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História Não é o que eu pensava (Bellow) - Como Mães e filhas



Capítulo 46 - Como Mães e filhas


Estávamos deitadas lado a lado na poltrona do meu bimotor amarelo, assistimos ao filme "Uma linda mulher" enquanto não chegamos à Empire City. Blue deu uma louca, saímos quase que duas horas depois dela falar que queria ir embora, contratei um piloto às pressas, por recomendação dos pilotos que já trabalham para mim, praticamente; estamos viajando com um estranho, mas deu tudo certo, ou pelo menos está dando até agora… Não foi anunciado nenhuma voz de sequestro até agora. E o piloto acabou de anunciar que estamos há pouco menos de uma hora de nossa cidade.

 

—Hum… E na reunião corporativa de primeira de janeiro? Você vai me apresentar com sua namorada? — Blue perguntou.

 

—Sim… Se me perguntarem se estamos juntas, eu direi que sim. Mas todo mundo te conhece, tecnicamente você não precisa de apresentação — Falei rindo.

 

—Realmente, acho que eu não preciso de apresentação.

 

—Mas e eu, vai me apresentar para as colegas das suas filhas como eu sendo sua namorada? — Perguntei levantando a sobrancelha.

 

—Claro que sim… Mas elas certamente não são importantes.

 

Abri um sorrisinho convencido, Blue riu de mim.

 

—Tudo bem, você admitindo que eu sou sua namorada, já está bom demais — Falei com malícia na voz.

 

—Boba! — Ela me deu tapinha no ombro — Sinceramente, eu espero não mentir para mais ninguém, quero dizer que eu sou sua namorada… É muito bom ser essa pessoa, sabe?

 

Ficamos conversando isso, vendo filmes, até que o nosso avião finalmente chegou ao hangar particular das Diamonds. Avisei à Lapis que estávamos voltando, falei até a hora que iríamos chegar, tinha a esperança que ela ouvisse seu coração e viesse fazer as pazes com a mãe dela.

 

Mas a porta do avião abriu, e eu não vi ninguém, só o meu carro estacionado no mesmo lugar onde havia deixado quando viajei, uma lona cinza o cobria como eu havia deixado.

 

—Estranho… — Pensei alto.

 

— O que é estranho, amor? — Blue me perguntou.

 

—Nada… — Falei em um tom muito suspeito — Olha, eu não quero mentir, avisei pra Lapis que estávamos voltando, pensei que ela já estivesse pronta para fazer as pazes com você… Me perdoa, amor.

 

—Tudo bem… No tempo certo… Vai dar certo — Blue falou calma, mas um tanto triste, mesmo que tentando disfarçar isso.

 

Senti uma leve decepção, admito; ajudei minha namorada a pegar suas malas, levei até meu carro, abri a porta para ela e assim que entramos eu perguntei:

 

—Quer ir à algum lugar?

 

Blue estava distante, nitidamente decepcionada também. Como não tinha o que fazer, ela respirou, pensou um pouco e então disse:

 

—Sei que é brega, mas sempre que viajo, na volta eu passo no Big Rosquinha.

 

—Deixa eu adivinhar… Meninas? — Perguntei dando a partida no carro.

 

—Sim, eu sei que você acabou de me falar que minha filha não veio me ver… Mas é uma tradição nossa, não quero perder isso. Mesmo que signifique levar rosquinhas na casa do Bismuto e da Pearl, deixar na porta e ir embora depois.

 

Não tinha muito o que falar, eu até queria dizer que aquilo era besteira, mas na verdade era algo muito sério e pessoal. Então, após um longo tempo dirigindo em silêncio eu apenas aceitei que isso era importante para ela e perguntei:

 

—Qual as meninas comiam?

 

Ela abriu um sorriso, então disparou a falar 

 

— Compro rosquinhas com calda de morango e recheio de leite condensado para a Lápis, rosquinha de chocolate com granulados pra Perla, para mim sempre levo a de um com a calda azul e recheio de chocolate. Sempre compro três para cada.

 

— Eca, calda azul… Esse negócio não vai te matar não? 

 

— Talvez… Mas é gostoso — Blue riu da minha pergunta.

 

—Tá, mas e eu — A olhei rapidamente — Qual rosquinha EU vou comer?

 

Minha namorada deu uma risadinha, então me respondeu:

 

—A que você quiser, amor.

 

—Ok, quero qualquer uma amarela.

 

Blue colocou a mão em minha coxa, eu a vi sorrir pelo retrovisor, foi um ótimo passeio afinal de contas. Acabei comprando uma terrível rosquinha de calda de pêssego (porque era a única na cor amarela), mas valeu a pena, nunca tinha experimentado aquele tipo de rosquinha. Ainda tinha uma longa viagem até a casa da Blue, iria tomar um banho lá e ir visitar a White logo em seguida.

