História Mulher de Elite - 38. Ela está morta

Seu corpo não era mais o mesmo. Era como se toda a estrutura física, embora debilmente ornamentada e parcialmente intacta, fizesse lembrar do que ela fora outrora. No entanto, sua essência havia sumido. A palidez da morbidez tomou conta dos seus lábios rosados.

Seus olhos, ora triste, ora felizes, já não poderiam expressar nenhum sentimento com as pálpebras pesadas os cobrindo.

Eu recebi o telefonema que me trouxe a pior notícia, desde a morte dos meus pais, pela manhã. E que manhã infernal. Eu preferiria que ela nunca tivesse existido.

Chorei desde que ouvi a sentença até no caminho para a casa funerária . "Eu sinto muito, mas ela está morta".

Perguntei o que aconteceu, e obtive como resposta "suicídio".

Achei que fosse apenas um pesadelo, mas a medida que as horas avançavam e eu me preparava para providenciar as coisas para o velório, tive minha confirmação.

Eu não a perdi naquela noite em que ela fez as malas e deixou nosso apartamento; eu a perdi hoje. Para sempre. Um imenso pedaço meu se dissolve com minhas lágrimas.

Estou no seu apartamento, pomposo e caro, mas não há sinal de vida.

A síndica está me ajudando a recolher suas coisas. Maldição.

É a última vez que ela usará um vestido, e eu terei que escolhê-lo.

Tento me concentrar em não chorar enquanto transitamos pelo extenso corredor da cobertura.

— Todas as coisas da Hailey estão no quarto. — Diz ela, me entregando a chave. O objeto parece mais frio que o costumeiro, além de pesar o que os céus pesam para Atlas.

Sei que a dor ficará mais aguçada quando eu vir seus pertences. A tristeza já se aloja no objeto frio nas minhas mãos.

— Onde está seu namorado? Pierre?

— Ele foi embora, se não me engano viajou para a Itália para algum desfile.

— Itália? — Murmuro mais para mim mesma do que para ela.

Como ele pôde ser tão insensível? Hailey está morta, estilhaçada como uma peça de vidro, e ele foi para a Itália.

— Obrigada, senhora. Eu resolvo a partir daqui.

— Claro, senhorita Milch. Se precisar de mim, estou lá em baixo.

Eu achei que daria conta, contudo desmorono quando dou de cara com seu quadro de colagens. Há sapatos seus em baixo da cama. Há roupas suas no closet.

Por fim, há vestígios seus em todas as partes.

Volto a chorar e ficar inerte por várias vezes enquanto recolho suas coisas.

Por fim, a pedido da funerária, escolho um vestido para a cerimônia fúnebre.

Escolho um vestido branco de mangas com alguns detalhes de renda. Não é tão extravagante quanto Hailey gostaria, mas é o único que não tem decote.

Por fim, deixo todas as suas coisas no meus apartamento e rumo novamente para a funerária. Fiquei por poucos minutos, a fim de evitar ficar ainda pior do que já me sinto. Afinal, sou eu quem precisa cuidar de tudo, já que sua família não estará por perto até amanhã de manhã.

As horas avançam. Os telefonemas começam a chegar e me irritar.

De todas as ligações e mensagens de condolências, respondo apenas a uma.

Conversei com Julian durante horas. Ele me reconfortou, apesar de eu preferir que ele estivesse por perto.

Thomas ligou, mas eu não atendi. Sabia que se tratava apenas de Hailey, mas ainda não estou pronta para falar com ele.

Percebendo que a única forma de eu não ser incomodada era desligando o celular, foi o que eu fiz.

Desliguei-o e rolei na cama por horas, até, depois de chorar centenas de vezes, conseguir dormir.

                    *           *          *      

A cerimônia fora pequena. Os pais de Hailey estavam desolados, mas eu não sabia como consolá-los. Algumas modelos da agência compareceram, incluindo Jamily, a namorada de Mia, até onde eu sei.

— Minhas condolências, Evelyn. A Hailey era uma ótima pessoa e uma modelo muito talentosa.

— Obrigada, Jamily. — Agradeço secamente. A estive evitando até então, mas ela não desistiu.

— E sobre aquela coisa com a Mia... Eu nunca imaginei que ela fosse capaz daquilo. Eu sinto muito pelo o que lhe causou.

— Obrigada por isso também, mas eu estou bem.

— Nós terminamos quando eu soube. Eu tentei visitá-la, mas ela não quis. Eu descobri que não foi a primeira vez que ela fez isso. Ela já foi presa várias vezes, até mesmo por chantagem. Ela tem até ordens de restrições... Me desculpe, não é hora pra isso. Enfim, eu sinto muito por sua amiga.

Ela aperta minhas mãos e se vai.

Já é doloroso o bastante estar enterrando a única amiga que tive em toda a minha vida. Não quero lembrar de outras coisas ruins, porque de todas as coisas ruins que me aconteceram na última semana, esta é a pior de todas.

Oliver também aparece.

Ele é o único que tem a sensatez de não falar muito e me oferecer seu ombro para eu chorar.

Apenas ao fim da cerimônia consigo realmente digerir: ela realmente se foi. E só então desmorono completamente pela milésima vez no dia.