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História Nem padre nem pajé - Capítulo 1 - Olhos de lua cheia.


Escrita por: Seokkie

Capítulo 1 - Capítulo 1 - Olhos de lua cheia.


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Estava à toa na vida 
    O meu amor me chamou 
Pra ver a banda passar 
Cantando coisas de amor 
 
A minha gente sofrida 
Despediu-se da dor 
Pra ver a banda passar 
Cantando coisas de amor 
 
O homem sério que contava dinheiro parou 
O faroleiro que contava vantagem parou 
A namorada que contava as estrelas parou 
Para ver, ouvir e dar passagem 
 
A moça triste que vivia calada sorriu 
A rosa triste que vivia fechada se abriu 
E a meninada toda se assanhou 
Pra ver a banda passar 
Cantando coisas de amor 

                                                                                    A banda – Chico Buarque 1966. 

  

 

 

 Durante a minha breve vida, tive a grandiosa oportunidade de reparar que a mesma sempre procurou trazer respostas à nos pobres seres humanos, fiéis, filhos de Deus, da terra, de sua digníssima mãe, ou seja lá como vocês queiram tomar a liberdade de vos nomearem, por meio de coisas no mínimo ambíguas.  

 Das quais eu como um relés menino filho da terra, nascido em tribo indígena em oca feita de palha bambu historias bonitas contadas em Yanomani e mais tantas outras coisas das quais julgaria certamente sem franzir a testa ou apertar demais os dedões nos suspensórios.   

 Infinitas vezes mais valiosas do que todo ouro no dedo das madames da cidade ou todo tijolo dessa tão estimada sociedade desse país que só fui ter a satisfação de descobrir o nome dado pelos homens que diziam serem donos da terra da qual eu achava erroneamente ser minha, para lá de meus oito anos de idade e que soará tão estranho quanto os arrotos que Yuma prezada parteira da tribo, e que modéstia a parte pode ter o prazer de ajudar a trazer um ser tão prestigiado como eu ao mundo, disparava de forma tórrida nos finais de noites de festa na tribo após se aventurar mais nos assados de onça do que seu grande ego podia permitir. 

 Como desde que me conheço por menino vermelho o que fui delicadamente negligenciado pela bela sociedade em que me encontrei vivendo de referir-me a minha própria pessoa como qualquer outra coisa. 

 Começando então, a reparar e a buscar respostas para as mais diversas perguntas que eu vinha a ter, em todas essas coisas que eu singularmente acreditava estarem nesse velho mundo não apenas para nos trazer algum conforto, mas também algum tipo de resposta.  

 Respostas estas que eu irremediavelmente sempre tentei encontrar nos mais diversos botões, frutos, e árvores que essa vida tem. 

 Seja nas matas silenciosas de terra molhada e textura ríspida das quais as solas já rachadas de meus pés ainda jovens pareciam gostar tanto.  

 Nos ensinamentos contidos nas lendas e histórias bonitas que o pajé Ihiru  contava de noite para os pequenos Yanomanis espoletados que se recusavam devotadamente a irem dormir.  

 Nas longas missas de domingo dadas pelo Seu bispo José quando o mesmo atravessava o rio para celebrá-las á nossa comunidade. 

 Eu sempre tive uma grande estima pelo Seu José, ele sempre mandou eu seguir aquilo que botava um sorriso na minha boca. 

 Das quais comecei a frequentar, com os outros Yanomanis, no início por serem regadas á comidas engraçadas das quais o nosso pajé dizia serem frutos da besta do mau que empertigava as matas e destruía as colheitas. 

 Porém depois por todos aqueles quadrados engraçados que descobri posteriormente terem o nome de livros, dos quais eu admirava enfileirados de um jeito bonito, nas pequenas estantes brancas da escola nos fundos da paróquia em que as irmãs davam aula e catequese aos nem tão afortunados como pensara meninos brancos e crianças da tribo. 

 Seja nos próprios livros dos quais pude ter a felicidade de começar a desvendar as pequenas letras negras ali alinhadas, bem antes do que qualquer outro menino da tribo, talvez por minha inocente curiosidade despejada sem misericórdia nas irmãs encarregadas de nos acompanharem até certamente a hora mais esperada por toda a leva de crianças da tribo em suas aventuras dominicais no mundo dos brancos.  

 A batizada hora do almoço, é que elas tenham se compadecido com toda minha curiosidade a cerca daqueles quadrados dos quais eu achei inicialmente serem feitos de barro, e me ensinaram a ter o dom das mesmas para finalmente poder quem sabe. 

 Achar todas as minhas respostas por meio deles. 

 Ou nas diversas ervas de cura e todos os rituais que eu pude ver desde menino muito novo, quando ainda não falava a língua de Monteiro Lobato nos contos de narizinho, que até hoje ocupam um lugar gostoso na minha memória.  

 Ou até mesmo nas curvas de Uíre filha do pajé mais sábio e com todo respeito biruta desse mundo todo das quais comecei a reparar em nossos últimos banhos pelo rio pela mais pura e controvérsia curiosidade.  

 Em todos esses lugares eu nunca pude encontrar nenhuma mera resposta convincente sequer a cerca de um pequeno menino de olhos grandes, nem índio nem branco, nem Yanomani nem burguês, nem padre nem pajé. 

 Um menino que quando vi pela primeira vez aos doze anos de idade me fez esquecer da hora de depositar meus joelhos no chão como todo bom indígena reeducado pelos cristões a adquirirem suas crenças por que aparentemente outras religiões nascidas verdadeiramente da terra sem a influência do dinheiro ou da bela separação que temos de classes e cores, nunca foram tão importantes assim. 

