Busan, Distrito, Cantina do Distrito, Quarta-feira 12:20h
POV HOSEOK
— Ah, eu realmente senti falta disso! — exclamou Namjoon da ponta da mesa de aço inoxidável da cantina do Distrito.
— Há quanto tempo não juntamos as mesas até conseguir colocar todos sentados juntos? — perguntou Yoongi e eu sequer fazia ideia de quanto tempo, apenas sabia que era muito.
— Tanto que eu sequer me lembro — brinquei e recebi uma batata frita no rosto, atirada por Yoongi.
— Todo engraçadinho, Hope hyung — riu Jimin.
— Pronto pra outra, Jimin — sorri para ele — Porém, é como minha prima disse, não farei.
— A gente acha bom mesmo! — protestou Taehyung ao meu lado.
— Isso aqui não é o mesmo sem você, chefe — sorriu Jackson e eu sabia que eram palavras muito verdadeiras, pelo seu sorriso gentil e calmo — É um porre não ter quem irritar.
— Me irrita que eu te mando pro almoxarife!
— Ah, as velhas ameaças estão de volta! Bem melhor do que treinar recrutas.
— Com licença, querido, eu sou a nova treinadora de recrutas! — Lisa gesticulou com uma batata entre os dedos — E, sério, eu prefiro estar lá do que com papéis. Eu sou alérgica.
— Alérgica a papel? — perguntei.
— Alérgica a salas trancadas. Admiro muito quem consegue trabalhar com burocracia, isso definitivamente não é pra mim.
— Dizem que é um dom — Bambam riu, afinal, ele trabalhava muito mais internamente agora.
Era bom ver todas aquelas pessoas comendo juntas, brincando e se irritando. Enquanto comia, observava todos eles, até que algo muito estranho aconteceu; me lembrei de um momento parecido, numa mesa menor e com menos pessoas. Jungkook não estava ali, Taehyung ocupava meu lado, Jimin o outro, Namjoon, Jin, Yoongi. Nós conversávamos sobre qualquer caso enquanto comíamos, estávamos… falando sobre o casamento de Yoongi.
O campo era cheio de pequenas flores, o tempo estava bom, havia poucas pessoas nas cadeiras douradas e uma chorosa mulher com os olhos muito parecidos com os de Jimin estava tentando se conter com o lenço. Yoongi vestia roupas simples e brancas, muito bem alinhadas em seu corpo, enquanto Jimin preferiu um cinza muito claro. Namjoon e Jin estavam vestidos com o mesmo tom rosa pálido, os quatro diante de um juiz de paz.
E eu ali, vendo tudo de um lugar privilegiado, o de padrinho. Senti uma forte dor em minha cabeça, tanto que deixei de comer para colocar a mão sobre o curativo discreto, o que chamou a atenção de todos na mesa.
— Hope? Você está bem? — perguntou Jungkook, um tantinho preocupado.
— E-eu não sei. Me deu uma dor de cabeça forte, mas já está passando — olhei para Jimin — Por que você se casou com roupas cinzas?
Logo o sorriso veio e seus olhos viraram risquinhos, a risada dos demais acabou por me dar alívio, mesmo que eu não entendesse bem o motivo.
— Você se lembrou do casamento? — perguntou Yoongi.
— Eu me lembrei de nós conversando nessa mesma mesa, sobre o seu casamento. E então, eu me lembrei de um campo muito bonito, um tempo agradável e vocês quatro em um altar de flores, os Namjin de roupas rosa, você de roupas brancas e o Jimin de cinza.
— Eu ia me casar de preto, Yoongi não deixou.
— Pelo menos no nosso álbum de casamento eu queria ver outra cor. Você só usa preto, Jiminie.
— Mas eu gosto de preto! — sorriu o rapaz — Você já recuperou outras memórias depois do ferimento?
— Um fragmento ou dois, essa foi a maior até agora.
— Se essas voltaram, outras podem acabar voltando — sorriu Jungkook — Logo você terá a maioria das suas lembranças de volta.
— Eu espero que sim. Vamos comer e falar com Minseok, pode ser que ele tenha boas notícias pra nós.
