ouvi os homens de meu pai comentando. E assim que os guerreiros partirem para a guerra e nossa vila ficar sem muitos guardas, vou fugir com Logan e ninguém vai me impedir. ⠀

ESCÓCIA 2019.

Acordei sobressaltada, me sentando na cama de uma vez, com o coração na mão. Os sonhos voltaram. Os sonhos inéditos, pelo menos. Ainda era capaz de sentir a angústia de Davina ao lamentar a distância de Logan, era como se fosse comigo. Eu conseguia lembrar de cada um dos pensamentos dela, da tristeza, mas também, fiquei mais aliviada ao saber que Logan não morreu com aquele ferimento que vi na visão estranha que tive. ⠀

Graças a Deus. ⠀

Eu sei, era loucura ficar aliviada por uma pessoa que nem existe, não ter morrido. Mas eu sentia como se ele fosse real. Logan era real, pelo menos pra mim. ⠀

Olhei a hora no celular, e ainda era muito cedo. Mas, como eu sabia que não conseguiria mais dormir, tanto pelo sonho, como também, pelos pensamentos confusos em relação ao que aconteceu – ou quase aconteceu – ontem à noite entre mim e o Justin, levantei para tomar um banho quente e demorado. Quem sabe assim eu conseguisse relaxar um pouco.


Achei que eu não conseguiria dormir ontem. A dor de ver aquele olhar nos olhos do Justin me consumiu de tal forma que nem consigo explicar. Vítor mencionou que ele se sentia culpado pela morte da esposa. Com certeza se sentia culpado também por se envolver com um novo alguém, essa era a única explicação para aquele olhar que vi ontem em seu rosto. E isso doía demais, porque eu não podia competir com uma morta. ⠀

Decidi que vou fazer igual a ele sempre fez em todas as vezes que rolava um clima entre nós dois: Vou fingir que não aconteceu nada. Vou ser forte até o fim dessa viagem, e quando chegar em casa, no meu cantinho, posso desabar em paz. Por hora, vou apenas me arrumar para a reunião de hoje. Alguma coisa sobre Zinco, foi isso que vi na agenda. ⠀

Na pequena viagem de carro até a cidade, não trocamos mais que algumas poucas frases sobre a reunião que aconteceria em breve. O clima estava tenso, mas não seria eu a tentar quebrar o gelo. Ao chegarmos no lugar onde aconteceria a reunião, vi que seria em uma casa, e não em um escritório ou restaurante. ⠀

Um senhor de meia idade nos recebeu e nos levou para uma sala confortável. Percebi que a decoração também era meio antiga, então talvez o homem compartilhasse do mesmo gosto para relíquias do meu chefe. Eu já estava quase achando que a pauta da reunião seria essa, quando eles começaram a falar sobre o zinco. ⠀

E falaram. E falaram. E a conversa não tinha fim.

Não aguentava mais ouvir falar sobre a cotação do zinco, que eu nem sabia que existia, a porcentagem dos lucros e a procura pelo metal em outros países. Eu encarava o lustre acima, contei setenta e seis cristais. Já havia contado também as garrafas de vinho de uma adega que tinha ao meu lado direito, eram ao todo cento e trinta e seis. Já ia começar a contar a louça exposta de aparência medieval quando uma mulher, também aparentemente de meia idade, entrou na sala com uma bandeja de chá. Se apresentou como senhora Graham e me convidou para ir tomar um chá com ela na cozinha, enquanto conversávamos. Eu praticamente pulei do sofá.


– Claro… – Mas ai olhei para o meu chefe. – Se o senhor MacKenzie não for precisar de mim, é claro. ⠀

– Não, tudo bem. Pode ir. ⠀

Acompanhei a mulher e me sentei à mesa onde ela indicou, feliz por ter uma companhia feminina para conversar enquanto a reunião interminável… não terminava. ⠀

– Então, estão aqui apenas a negócios, querida? – Ela perguntou enquanto servia o chá. ⠀

– Sim, o senhor MacKenzie tem algumas coisas para resolver por aqui, então… obrigada. – Agradeço quando ela me entrega a xícara. Estava uma delícia, que sabor seria aquele? ⠀

– Ah, mas vão ficar até sexta-feira, não vão? Precisam ficar para o All Hallows e vir para a cidade ver a festa! – Ela parecia muito animada, mas percebeu a confusão em meu rosto. – O que vocês devem conhecer mais como Halloween. ⠀

Ah, sim, agora me lembrei da entojada da Guilhermina falando sobre os escoceses comemorarem com muita animação esse dia. ⠀

– Ah, sim, com certeza. O senhor MacKenzie provavelmente vai ficar aqui até a próxima semana, só não sei se vamos poder comparecer às comemorações. ⠀

– Como não? O senhor MacKenzie sendo um nativo, com certeza deve mostrar a cultura pra você. Só não se espante se ver alguma coisa realmente estranha por aí, sabe… é o dia em que os fantasmas estão à solta e podem ficar vagando por aí como quiserem, fazer o bem ou o mal, de acordo com a sua vontade. ⠀

Eu ri. Já tinha ouvido falar dessa crença. ⠀

– Vou ficar atenta. ⠀

– E você está gostando daqui? É a primeira vez que vem? ⠀

– Aqui é muito charmoso. Eu sempre tive vontade de conhecer esse lugar, principalmente Craig Na Dum. Só não sei se vou conseguir. ⠀

Ela me olhou com mais atenção. ⠀

– Você conhece a lenda? ⠀

– Conheço bem as lendas e histórias celtas, sempre me fascinaram, nem sei porque. ⠀

De repente o olhar dela ficou ainda mais afiado pra mim, e ela ficou pensativa por alguns segundos. ⠀

