História Nós - Passados I

Àquele dia, Sakura acordou e ficou alguns minutos encarando seu teto. Depois levantou-se e seguiu automaticamente para o banheiro, onde ficou mais um tempo encarando seu reflexo no espelho.

Sua mente estava vagando por flashbacks e mais flashbacks dos mais variados tipos, dela quando chegou àquela cidade para cursar faculdade, de quando conheceu Ino e o resto da turma, do seu início de namoro com Gaara, de como estava indo mal em algumas matérias.

Não havia um motivo exato que fez a Haruno acordar resoluta daquela forma, ela simplesmente despertou assim. O que havia acontecido com aquela Sakura animada de dois anos atrás? Aquela garota sonhadora cujo o único problema foi saber que teria matemática em seu horário de aula?

Ok, é claro que não seria sempre mil maravilhas, a faculdade era estressante às vezes, mas ela precisava mesmo manter um namoro que não evoluía em nada? Precisava continuar sendo uma animadora, sendo que ela nem mesmo se sentia animada para se apresentar?

Não, ela não precisava e acabaria com aquilo antes que aquela semana acabasse.

A Haruno precisava organizar sua vida. E começaria pelo mais simples.

...

A primeira coisa que Sakura fez quando chegou na faculdade foi ir falar com Ino e as demais garotas que faziam parte da equipe de torcida.

Ela fora avisada na noite anterior; quando chegou do teatro e ligou o celular e lá estava sua convocação. O time de lacrosse da faculdade ia ter um grande último jogo antes do início das provas.

Ela leu a mensagem sem um mínimo de animação, nada do que sentia antes, nas inúmeras mensagens do tipo que recebia e ficava contando os minutos para o dia dos jogos chegarem.

Sakura as observou quase no meio do campo gramado, estavam sentadas em círculo, enquanto cada uma falava algo animador para todas. Elas sempre faziam aquilo antes dos treinos e apresentações.

Ela não conseguia mais se ver ali, entre elas. Olhar aquilo e se imaginar ali estava se tornando uma imagem embaçada na mente da Haruno.

Apesar dos pensamentos de desistência, ela forçou um sorriso quando foi avistada por Ino.

— Hey, sumida!

Sakura lhe deu um abraço e depois acenou para as outras garotas.

— Animada para daqui três dias?

— Hm, bem... Na verdade...

As palavras estavam na ponta da língua. “Eu vou sair” Era o que queria dizer. Mas ficou imaginando o olhar de desaprovação que ganharia de todas ali, mentiu:

— Eu estou a uns dias morrendo de cólica. Até marquei consulta e alguns exames para saber o que é.

— Uai, você não tá grávida, não é? — Uma garota exclamou.

— Vai cuidar da sua vida, Matsuri. — Ino revidou, e logo voltou sua atenção para Sakura, pegou a mão da amiga e a puxou para longe. — Então você não vai apresentar?

— Acredito que não.

— Está doendo muito? — Para crédito da Yamanaka ela parecia genuinamente preocupada.

— Apenas incomodando bastante. Eu só vim avisar pessoalmente, muito provavelmente irei sair da equipe.

— Que droga, Sakura, somos amigas, você sumiu esses dias se eu soubesse que estava doente teria ido visitar você.

— Obrigada, mas começou agora, não se preocupe.

Ino continuou:

— E sinceramente não estou surpresa com sua saída, já faz um tempinho que você está meio que cagando pra isso.

Sakura suspirou pesadamente, mas manteve-se calada. Era verdade, ela já havia perdido o interesse há algum tempo, tentava sempre convencer a si mesma de que ainda era divertido, quando tudo o que queria era que cada apresentação acabasse logo.

Ino, que ainda segurava sua mão, apertou levemente.

— Você não está mesmo... grávida?

— Não, absolutamente não!

— Então quer dizer que você e o Gaara continuam, você sabe... sem transar? — Falou a última palavra em tom mais baixo.

