História Não olhe para baixo garotinha. - Aquele sorriso

Karter se assustou com a rapidez que as semanas passaram. Já estavam em período de provas, o que deixou todos muito atolados. 
Com a chegada de uma grande prova de cálculo os alunos estavam deixando de comer durante os intervalos para passar um tempo  na biblioteca revisando um pouco mais a matéria. 
Os três - Karter, Ruby e John - estavam sentados na terceira mesa da biblioteca com vários livros de cálculo abertos e anotações por todo lado.
Passavam muito tempo juntos. Principalmente as duas garotas. Tinham se tornado grandes amigas. Infelizmente para Karter eram apenas amigas.
Karter estava sentada em frente a Ruby. Não podia deixar de reparar os movimentos que a mão da garota fazia ao escrever, ou a sua cara quando lia alguma coisa que não entendia. Ela era tão fascinante! As curvas de suas bochechas, os lábios rosados e carnudos sendo pressionados levemente por seus dentes. Ela queria morder aqueles lábios! Sentir aquela maciez com os seus.
-Cálculo é a pior matéria já inventada - cochichou Ruby.
-Não é tão ruim! Química é pior - disse Karter largando o lápis em cima do livro.
-Com certeza todas elas ganham - comentou John deitando a cabeça sobre os dois braços.
-Já cansei de estudar e ainda tem mais duas matérias para revisar - questionou Ruby
-Eu só queria minha cama - ecoou John da proteção dos braços.
-Eu quero é meus neurônios de volta - reclamou a menina, colocando os livros na mochila - Preciso terminar de revisar isso tudo - levantou a mochila com dois livros dentro e abriu o outro que estava do outro lado da mesa.
-Não entendo como você estuda tanto e ainda fica tão atolada. - falou Ruby.
-Tenho muitas coisas para fazer!
-Percebi. Você sempre tem coisas para fazer.
-Sou uma pessoa ocupada.
-Você tem duas vidas eh?
John levantou a cabeça, dando sinal de que estava prestando atenção na conversa.
-A Karter trabalha para o serviço secreto.
Os três começaram a rir alto, o que fez com que a senhora que cuidava da biblioteca fosse chamar a atenção deles. 
-Shiuu! Não posso tomar multa aqui! -Karter vociferou.
Ruby e John levantaram as mãos em sinal de rendição e voltaram a cochichar.
-Vou tentar estudar no Feriadão. Bom que ganho tempo.
-Nossa! Você não para nem no feriado Kay. Precisa sair.
-Tão sabendo da festa que vai rolar no sábado a noite? Vai ser na casa de um cara do time. Um amigo meu. 
-Fiquei sabendo. Você vai? - Ruby perguntou para o John enquanto Karter tentou fingir desinteresse. 
Os dois conversando sempre deixava Karter com um formigamento estranho no estomago, mesmo sabendo que ele tinha namorada e que nunca ia se declarar para Ruby, ainda tinha ciúmes dos dois juntos. Para ela estava claro que Ruby desejava o John. Ela sempre perguntava onde ele estava ou ficava meio sem jeito quando via ele com a Bruxarada dele.
-Quero ir. Vai ser mais legal se vocês duas forem. Kay? - foi tirada de suas paranoias quando ouviu seu apelido. Sim, John também tinha dado de chamar ela de Kay.
-Oi?
-Vai na festa sábado a noite?
-Não sei. Não está na minha lista de coisas para fazer. 
-Ahhhhhh vamos Kay -Ruby fechou as mãos implorando.
-Bebidas? Drogas e Sexo explícito? Não sou muito fã!
Ruby a encarou, com um olhar que Karter pode reconhecer como "sério?"
-John! Nós vamos! Nem se for puxando ela. - Ruby falou para o cara, que já tinha deitado de novo no ninho de seus grandes braços - Você nunca sai Kay. Ou está estudando ou fazendo sei lá que te deixa tão ocupada. Você vai!
Karter olhou para os dois indignada e depois se deu por vencida, levantando as mãos para o alto e falando 
-OK. Eu vou.