Terminamos de comer e ainda nos demoramos um pouco a nos despedir de todos, até que voltaram aos seus afazeres e nós seguimos caminho pelo Distrito, atrás de Minseok. Aquelas paredes claras eram muito familiares para mim e me sentia confortável ao caminhar por elas, observando as salas. Uma em específico chamou a minha atenção: a sala de segurança.
Parei em frente àquela sala específica e observei seu interior, memórias de um Jungkook puto e um Taehyung me entregando uma camisinha, eu nos tranquei ali dentro, rasguei a sua camiseta, o prendi com as algemas, o fodi com força sobre aquela bancada escura.
— Hope? — Taehyung me chamou, ouvi a risada de Jungkook logo depois.
— Se lembrou de quando quebrou a sua principal regra, Hope hyung?
— A gente realmente fez isso? Quero dizer… eu lembro de você, sobre aquela bancada.
— Sim, Hope… nós fizemos.
— Jungkook estava puto porque invadiram o sistema em um teste de segurança, ele estava descontrolado e gritando com todo mundo, então eu lhe entreguei uma camisinha e o mandei ao encontro do Jeon — Taehyung explicou num sorriso.
— Foi muito bom, devíamos fazer de novo — sorriu Jungkook.
— D-devíamos? Isso foi errado em vários e vários níveis — reclamei, erguendo as sobrancelhas.
— Por isso foi tão bom — ele retornou segurando o riso, a ponta da língua a forçar a parte interna da bochecha.
Senti meu corpo esquentar e fui obrigado a desviar o olhar.
— Vem, vamos falar com o Minseok.
Eu, Jung Hoseok, transei com meu chefe de segurança, na sala de segurança. Céus, eu realmente havia mudado muito.
Busan, Distrito, Sala do Minseok, Quarta-feira 14:00h
POV HOSEOK
— Devo dizer que os seus exames estão muito bons — comentou Minseok ao guardar as chapas que eu havia levado para ele — Como está se sentindo?
— Frustrado, queria me lembrar desses anos. Fora isso, eu estou bem.
— Já teve alguma lembrança desde que retornou? — perguntou o rapaz de cabelos castanhos, sendo que eu me lembrava dele loiro. Jungkook e Taehyung achavam melhor me esperar do lado de fora, então, eu entrei sozinho.
— Alguns flashes ao fazer algumas coisas que eu já fazia antes, porém, hoje eu me lembrei de mais coisas. Estávamos sentados na cantina, conversando, e então eu me lembrei de um outro momento, fazendo o mesmo. Me lembrei de falar com Yoongi e Jimin sobre o casamento deles e então consegui me lembrar de alguns flashes da cerimônia. Principalmente a roupa cinza do Jimin.
— Eu vi as fotos — Minseok riu — É claro que ele colocaria algo assim.
— E também… me lembrei de algo enquanto andava pelos corredores. Algo… relacionado ao Jungkook — contei sem muitos detalhes, um tantinho envergonhado.
— É? Por onde passaram?
— Pela sala de segurança.
— Então você se lembrou da vez que vocês transaram na sala de segurança? Você me contou isso, Hoseok. Tente se lembrar, um dia depois, nesta sala.
Encarei o castanho, eu sempre confiei demais no psicólogo, não era estranho que eu tivesse lhe contado, porém, eu não me lembrava. Minseok colocou os pés sobre a mesa e cruzou os braços.
— Qual o problema? Pelo que eu sei, aquela é a melhor sala pra se fazer isso — ele disse e depois mudou seu tom de voz para algo mais grave — Minseok, eu transei em expediente, tem ideia do quanto isso é errado? Hoseok, isso é errado, você sabe que é, porém teve seus motivos, certo?
— Certo — respondi.
— Se martirizar não vai desfazer a transa e…
— E nem fazê-lo se sentir melhor. É claro que os cuidados foram tomados, mas… resolva seus assuntos fora do Distrito e não se culpe demais pelo que fez. Pelo menos foi bom, certo? Jungkook está sob controle agora — eu disse as exatas palavras que me lembrava dele ter pronunciado naquele dia.
Minseok abriu um sorriso enorme e muito bonito.
— Você se lembrou exatamente das minhas palavras! O que eu estava vestindo?
— Uma camisa azul clara por baixo do jaleco.