 

Mas aquele trajeto parecia uma maratona sem fim, e o tédio foi batendo. Quando vi, Blue estava igual uma criança no banco do passageiro.

 

—Rosquinha… No Big rosquinha... — Blue começou a cantarolar o dingo da loja de rosquinhas, pela milésima vez, só pra me irritar… e tava funcionando.

 

—Ah, dá pra parar? — Perguntei apertando o volante.

 

—Rosquinha… No big rosquinha….hahaha…  — A olhei muito brava, como se olhasse a Pink, por exemplo — Tá tá, eu já parei, ok?

 

—Obrigada… O que foi, encarnou a Pink agora, foi? — Perguntei.

 

—Na verdade… Eu tô nervosa, foi mal.

 

Peguei sua mão, beijei com carinho aquela delicada mão, e assim que o sinal fechou, eu olhei em seus olhos toda romântica e fiz algo totalmente antagônico:

 

—Não esquece de me apresentar como namorada da próxima vez, tá…

 

Ela me deu um soquinho no ombro, eu ri da situação.

 

—Boba! — Ela falou — É sério Yellow, tô com medo de ir ver minhas filhas.

 

—Amor, você é a mãe, não o contrário. Tá tentando agradar demais não?… — Ela ficou calada, isso não é um bom sinal, fora que o sinaleiro me deu passagem após isso também e eu tive que voltar a dirigir — Olha, o que você falar, acabou, e é isso… O que a senhorita quer fazer? 

 

Ela ficou muda um pouco, mas depois de pensar Blue então falou:

 

—Quero ver minhas filhas… Mas não agora, antes quero tomar um banho e deitar um pouco. Andar de avião é prático, mas cansativo.

 

— Concordo, acho que qualquer viagem cansa, na realidade, não importa muito o meio de transporte.

 

— Sei… Mas pensa como deve ser desconfortável caminhar toda a distância que percorremos, ou fazer isso num carro de boi, ou um trenó puxado por cachorros… — Blue falou de forma descontraída.

 

—Quero nem pensar, já arrepiei só de escutar você falando.

 

Conversamos bastante até a casa da Blue, droga, não devia ter dito sobre a Lapis. Me remoía de ódio por ter dito isso. 

 

Mas quando chegamos na casa da Blue, quando abrimos a porta, fomos ambas surpreendidas por um caloroso grito de boas vindas:

 

—Surpresa! — Todas gritaram.

 

Minhas diamonds estavam todas lá, Pink, Lapis, Perla… E suas respectivas companheiras. Todas  estavam nos esperando com sorriso no rosto. Lapis estava à frente de todas com um buquê de tulipas nas mãos, atônita, com o olhar de admiração, como uma criança olha a mãe quando pequena.

 

Havia uma faixa enorme na frente da sala "seja bem vinda, Blue".  Havia um bolo, e acho que Coca-Cola também.

 

Perla agarrou sua mãe assim que a viu, e minha Blue não parou de chorar enquanto a abraçava. Pietra me abraçou e então me repetiu pelo menos três vezes que eu não devia ter abandonado ela ali naquele fim de mundo e blá blá blá.

 

Mas mesmo com tudo acontecendo, Lapis continuava estática no lugar, segurando as flores. 

 

Me aproximei da minha sobrinha e falei sem muita discrição:

 

—Olha, ela não vai morder… Pode chegar mais perto.

 

Lápis me olhou assustada, engoliu o seco e simplesmente saiu correndo em direção as escadas. Ela subiu a escadaria e um pouco depois ouvimos uma porta bater com força.

 

Todas olhamos a cena, Perla ficou triste, talvez mais que a própria Blue.

 

—Ela disse que queria fazer isso… Mas pelo visto… — Perla abaixou a cabeça — Bom, perdoa a Lapis, mãe.

 

Minha Blue levou as mãos até a face de Perla e então beijou sua testa, depois a agarrou com carinho e deu um abraço apertado.

 

—Tudo bem, todos temos tempos diferentes, filha — Ela olhou em seus olhos e então falou — Que bom que você cuidou da sua irmã, ela precisa de você, meu anjo.

 

Pink não saía do meu cangote, e estava me atrapalhando a ouvir a conversa das duas, mas mesmo assim, tenho que reconhecer, sinto muita falta dessa doida, não consigo viver sem ela. 

 

—Na verdade, foi mais a Lapis que cuidou de mim, ela que fez essa festa de boas vindas também — Perla falou meio sem jeito.