Quando chegou em casa teve a desagradável surpresa da sua madrasta na cozinha. Ela estava sentada mexendo no celular com a ponta dos dedos.
-Olá anjinho da mamãe.
-Não tem ninguém por perto para começar com a falsidade Joana.
-Nossa Karter. Eu não entendo você, tento ser legal, mas você só sabe me tratar mal? Como quer que eu retribua assim?
-Não retribua! Fica na sua. 
-Como é mal educada! Não te criei no gueto menina.
-Você não me criou - gritou com raiva e subiu para o quarto.
Ficou lá por muito tempo. Notou que estava tarde quando seu pai gritou do andar de baixo que havia chegado.
Quando notou já tinha terminado de revisar os três livros que precisava, o que a deixou muito feliz pois tinha adiantado muita matéria.
Sua noite de quarta foi tranquila, nada de Joana gritando igual louca, ou qualquer outra coisa.
Como era Feriadão, a Joana decidiu que ia viajar para a casa da irmã (ao contrário dela era um amor) e seu pai ia junto, deixando Karter sozinha em casa.
Estava no celular quando ouviu batidas na porta.
-Ta aberto! - seu pai apareceu no vão da porta.
-Oi Karter, já estamos indo. Certeza que não quer ir?
-Tenho pai. Estou atolada de matéria para revisar.
-Ok então. Tem dinheiro lá em baixo, se precisar, e a vizinha falou que qualquer coisa é só chamar ela.
-Ok.
-Se comporta - disse fechando a porta.
-OK
Ficou olhando a porta fechada por um tempo até notar que o visor do celular estava aceso avisando que tinha uma nova mensagem. Era da Ruby.

Ruby: Meu, aquele meme é muito ruim haha 
            To rindo até agora. Hshshshshshshhshss

Karter: vdd hahahhahahah
Ruby: Vai no jogo?
Karter: Acho que sim. Você Vai?
Ruby: Vou! Tenho que tirar as fotos lembra?
Karter: Pohh eh mesmo. 
            Esqueci que você eh enturmada na escola.

Ruby: Uhm claro
           Só quero credito pra faculdade.
           E eh bom ver os crushs pela lente. Uma desculpa!

Karter: Os?
Ruby: Kay inocente.
Karter: Sou nada! Eh que achei que crush só fosse um.
Ruby: Não no meu vocabulário.
Karter: MDS!
Ruby: hahahahaahah
          Vou tomar banho. Te encontro no jogo.
Karter: Ok Ok

Quando ia colocar o celular de lado viu que o John tinha mandado mensagem também.
John: Vai me ver jogar hoje?
Karter: Olha a ousadia da criança.
            Me convença a levantar da minha cama pra ter ver jogar!
John: Impossível te convencer a levantar daí.
Karter: Real! Não saio daqui por menos que comida
            hahahahaha
John: Te levo batata do Fritas.
Karter: Levantei! 
            Foi bom fazer negócios com vc.
Levantou da cama e foi tomar um banho. Quando voltou viu que John havia respondido. Ele mandou uma foto das batatas fritas que tinha acabado de comprar e uma legenda.
John: Foi tão fácil te fazer ir ao jogo.
Karter: hahahaha
            Ahhh bb eu já ia.
John: Porra Karter. Vou comer suas batatas.
Karter: Nãoooo John, não faz isso.
John: Não sou mau como vc.
Karter: Isso, vc eh um amor.
            hahaha
            Até o jogo...
John: Até!