— O que tinha na minha mesa?
— Um pacote de doce, papéis e… os papéis de adoção.
Num estalo me lembrei de várias conversas, o que fez minha cabeça doer, porém, eu estava feliz de ter me lembrado de algo tão significativo para ele.
— Me diz que você conseguiu adotar!
— Kim Jean, um garotinho de cinco anos. Sete, agora — ele me mostrou uma foto que estava emoldurada em sua mesa; ele, Chen e o garotinho em seu colo, agarrado a um coelho de pelúcia — Esse coelho foram vocês que deram à ele. Meu filho sequer me deixa lavá-lo.
— Ah, Xiu… porra, eu estou feliz demais por você!
— E eu feliz que tenha se lembrado, seria estranho eu chamar pro aniversário e você não se lembrar que eu tenho um filho.
— Seria estranho pra ele também — sorri um tanto tímido, imaginando o quanto Chen estava feliz com aquilo.
— As notícias não podiam ser melhores, Hoseok! Aparentemente, você consegue se lembrar de algumas coisas usando um gatilho. Eu reproduzi minhas palavras e as suas enquanto me sentava exatamente da mesma forma e você conseguiu se lembrar.
— Significa que eu vou recuperar todas elas? — perguntei animado.
— Talvez, acredito que a maioria sim. O importante é você não forçar isso, tem que vir naturalmente. Eu sei que causei um pouco de dor quando forcei que você se lembrasse, eu recomendo que evite. Deixe seu corpo relaxado e sua mente vagar, assim as memórias virão gradativamente. Seu corpo se recuperou bem, seus amigos impediram um quadro de desnutrição e desidratação, sua mente a todo momento ficou sã e você não se deixou abater pelo horror que foi estar preso. Suas atitudes naquele momento decisivo foram cruciais para uma boa recuperação.
— Até agora não entendo como eu consegui me manter tão calmo.
— Você confiou a sua vida na sua equipe. Isso é incrível, sabia?
— Não podia ter feito diferente — dei de ombros — Não confiar na equipe é condenar todos a uma vala só.
— Concordo — sorriu ele — Eu acho que não preciso perguntar, mas… teve algum problema com o seu relacionamento a três?
— Fora o desespero de ter atrapalhado o relacionamento dos Taekook? Não — respondi rindo fraco — Eles estão respeitando meu tempo, mas sei que me querem mais perto o quanto antes.
— Você também deve respeitar o seu tempo. Se acha que deve se jogar, se joga, mas se acha que deve esperar e ir com calma, eles vão entender.
— Você não parece preocupado com isso.
— Nenhum pouco — Xiumin sorriu e colocou os pés na mesa — Sua mente está sã, seus maridos cuidam de você como o diamante precioso que é, você está cercado de cuidados, eu não preciso me alarmar com nada.
— Isso me deixa feliz — sorri — Quero me aproximar deles e resgatar o que tivemos. E se não conseguirmos resgatar, faremos novas memórias.
— Esse é o Hoseok que eu conheço. Tenho orgulho de você, amigo.
— Tenho orgulho do pai incrível que você é. Bom, eu preciso ir, vou pintar o cabelo de vermelho.
Minseok colocou a mão no peito e se jogou na cadeira.
— Céus, iremos todos morrer novamente!
— É o que eu espero — respondi rindo — Obrigado, Minseok, eu volto pra gente conversar mais.
— Exijo isso — sorriu ele — Se precisar, me liga.
— Ligarei.
E muito mais leve do que eu imaginei que sairia dali, eu encontrei meus maridos e nós seguimos para qualquer lugar onde eu pudesse fazer minha mudança capilar. Eles não perguntaram o que eu falei com o psicólogo, mas meu sorriso confiante os fez sorrir também. A cada dia que passava, eu me sentia mais confortável com eles ao meu lado.
Busan, Distrito, Terraço do Distrito, Quarta-feira 16:01h
POV CHAERIN
Era muito comum ver neve em Busan nos meses de Janeiro e Fevereiro. No meio de Dezembro, a temperatura mínima ficava entre os cinco e sete graus, suficientes para ver vários casacos grossos pelas ruas. Eu estava no terraço do Distrito, revivendo um vício que eu tinha prometido a mim mesma que nunca mais faria: fumar.