 

—Hum… Bom saber —Blue olhou de relance para mim —Você me perdoa, filha? Por eu ter mentido, você deve ter achado que eu não confiava em você, mas não é verdade, eu confio demais, filha. Eu só, fiquei com muito medo que… Sei lá, é difícil até pra mim mesma explicar que eu estou namorando a irmã do seu pai agora… — Ela olhou para mim — Sorry, Yellow.

 

—Tudo bem, a recíproca é verdadeira também — Falei meio sem jeito.

 

—Enfim, me perdoa filha — Blue tornou a pedir.

 

—Claro… — Perla sorriu — Ah, mãe o bolo é de blueberry, espero que goste.

 

Ela vai adorar, certeza. Coloquei as rosquinhas ao lado da caixa do bolo, e deixei a Perla e a Blue conversando um pouco. Não sabia muito bem o que fazer, estava cansada, física e emocionalmente. Me afastei um pouco daquela gente toda e fui até a cozinha pegar um pouco de água.

 

Peguei um copo de vidro no armário que eu já  sabia onde ficava, peguei água do purificador sobre a bancada, nem liguei o bendito aparelho na tomada, nem nada, só queria um pouco de água potável para beber mesmo, então nem fazia tanta diferença assim se estava gelada ou não.

 

—Então, e agora, o que você vai fazer? — Perguntou Pink, me seguindo.

 

— Ver a Blanca, talvez… — Falei sendo muito fria.

 

Pink sentou-se no balcão de frente para mim, sem se preocupar com muita coisa, então disse meio sem jeito:

 

—Sabe, é estranho e legal ao mesmo tempo, pensar que você é minha irmã, e que a minha mãe é também meu pai — Pink desabafou — Mas… Eu tô com medo agora, de perder vocês duas, sabe. Você sumiu, nem me disse que ia viajar, nem nada; eu me senti muito sozinha nos últimos dias.

 

Não sabia o que dizer para minha afilhada, afinal, minha cabeça ainda estava girando também. E se ela teve quinze anos de mentira na vida dela, imagine eu então, que fui enganada por trinta e oito anos. Mas mesmo assim, eu admito que fui mesquinha, e imprudente.

 

Eu olhava para minha preciosa Pink, e eu só conseguia ver uma criança assustada na minha frente. Eu não senti a dor dela quando a Blanca passou mal a última vez, e só estava ela e Blanca quando isso aconteceu, a Pink me ligou, eu estava no meio de uma reunião, saí correndo e fui socorrer minha (até então) tia Blanca. Levei ela direto para o hospital.

 

Pink chorou a noite inteira vendo a mãe daquele jeito, e eu fiquei lá, atônita, sem saber o que fazer ou dizer. Ela é só uma garota rebelde, e se a Blanca faltar, a obrigação de cuidar dela é exatamente minha. Mas esses dias, que ela mais precisou de mim, eu simplesmente estava noutro lugar.

 

Infelizmente eu não me arrependo tanto de ter viajado, precisava daquilo, mas eu tenho consciência que agi errado, deixando a Pink para trás desse jeito.

 

— É, você tem razão, eu fiz errado mesmo, te deixei sozinha aqui na cidade, devia ter te avisado, e até te levado junto mesmo — Falei firme — Ainda mais agora, eu devia ter voltado no exato momento que eu soube que a Blanca tava internada, devia ter cuidado melhor de você.

 

— Urgh...Que estranho ver você admitindo estar errada, Yana — Pink falou rindo — Mas tudo bem, você está aqui agora, certo? É o que importa.

 

— Sim sim… Mas e a Blanca, como está agora? — Perguntei meio sem jeito.

 

— Acho que na mesma… Ela não está muito bem no momento, se fosse eu, já teria feito essa cirurgia logo, mas ela inventou de fazer um monte de exames, sei lá pra quê.

 

“Ela está na esperança de me ver antes da cirurgia” pensei, caindo a fixa naquele exato momento. White queria que eu voltasse, só não podia me pedir isso.

 

— É culpa minha, eu acho… Se eu não tivesse sumido, talvez ela não tivesse passado mal, nem estaria internada agora.

 

— O que?! — Pink falou fechando o cenho — Madrinha, da última vez que ela passou mal, antes das férias, o médico já tinha sugerido a cirurgia, ela não fez porque é teimosa também. Não se culpa não, você sabe como a mamãe é inquieta; para você ver, era nem para ela trabalhar até o resto do ano, acho que ela comprou um médico para forjar um atestado liberando ela. White Diamond é uma mulher imprevisível, você sabe disso.