– E você acredita na lenda das pedras? ⠀

– A senhora está me perguntando se eu acredito que pessoas podem viajar no tempo só por tocar nelas? – Perguntei com cautela, e ela concordou com a cabeça. – Bom… isso chega a ser um tanto fantasioso, mas eu não me atrevo a desconfiar de nada. ⠀

– Entendo. – Ela ficou pensativa por alguns segundos. – Eu compartilho dessa crença, sabe. Faço parte do grupo de druidas local, foram ensinamentos que passaram dos meus antepassados até mim. ⠀

Olhei pra ela, espantada. ⠀

– Nossa… E a senhora… a senhora acredita nisso, de verdade? ⠀

– Existem coisas muito além desse céu e dessa terra que foge da nossa compreensão, querida. Pode ter certeza de que nada que acontece fica sem explicação. Às vezes só não tem explicação lógica. Quantos sumiços não ficam sem resolução? As pessoas somem o tempo todo, e jamais são encontradas novamente… nem mesmo um corpo… Talvez, elas apenas tenham viajado no tempo através das pedras. ⠀

Ela falou aquilo com tanta intensidade, me olhando de um jeito esquisito como se soubesse de alguma coisa. Eu já ia perguntar se ela sabia de algum caso real, quando o Justin apareceu na porta da cozinha. ⠀

– Vamos? – Ele chamou, e deve ter visto meu olhar apavorado, porque se aproximou. – Tudo bem? ⠀

– Ah, t-tudo. A gente só estava conversando. A senhora Graham é uma mulher muito sábia. ⠀

– Ah… certo. Devemos ir. Até mais, senhora Graham. ⠀

Nos despedimos da mulher e de seu marido, com ela reforçando o convite para a festa do Halloween. Meu chefe concordou, mas não sei se estava falando sério. Não consigo visualizar o Justin comemorando uma festa pagã como um simples mortal. ⠀

Quando saímos da casa, ele soltou uma lufada de ar e resmungou alguma coisa. ⠀

– Como disse? ⠀

– Nada, é só que… devia ser proibido falar de negócios antes do almoço. Todos aqueles números me fizeram querer arrancar o meu cérebro e jogar futebol com ele. ⠀

Eu não consegui evitar, dei risada e suspirei ao mesmo tempo. Isso chamou sua atenção. ⠀

– O que foi? ⠀

– Nada, eu só… senti falta do seu humor. – Confessei. – Você está diferente desde que chegou à Escócia.


– Muita coisa está diferente desde que cheguei aqui. – Ele inspirou fundo. – Na verdade, antes disso até. ⠀

Pela forma como ele me olhou, intensa e fixamente, eu soube que aquilo tinha a ver comigo. ⠀

– Diferente bom ou diferente ruim? ⠀

Ele me observou calado por um bom tempo, até eu sentir meu rosto esquentar. Por fim, abriu um meio sorriso angustiado. ⠀

– Existem coisas, Rose, que fazem um homem morrer por dentro. – Ele chutou uma pedrinha na rua. – Então, quando ele acha que sabia exatamente o que a vida reservava pra ele, tudo muda, e ele não sabe mais como agir e nem o que esperar. ⠀

– E se sente mal por desejar uma coisa nova. – Conclui por ele, sentindo meu peito afundar. ⠀

– Mesmo que não queira se sentir assim. – Ele cedeu, abatido. ⠀

Passei os braços ao redor do corpo, segurando as pontas do chale. ⠀

– Isso é uma droga, sabia? Eu não quero que você me olhe e se sinta miserável, Justin. Eu quero o oposto disso!

Pronto. Ali estava. Não sei o que me fez dizer a verdade. Eu simplesmente tinha chegado ao meu limite. Foi um daqueles momentos em que você sabe que está fazendo algo de que vai se arrepender depois, mas não consegue impedir.

– Rose, por favor… – Pelo canto do olho, o vi esfregar o rosto, atormentado, como eu sabia que ele reagiria. ⠀

Ainda assim, meu coração se partiu. Porque, quando se ama, por mais impossível que possa parecer, a esperança persiste e você luta até o último suspiro. E a minha acabava de morrer.

– Eu sei, me desculpe. – Criei coragem e o encarei. Não ia mais fugir, não havia motivos. – Eu não quero que você pense que me incentivou a… você sabe. Porque você não fez isso. Na verdade, tudo que você fez foi justamente tentar me afugentar. – Ri sem humor. – Isso não devia ter acontecido, Justin. Mas você devia saber, mais do que ninguém, como essa porcaria de amor funciona. ⠀

– Rose… – Ele inspirou fundo, pressionando a ponte do nariz entre o indicador e o polegar. ⠀

– Não se preocupe, eu já terminei. – Arrumei a bolsa no ombro e desviei o olhar dele. – E agora quer eu consegui deixar nós dois constrangidos e você não precisa mais de mim, é melhor eu pegar um táxi. ⠀

– Não, espera um pouco. – Ele tentou me segurar pela mão. ⠀

Consegui recuar a tempo. Eu não podia ficar ali. Estava envergonhada demais e me recusava a ouvir a explicação educada que ele provavelmente já ensaiava em sua cabeça pra me dispensar. ⠀

Agora ele sabia, pensei, enquanto deixava a rua às pressas, Justin em pé, parecendo estar atordoado e, de certa forma, também ferido. Agora ele sabia que eu não apenas me sentia atraída, mas estava apaixonada por ele. Para evitar mais humilhação, decidi não esperar pelo que viria. Enquanto entrava no táxi e depois percorria as ruas úmidas de Inverness, engoli o choro que ameaçava cair, e liguei para a companhia aérea. Não podia ficar mais um só minuto ali, meu limite havia estourado.












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