A Haruno suspirou.

— É complicado...

— Sim ou não?

— Sim, continuamos.

— Ai meu Deus, se você ficou com outro cara e agora está esperando um bebê...

Dessa vez Sakura teve que rir. Olha só no que sua mentira estava a levando.

Ela pegou a outra mão livre da amiga com a sua.

— Ino, Eu. Não. Estou. Grávida. Ok? Nem do Gaara, nem de ninguém.

— Você não esconderia nada de mim, não é?

A rosada olhou em seus olhos enquanto respondia:

— Não. Eu vou terminar com o Gaara.

Os olhos azuis da loira se arregalaram.

— Mas porque assim do nada? Vocês brigaram? Você descobriu alguma coisa?

— Só não dá mais mesmo. — Sakura olhou suas mãos entrelaçadas, e voltou a encará-la. — Você perguntou se eu não esconderia nada de você, então estou te contando de antemão. Mas e você, Ino, esconderia algo de mim?

A Yamanaka também a encarava de volta quando respondeu:

— Claro que não.

No entanto, diferente dos de Sakura, os olhos de Ino vacilaram.

— Eu tenho que ir. — Elas soltam as mãos.

— Ok. Melhoras e se cuida!

Sakura apenas concordou então Ino voltou para o círculo de meninas.

— Ah e vê se reponde minhas mensagens! — A loira gritou quando Sakura já estava um pouco distante e recebeu um joinha em resposta.

Já longe, a Haruno pescou o celular da bolsa, havia mais uma segunda coisa ela tinha que achar coragem para fazer. Desbloqueou o aparelho e procurou pelo contato de Gaara, para sua surpresa já havia uma mensagem intitulada [MEU RUIVO], ele estava a chamando para jantarem juntos àquela noite. Respondeu uma confirmação para o namorado e voltou a guardar o celular depois seguiu, resoluta, para sua primeira aula.

[...]

O dia passara normalmente para Sakura. Exceto as aulas que tinha com Ino, pois a loira ainda a enchia para saber o motivo de seu iminente rompimento com Gaara.

Para desviar de um assunto sobre algo que ainda nem havia acontecido, Sakura a questionou sobre a reação das garotas com sua saída da equipe, e Ino respondera que fora semelhante à dela, ou seja, fizeram pouco caso.

A Haruno então percebera que estivera fazendo tempestade em copo d’água, afinal ela não era tão importante assim para aquela equipe e seria substituída facilmente. Melhor assim.

Ao final da última aula antes do almoço, Ino saíra apressada pois se atrasaria para o ensaio, então Sakura seguiu para o Free’s, ao que tudo indicava ela iria almoçar sozinha. Ela ainda pensou em convidar Sasuke para almoçarem juntos, mas no meio de uma de suas aulas ele lhe mandara uma mensagem avisando que não poderia fazer monitoria aquele dia pois ele tinha um projeto para fazer, então não quis incomodá-lo.

Ah, Sasuke, quando chegou na porta de entrada do estabelecimento, uma lembrança atingiu Sakura: o dia que se encontrara ali com o Uchiha. Parecia ter sido a uma eternidade! E pensar que aquele rapaz sério e distante era na verdade tímido e prestativo.

A noite anterior no teatro ainda estava fresca em sua memória. Até riu em casa sozinha depois que chegou, relembrando seu fiasco ao “acaricia-lo” erroneamente. Errar nunca havia sido tão bom, pois sempre que ela errava um sinal, Sasuke fazia questão de segurar as mãos nas suas e guiar seus dedos para que formassem a forma correta. Ele era tão paciente.

Para Sakura era tão excitante gesticular e ver que ele entendia e mais ainda quando ele gesticulava e ela entendia. Ela precisava aprender língua de sinais, e logo!