 

—Sim, mas a culpa ainda tá aqui no meu peito, junto com um monte de sentimentos confuso com relação à White.

 

Pink saltou da bancada, então me abraçou calmamente.

 

—Tá tudo bem, você esta aqui, é sem dúvida o melhor presente de natal que eu poderia pedir, e com certeza, para mamãe é a mesma coisa.

 

Presente… Nossa, eu tava quase esquecendo deles. Tem presente no meu carro, preciso pegar eles, antes que o calor derreta alguma coisa. Aliás, estamos no inverno, não era para estar tão quente… Ou talvez seja só aqui dentro que o aquecedor foi ligado no máximo, ou alguns dias em Toronto me fizeram perceber que aqui é quente. Enfim… Presente, não posso esquecer deles.  

 

— Me espera aqui um minuto, Pietra — Falei animada.

 

Corri até o carro e peguei o presente que Blue e eu havíamos comprado para as meninas, estavam todos numa sacola preta. Passei por ela e assinalei que iria deixar no quartinho da empregada debaixo da escadaria, ela entendeu de primeira. Me escondi no quarto e então procurei dentro daquela sacola de plástico as fitas que havia comprado para Pietra.

 

Peguei o embrulho e fui com o coração disparado ver minha pequena estrela, lhe entreguei o embrulho sorrindo e então falei:

 

— Feliz natal, Pink! É da sua tia, mas eu faço como se fosse meu presente também.

 

Ela rasgou o embrulho sem pensar duas vezes, e seus olhos brilharam com as fitas de VHS que eu escolhi para ela.

 

— Acho que esses cinco você não tem na sua coleção de nerd esquisita.

 

Pink fechou a cara para mim.

 

— Eu não sou nerd… Nem esquisita, ok? — Pink falou bem séria — E sim, não tenho esses na minha coleção. Oh, o poderoso chefão… Olha só — Pink sorriu para mim — Esse eu quero ver… Você vê comigo, maninha?

 

—Claro… Só não me chama de maninha, é estranho demais, sabe.

 

— Tudo bem, maninha… — Pink falou rindo, antes de sumir da minha frente.

 

Menina esperta, já sabia que eu não teria muita paciência com uma brincadeira dessas mesmo. Acabei rindo da atitude dela, e então fui para a sala, onde Perla estava grudada no cangote da mãe dela, Pearl e Jasper estavam do outro lado comendo bolo, Minha Pink conversava com a sobrinha da secretária da minha tia, a tal estudante de intercâmbio. Estava tudo calmo, só faltava uma pessoa ali naquele local…

 

Subi as escadas, olhei em seu quarto, ela não estava lá, então fui direto para o closet no quarto da Blue, ela só podia estar lá.

 

— Então agora esse é seu esconderijo oficial, é? — Falei… Mas não tive respostas — Qual é Lapis, eu sei que você está aí. Estão todos te esperando lá embaixo, porque não desce um pouco.

 

— Eu não quero — Lapis respondeu após um longo silêncio.

 

— Bom…  — Entrei no closet e sentei ao seu lado — Então nós duas vamos ter que ficar aqui, se você não vai descer.

 

Ela virou a cara para o outro lado, evitando me ver, abraçou seus joelhos e permaneceu em silêncio. As tulipas estavam perto dela, jogadas ao canto.

 

— Por quê não deu o buquê para sua mãe? — Perguntei.

 

— Sei lá…

 

— Hum… Ela iria gostar, sabe que sua mãe gosta de tulipas — Falei rindo sem graça.

 

—É, é sim…

 

Nossa, como a Lapis tá grossa.

 

— Por que ela não veio me procurar, só você? — Lapis perguntou.

 

— Porque sua irmã a monopolizou sua mãe lá na sala, esperta é ela — Falei rindo meio sem graça — Mas eu acho que também, porque ela conhece a filha que tem, e sabe que não adianta te forçar a nada, então está te dando espaço, Lapis.

 

—Show… — Lapis falou olhando pra mim, balançando a cabeça de leve — Eu fiquei com medo de entregar o buquê, sei lá porque. 

 

Ela enfim me respondeu, isso é bom, certo? Considero como sim, minha sobrinha é tão fechada quanto eu, é bom ver ela se abrindo para variar um pouco.

 

— Você ficou feliz de ver ela voltando?

 

— Sim, muito, meu coração quase saiu pela boca.

 

— Então por que não vai lá embaixo, abraça ela e dá o buquê de tulipas que você comprou? — Perguntei o mais amigável possível.

