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História O domador de feras - A presa editado


Escrita por: Kook_do_Tae

Notas do Autor


É eu realmente demorei mais do que eu imaginava kk. Me desculpem pela demora, tive vários imprevistos que não me permitiram postar antes. Enfim.

Muito obrigada pelos favoritos. Vocês são incríveis.

Bom, esse capítulo não foi revisado. Na verdade ele foi revisado por mim, mas eu não confio muito, então é bem capaz que tenha algo errado. Me desculpem.

Vamos ao que interessa.

Espero que gostem.

Boa leitura

Capítulo 2 - A presa editado


— Então quer dizer que você caiu de lá de cima? — O caçador riu novamente. Seu rosto iluminou-se e, por um instante, ele ficou quase simpático. Um quase beirando a ironia e sarcasmo. A sua voz já entregava o suficiente e Jimin estava cansado disso.

Em pouco menos de 10 minutos de convívio o ar já se tornara um emaranhado de palavras ofensivas, as quais Jimin via-se obrigado a lançar ao vento e assim impedir que mais alguma discussão pairasse entre eles.

Para Jimin já era o suficiente ter descoberto o gênio forte daquele homem. Mas, não bastava ser espiritualmente insuportável. O caçador tinha um gosto absurdo para deixar grafada cada uma das indiretas que disferia. Era um insuportável com todas as letras e acentuação. Não via motivos suficientemente concretos para receber tantos elogios em forma de poesia-do-inverso, mas mordia os lábios para não inventar a sua própria.

— Tem algum plano para subirmos? — perguntou Jimin, com a voz amaciada. Os olhos eram insistentemente atraídos para as chamas no interior da fogueira. Estava praticamente dormindo.

— Talvez desse para amarrar um cipó em uma das arvores para facilitar a subida até lá.

Jimin revirou os olhos.

— Ótimo observador! — murmurou.

Jimin tombou a cabeça para o lado e apoiou-a no tronco do carvalho. Aquelas eram as suas ultimas forças. Antes que se permitisse pensar se suportaria tanta dor, elas vieram e lhe tomaram todo o corpo.

De onde conseguira coragem para suportar tudo aquilo, afinal?

Essa é A pergunta. Naturalmente, desde que viu o quarto dos pais completamente banhado em sangue, essa fora a única pergunta que se passava em sua cabeça em cada vão segundo; não existia uma resposta conclusiva, supunha Jimin, era apenas a pergunta e um vazio crescente. Sua única certeza era que a resposta doía na alma.

O caçador dirigiu-lhe um olhar. Jimin permanecia sentado no chão. As pernas cruzadas era a única coisa que o impedira de cair para trás. Era deplorável — digno de pena —, aos olhos de Jungkook. Suspirou alto e foi até ele. Seus olhos exibiam uma claridade azulada e sonolenta. Não era preciso ser nenhum especialista para imaginar que Jimin precisava de um tempo, antes de sair por aí. Era isso ou tirar um tempo com a eternidade para onde o seu fio de vida começara a se romper.

Jungkook caiu sobre um joelho e os dedos deslizaram pelo nó do tecido preso na testa do Park. Afastou alguns fios loiros da área e desamarrou os trapos ensanguentados. A ferida já começara a cicatrizar. Ainda tinha uma boa quantidade de sangue entre a área aberta, mas nada que não viesse a secar em poucas horas. Voltou a amarrar o pano, dessa vez apertando um pouco mais. Quando se afastou, os olhos do Park estavam abertos apenas por uma fresta.

Acreditar que Jimin havia caído de lá de cima era uma das tarefas que o Jeon colocava na categoria “difícil”. Por sua cabeça tinha passado todas as espécies das mais negras suposições — grande parte delas explicariam as bandagens sujas de sangue e terra, certo que parte da terra de agora viera de seus dedos, mas ainda consideraria uma boa explicação. Despencar de tudo aquilo e sair ileso, bom, nem tão ileso assim, era algo impressionante. Jimin tivera uma sorte monstruosa. Park Jimin passou por um milagre. Por mero excesso de sorte, não se tornou uma possa ensanguentada em um lugar onde ninguém o resgataria.

Os olhos do Jeon percorreram a área — o topo, mais precisamente. Voltar a ver a luz do dia ou o brilho azulado da noite foi por tantos anos o seu ponto seguro em meio a um vendaval sombrio.

Por dois milênios, Jungkook travou aquela familiar batalha com ele mesmo. Podia jurar já ter vivenciado tudo em sua vida. Conhecia com riqueza de detalhes toda a desgraça que acompanha o ser humano desde os primórdios da existência. Viveu na carne toda a ação autodestrutiva que o homem fazia aflorar na própria mente. Mas viajar em seu próprio subconsciente foi a pior experiencia que ousou adentrar.

Revirar antigos sentimentos, ver as lembranças serem chacoalhadas pela insanidade e admirar as sobras do próprio corpo destruído foi uma experiencia radicalmente prejudicial para a sua sanidade espiritual.

Acusava-se de desejar sua autodestruição algumas vezes, sem possuir o necessário para amadurecer um verdadeiro desejo de morte. Era apenas um delírio vazio de uma mente em busca de socorro. Uma imaginação fértil que deslizava para as estreitas valas da irracionalidade. Era o inferno. Mas não foi suficiente para destrona-lo de seus devidos desejos — estes permaneceram intactos desde o maldito dia em que subjugaram seu nome e o lançaram a fria e destrutiva face das trevas.

Ele voltou para trás e Jimin adormecia. Os olhos estavam fechados, músculos relaxados e apenas o ressonar de sua respiração se pusera a dançar pelo silencio, elevando a conjuntura do tórax e peitoral para cima e para baixo.

Era uma criança; a pele ainda brilhava como seda.

Como acreditar ter sido liberto por isso? Afinal, quem abrira a cratera daquela forma? Ele não apenas sabia que algo acompanhava o garoto, mas sentia na carne que era forte demais para deixar de causar preocupação.

Jungkook agachou em frente ao fogo e encontrou as chamas cintilantes que estalavam vez ou outra. As mãos esbanjavam a pigmentação escurecida da terra, assim como — pelo menos — 70% do seu corpo.

Finalmente estava livre e seu peito se contraia de alegria. O coração atuava como um homem recém desamarrado; as cordas foram retiradas e a alegria de se ver livre o forçava a palpitar no peito, mas as marcas ainda permaneciam em seus membros. Cada área onde o sangue coagulara, agora lateja como o inferno. Jeon estava livre, mas aquela curta sensação de continuar preso permanecia. A terra já não era o seu problema, tampouco as correntes enferrujadas que quebrou sem a menor dificuldade, mas agora estava preso a um garoto.

Jimin não aparentava ter nem a metade de sua idade — e se realmente era filho de Taehyung, já estava provado ter muito menos que isso. O engraçado é que eles não se pareciam em nada. Como poderia ser filho de um homem com expressões tão duras e delineadas quando o rosto emanava uma sedosidade tão infantil?

Jungkook riu internamente, deixando escapar o ar pelo nariz. O riso cessou e o lugar penetrou em um perplexo silencio.

Jeon olhou mais uma vez para o fogo e fechou os olhos por um momento. Novamente os pensamentos explodiram diante de suas pálpebras e os abriu rapidamente — cedo demais para retornar àquela loucura. Obrigou-se a se levantar e olhou novamente para cima.

Sua vontade de sair fazia latejar a sua cabeça e os dedos tremerem de tamanho desejo. Infelizmente, Park Jimin estava lá para atrapalhar tudo. Uma luz se acendeu em sua cabeça e um sorriso malicioso se formou em seu rosto. Os olhos passaram novamente por Jimin, e seu interior se aqueceu com o brilho de sua recente ideia. Jimin queria que o ajudasse com Nebralya, mas em momento algum impôs as devidas regras... Sair sem que ele soubesse não faria tanto mal assim.

[...]

Jimin foi chacoalhado de seu mundo de sonhos pelo ecoar estridente de algo batendo incessantemente. Eram pedras? Abriu os olhos ainda desnorteados e banhados pelas águas frias da confusão e sonolência. Ardiam insignificantemente, mas o obrigou a piscar algumas vezes antes de julgar estar apto para reger seus próximos movimentos.

A fogueira estava mais viva. Alguns galhos haviam sido adicionados ao interior, assim, prorrogando sua queima. O odor não era dos mais agradáveis, mas o calor bateu quase que oportunamente em sua pele. Estava quente o suficiente para criar uma camada lisa e oleosa de suor por sua pele. Notou estar um pouco mais afastado da fogueira, ou talvez ela estivesse mais afastada dele? Enfim. Sentia-se infinitamente melhor do que antes, embora ainda não tivesse provado da agonia atordoante que o esperava além do primeiro movimento de seu corpo.

Com a claridade atingindo ápices de luminosidade, buscava a silhueta volumosa do Jeon, entre os escombros retorcidos do antigo carvalho. O som de pedras lascando parecia próximo o suficiente para lhe abraçar o corpo e sussurrar “estou aqui”, com uma voz medonhamente grossa.