Tinha marcado com a Ruby um horário para se encontrarem, então tinha tempo para se arrumar.
Quando deu a hora pegou seu celular e as chaves de casa, trancou tudo e saiu.
Encontrou a garota a alguns metros de sua casa. Ela estava mexendo em alguma coisa na câmera fotografica. Queria ficar parada onde estava observando ela daquele ângulo, estava tão linda.
-Já estou desistindo da ideia de ir. Posso voltar para casa? - Karter disse quando se aproximou da garota.
-Não! Você pode parar de reclamar, uma vez na vida.
-Impossível!
-Eu digo o mesmo para seu pedido.
As duas foram andando, seguindo a rua que dava a escola. 
Quando chegaram o jogo já tinha começado. Ruby teve que sair correndo para o estádio pois tinha que registrar todos os momentos. 
Como estava só foi mais fácil de achar um lugar na arquibancada para sentar. Não entendia muito do jogo, mas soube quando gritar e vaiar, na verdade só imitou o pessoal da sua escola.
Estava sentada, por pura coincidência, ao lado da menina que ela e o John estavam falando na aula de Química. Izzy Longh. Tinha lindos cabelos castanhos, muito bem cuidados e modelados, que fazia contraste com sua pele escura. Um belo corpo, como das modelos de fotografias, mas com muito mais peitos. Seus olhos eram de um tom castanho quase verde e estavam brilhando com a emoção do jogo. Com certeza era uma das meninas mais belas da escola.
Karter nunca tinha falado com ela, só tinha ouvido os boatos dos garotos pervertidos sobre a amostra dos peitos. Sentiu um pouco de vergonha quando percebeu que havia julgado mal a garota sem a ter conhecido antes.
-Você viu? Nossa foi quase - a menina ao seu lado disse enquanto apontava para o jogo.
-Desculpa! Eu não vi. Não entendo muito desse jogo.
-Ah. É bem fácil - disse e começou a explicar o jogo.
-Nossa! - gritou Karter - Foi quase mesmo.
-Sim. - a outra gritou indignada - Sou Izzy - abriu um sorriso como comprimento.
-Sou Karter - retribuiu o sorriso.
As duas conversaram por um tempo, interrompendo quando o jogo ficava interessante.
No intervalo do jogo Karter observou as lideres de torcida pulando e fazendo os negócios delas. No meio de tudo estava a Amanda que pulava e mandava beijinho com a mão para o John. O mesmo, depois de retribuir os "carinhos" da namorada, virou para a arquibancada em busca de alguém. Quando seu olhar achou o de Karter, deu uma piscadela e acenou. A garota retribuiu o comprimento mostrando o dedo do meio quando o mesmo levantou uma batata e comeu.
-Vadio - Karter deixou escapar sem querer.
-Você conhece o John? - a menina ao seu lado perguntou.
-Sim! Essa peste é meu amigo. 
-Ele parece ser bem divertido - ele estava sentado com uma garrafa de água na mão, observando sua hora de entrar no jogo.
Do tempo que conhecia o John, uns 12 anos, nunca tinha visto aquela feição séria nele, sempre foi animado, o que fazia de tudo para te deixar alegre.
-Ele é.
-Pena que tem namorada.
-Bruxarada - Karter não percebeu a correção saindo da sua boca.
A reação da Izzy foi rir, o que deixava meio claro que elas não eram amigas.
-Também não gosto daquela vaca. Ela é tão...
-Vaca?
-Sim - as duas riram.
Conversaram até o final do jogo. Karter ficou com remorso de um dia ter pensado mal da Izzy Longh, ela era uma garota divertida e alegre, nada parecida com a imagem que tinha formada dela em sua cabeça.
As arquibancadas estavam esvaziando. Havia sobrado poucas pessoas. Muitas delas só, como Karter, estava esperando alguém para ir para casa.
Ruby estava tirando as últimas fotos necessárias. O time todo parecia exausto, já não aguentavam mais nada.
Karter já tinha se despedido da sua nova amiga a um tempo. Também estava esgotada, tinha sido um longo dia de estudos, seu cérebro já não aguentava ficar aceso.
-Olha só quem veio ver eu arrasando hoje. - a voz mais irritante e aguda que já ouviu resolveu se manifestar.
Karter olhou para o lado e seus olhos bateu em uma estrutura magra  de preto e vermelho.
-Não sei por que utilizou o "Olha só" - imitou a frase da taquara - Se só tem eu e você aqui e arrasar? Seria legal mesmo ver você arrasar essa sua cara seca no chão.
A vadia riu e se aproximou.
-Cadê sua namoradinha Karter? Ela fugiu de você? Como eu fiz depois que você quis tirar minha inocência?
Karter cerrou os dentes.
-Vamos combinar Amanda que inocência é uma coisa que você nunca teve.
-E você nunca teve nada já que eu não quis corresponder esse seu amor nojento. - ela viu que tinha afetado e continuou - Eu não sei como o John ainda fala com você. Deve ser pena porque não tem outros amigos.
Ficou com tanta raiva da vadia que apertou seu punho até suas unhas machucarem sua palma.
-Vai se foder Amanda!
Depois de uma longa gargalhada a vadia desceu ao encontro do namorado.
Karter só viu que havia sentado de novo quando sentiu o banco em sua bunda. Anos sendo humilhada por aquela vadia e ainda se afetava.  
Observou John recebendo a namorada com um sorriso e um abraço de lado.
Se ele soubesse. Ah se ele soubesse como ela realmente era. E faria? Faria diferença? Mudaria alguma coisa? Sua sexualidade por exemplo? 
Pensou. 
Alguma coisa faria diferença?
-Vamos?
Aquele sorriso limpou sua mente, só conseguia olhar aquele sorriso.