 

— Sei lá…

 

Respirei fundo e tentei pensar um pouco também, precisava colocar a cabeço no lugar. Estava tudo complicado, sentimentos são complicados e Uuurggghh!!! A Blue sem dúvida é melhor que eu lidando com essas coisas, sem dúvida.

 

—Sua mãe trouxe rosquinhas… — Falei me recostando na parede — Acho que é de… Peraí... — Peguei a nota fiscal, que ainda estava em meu bolso — Calda de morango e recheio de leite condensado, algo assim, neh? Ela ia levar pra você na casa da sua namorada se você não estivesse aqui agora. Porque não vai lá agora então?! Dá um abraço nela, Lapis, coragem.

 

Lápis começou a chorar, novamente virou a cara, ela não queria que eu a visse chorando, mas eu estava lá, não tinha como esconder de mim, não mesmo.

 

—Tia, eu sinto que eu não tenho ninguém, sabe, minha mãe…. Na verdade, a mulher que me pariu, ela me odeia!! 

 

—Ah, isso não é verdade, Lapis…

 

—É sim… A última vez que eu a vi, foi há dois anos atrás — Lapis limpou suas lágrimas com as costas da mão — E o namorado dela me xingou de "vadiazinha", e sabe o que ela fez? — Acho que foi uma pergunta retórica, pois Lapis nem me deu tempo de pensar em perguntar “o que?” — Ela não fez nada, ela deixou, a minha mãe biológica simplesmente deixou um cara que ela conhecia há pouco mais de dois meses…. Me chamar de vadia!! 

 

Desgraçada!!! Disso eu não sabia, pensei que… Sei lá o que eu pensei, só vi que a Lapis de repente se afastou da mãe biológica dela, aí teve a história do carro, das más companhias e tudo mais. Pensei que ela tinha se afastado mãe, porque a Blue havia tido uma conversa franca com ela, ou algo assim.

 

Não pensei que aquela filha da puta tivesse deixado um bundão qualquer xingar a minha sobrinha. Sempre tive ranço dessa mulher, mas agora, não tem nenhum motivo para eu tratar ela bem também.

 

—A Blue iria matar esse cara, se ele dissesse isso na frente dela — Falei, meio sem pensar.

 

—Pois é, eu sei disso… A Blue teria feito ele se desculpar comigo, e se não conseguisse, arrastaria a cara o homem no asfalto… E olha que eu não estou nem exagerando muito. Tia… Eu sou uma cuzona, verdade seja dita — Lapis olhou pra mim com os olhos vermelhos — Eu tava com tanta raiva da minha mãe verdadeira, tava tão puta da vida. E ela ainda querendo me comprar com presentes caros e… URGH!! QUE ÓDIO!!!.... Eu descontei tudo na Blue, e já faz muito tempo que eu tô fazendo isso. Então eu vi ela feliz, com outra pessoa e… e… e…

 

Lapis se jogou em cima de mim, me abraçou e começou a chorar. Por que tá todo mundo querendo me abraçar assim, do nada, pulando no meu pescoço do nada?! Não estou reclamando, só estou ganhando muitos abraços assim hoje.

 

—Me desculpa, eu fui muito injusta com você. Mas é que eu tenho tanto medo de perder a Blue, que ela não queira mais ser a minha mãe, que eu não posso mais chamar ela assim que… que… EU TENHO TANTO MEDO, TIA.

 

A abracei apertado, e então beijei sua testa, fiz tudo com carinho, minha sobrinha precisava disso. Estou enganada, sempre achei que a Lapis tivesse herdado esse lado mais frio e mais racional da minha família, que às vezes até nos atrapalha a expor o que realmente estamos sentindo e passando.

 

Não herdou, ela tem mais da mãe dela que eu imaginava, e olha, eu não estou falando da droga da primeira mulher do meu irmão… A Blue criou muito bem essas meninas, as tornou fortes, mas sem perder a humanidade e a empatia.

 

—Tudo bem, mas você não vai perder ela…  — Falei sorrindo com carinho e falando com voz mansa — Sua mãe é apaixonada por você, desde que te conheceu. Se não fosse, ela não teria te adotado legalmente depois que seu pai morreu.

 

—Adotado?! Mas… mas…

 

—O que foi, você pensou que só morava na casa dela e… Só isso?!

 

Ela não sabia disso, e eu tinha noção que a Lapis não sabia, minha sobrinha era muito pequena é claro que ela não lembra disso, nem entendia a situação quando aconteceu. Acho que falei a palavra certa, dava para ver pela cara dela que estava num momento “Eureca”! Espero que isso dê em algo.

 

—Eu não sabia disso, juro mesmo — Lapis falou após um momento de silêncio.