Esticou o corpo mais ao lado e a primeira fisgada o fez grunhir internamente. Trincou os dentes, afundou a nuca no galho atrás de seu corpo e o rosto se contraiu em uma mascara de dor. Dessa vez, sequer notou onde fora o alvo da dor. O ar trancou sua garganta. O corpo se contraiu. Coração pulsou no peito. E mais nada podia ser discernido além da ideia de que estava sentindo dores horríveis no corpo, e que não importava de onde estava vindo, pois, o corpo inteiro se mostrava esmigalhado internamente. Talvez nem mesmo conseguisse voltar a se por em pé.

Não, isso pode ser passageiro. Ossos quebrados não doeriam tanto assim, ou doeriam? Mesmo que estivessem realmente quebrados o que mais tinha a fazer? Morrer em uma cratera inundada pelo odor nauseante de terra úmida e raízes apodrecidas não era o sonho de ninguém. Jimin sairia e conquistaria seu reino de volta. Até lá seus ossos estariam em perfeito estado e poderia retornar às suas habituais tarefas. Claro... Era um pensamento convincente, mas que fracassou miseravelmente em convencê-lo.

Ele engoliu a saliva presa na garganta e voltou a se mover. Dessa vez a dor não o importunou. Talvez fosse um bom sinal! Não... Com seu perímetro de visão mais aberto, pode fazer o contorno da imensa fogueira com os olhos e lá estava ele. O som do atrito entre pedras já havia cessado, agora, o caçador segurava o emaranhado de cabelo em sua cabeça e começara a cortar as mechas com um entalhe em uma das pedras.

Jimin optou por não atrapalhar nada enquanto o caçador se distraia com os cabelos quebradiços. Teria que cortar com muito cuidado para não exagerar, mas, a julgar de Jimin, era humanamente impossível que conseguisse um bom corte enquanto a terra permanecesse abraçada a cada fio. Agora a terra no rosto começara a desaparecer junto da chegada da oleosidade de sua pele. Estava um calor infernal lá dentro, soar era quase tão natural como beber um copo d’água ao sentir sede. Entretanto, Jimin possuía um certo resquício de pavor de que a pele dele continuasse com aquela coloração. Nada que lhe fizesse qualquer diferença; contudo, considerando as feições de Sungkeun que se projetavam com exatidão no rosto do caçador, era uma perda tremenda para a sua beleza um tanto bruta e exoticamente peculiar.

Olhando bem, não existia nada de um no outro. Ainda não conhecia o Jeon a fundo — mas pelos poucos momentos em que teve a graciosidade de admirar sua preocupação com a filtragem das próprias palavras —, Jimin sentira que já fora o suficiente para nutrir um amor cinzento por Sungkeun.

Jeon Jungkook passava longe de expressar qualquer sentimento além de uma irá infernal e algo denso que se movia freneticamente no fundo de seus olhos. Era peculiar, imersivo e medonho; tinha algo mais, mas Jimin precisaria de um bom tempo para conseguir encontrar seu significado no emaranhado de confusão que faziam seus fios de pensamento.

Jungkook, por sua vez, apreciava os olhares confusos de Jimin. O garoto tinha olhos potentes. O rosto nu e amaciado de sono emitia intensos focos de luz para aquele olhar azulado. Os olhos eram como corredeiras, frias e evasivas — espumava raiva em certos momentos —, mas não perdia seu brilho único. Jungkook apreciava pessoas com olhos bonitos — como uma espécie de fetiche mental —, sentia-se embriagado por cores volumosas. Acalmava os seus nervos com a coloração chamativa.

Quando terminou, os cabelos ficaram pouco acima dos olhos. Teria que perder muito tempo ali para deixar tudo certo, fora que não tinha condições de lutar contra toda aquela terra e também não tinha o menor interesse em perder o seu tempo com algo tão fútil quanto algo que cresce mais a cada dia.

Jimin contorceu-se no chão e acompanhou com os olhos atentos e vidrados cada movimento que sucedeu a próxima movimentação. Jungkook passou ao seu lado, quase que intencionalmente, e disse algo cujo Jimin não compreendeu grande parte.

Jungkook olhou fixamente para a parede e encontrou a corda de cipó que havia deixado presa a uma altura razoável. Seu cumprimento era indefinido para Jimin, que a seguia com os olhos, até desaparecer na escuridão gritante que se estendia para cima. Jungkook deu dois puxões fortes nela e acenou com a cabeça, também, se livrando de um pouco da terra que secava e caia de seu cabelo.

Jimin moldou momentaneamente a imagem de seu corpo se erguendo do chão. Ele se ergueu doloridamente e os pés ficaram firmes no solo. Chacoalhou a terra das roupas e saiu a passos largos e confiantes. O rosto estava terno, inexpressivo e imerso em uma camada de calmaria e serenidade — como um rei de verdade. Jimin riu dos próprios pensamentos. Se suportasse permanecer em pé por mais de 20 segundos, se daria ao luxo de jogar-se no chão por si mesmo. Não tinha como. A dor estava mansa agora, mas ao menor movimento, suas garras saltavam para fora e engalfinhavam sua pele.

O caçador acenou novamente, mantendo uma sobrancelha arqueada e Jimin soube que não tinha para onde fugir. Ele obrigou-se a se levantar. A dor fechou seus olhos como se possuísse um controle remoto sobre suas pálpebras. Ao redor as coisas giravam como se Jimin estivesse no meio de um liquidificador — ousava até mesmo sentir as hélices rasgando seu corpo. Chegou ao caçador à passos vacilantes. Os olhos descolorindo de dor, a pele tomando uma palidez desumana e os membros tremendo como se estivesse sob um frio de 25 graus negativos. Os olhos dos dois encontraram-se brevemente e foi o tempo ideal para Jungkook movimentar um dedo no ar insinuando para que virasse.

Jimin fez o ordenado e o coração martelou no peito, acentuando-se como pisadas duras em solo de terra seca e macia. Uma tensão quase febril fez contrair seu corpo por inteiro, mas permaneceu fixamente em pé enquanto o caçador passava os braços pela lateral de seu abdômen, conduzindo a corda à sua volta. Mãos duras espremeram lhe um dos antebraços e Jimin virou tão rapidamente que precisou apertar os pés no chão para não colidir com o rosto de Jungkook.

Aqueles olhos o encaravam bem a fundo. Estavam tão próximos que Jimin ousava senti-los cortando a sua pele como garras pontiagudas e afiadas. A dor em seu antebraço fazia uma sincronia dolorosa com seus batimentos cardíacos, e, se aquele homem ousasse se aproximar ainda mais, Jimin sentia que seu peito explodiria de puro terror. Mas Jungkook mantinha os olhos inexpressivos, estavam vagos, vazios de quaisquer sentimentos de ódio, mas o Park ainda via algo remoendo-se entre a escuridão de seus pensamentos. O estava sondando em completo silencio, mas devia haver uma verdadeira justificativa para tal ato.

— Vejo que agora conseguiu uma corda — disse Jimin, hesitantemente. Em uma luta constante para manter as mãos afastadas do corpo do Jeon.

Os lábios do caçador se abriram aos poucos. Um riso interno, mas ainda assim um riso. Lançou aquele aroma seco no rosto de Jimin. Jimin não esperava que seu hálito permanecesse fresco desde a ultima vez em que ingeriu alguma coisa, mas aquele odor lhe atingiu em cheio. Cheiro de velho, seco e ariado com o tempo. Não era de todo ruim, mas lhe fazia recordar da antiga biblioteca do palácio. Os livros possuíam um odor estridentemente antigo, como um perfume conservado por séculos. Era assustador.

— Tentarei ser o mais breve possível, se assim permitir — disse o caçador. O sorriso morreu aos poucos e seus olhos capturaram os de Jimin por uma segunda vez. — Quero apenas que me explique como pretende reaver o reino se a maior luta de sua vida é para manter-se em pé.

Por um momento, Jimin sentiu um baque nos próprios sentidos — como uma flecha que atravessa seu corpo pelas costas. O caçador ainda aguardava por uma resposta e Jimin sentiu um medo frio subir por todo o corpo.

Sem a menor força, Jimin abriu os lábios e se ouviu dizer algo que suas pernas doloridas não suportariam ouvir. As palavras caíram da boca como cubos de gelo e gelaram seu corpo antes mesmo que a ultima palavra escapasse de seu cárcere.

— Acho que isso não cabe a você. Espero que se lembre que se não fosse por mim, ainda estaria apodrecendo dentro da terra — disse Jimin, hesitantemente nervoso.

Um ligeiro sorriso repuxou o canto da boca de Jungkook. Era muito mais amargo do que divertido. Permanecera parado por mais um momento e então soltou a corda que rodeava o corpo de Jimin. Jimin movimentou os braços inquietamente para manter o equilíbrio, e caiu para trás antes mesmo que pudesse sentir o ar raspar os próprios braços.