O cigarro eletrônico, adquirido antes da proibição desses modelos em Manhattan, pairava entre meus dedos, juntamente com o copo de café enquanto a paisagem se estendia, capturada pelos meus olhos. O fantasma mais antigo e assombroso da minha vida parecia estar ali do meu lado, apreciando o cheiro suave de canela e chocolate; o serial killer que havia matado oito crianças em um mês estava à solta, por incompetência minha.
— Me disseram que você poderia estar aqui — ouvi a voz pouco conhecida e sequer me dei ao trabalho de olhar para ele — Fumar não faz bem pra saúde.
— Já que eu não posso sair por aí virando doses de soju, eu fumo — respondi o Ian — Você não precisa se preocupar com a minha saúde, eu não fumo sempre.
— Eu sei que a situação não é das melhores, mas precisa confiar no seu time.
— Por confiar demais no meu time que eu estou puta com ele. São bons demais, os melhores, não quero que… sabe?
— Que o que aconteceu com nós dois aconteça com eles — completou o rapaz.
— Exatamente.
— Eu saí da minha cidade natal pra tentar esquecer — ele riu de forma amarga — Como se fosse simples, como se outros rostos fossem apagar aquele.
— Nunca vai sair da sua mente, você só se esquece por algumas horas, com sorte por alguns dias, nada mais.
Traguei com calma, observando os prédios enquanto sentia a presença do outro mais perto, até que apareceu em minha visão periférica.
— Como foi? Se você quiser falar — ele perguntou.
— Oito crianças em um mês — respondi ao soltar a fumaça — Nunca chegamos nem perto do assassino.
— Sinto muito.
— Eu também. As famílias das crianças também sentem.
— Podia ser pior.
Juro que segurei firme meu café para não jogá-lo na cara de Ian.
— Pior?
— As famílias das crianças sentem a perda, mas sabem que a polícia não cruzou os braços, não foram ignoradas, tratadas como qualquer, deixadas de lado. Você fez o seu melhor, se não conseguiu é porque não era pra ser; não foi uma falha sua, Chaerin.
— Você é amigo do meu terapeuta?
— Só se o meu for amigo do seu, é o que eu ouvia sempre na terapia. Tenta… levar isso pro coração.
— Eu tento, juro. Mas tem dias como este que eu simplesmente não queria me lembrar. Mesmo assim, continua vindo à minha mente o tempo todo — reclamei, tragando novamente.
— Quando isso acontece comigo, eu costumo ir pra qualquer lugar espairecer. Ver um filme, as lojas do centro enfeitadas pro Natal. O que me diz?
— O que digo sobre o quê? — perguntei confusa, soltando a fumaça.
— Quer ver as luzes das lojas do centro comigo? Eu não conheço nada, mas o GPS está aí pra ser usado, certo?
Entendi bem tarde que ele estava me chamando para sair.
— Ah. Ah! Você está me convidando pra sair!
— Sim — ele riu.
— Eu sou arromântica, Ian, esse tipo de “sair” não rola comigo.
— Arromânticos não andam nas ruas observando os enfeites de Natal e não compram presentes pra família? — sondou ele.
— Sim, mas…
— Então tudo bem, podemos nos encontrar antes do seu expediente finalizar?
Abri a boca para responder, mas acabei por apenas encará-lo. Ian sabia da minha condição e não parecia se importar com isso.
— Você tem um capacete sobrando? — perguntei por fim — Vou pegar um da equipe tática, você vai precisar pra andar comigo.
— Será divertido — ele sorriu novamente, um sorriso até que bonito.
— Estou contando com isso, pra ser sincera. Sair desse inferno mental por algumas horas é o que vai salvar a minha semana.
— Farei o meu melhor.
Mal sabia ele que nem precisaria se esforçar muito, só de saber que alguém nesse mundo queria a minha companhia gratuitamente já era a melhor notícia do dia.
— Vem, vamos sair do frio — chamei e o rapaz acabou por me seguir para dentro do Distrito novamente. Não faltava muito para o expediente acabar e hoje eu queria sair no horário.
Talvez eu até achasse um presente para o Hoseok.
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