 

Lapis se levantou em um pulo, saiu chorando e gritando pelos corredores, ela gritava "mãaaeee". E esse som ecoava pela casa inteira. Eu me levantei calma, fui andando devagar. Consegui ver as duas lá do topo da escada.

 

Minha namorada abraçava a filha dela, ambas estavam de joelhos, não sei como chegaram nessa posição, mas estavam de joelhos. Lapis escondia sua face no ombro de Blue, enquanto ela a embalava com a mão em sua nuca.

 

Elas berravam em meio a um choro alto, nem sei quem estava fazendo que som. Apesar de animalesco aquele reencontro, ver aquilo mexeu com meu coração, tive que segurar uma lágrima minha.

 

—Desculpa mãe, me desculpa, me desculpa mãe… Mãe, me perdoa, me perdoa… — Lapis repetia incessantemente a mesma coisa.

 

É, no passado eu nunca pensei que fosse namorar uma  mulher que tivesse filhos. Sempre fugi de mulheres assim, não tenho paciência pra pimpolhos. Mas tenho que admitir, até que eu tô gostando.


 

——— *** ——— 


 

Eu precisava ver a White, então saí daquela festa de boas vindas, e fui direto ao hospital. Quer dizer, não tão direto, a Pink veio comigo e passamos numa numas lojas à caminho do hospital. Queríamos levar uns mimos

 

Compramos um balão grande de diamante para a White, levamos também vários balões transparentes com glitter dentro, e alguns balões de coração. Junto à uma pelúcia de um urso abraçando um ursinho.

 

Aquilo era extremamente extravagante, e desnecessário, mas a Pink me convenceu a comprar. Já o meu presente para a White, foi comprar o The New York Times do dia para ela ler, junto à um café descafeinado, junto com uma caneta esferográfica para ela fazer as palavras cruzadas do jornal.

 

—Ham… Que presente ridículo esse seu, "maninha" — Pietra falou, nitidamente com ciúmes — Que a melhor filha, vença!!

 

—Não sou filha da White, sinto muito… Isso tudo ainda é muito complicado para mim.

 

—Para de ser chata, cê tá adorando a ideia da mamãe ser sua mãe também — Pietra tava realmente com ciúmes, tinha nem como esconder aquilo.

 

— Não, eu tô surtando com tudo isso. A White é o meu pai biológico?! Ok, dá pra aceitar, mas meu pai foi o Beyaz, e ele me faz falta até hoje — Parei um pouco para olhar o cruzamento que passávamos — Mentiram para mim a minha vida inteira?! Ok, mas eu ainda não processei tudo isso. Eu não tenho tempo nem pra ficar brava, porque a White tá internada?! Siiimmm…. — Tive que parar o carro num acostamento qualquer, comecei a me sentir mal, do nada e não era seguro continuar dirigindo desse jito — E eu tô morrendo de medo agora, vc não faz ideia. Então eu nem quero pensar em per…. Não, eu me recuso a pensar nisso.

 

Me deu fadiga enquanto eu estava lá no banco do motorista, apertei minhas mãos no volante. Pink estava abraçada em meu colo, demorei a perceber isso.

 

—Tudo bem madrinha, eu também tô com medo — Pietra falou com tristeza na voz.

 

Demorei um pouquinho à voltar a mim, estava morrendo de medo de ver a White, debilitada, numa cama de hospital. Meu coração não estava preparado para isso.

 

Pegamos os balões e tudo mais, quase fomos barradas na portaria, mas por fim nos deixaram subir, de escadas, mas conseguimos chegar. A White só estava no quinto andar, e nós estávamos com o "bucho" cheio de bolo de boas vindas, e esporte não é exatamente o nosso forte… Enfim, nada de mais.

 

Só digo que, não me senti tão velha vendo minha afilhada tão ofegante quanto eu ao final da escadaria.

 

Ela estava no quarto 264, Jasmine estava ao lado da porta mexendo no celular, a mulher parecia acabada. Mas mesmo assim sorriu ao me ver.

 

—Yana… Ah, que bom te ver aqui, garota… — Ela sorriu pra Pietra também, então falou pra ela — Que balões bonitos, sua mãe vai gostar.

 

—Não tenta me bajular — Pietra falou com a cara fechada.

 

—Tudo… Bem?! — Jasmine falou sem graça.

 

—Como está a Blanca? — Perguntei prontamente.

 

—Teimosa, criticando todos os profissionais de saúde, resmungando da comida sem sal… E isso eu tenho que concordar, a comida aqui é péssima — Jasmine falava descontraidamente, rindo — Enfim, ela tá bem, só desconfortável. Entra lá, ela vai adorar ver vocês duas.