O caçador ainda o olhava daquela forma, estava completamente indiferente a sua dor ou qualquer coisa que Jimin viesse a sentir. Os olhos o sondavam como um soldado busca por inimigos em lugares abandonados. Via os olhos dele completamente marejados. Não era um olhar infantil — teve certeza. Jimin lutava contra as limitações do próprio corpo, e lhe admirava em certos momentos.

Jungkook queria apenas que ele visse o que estava fazendo.

Tanta determinação poderia ser em vão se alcançassem o palácio antes que suas dores fossem completamente sanadas. Uma mera questão de logica e não de orgulho. Era muito linda a sua vontade de proteger o próprio reino, mas lançar-se as cegas em uma batalha com tantos homens, seria o mesmo que saltar de um penhasco — morreria sem sequer chegar aos pés de quem deveria alcançar.

— Não precisa lembrar a todo momento que foi você quem me tirou de lá — disse Jungkook, frio e sombrio como de costume. — Acho que já ouvi o suficiente.

Ele estendeu a mão e Jimin a empurrou para longe. Jungkook voltou a sorrir daquela forma tão odiada. Naquele momento, teve certeza de que o Park não tinha a menor vontade em colaborar com seus planos. Claro, tinha que ser um Park. Isso o fez retornar aos bons momentos de sua vida. Como quando conhecera Hyungseok.

Tinham nascido no mesmo ano, com uma diferença mínima de dois ou três meses. Jungkook já era um caçador conhecido, na verdade, viu-se obrigado a lidar com a fama desde seus meros 17 anos de idade. Agora, ele tinha 34 anos e fora convidado para um banquete no palácio.

Yoongi não tinha gostado muito da ideia, especulou que algo muito ruim aconteceria — e realmente aconteceu.

O rei, pai de Hyungseok, era o regente do banquete, sentado na extrema ponta direita da mesa, depois vinham a mulher e os filhos a sua esquerda, e outros dez soberanos dos reinos vizinhos a sua direita. Jungkook chegou no meio da pequena reunião antes dos serviçais colocarem a comida a mesa. Os reis o olharam com desgosto, não muito diferente que os olhos de Hyungseok, o baixinho com quem ficaria de frente na mesa.

Todos os reis com suas roupas caras, tecidos lustrosos, barbas aparadas até o termino do pescoço e joias casualmente incomparáveis lhe ofereceram uma recepção muito amena. Jungkook trajava suas roupas habituais. Uma camisa de algodão — a melhor que encontrou em sua coleção de três. Uma velha calça de seu pai, que achara confortável, e vinha desprovido de joias — algo muito comum para sua condição financeira.

Mas seria pura questão de percepção ver que os reis não ficaram incomodados pelo homem alto, de feições ambíguas e desprovido de pelos faciais — na época considerado um dos atrativos mais promissores entre os homens, mas que Jungkook odiava; andar por aí carregando uma esponja áspera no rosto o enojava — que adentrou pela porta da frente, sendo fielmente acompanhado por um dos serviçais. Os reflexos de Jungkook eram duros e desengonçados. Não havia nada de gracioso em seus movimentos e ricocheteavam em suas atitudes um tanto... provocativas?

Não cumprimentou ninguém, simplesmente se sentou em seu lugar, puxou seu arco e flechas das costas e colocou debaixo da mesa, segurando entre as pernas. Os braços pousaram na mesa como enormes rochas e enquanto confortava os cabelos lisos com uma das mãos, a outra criava uma sinfonia desafinada com o dedilhar na mesa.

A reunião seguiu por mais um tempo, arrastando-se como podia, enquanto o Jeon se divertia cantarolando uma das musicas que ensaiava com o pai quando iam caçar.

De repente, duas mãos bateram com força na mesa. Jungkook, com a cabeça suspensa pela mão, ergueu os olhos por entre os cabelos negros e encontrou um dedo completamente rijo sendo apontado para o seu rosto.

— Este homem sequer deveria estar aqui. Não possui respeito algum por todos os soberanos que aqui estão — disse Sungkeun, ofegando como se tivesse corrido uma maratona em poucos segundos.

Jungkook sorriu ladino. Chacoalhou a cabeça para o lado — afim de tirar o cabelo da frente dos olhos —, e os desviou para o rei. Não havia nada tão engraçado quanto o ruborizar intenso que se apossou do rosto do glorioso rei de Nebralya.

Jungkook riu baixinho e permaneceu a espera pelo pedido de despensa, claro, o rei poderia fazer isso. Era o rei de Nebralya. Tinha todo o direito de ordenar que se retirasse, mas era um fato até mesmo para Jungkook que o reino necessitava de sua presença. Jungkook tornou-se um marco na história dos reinados. Fez de Nebralya o reino que era. Nenhum exercito cruzava as suas florestas sem provar de sua ira, e isso garantira a invencibilidade ao grandioso nome que carregava o grandioso reino. Expulsar Jungkook estava longe de cogitação.

— Sente-se, Hyungseok — disse o rei, suando frio — Jungkook também é meu convidado.

A melhor parte foi ver Hyungseok se enchendo de fúria. Os cabelos esvoaçados tomaram uma coloração mais vibrante, um amarelo sujo. Os imensos olhos verdes foram se estreitando como se estivesse com dificuldade de ver alguma coisa. E o dedo se aproximou ainda mais do rosto de Jungkook. Estava a centímetros do rosto do Jeon e aquilo não daria certo se ele o ousasse tocar.

— Eu não fico na mesma mesa que esse homem — vociferou. Mas Jungkook estava preocupado demais com aquele indicador tão próximo. Dentro de si uma voz gritava infinitamente para que controlasse os seus acessos de fúria, mas que os céus o perdoassem. Se aquele dedo o tocasse, alguém voaria longe daquela mesa — e assim ocorreu...

O indicador bateu em sua testa com força e um sorriso vitorioso brilhou nos dentes amarelados de Hyungseok. O riso grandioso daquele homem batendo em seu ouvido; injetando ódio em sua cabeça.

Jungkook também sorriu. O mostro dentro dele sorriu. E algo gritou vibrantemente em seu peito: é a hora.

Jungkook bateu as mãos debaixo da mesa e a fez tombar sobre os filhos do rei. Colocou o arco nas costas e passou a corda do cesto de flechas por um dos braços. Os olhos queimavam como o inferno e uma onda fria de prazer percorreu seus músculos contraídos. Passou pela mesa com força, sentindo o estalar da madeira abaixo de seus pés e o delicioso som de gemidos dos outros que ainda tentavam sair debaixo dela.

Os olhos estavam fixos no loiro encolhido no canto da sala.

Reis acompanhavam tudo com os olhos enlouquecidos de pânico. Os soldados já vinham marchando pela escadaria principal e Hyungseok podia sentir as batidas do coração latejando em sua cabeça, um medo liquido descendo pela garganta e os olhos vidrados naqueles insanos que o encaravam com tanto ódio.

Um demônio se personificou através de Jungkook e Hyungseok via no fundo. Bem atrás daqueles olhos chamuscados e opacos pela fumaça densa que emergia de seu ódio. Algo grandioso sorria para ele. Não era uma criatura qualquer, esbanjava ódio e vitalidade como um Deus. Deglutia fogo e destilava fúria — era uma maquina de batalha, e a simples constatação, fez despertar dos sonhos lúcidos e ver que tudo aquilo vinha em sua exata direção.

Jungkook agarrou-lhe pela camisa e o ergueu do chão; um ruído surdo foi seguido pelo rasgar do busto da camisa que se separou violentamente das mangas. O caçador sentia uma onda calorosa passeando por todo o corpo. Os dedos das mãos tremendo de ansiedade.

Em algum lugar o rei gritava algo para Jungkook, mas era tarde. Todos os presentes sabiam que era tarde. Jeon Jungkook tornara-se lucido de sua bolha de horrores para fora, mas já havia penetrado ela a muito tempo, e levava o filhinho do rei consigo. Levaria o desgraçado até no inferno se fosse necessário para fazer apagar aquele orgulho miserável de seu ego. Hyungseok não lhe conhecia o suficiente, e já que havia dispensado apresentações, que outra maneira representaria melhor o puro e venerado Caçador de Nebralya?

— Por que não ri para mim novamente? — Jungkook abriu os lábios em um sorriso insano. Como o assombroso sorriso de um tubarão.

Deu um passo atrás e afundou as costas de Hyungseok na parede. O príncipe soltou um gemido de dor e o rosto se contorceu rapidamente. O ar lhe faltava e uma febre doentia fazia ferver os seus órgãos; meros efeitos colaterais do medo. Jungkook o imprensou na parede, segurava seu corpo pela cintura, as unhas pequenas rasgando a sua carne. Um dos joelhos abriu espaço entre as suas pernas e Hyungseok ofegou aflito.

— Por favor, Jungkook... Juro que não faço mais. Perdoe-me. Por favor, por favor...