A cabeleira loira de Naruto Uzumaki chamou sua atenção, tirando-a dos pensamentos. Ele estava em pé no balcão, aguardando ser atendido. Ela se aproximou e tocou-lhe no ombro coberto por um moletom laranja.

— Você está viva! — Naruto exclamou imperativo e logo depois a abraçou de lado.

— Viva e morta de fome.

— Eu também, e hoje tá lotado.

Sakura apoiou-se de costas no balcão e olhou todo ao redor, realmente todas as mesas estavam ocupadas. Os dias estavam sendo quentes apesar da época do ano, mas aquele dia em especial estava frio, o que fazia com que mais gente procurasse o calor de um ambiente fechado.

A própria Haruno também usava seu moletom preto preferido.

— Você já pegou uma mesa?

— Que nada, vou pedir e procurar algum lugar lá fora pra ficar, tá afim?

— Claro.

Naruto chamou a atenção de Kiba que estava não muito longe, na parte de dentro do balcão.

— Diga.

— Cara, você já aproveitar a adicionar o pedido da Sakura junto com o meu? — O Inuzuka confirmou.

— O que você vai querer, Sakura?

— O mesmo de sempre, obrigada.

— Só mais uns cinco minutos, beleza? — E entrou na cozinha.

Sakura acenou e decidiu sentar na banqueta ao lado de Naruto enquanto esperava, ela continuava de frente para o mar de pessoas nas mesas. Seus olhos pousaram no lugar onde ela sentara com Sasuke e então aquele momento estranho lhe veio à mente, da hora em que o Uzumaki a surpreendeu gesticulando para o Uchiha.

Quando ela lhe questionou se eles se conheciam, Naruto apenas disse vagamente que eles já haviam sido vizinhos, depois daquele dia não tocaram mais no assunto.

— Naruto? — O Uzumaki apenas resmungou, pois estava atento à tela de seu celular. — Desde quando você sabe Língua de Sinais?

O loiro não respondeu de imediato, continuou digitando freneticamente, depois parou como se esperasse a resposta para sua mensagem, então digitou novamente, para enfim bloquear o aparelho e guarda-lo no bolso.

— Hmm, já que falou disso... Desde quando você sai com o Sasuke?

— De onde você conhece o Sasuke?

Naruto suspirou.

— Eu te disse a gente já morou um do lado do outro.

— Aliás, quem foi que te ensinou Língua de sinais?

— O Sasuke, a gente era amigo.

— Sério? Eu não fazia ideia da existência dele até esse mês.

— Pois é. Eu também não via a ele a algum tempo... Quer dizer, eu via, mas a gente não interagia há uns seis anos.

Naruto suspirou novamente. Uma sucessão de lembranças de sua infância invadindo sua mente.

— Eu quero aprender Língua de Sinais e você vai me ensinar. — Não era um pedido, mas uma afirmação.

— Por que está interessada nisso?

— Ele é meu monitor de matemática

— E por que você não pede pra ele te ensinar?

— Eu pedi e ele tá me ensinando. Mas já quero saber algumas coisas antes, sabe?

— Isso não faz sentido.

— Eu sei. Mas não é pra fazer sentindo, é pra você me ensinar!

Ela sabia que ele cederia, depois de Ino, Naruto foi a primeira pessoa com quem realmente fez amizade quando chegara na cidade. Nos quase três anos que se conheciam, Sakura já tinha livrado a cara dele de poucas e boas.

— O que eu não faço por você, hein anãzinha?! — Naruto exclamou, bagunçando o cabelo da amiga.

— O que eu não faço por vocês! — Retrucou Kiba surgindo com uma marmitinha em cada mão. Antes de Sakura chegar, Naruto pedira para embrulhar para viagem. O loiro pegou as duas.

— Obrigada, Kiba! — A Haruno agradeceu enquanto o Uzumaki seguia para o caixa.

...

Concidentemente, Naruto e Sakura foram parar na pracinha onde Sasuke e ela praticaram dias atrás.