 

Jasmine empurrou a porta, já nos incentivando a entrar. Era um quarto bem grande, White não estava na cama; ela estava sentada numa cadeira do outro lado do cômodo, de costas para nós, olhando a paisagem através da janela aberta, estava usando um roupão branco. E aquela visão, me deu um pouco de calma, na verdade.

 

— Mamãe?! — Pink chamou.

 

Blanca logo se virou, e pareceu surpresa, eu diria, até perturbada com a nossa presença.

 

—Nossa… Yana?!... Pietra?!... — Ela ia se levantar quando nos adiantamos  e nos aproximando — Oh meninas, que surpresa e… E você, Yana, eu não esperava que você chegasse antes do ano terminar.

 

—Bom… Feliz natal então! — Falei meio sem graça — Eu estou aqui agora.

 

White estava no soro, e com os braços todos marcados de roxo e vergões bem feios, certamente de outras agulhadas. Mas sua fisionomia estava até boa, eu diria que ela até engordou um pouquinho (talvez seja o soro); estava corada, e com o cabelo preso em um coque ajeitado.

 

Pink lhe entregou os balões e o ursinho, White ficou com o ursinho em suas mãos e amarrou os balões na lateral da cama, para eles não  sumirem. White tomou o café que eu lhe dei em quase um gole só, e deixou o resto junto aos balões na cama.

 

Sentei-me numa cadeira qualquer que achei pelo quarto, enquanto White e Pink ficaram no sofá. Meu coração estava acelerado, e eu com certeza não sabia o que dizer. Apenas sorria para as duas e tentava controlar minha ansiedade.


 

—É, e tinha bolo, eu ganhei uma fita VHS de O Poderoso Chefão… Foi legal — Pink terminava de contar a reunião na casa da  Blue.

 

Eu estava tão distante, acho que a Blanca percebeu isso.

 

— E você Yana?! Como foi a viagem, o retorno? — A Blanca me perguntou.

 

—Então… É… Eu não, sei… — Respirei fundo — Perdão. Eu não sei o que dizer, eu só achei que seria bom te ver; mas eu ainda não sei o que fazer ou falar pra você.

 

—Tudo bem… Tudo bem… — White falou sem graça — Só de você estar aqui, já é ótimo.

 

—Boba!! — Pietra me repreendeu.

 

Pietra estava realmente com saudade da White, ela abraçou, e tagarelou bastante enquanto eu… Me sentia pior que a Lapis no closet hoje mais cedo.

 

Então Pink me ajudou, ela mexeu em seu bolso e então falou:

 

—Ixi, eu esqueci meu celular no carro, madrinha — Ela se levantou rapidamente, acho até que vi o contorno do seu celular através das curvas da roupa dela — Enfim, eu vou lá buscar e… E… Olha, eu já volto.

 

—Mas… Mas… — Tentei falar.

 

Pietra já estava na porta quando vi.

 

— Mas a chave do carro tá comigo, Pietra — Falei até suando frio.

 

—Ah, não precisa se preocu… — Ela já saía, quando voltou rapidamente — Pensando bem, eu preciso disso sim… — Ela voltou correndo e pegou as chaves em minha mão.

 

Depois voltou correndo e fechou a porta com força, fez um som alto; e nós ficamos lá dentro, como duas baratas tontas, em silêncio, sem saber o que fazer ou dizer. Minhas palmas das mãos estavam suando frio, estava muito nervosa sozinha com a White naquele quarto.

 

— Acho que ela quer que conversemos — White falou.

 

—Imaginei o mesmo — Falei meio seca — Então, como está?... Sabe, com a morte do sultão? e tudo...

 

White respirou fundo, então me olhou nos olhos.

 

—Estou triste… Muito triste, na verdade — Ela então sorriu — Mas ele me deixou um presente antes de partir, sabe.

 

—A nossa conversa aquele dia? Sabe, aquela que você me contou que "biologicamente" é meu pai — Perguntei meio sem graça.

 

—Isso também… Mas ele me devolveu uma coisa, que há muito tempo eu não tinha em minhas mãos.

 

—O que ele te devolveu?! 

 

—Olhe naquela caixa… —White falou sorrindo.

 

Havia uma caixinha sobre a mesa ao lado da cama, junto com uns remédios. Me estiquei, e facilmente consegui alcançar a caixinha. E ao abrir, me deparei com inúmeras cartas, fotos, e até fitas cassetes.

 

—O que é tudo isso?! — Perguntei meio sem entender.