Os soldados na escadaria, ouviram o grasnar alto que ecoou por boa parte daquele e dos andares superior e inferior. Quando entraram na sala, uma multidão se formava em torno do príncipe, estava pálido — desmaiado, provavelmente. Uma das janelas estava quebrada, todos os estilhaços banharam o que seria o jantar dos soberanos. Reis encolhidos nos cantos da sala. A rainha chorando ao lado do corpo do filho e Jungkook já não estava mais lá.

Jungkook passou os próximos anos pensando no que havia feito. Grande parte de suas ações vinham sem que ele soubesse ou tivesse qualquer possibilidade de pensar em algo. Seu corpo apenas o impulsionava àquele mundo de escuridão mental e um liquido adocicado começava a escorrer deliciosamente por sua língua — como uma recompensa por uma tarefa bem-feita.

Por conta de seu ato, Hyungseok entrou para a história como o rei mais velho de Nebralya, visto que grande parte da sua vida, não tivera um filho para tomar o seu trono. Foi então que veio Taehyung. Um verdadeiro milagre para o reino.

A desgraça de Jungkook...

Jimin disse algo e puxou o cipó de sua mão. Tribulado, Jungkook piscou algumas vezes, ciente de que havia retornado a sua cinzenta realidade, apertou a corda entre os dedos e o solavanco puxou o corpo de Jimin a um passo mais próximo de si.

— Eu quero sair daqui, se não se importa — esbravejou Jimin.

Estava em pé, com o rosto brilhando às chamas da fogueira, alguns hematomas na lateral do olho direito e um lado da boca um pouco mais inchada do que o normal. Novamente, sem que denotasse qualquer controle sobre si mesmo ou qual o nível de gravidade da situação. Segurou-lhe o rosto com uma das mãos, o polegar afundando em uma face, os dedos pressionando a outra e a palma abraçando-lhe o queixo, em um contato áspero, formado pelos resquícios de terra em seus dedos. Lento, virou a cabeça de Jimin para o lado. Um fio de sangue desceu pelo novo ferimento abaixo da orelha e perdeu forças no meio do pescoço.

Jimin olhava para ele, quase ressentido. Estava assustado demais para colocar sua mente para encontrar um significado para este ato. Queria apenas entender o que se passava além daqueles olhos e descobrir o porquê de estar tão preocupado logo agora. Mas o caçador permanecia com as mesmas expressões, imerso em pensamentos obscuros.

— Desculpe — disse Jungkook, para a surpresa do Park.

Jimin piscou algumas vezes e seu coração virou um motor trabalhando em alta velocidade dentro de seu peito. Estava dramaticamente abismado. Obviamente que o ferimento na orelha passaria despercebido. Com o corpo inteiro gritando de dor, era humanamente impossível identificar claramente a voz de cada um dos músicos abrigados por entre os seus membros.

Mas antes que qualquer coisa pudesse ser dita, um liquido denso deslizou pela língua do Jeon. Deixava um rastro dormente e açucarado por onde passava. Mais doce que o próprio açúcar. O sabor dançava entre os sabores de morango e algo mais, algo irreconhecível, mas com uma leve acidez suficientemente contrastada a ponto de fazer com que Jungkook aceitasse a própria suposição de que se tratava de sangue...

Mas seu próprio sangue não tinha aquele sabor... Jungkook tinha a mais absoluta certeza.

De alguma forma, machucar Jimin lhe trouxe uma dessas “recompensas”. Tinha algo errado com aquele garoto e sentia que o monstro dentro de si já havia aprovado a sua dor como refeição principal.

Dali em diante, tomaria o máximo de cuidado possível. Perder a sua única chance de ver-se livre de todo aquele alvoroço era algo que não passava em sua mente. Seu demônio interior fora a muito tempo controlado e gostaria muito que continuasse da mesma forma. Adormecido. Morto em meio ao cemitério do seu coração, onde Jungkook enterrara tudo para que pudesse manter unicamente o controle do próprio subconsciente.

— Vamos subir — disse Jungkook, indiferente.

A corda voltou a enlaçar Jimin e foi brutalmente puxado para uma colisão extremamente desagradável com o corpo de Jungkook. Dessa vez não teve outra alternativa. Apertou os braços em volta do corpo musculoso do Jeon e afundou o queixo em seu pescoço. O cheiro de terra estava ainda mais forte ali, e provavelmente ficaria nele também. Nada que pudesse fazer com que mudasse. Jimin precisava de Jungkook da mesma forma como Jungkook desejava imensamente se ver livre dele.

A corda latejou em seu corpo e uma pressão dolorosa na cintura o fez apertar-se ainda mais no corpo de Jungkook. O caçador fincou as mãos ásperas pouco acima de suas cabeças e começou a puxar de uma forma desumana.

Jimin o olhava, maravilhado.

Os dois estavam presos a uma única corda sendo içados apenas pela própria força do Jeon. A sua cabeça estava inclinada para o lado, os músculos do pescoço, tensos e saltados, os olhos focados e decididos. Aquilo não passava nem perto do que vira em toda a sua vida. Era puro espanto ao notar que estavam saindo do solo. Aquela era uma força muito mais apurada do que qualquer uma que encontrasse reino adentro. Como lava de vulcão, queimava no interior do Jeon e saia em força bruta de seus músculos.

Era admirável ao mesmo tempo que era assustador...

A subida fora custosa para ambos. No entanto. Perto do que Jungkook fazia, seu pesar chegava a ser tão insignificante como uma bolha de sabão. Para cada gemido de dor que engolia, Jungkook estrangulava seis ou sete. Jimin sabia disso. Seria muito infantil da sua parte fazer qualquer comentário sobre o desconforto que passou tendo que lutar contra o suor de ambos para manter-se seguro.

Jungkook teria lhe dito para segurar-se o mais forte possível — quando exatamente Jimin não lembrava —, mas a dor em seus braços era insuportável — isso ele lembrava. Os dedos escorregavam pela pele suada do Jeon. Suas barrigas deslizando pela crosta lamacenta formada pelo suor dos dois. A dor quase febril que contornou sua cabeça enquanto os batimentos cardíacos aumentavam em sua garganta.

Ar, Jimin desejava respirar algo mais do que aquele cheiro quente, almiscarado — em outras situações, poderia até mesmo considerar excitante. Todo aquele movimentar de músculos, tendões e frios assassinatos a gemidos internos fazia um trabalho glorioso para assentar tais pensamentos na cabeça de Jimin, e por mais de uma vez, praguejou ao vento o quão errado estava se portando.

Quando a meia luz da lua brilhou diante os olhos de Jimin, agarrado ao pescoço de Jungkook, deu-se a mera liberdade de soltar o corpo sobre o dele. Descansar a cabeça em seu pescoço não significaria nada no momento. E assim eles alcançaram a superfície. Assim que os pés de Jimin alcançaram o solo, um minúsculo som saltou seus lábios, o mais fraco murmúrio de gratidão que já dera.

Olhou por sobre o ombro e agradeceu ao mesmo tempo que se amaldiçoou por Jungkook não ter ouvido. Fizera algo incrível para que saíssem dali, e merecia muito mais do que um corroído “obrigado”. Mas Jimin não saberia como lidar se ele o olhasse novamente.

Não era hora de pensar em coisas tão supérfluas. Tinham coisas importantes a serem feitas.

Jimin chacoalhou a cabeça, bateu a terra da calça — antes branca, agora beirando uma confusão de caos e um dos quadros cubistas de seu pai; lindos por sinal, mas repleto de cores e formas difusas, algo incompreensível aos olhos de Jimin.

Uma mão enorme pousou em um dos seus ombros e Jimin ergueu os olhos rapidamente. Jungkook sorriu pelo canto da boca e inclinou a cabeça para o lado. Estava se contendo para não rir, isso era mais do que evidente.

— Da próxima vez não precisa sussurrar. Aliás, de nada! — disse Jungkook, já sorrindo com insana intimidade.

O pulso de Jimin acelerou imensamente, e o sistema cardiovascular começara a bombear sangue para as suas faces, montando abrigo em suas bochechas arranhadas. A palidez gelificante de sua pele começara a ganhar coloração. Como se o sangue fizesse uma festa entre os seus vasos sanguíneos. Jungkook não vira aquilo. Afastou-se dele e foi a procura de alguns gravetos. A noite estava fria — imaginou. Jimin gostaria de descansar antes de partir daquele lugar. Jungkook claramente não faria o papel de seu servo fiel, mas considerou ser o melhor para ambos. Enquanto isso, um calor mordaz tomava o corpo de Jimin como uma fagulha entre palha seca.

— Nunca mais abro a minha boca — murmurou Jimin, certificando-se de que ele estaria bem longe dali.

[...]

Antes que pudessem pensar, já era dia. O sol transpassava sua luminosidade por entre a copa das arvores. Lá no céu, erguia-se um monstro. Belo e cintilante. Qualquer um gostaria de apreciar ao nascer do sol em um lugar como aquele.