 O que me fez tomar um belo tapa estalado na nuca de irmã Berenice por não respeitar a benevolência ao santíssimo senhor de todos a minha volta. 

  Ajoelhei com o peso da mão de minha amada irmã na nuca, porém infelizmente ao invés de entoar mentalmente a prece que haviam me ensinado na catequese, fiquei pensando nos olhos daquele menino, em como eram grandes e parecidos de uma forma semelhante porém diferente com os olhos dos bebês que costumavam nascer na tribo em dias de lua cheia. 

 Em como eram engraçados pelo fato de se parecerem com algo do qual pensava já ter visto em alguns de meus delírios entre as matas nos dias de banho com as outras crianças e os olhos que eu via em meio ao povaréu de pessoas na igreja em dias de quermesse. 

 Quando o sino na mão do acólito se fez presente no silêncio da pequena igreja e prostrei meus joelhos retos em frente ao banco de madeira ao me levantar, esperando ansiosamente ver dentro dos meus olhos mais uma vez o menino de olhos engraçados de lua cheia, já não o tinha mais dentro deles como antes, o que me deixou com um sentimento estranho no pé da barriga, uma vontade engraçada de sair correndo e procurando pelo pequeno menino. 

 Ainda lembro me perfeitamente do momento em que decidi posicionar meus pés dentro dos sapatos de lona presenteados à mim carinhosamente por irmã Berenice, em frente a soleira que dava para a entrada da modesta sala de catequese nos fundos da igreja, e pude ver ele, o menino de olhos de lua cheia. 

  Ao lado do mesmo havia um homem alto e lustroso com feições semelhantes as suas a conversar com uma das irmãs, em trajes de aparência boa e resistentes daqueles que os meninos brancos compravam na cidade para irem ás quermesses, o que fez os botões de minha cabeça de menino novo já meio embaraçados por viver entre índios e brancos ainda mais confusos por não conseguir compreender de onde exatamente aquelas pessoas das quais olhava curioso pertenciam.  

 Pois na minha cabeça de ideias meio confusas de quem ainda está começando a viver, ou arrisco me a dizer de muitos que já beiram anos de vida suficientes para terem descoberto como verdade o contrário, ricos e bem-vistos eram os brancos, os demais eram apenas demais os guerreiros mais fortes e com a caça mais farta ficavam com as índias mais bonitas e de pais mais sábios, ou os rapazotes mais ricos e mais elegantes em cima de um cavalo casavam-se com as moças mais formosas e prendadas da igreja.  

 Ledo engano penso hoje. 

 A verdade, era que o menino e seu pai vinham de longe, fugindo dos vestígios de uma tal de guerra da qual eu só fui ter o infortúnio de saber seu gosto, do qual ainda reside com o mesmo amargor em minha boca, alguns anos mais tarde. 

 

 

São Gabriel da Cachoeira – Amazonas.

Escola Católica da Prefeitura Apostólica do Rio Negro 1967. 

 

— Do Kyung Soo.

 A pequena sala irrompia em risadas baixinhas enquanto a velha Irmã Maria em seu hábito marrom lançáva-nos um olhar feioso e pedia silencio  balançando exageradamente sua palmatória. 

 

— Silencio crianças silencio!. - Dizia batendo o objeto de madeira na pequena mesa onde se sentava majestosamente nas aulas de geografia as terças. - Diga seu nome de novo, por favor. 

— D..do kyun...k..kyung. 

 As risadas voltavam a ecoar mais fortes como se aquela fosse a coisa mais gozada do mundo. 

 Um menino pequeno de olhos graciosos e nome engraçado na frente da sala torcendo seus pés de um lado para o outro enquanto apertava fortemente sua bolsinha também pequena nas mãos. 

 E era mesmo, não sei dizer se por esses fatos ou pela forma como eu sentia vontade de sorrir enquanto olhava atento a figura do outro da forma que não costumava me atentar enquanto sentado nas cadeiras enfileiradas para ouvir as explicações sobre bons modos das irmãs ás aulas de matemática e muitas vezes aos sermões nos finais das missas de domingos. 

 Posso afirmar que aquela aula de geografia foi o primeiro de muitos dias. 

 Em que tive minha atenção roubada não apenas pelos livros de contos e poesia enfileirados nas prateleiras no fundo da sala, pelas comidas espalhadas em cima da mesa da paróquia ou pelas palavras das histórias contadas pelo Pajé. 

 Mas por uma gozada vontade de sorrir. 

  

 

Já conheço os passos dessa estrada 
Sei que não vai dar em nada 
Seus segredos sei de cór 
Já conheço as pedras do caminho 
E sei também que ali sozinho 
Eu vou ficar, tanto pior 
O que é que eu posso contra o encanto 
Desse amor que eu nego tanto 
Evito tanto 
E que no entanto 
Volta sempre a enfeitiçar 
Com seus mesmos tristes velhos fatos 
Que num álbum de retrato 
Eu teimo em colecionar 

Chico Buarque 1968. 

 

 

 Ora se já não ia me esquecendo. 

 Me chamo Mothokariwe Jongin Iru, Mothokariwe de espírito do sol Jongin de pertencente aos céus e Iru de domado pela lua. 

 Devo acrescentar que esse último significado acabou sendo ironicamente verdadeiro em minha vida. 

 



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