 

—São minhas mensagens para meus filhos, fiz isso quando estava na Tailândia… Eu não sabia se iria voltar, nem o que seria da minha vida — White se levantou, e veio até mim, arrastando o suporte do soro pelo quarto — Eu escrevi isso pra você, para o seu irmão. E eu gosto dessas cartas, de tudo na verdade. Bom, se você não quiser falar comigo, e mesmo que nunca me perdoe pelo que eu fiz… Pelo menos, filha, leve a caixa. Ela tem todo amor do mundo… Pra você e o Zaffre.

 

Queria chorar, e foi muito difícil controlar isso. Olhei para o teto, respirei fundo e por fim disse calma:

 

—Eu não quero brigar com você, mas não me chama de filha — Falei desabando a chorar quando falei a palavra "filha" — Droogaa!

 

—Tudo bem, Yana — Ela sorriu muito meiga, e então vi uma lágrima bem contida rolar pelo seu rosto — É muita coisa mesmo.

 

—Demais… E… E… — Respirei fundo — Olha, eu amo você, tá legal?! Só que você mentiu pra mim e… e…

 

Ela me agarrou, seus braços não tinham tanta força, mas seu abraço era muito carinhoso. Bom, mais um abraço para a minha lista de hoje.

 

—Tudo bem, eu menti pra todo mundo, sei que não vai ser fácil voltar a ser o que era antes… Sabe, a gente. E eu aceito isso, acho.

 

Mordi meu lábio inferior, balancei minha cabeça em negativa e então falei segurando para que mais lágrimas não descessem pela minha face.

 

—Foda-se!! Nós não temos tempo a perder. E eu tô com medo de te perder, Blanca, e eu não posso te perder — Falei a empurrando (com jeitinho) para trás, e então olhei em seus olhos — Então… Deixa os traumas pra terapia, talvez a psicóloga. Só não me chama de filha… Por hora, mas eu não quero perder meu tempo estando de mal da senhora, ok?

 

—Ok… Tudo bem… — White me olhou de forma fria, um modo bem peculiar que ela me olha quando está emocionalmente exaltada… Mas se contendo por fora — Está sendo bem sensata…

 

—Você me ensinou bem, Senhora Blanca Diamond.

 

Ela sorriu de lado, então se sentou na cama.

 

—Pois bem, eu realmente ensinei… Sua mãe teria orgulho da mulher que se tornou.

 

—Você tem orgulho de mim, Blanca?! — Perguntei também me sentando ao seu lado.

 

—Bom, provavelmente desde que começou a usar o peniquinho sozinha — Ela falou sorrindo de lado novamente, ela estava tão contida, tão serena… Tão ela.

 

Deitei minha cabeça em seu ombro e então falei, mudando de assunto:

 

—Ah, deixa eu te contar. Lá em Toronto, a Blue saiu do armário pra mãe dela. E ela contou pra Nádia que ela é minha namorada também — Falei quase como uma criança manhosa.

 

—Sério?!! De que aquela bruxa te xingou?! — White perguntou animada.

 

—Não sei, não entendo Árabe. A Blue também não me disse. E também lá em Toronto, eu vi a Blue trabalhando na empresa dela, caramba, me deu até medo ver o empoderamento dela dentro daquele lugar. Por que nunca me contou que ela não era um peso morto?

 

—Pelas estrelas, Yana, ela nunca foi. Blue é minha discípula desde que se formou.

 

—Faz sentido… Muita coisa faz sentido, na verdade… — fiquei olhando o nada por um tempinho — Mas você tem que concordar que para a Diamonds Corp. ela nao estava fazendo muita coisa, mas eu sei hoje que é porque ela estava numa fase péssima da vida dela.

 

— E se eu não tivesse incentivado ela a sair de casa e trabalhar, talvez ela estaria pior hoje.

 

— Bem… Provavelmente sim — Olhei para baixo, pensando — Você é muito inteligente, Blanca. Tenho que admitir.

 

— Então, me conte mais da viagem… O que mais aconteceu?!

 

Abri um sorriso, coloquei minha mão sobre a dela e então, como não fazíamos há muito tempo, tivemos uma conversa descontraída. Sem falar de empresa, ou de lucro, nem de negócios. Só conversamos sobre as coisas aleatórias e que não tinham relação com nossos problemas.

 

Acho que naquele momento, só me veio uma música que a Pink colocou para tocar enquanto estávamos na casa da Blue hoje mais cedo.  Um trecho dessa música, na verdade, ele ecoava na minha mente sem parar.

 

“ É preciso amar as pessoas

Como se não houvesse amanhã

Porque se você parar pra pensar

Na verdade não há”

 

Pais e Filhos - Legião Urbana





 



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