Pela noite a floresta tornava-se pavorosamente horrenda, mas tão logo fosse iluminada pelas chamas do sol que pingava seus matizes e coloria as águas do mar, pincelava belos arcos alaranjados no céu e brilhava sensualmente nas madeixas aloiradas de Jimin aquela floresta tomara uma nova figura. Tomava cores dignamente sedutoras e — aos olhos de Jungkook — tornara-se um lugar vivo e intocado. Uma pureza inconcebível caminhava por entre os troncos gigantescos. Ninguém em Nebralya teria coragem suficiente para atentar contra a natureza vivida que era exalada como pólen, pelas copas amontoadas. Não existiam casas, caçadores ou aventureiros. Ali os animais adormeciam, e Jungkook via isso com o coração cheio de emoção.

Seus olhos, inocentemente, se moveram para Jimin e surpreendeu-se com o que encontrou. O rosto fino e delicado tomara uma expressão pesarosa. Olheiras profundas castigavam a pele pálida. Os hematomas estavam ainda mais vivos do que à meia luz da fogueira. Os lábios desinchavam ainda maquiados por espessos círculos roxos; os cortes na pele começavam a ser tapados por uma crosta cinzenta de sangue; e a “bandagem” na testa estava imunda de sujeira. Jungkook sabia que grande parte veio do seu próprio corpo enquanto subiam. Não imaginava que demorariam tanto para sair de lá, também, que Jimin fosse um garoto de pele tão quente. O suor realmente não ajudara muito.

O olhar subiu pelo contorno do maxilar, passou por uma das bochechas e seus olhos estreitaram ao parar por sobre o seu cabelo aloirado. Já tinha notado o quão claro os fios de Jimin eram, mas viu-se ainda mais surpreso pela união doentia que faziam com os flashes de sol. Era como se a luz queimasse entre os fios, no interior. Penetravam sem qualquer dificuldade e transformava tudo em uma imensa fogueira de chamas loiras e vividas como o inferno. Aquecia e relaxava, ao mesmo tempo que envolvia e machucava ter que olhar. Era como um espelho que refletia a luz diretamente no rosto de Jungkook.

Jungkook faria algum comentário — aqueles fios não vieram de Taehyung e uma fisgada de dúvida surgiu em seus pensamentos —, abriu a boca, e um ruído o fez voltar a fechá-la. O silencio acolheu suas palavras, e agora ele buscava a causa do ruído. O som se fez presente novamente, e dessa vez ele capturou com os olhos não apenas a causa, mas também, o causador do ruído.

Jimin estava encolhido no chão. Os olhos azulados refletiam as chamas no interior da fogueira com tamanha maestria que palavras não precisariam ser utilizadas para questionar de onde saira todo aquele brilho. Estava tão abatido que Jungkook ousava sentir até mesmo o cheiro de sua tristeza. Mas ao mesmo tempo que o rosto tornara-se uma poça de sentimentalismo, olhando por outro lado, estava quente. Um olhar penetrante.

Aquele momento de compreensão pareceu quase eterno a Jungkook. Encarar os olhos ferventes de Jimin permitia que compreendesse muitas coisas importantes, desde que conhecera o garoto. Jimin tinha problemas, obviamente tinha — e em momento algum Jungkook deixou de saber, fosse pelo próprio Park tê-lo contado ou a famosa primeira impressão que deixou mais do que evidente.

Não era preocupação. Jungkook não se via em um estado de animo tão bom para fazer parte do lado “bom” da corda. Sua capacidade para lidar com o sentimento dos outros não chegava ao tamanho de uma pulga; era um desastre com os próprios, o que diria com os dos outros. Mas algo naquele garoto despertava uma fisgada de desconforto em sua cabeça.

— Acho que não teremos problema com isto — a serva inclinou a cabeça de um lado para o outro. Os olhos investigativos como quem analisa um suspeito. Soltou a cabeleira que jazia entre os dedos e os fios loiros caíram sobre o rosto do menino — Oh! Minha nossa! O menino sumiu — atuou um sobressalto.

Um pequeno nariz emergiu dos fios loiros e atrás vieram dois olhos brilhantes, enormes esferas esverdeadas, e, por último, a causa dos risos que reverberavam pelo enorme quarto. Com a falta de três dentes da frente, o menino tomara um sorriso ainda mais contagiante.

— Tem certeza que preciso disso, Sra. Hwa? — perguntou o pequeno, com a voz afogada nas fungadas do nariz.

Era impossível descobrir a causa, mas com apenas 3 anos, o pequeno tomara resfriados severos. Taehyung brigara com Junghwan, exigindo que permitisse que o pequeno trocasse de quarto. Seus resfriados o deixavam receoso. Baekho era um menino sensível e de saúde frágil. Após o assentir do marido, Taehyung o colocara em seu próprio quarto, e para a sua surpresa, os resfriados continuaram — causa mais do que engraçada visto que o menino aderira a o hobby nada saudável de passar tardes inteiras com as lavadeiras, engolindo espuma de sabão e estourando bolhas com a ponta dos dedos.

— São apenas alguns dedos, querido. Se não fizer isso, em breve estará arrastando os cabelos pelo chão.

A serva lhe tomou os cabelos de volta por entre os dedos e o menino se afastou com as bochechas inchadas e os olhos arregalados.

— Mas vai doer!

Jimin riu da parede onde estava. A Sra. Hwa fez um aceno e ele veio até o irmãozinho. Agachado atrás dele, segurou seus bracinhos com força.

— Calma, Baekho. Não doerá nada.

— Como você pode garantir? — perguntou apavorado.

Seus olhos encararam a lâmina nas mãos da serva como se fosse uma cobra pronta para dar o bote. Estava cada vez mais próxima. Ele afundou ainda mais no peitoral de Jimin e o coração se pôs a pulsar em seu peito. O suor escorrendo pelo rosto. Olhos enchendo de lagrimas. A serva dobrou uma parte de seu cabelo e a lâmina penetrou na fenda que formara. Jimin o apertou com mais força e ele espremeu os olhos, físico e emocionalmente preparado para dar o maior grito que dera em toda a sua vida.

— Pronto — disse a serva.

Jimin riu baixinho em seu ouvido e o soltou em seguida.

Baekho abriu os olhos, um por um e viu o pequeno tufo de cabelo nas mãos da serva. A outra parte de seu cabelo pendia a poucos centímetros de seus olhos. Ergueu os olhos e os viu ali, os fios retos e alinhados, sem nenhum dos fios lhe tocar após o nível da sobrancelha. Olhou em volta confuso e em poucos segundos os risos ecoaram deliberadamente pela sala. Mas um riso em especial lhe chamou a atenção.

Encostado no batente da porta, estava Taehyung. O rosto cintilando em uma mascara de alegria. Os belos olhos esverdeados, franzidos com o enorme sorriso quadrado que trilhava seu rosto. Seus fios aloirados desciam ondulados pela testa e pareciam refletir uma luz proeminente de um deus. Por um momento, Baekho o achou incrivelmente magnifico.

— Pai! — ele saltou em direção ao homem e o coração se encheu de alegria ao vê-lo agachar-se para recebe-lo. — A Sra. Hwa cortou o meu cabelo e eu nem reclamei.

Taehyung estreitou os olhos, e o sorriso ainda ardente no rosto era a prova mais que concreta de sua incompetência em tentar contornar a mentira do filho.

— Nenhuma lagrima? — questionou Taehyung.

O menino se pôs a balançar a cabeça. Jimin riu internamente.

— Jimin, o que acha de colocarmos esse guerreiro na cama?

— Não! — esbravejou — Eu já estou grande. Guerreiros não dormem — cruzou os braços em frente ao peito e inflou as bochechas.

— Claro que não — disse Jimin. — Os guerreiros nunca dormem, e de noite enfrentam os bichos malvados. Aqueles que andam de olhos arregalados e lhe agarram pelos pés. — Ele estendeu as mãos para frente e imitou o andar de uma múmia então tentou agarrar os calcanhares de Baekho que se encolheu no colo do pai.

— Cama, cama!

Taehyung e Jimin caíram na gargalhada e saíram pela porta da sala. No quarto, Taehyung lhe contou mais uma das profecias que encontrara na biblioteca, e a leitura foi murchando conforme o sono do menino ia chegando. Os olhinhos se fechando lentamente e o diafragma ressonando uma respiração pesada e carregada, em virtude do resfriado.

Jimin puxou a enorme coberta até os pequenos ombros do irmão e permaneceu ali, admirando o pequeno adormecer. Suas feições aos poucos iam se acalmando e logo era tomado por um intenso sentimento de amor. Ele era tão pequenininho, tão sensível e bonito.

Taehyung deslizou os braços em torno de seu corpo e beijou seu ombro antes de apoiar o queixo em seu pescoço. Jimin caçou por suas mãos e enlaçou os dedos do pai. Pareciam um casal apaixonado — não estavam muito diferentes disso. Não tinha como não se apaixonar por Baekho.