Sentaram em uma das muitas mesinhas que os idosos usavam para jogar cartas ou damas, ou xadrez e sentaram-se. Deram algumas garfadas em seus almoços, até Sakura não se aguentar mais:

— Beleza, qual a história de vocês dois?

A Haruno estava ficando cada vez mais curiosa para saber sobre a relação de seu amigo com o Uchiha. Saber que eles eram vizinhos era uma coisa, mas descobrir que foram amigos a ponto de Sasuke ensinar Língua de Sinais para Naruto era algo totalmente novo.

E também a ideia de que Sasuke e ela tinham um amigo em comum era empolgante.

— Como você já sabe, Sasuke e eu éramos vizinhos. Eu mudei pro lado da casa dele quando ainda era criança. A gente virou amigo depois que ele começou a me ensinar um monte de coisas na Língua de Sinais.

Havia peso em suas palavras.

— Você foi a primeira pessoa que ele ensinou?

— Sim.

— A gente encontrou uma casa na árvore abandonada, e íamos sempre lá. Um dia, quando tínhamos uns quatorze anos, nós dois e mais uns amigos estávamos lá, quando a galera resolveu pregar uma peça.

O Uzumaki lembrava daquele dia exatamente como se estivesse o revivendo, o pesar que sentiu enquanto contava a história daquele passado era o mesmo que sentira anos atrás.

— Nós todos descemos e tiramos a escada e deixamos Sasuke lá dentro. Ele tinha medo de altura e só ia porque eu o chamava. Eu gesticulei que voltaríamos logo, e que era pra ele esperar.

“Ele vai conseguir descer, todos disseram. E realmente dava pra descer, mas não para Sasuke que tinha medo. Ele também... não poderia chamar ninguém, não sabia formar palavras, e só raramente soltava alguns sons aleatórios, quando ria por exemplo.”

Sakura não estava mais comendo, se estivesse teria se entalado com a comida ao ouvir tal revelação. Interrompeu Naruto:

— Ele o quê? Ele pode falar? Mas  Naruto, nunca ouvi ele soltar nenhum som, até a risada dele é muda.

— Deixa eu terminar por favor?

— Desculpa...

— Fui acordado no meio da noite pelo meu pai. Os pais e o irmão estavam lá embaixo, procurando por ele. A mãe dele estava chorando e tudo. Ela perguntou por ele, disse que ele não tinha voltado desde aquela manhã quando saímos juntos.

O Uzumaki recorda daquela noite como se a estivesse revivendo. Havia sido um péssimo amigo, e um covarde também.

— Contei sobre a casa e meus pais e os deles, todo mundo foi pra lá. Foi o pai dele quem subiu e encontrou Sasuke lá dentro. Ele tinha passado o dia todo lá, sem comer nem beber nada. Eu não conseguia olhar ele nos olhos naquele dia. Ainda não consigo.

As lágrimas que Sakura nem percebia desciam por seu rosto. Ela os secou com a manga do moletom.

— Os  pais dele proibiram vocês de serem amigos?

— Não, logo depois disso os pais dele... — Naruto suspirou pesadamente. — Você não sabe, não é?

— O quê? O que Naruto?

— Sakura... os pais do Sasuke foram mortos em um assalto pouco tempo depois disso. Foi quando ele parou de falar.

Enquanto limpava seu rosto com a manga do moletom, a Haruno pensou em Sasuke: em seu rosto, seus olhos, seus gestos. Tudo indicava que o Uchiha era uma pessoa introvertida, no entanto, ela jamais imaginou que talvez ele nem sempre tivesse sido daquele jeito.

Sakura pensou sobre o sorriso dele: não era apenas silencioso, era um sorriso lindo e triste.

Naruto contou para a Haruno tudo o que sabia sobre o caso. Ele queria que Sakura compreendesse do que tratava se relacionar com Sasuke. Não queria que ela fosse filha da puta com o Uchiha como ele mesmo foi.