— Ele me lembra quando você era pequenininho — Jimin não precisava virar para ver que o pai sorria. — Como o tempo passa — fungou baixinho — Em breve todos vocês seguirão as suas vidas.

Jimin virou para ele, quase aflito.

— Por que está dizendo isso agora?

— Eu não sei. Mas, vocês crescem muito rápido.

De repente, o pai pareceu desmoronar diante de seus olhos. Os belos olhos esverdeados brilhavam à translucidez das lagrimas e a voz afinava mais e mais. A testa lentamente começara a franzir. Jimin sorriu e o abraçou com força.

— Precisa descansar um pouco. Acho que papai não se importará se o senhor tirar um tempo para isso — disse Jimin suavemente.

— Não, eu estou bem.

— Tem certeza?

Taehyung desviou de seus olhos e respirou profundamente. De olhos fechados, assentiu.

— Você que deve estar muito cansado. Como foi com a escuderia?

Jimin sorriu, ainda não engolindo o teatro do pai que alegava estar bem.

— Acho que sobrevivo a mais um dia — disse, sem sequer saber que suas palavras tomariam o total domínio da situação antes mesmo que o sol nascesse.

Um silencio aterrador pousou entre eles. Baekho produziu um pequeno ruído ao revirar na cama e os dois o acompanharam até que voltasse a adormecer como a fofa e imaculada estatua que fazia. Uma mecha de cabelo lançada por sobre a testa, e a boca entreabriu-se para encontrar mais ar do que o nariz entupido conseguia achar. Jimin retornou para o pai e ele sorria largamente, ainda apreciando as feições dóceis do filho.

— Acha que ainda consegue jantar conosco? — Taehyung voltou a lhe dirigir a atenção — Vejo em seus olhos o quanto está cansado.

Jimin assentiu.

— Acho que já tive muito por hoje. Não tenho fome.

Taehyung sorriu e tirou uma mecha de cabelo da frente de um de seus olhos. Por fim, os longos e delicados dedos escorreram pela face de Jimin.

— Pode ir descansar. Amanhã conversamos, sim?

Jimin beijou seu rosto e deu uma boa olhada no irmão antes de sair do quarto. Abriu a porta para que o pai passasse e seguiu cada um para um lado do corredor. Mal sabia Jimin que aquela era a última noite em que veria o irmãozinho ou os outros. Aquela era a última noite que passaria no palácio. Aquele era o último jantar que teria em família, e ele não compareceu.

O caçador viu os olhos de Jimin se abrindo violentamente, então os lábios fizeram o mesmo. Duas lagrimas caíram, uma de cada olho, e deslizaram lentamente por suas faces. Jimin voltou a fechar os olhos, os lábios tremeram momentaneamente e logo o seu corpo teve a primeira convulsão. Ele afundou o rosto por entre as mãos e começou a chorar.

Jungkook permanecera inerte. Os olhos o avaliavam com calmaria, até mesmo inexpressivos. Parecia vazio por dentro — após tanto tempo, demoraria um pouco para encaixar as suas emoções no lugar. Em seguida à confusão e àquela breve surpresa, surgira outra emoção, embora ele muito zombasse delas. Jimin lhe parecera mais claro, como se uma luz o incendiasse por inteiro. Claro. Foi assim que Jungkook sentiu-se quando o jogaram naquele lugar. Vazio. Repleto de dor e um ódio terrivelmente acido que fazia queimar a sua pele. A raiva, aquela maldita vontade de chorar.

Quantas vezes teria gritado que não havia feito nada? Quantas vezes teria olhado para o rosto de Taehyung e visto um demônio projetado fixamente em seus olhos? Não tinha como escapar daquilo. Estava fraco, lembrava-se que o ritual para lhe dar a imortalidade começava com uma forte facada no peito. O sangue escorria por suas roupas.

Milhares de pessoas esbravejavam palavras dolorosas. Jungkook era um monstro para elas. Era um demônio acorrentado, falsamente julgado, quando o verdadeiro estava livre. O seu corpo foi estilhaçado assim que colidiu com o fundo da cratera. Era escuro, frio... Pela primeira vez, se deu a liberdade de chorar. Chorou aos gritos, visto que ninguém o ouviria. Logo a terra começou a despencar sobre o seu corpo. Ia retirando o ar, espremendo seu corpo. Estava preso, completamente sufocado.

— Como está a situação no reino? — Jungkook lançou ofegante. Parecia ter acabado de despertar de um pesadelo.

Jimin secou os olhos rapidamente com o dorso das mãos. Parecia mais sensível. Delicado como uma flor de lótus. Esbanjava uma delicadeza mordaz que crescia em meio a ruinas. A ruina dos próprios sentidos.

— Nada boa — respondeu. A voz fina como se soltasse pequenos miados.

— O que ouve, princesa? — disse Jungkook intencionalmente.

Jimin estreitou os olhos.

— Não me chame de princesa — ordenou.

— Mas você parece uma — Jungkook sorriu ladino. Jimin agora não chorava, apenas exalava um brilho homicida nos olhos. Ao menos, Jungkook sabia como lidar com a fúria, visto que sentimentalismo nunca entrou para a sua lista de virtudes. Ainda mais convencido, continuou ditando — É tão sensível e infantil. Repúdio a ideia de que uma criança tenha me tirado daquele lugar.

Os olhos de Jimin faiscaram e Jungkook sorriu ainda mais largo. Os dois olhares se entrechocando como o encontro de duas rochas. Uma raiva liquida começara a perambular o peito de Jimin, estava a um fio de dizer tudo o que começara a se amontoar por entre os dentes, mas ele não lhe daria aquele gosto. O Jeon estava se divertindo com o seu descompasso. Que golpe sujo!

— E quem estava esperando? Um príncipe encantado? — replicou Jimin. Um sorriso vitorioso brilhando nos lábios — Meu encanto pode não lhe fazer tão bem.

Jungkook jogou a cabeça para trás e começou a gargalhar. Foi mutuo, um riso sadio que subiu por sua garganta como fogo. Aos poucos, ia se recuperando. Os olhos pararam sobre o Park e balançou a cabeça.

— Esperava qualquer um — engoliu o riso e suspirou alto — Só me surpreende que um fraco tenha conseguido tal feito.

As feições de Jimin se tornaram duras. Os olhos chamuscaram o caçador e os braços se posicionaram ao lado do corpo. Ele foi longe demais. Antes que percebesse as falanges se fechavam contra a palma de sua mão. Um choque quente eriçou os fios de sua nuca.

— Eu não sou fraco — sua voz saiu quase mecânica.

Jungkook arregalou os olhos e olhou para o chão. Estava tremendo. O garoto? Jimin fazia isso? A realidade o fez subir descontroladamente e então o soltou em uma queda fria e dolorosa.

Podia jurar que aquele povo estava morto. Tinha certeza quase absoluta de ter eliminado cada um deles e, agora, Jimin, o filho de Taehyung, carrega o mesmo poder.

Uma onda fria subiu por sua garganta. Como um grito, subindo apertadamente pelas paredes úmidas que levavam a sua boca. Estava perplexo, não, isso não era perplexidade. Tinha um gosto amargo. Era frio e penetrante. Como um maldito sentimento de inutilidade. O garoto estava se destruindo aos poucos, a cada onda de tremor. Sim, ele sabia. Todos se destruíram.

— Pare! — o grito escapou dos lábios de Jungkook como um projetil cromado. A voz, pela primeira vez, tornara-se uma miscigenação de sentimentos. Ora raiva, ora ansiedade. Não era preocupação, era diferente. Jimin via isso através dos olhos embaçados. Era estranho...

O mundo ia descolorindo ao redor de Jimin, tinha um aspecto sombrio. Pequenos borrões avermelhados começaram a cintilar aos arredores de suas pupilas. Os dedos se estiraram, como que em uma convulsão. Os olhos dilataram-se. Um grunhido escapou-lhe por entre os dentes.

O chão já não tremia e, de repente, o mundo começou a esmaecer cada vez mais. Já não via mais o caçador, apenas imensos pontos avermelhados. Estava perdendo os sentidos — algo que nunca lhe ocorreu em todos aqueles anos; quisera ele ter desmaiado a cada fatalidade que aquele maldito poder acarretara em sua vida.

O ar secou momentaneamente, então seus músculos cederam. Apoiou o corpo com as mãos sobre o chão de terra e tudo recomeçou; uma pequena fisgada na coluna, logo a dor fora se alastrando como furiosas chicotadas em suas costas. O sangue subiu por sua garganta, como se uma rocha estivesse tentando abrir caminho por ela. Uma contração violenta no peito e Jimin sentiu como se algo o perfurasse por dentro. Os ossos pareciam soltos, esmagando o que encontrassem em seu corpo. Uma nova contração e Jungkook o viu chorar dolorosamente. Um filete de sangue saltou de sua boca e o grito de dor estremeceu em seus ouvidos.

Jimin sentiu aqueles braços enlameados passando em torno de seu corpo. Jungkook o colocou em pé, sustentando-o unicamente por sua própria força. Os braços cruzaram seu abdômen e começou a apertar. Jimin sentia como se estivesse sendo literalmente esmagado. Em algum momento, viu-se gritando, gritando alto, um grito quente que doeu a garganta de tão intenso. Os ossos estalaram, mais sangue saiu por sua boca e o mundo mudou de vermelho para cinza.

Jungkook viu seu corpo escorrer por entre os braços e Jimin caiu de joelhos no chão. Num ultimo vislumbre de consciência, o Park vira seu corpo flutuar no espaço, e então despencou no chão. Os olhos ainda lutavam, mas toda a sua força não era suficiente para tragar a sua alma de volta a realidade. Estava longe, muito longe. Ouviu Jungkook dizer algo, nada que conseguisse compreender.

Apagou completamente.

[...]

As horas se passaram, minuto a minuto. No céu, clarões de luz iluminavam a floresta. O tempo havia fechado rapidamente. Chicotadas azuis cruzavam as nuvens com um som estrondoso. Não demorou muito para a água despencar. Uma chuva torrencial, com pingos do tamanho de moedas de prata. Jimin acordou um tempo mais tarde. O corpo encharcado, rosto colado na lama. Não estava próximo da fogueira. Era superficialmente protegido por uma pilha de pedras. Claro, se estivesse embaixo de alguma arvore, já teria morrido eletrocutado.

Os trovões rugindo ao longe, mas, ainda mais próximo do que pensava ouvir. O dia parecia noite. Nuvens escuras baixaram sobre a terra e trouxeram a escuridão para o solo, beirava as 14 horas. A luz de outro clarão fez brilhar as pupilas de Jimin. Por um breve momento, sentiu medo. O tempo se exibia com uma fúria indestrutível.

Se sentou no chão com dificuldade. O mundo ainda virava em torno de seus olhos, mas a dor amainara-se com o tempo — tornou-se mais calma, tranquila; como se a fera em seu interior resolvesse adormecer por um tempo. E Jimin não queria pensar no significado de “por um tempo”, porém seu coração inquieto insistia nisso.

— Finalmente acordou — a perdida voz de Jungkook elevou-se atrás de suas costas, rouca e sem qualquer remendo sentimental.

Jimin virou-se abruptamente e sentiu sua temperatura interna cair para zero — era estranho, mais parecia uma onda quente percorrendo o seu corpo e congelando seus membros, nada tão ilógico. Suas pupilas dilataram-se momentaneamente e o ar travou em sua garganta.

Jungkook vinha em sua direção. Tinha uma lança presa às costas com a ajuda de um pedaço de um cipó, e duas lâminas na cintura. O corpo musculoso vinha balançando deliciosamente em sua direção — movimentos ritmados e felinos faziam reluzir seus ombros largos. A pele era de uma brancura inconcebível. Os cabelos desciam lisos pela testa. Era outro homem, não era possível que fosse o caçador.

— Melhor partimos logo — disse ele. — Tivemos visita enquanto esteve adormecido.

— Quem esteve aqui?

Jungkook ensaiou um sorriso sínico, mas então desistiu.

— Não sei — respondeu. Lhe estendeu a mão e Jimin a segurou. — Mas acho que vamos descobrir em breve.

Jungkook ajudou o Park a se levantar e olhou fundo em seus olhos. Embora menos intimidador do que antes, quando as faces eram obstruídas pela terra, aqueles olhos nunca pareceram tão radiantes. Jimin podia sentir as chamas queimando em seu corpo.

— É melhor irmos logo para o palácio, assim poderemos acabar com isso logo — Jimin virou os calcanhares para começar a caminhar e Jungkook o puxou pelo antebraço. Virou com força e colidiu em seu peitoral.

— Voltar AGORA para o palácio não é uma boa ideia. Aliás, preciso recuperar algo antes disso.

Jimin puxou o braço rispidamente. Sentiu algo avolumar-se em seu peito, era quente, quase febril. Por um instante, viu-se questionando se o caçador estivera fugindo de sua promessa.

— Nós vamos para o palácio, está decidido — disse ele. Os olhos eram vagos, frios e inexpressíveis. A posição de suas palavras fez ressoar uma luz terna de seu interior; estava finalmente se posicionando como um homem. Mas, decidido ou não, sua sonoridade sequer o tocou.

— Certo.

Jungkook lhe deu as costas e voltou a caminhar para a direção de onde vinha. Jimin tornou a sentir a raiva aumentar, algo como uma maldita corda lhe apertando o peito.

— Para onde pensa que está indo? — exclamou sem notar o quão alta sua voz saira para alcançar uma distância tão curta.

Jungkook virou, inexpressível e arqueou uma das sobrancelhas, abrindo os braços em seguida, andando de costas.

— Para o palácio, onde mais? — um sorriso insolente repuxou o canto de seus lábios. — Vá por aí, eu sigo por aqui. Nos encontramos lá em alguns dias. ISSO se você sobreviver até lá.

Jimin se sentiu empurrado e derrubado por aquelas palavras. Ouvia-se apenas o som de sua voz interior esbravejando: se tiver algum deus me ouvindo, qualquer um. Você nem precisa ser muito importante. Apenas faça um raio cair na cabeça desse homem, sim?

— Isso é jogo sujo — replicou Jimin com os dentes tão apertados que poderia esmigalha-los sem qualquer dificuldade.

O Jeon aceitou suas palavras em silencio. Virou-se e voltou a caminhar. Alguns elogios foram disferidos às suas costas, mas não deu muita importância.

[...]

A caminhada seguiu em um silencio continuo. Horas haviam se passado. Contudo, a chuva caia com aterradora persistência e as trovoadas tomavam força vigorosa no interior das nuvens mais pesadas.

Era de um vigor obsceno o método nada tradicional que tudo e todos aderiram para o lançar de um soco no estomago de Jimin.

O chão tornara-se uma imensa poça lamacenta, a chuva ajudava ao seu modo carismático e sorridente e o Jeon, bem, o Jeon fora o alvo de grande parte dos gracejos que Jimin fez ganhar asas em sua boca. O homem estava decidido a correr, caminhava a meros cinco metros à frente, mas não tinha força no mundo que fizesse Jimin alcança-lo. Era como se pressentisse a sua aproximação e acelerasse os passos.

O Jeon sentia que estava próximo da corredeira. O lugar cheirava a morte em seus tempos de caça, agora estaria muito pior. Vez ou outra, olhava pelos ombros para ver como o Park seguia. Por mais estranhamente espantoso, sempre o encontrava cabisbaixo — abraçando o próprio corpo, em uma tentativa desenfreada de tentar aquecer-se em meio ao vento gelado que cortava a floresta ao meio. Tinha graça. Suas bochechas embebedavam-se de sangue e tomava aquela familiar coloração avermelhada, muito comum naquele momento, quando a temperatura se mostrava esmagada após uma queda dura e repentina.

O trajeto seguiu por mais alguns minutos, ecoava apenas o som ruidoso dos pés espremendo a lama escorregadia e a chuva trovoando sobre suas cabeças. De repente, Jungkook parou de caminhar e Jimin despertou violentamente com o rosto achatado em suas costas.

— O que você-

— Shhh — o caçador ergueu uma mão e apontou para baixo. Os dois acharam lentamente. — Estão nas arvores. Não são poucos.

Jimin se demorou nas copas dos enormes pinheiros. As pontas afiadas de enormes flechas cintilavam sob a luz vibrante dos raios. Cambaleou para trás com os olhos arregalado e Jungkook o segurou pela cintura, firmando seus passos em falso.

— São do exercito — murmurou Jimin espantado — Eu lutei ao lado desses desgraçados! — exclamou revoltado.

— Agora não é hora — sua voz era meditativa. Vibrava nos ouvidos de Jimin, mas se mostrava longe. Afogava-se em um mar de pensamentos. — Teremos que correr.

— É impossível — disse Jimin, solenemente — Estão sobre as arvores, nos acertarão sem a menor dificuldade.

— Vejo que conhece muitas táticas de combate.

— Apenas fiz a lição de casa. Assim como todo homem que se preze — Jungkook sorriu ladino. — O que foi? Dê-me uma de suas lâminas e provo o que lhe digo.

Ele riu baixinho. Por um instante, conseguira encontrar traços de Taehyung naquele garoto. Nada bom, ao mesmo tempo que era útil no momento. Sentia-se aliviado em saber que Jimin era uma criança um pouco mais inteligente que as outras.

— Fico feliz em saber que não é um inútil. Agora, diga, consegue derrubá-los?

Os lábios de Jimin se abriram e então se fecharam novamente. As palavras trilhavam todo o seu corpo, mas nenhuma alcançava a sua boca.

— Eu não sei, talvez — hesitou, e respirou fundo antes de continuar — E se aquela dor retornar?

Jungkook via o medo iluminar seu olhar.

— Seja especifico. Sim ou não? — replicou.

Jimin bufou e fechou os olhos. Esperava avidamente pela dor. Se naquele momento, o corpo quase explodiu em pedaços, agora seria ainda pior — imaginava. Fechou os dedos das mãos e algo começou a se esvair de seu corpo. O estava abandonando aos poucos, como uma energia concentrada. Nas pálpebras, via diversas nuances se dando as mãos. Borrões vermelhos, amarelos. Explosões cintilantes de cinza e azul. Pinceladas brutas criavam contornos do que seria um rosto.

As cores começaram a vir com mais força. Colidiam umas com as outras. Agora vinham em direção aos olhos de Jimin. Seus olhos contraiam-se aprisionados com as pálpebras. Sua respiração se descontrolou. Estava aflito. Agora, era bombardeado de todos os lados.

Jungkook via os soldados despencando de cima das arvores. Alguns colidiam com os enormes troncos e desciam como pesadas bolas de sangue. Outros despencaram sem quaisquer intermédios. Antes que notasse, precisou segurar-se a arvore ao lado para manter-se em pé. Sentiu um estalo na garganta e sua euforia para com a morte dos soldados ia perdendo simetria. Os olhos correram para Jimin e ele ofegava, os fios loiros agora tomavam uma coloração avermelhada — como se o sangue de seu corpo percorresse cada um dos fios, então engravidasse as pontas e assim despencavam sobre o solo, gotas grossas e de um vermelho sujo.

Jimin agora sentia doer. Eram muitas pancadas ao mesmo. Cores saltando em suas pupilas, manchando tudo e escorrendo como sangue fresco. De repente tudo parou. O bombardeamento cessou, as corres escorriam por seus olhos como uma geleia densa e grudenta. Então, ele viu aquele rosto. Bochechas ondulosas, olhos intensamente chamejantes, fios negros e lisos despencando como cascata sobre a testa. Jungkook ou Sungkeun? Os lábios foram se abrindo aos poucos, dentes amarelados saltaram como enormes serras por sobre o lábio inferior, o sangue esguichou na direção de Jimin. Então, ele despertou ofegante com a mão de Jungkook puxando a sua.

Os olhos se abriram bruscamente e sentiu o peito gritar por ar. As pernas oscilaram e caiu para trás, sendo fielmente acolhido pelos braços de Jungkook.

— Foi horrível — murmurou Jimin com os olhos arregalados.

— Hm? — Jungkook o colocou em pé — O que foi horrível?

Jimin viu a confusão nos olhos de Jungkook. Passou as mãos pelo cabelo e respirou profundamente. Era tudo ainda mais confuso para ele. Então ele lembrou do que estavam fazendo.

— Os soldados?

— Caíram — respondeu Jungkook — Mas temos outra coisa para nos preocupar. Tem uma frota logo à frente. Não muito longe.

— Alguma ideia?

— Estou pensando.

— Seja especifico. Sim ou não? — replicou Jimin, cruzando os braços em frente ao peito.

Jungkook sorriu.

— Tem tanto medo de morrer? — provocou.

— Diga isso novamente e o inferno terá um novo líder — ralhou Jimin.

— Seja quem for, acho que o líder ficará com muita raiva se você tomar o lugar dele.

Jimin bufou alto. As palavras subiram pela garganta e morreram ao som das próximas palavras do Jeon.

— Está pronto, princesa?

— Não me — Jungkook puxou a lança das costas e a girou por entre os dedos molhados. Jimin foi tomado por um admirável espanto — Como consegue?

— Acha que pode utilizá-la? — perguntou Jungkook, ignorando-o. Estendeu a lança para ele e olhou fundo em seus olhos. — Está afiada, o mínimo descuido pode ser fatal.

Jimin soltou a respiração e sentiu as mãos flutuarem no ar, então dobrou os dedos ao redor da lança. Jungkook soltou e as mãos retornaram para a realidade. Era pesada. Nada impossível de ser levantado, mas que seria humanamente difícil girar entre os dedos. Agora compreendia a posição de seu avô em querer o caçador — manejar esse tipo de armamento seria muito útil a um reino como Nebralya.

— E você?

Jungkook sorriu e lhe deu as costas.

— Cuide-se, eu me viro com o resto — disse calmamente.

Eles começaram a caminhar. Abriam caminho ao redor de enormes arvores. Tomando o máximo de cuidado para não dar de frente com os soldados, mas era iminente. Jimin sentia o cheiro ficando mais aguçado, mais espeço e concentrado. Estavam perto, perto o suficiente para surpreendê-los a qualquer momento. Então Jungkook parou de caminhar e alcançou uma de suas mãos, Jimin não questionou o que estava fazendo, simplesmente permitiu que os dedos encontrassem os seus.

— Vamos correr — disse Jungkook.

Um raio cortou o céu, tatuando uma cicatriz azulada por entre as nuvens negras. Jimin sobressaltou e seu coração tomara o mesmo susto. Não ouve tempo para questões, tinha que confiar em Jungkook daquela vez. Nem ele mesmo teria um plano para passar por tudo aquilo. Talvez voltasse para trás e seguisse pela outra direção, mas apenas tardaria algo que aconteceria em qualquer outro lugar.

Os pés afundaram ainda mais na lama e os dois se ergueram no mesmo momento. As pernas escorregaram e o corpo recebeu o impulso preciso para alcançar uma boa velocidade antes que os soldados tivessem tempo para mirar em seus corpos.

Jimin mantinha a lança erguida do solo, as pernas tomavam velocidade própria e a mão que Jungkook segurava estava dormente. Ele não estava brincando. Estava claro que esmagaria os dedos de Jimin antes de permitir que o seu corpo caísse — vinha como uma onda de confiança no Park, ao mesmo tempo que amaldiçoadamente brutal, os dedos doeriam por muito tempo.

Os soldados gritavam coisas inaudíveis para eles. Jungkook jogava o corpo para frente e corria de uma forma felina. Jimin fantasiava vê-lo caindo sobre as mãos e correndo como um enorme leão. Escalando as arvores com temidas e lustrosas garras amareladas. O pelo encobrindo a pele clara e a calça antiga. Presas firmes saltando o lábio inferior. E a boca cuspindo um rugido aterrador que faria as nuvens gritarem de medo e correr para longe.

— Para a direita! — bradou Jungkook.

Jimin sentiu um baque surdo em sua cabeça então soltaram as mãos. Partiu ainda mais rápido para o lado direito de um enorme pinheiro e Jungkook sumiu de vista, seguindo a outra direção. Olhando sobre o ombro, viu algo que fez seu peito gelar. Os soldados não se abriram na divisão de captura, onde cada parte seguiria um — estavam todos atrás de Jimin.

O caçador reapareceu do outro lado. Uma das mãos agarrou seu antebraço e Jimin girou sobre os calcanhares batendo ferozmente as costas com as dele. Estavam sendo cercados, soldados espalhavam-se por todos os lados. Eram muitos.

Jungkook puxou as lâminas da cintura e os olhos viajaram pelo rosto de cada um dos soldados. Medo, ele sentia o cheiro. Todos tinham medo dele, estavam retraídos, encolhidos uns com os outros; sabiam quem era e também sabiam o que aconteceria.

— Tudo bem, aí atrás? — perguntou Jungkook.

— Ainda estou vivo. Obrigado pela preocupação.

Jimin sentia a onda de calor crescendo em seu interior, como um imenso balão de ar esticando os últimos centímetros antes de explodir. Mas ao contrario do que pensou que faria, ao contrario de tremer como uma criança, sentiu algo denso corroendo suas paredes internas — cada centímetro de seu corpo era completo por aquela emoção; tinha medo, um maldito medo que fazia doer o seu peito, mas a raiva estava a ponto de ebulição — suprimia as forças do medo com uma fúria lasciva. Era preparada, especialmente, para iniciar a destilação e lhe mostrar mais alguns dos compostos que fariam ressurgir mais sentimentos de ódio em seu peito.

Aonde estaria o príncipe bondoso que sempre foi?

Mais tarde ele olharia para a cara de Jungkook — quando os dois já tivessem formado uma boa ligação entre o orgulho que entrecortava suas distancias —, e os dois ririam até o estomago doer. Jimin entraria em um acesso feroz de tosse, e depois de muito pensar com os olhos fechados, chegaria a triste constatação de que o príncipe estava morto.

Jimin continuava vivo; um homem menos apurado, como minério bruto. Antes lapidado pelas malditas leis do reinado. Agora, dissolvido em um mar de realidade — era ele mesmo.

Uma lagrima escorreu quente de um dos olhos. Por um momento, olhando para cada um daqueles escudos e as lâminas, virgens, aprumadas nas mãos dos soldados viu que era a sua vida que estava em jogo naquele momento. Acima de tudo, percebeu que o mundo não era delicado.

Os soldados começaram a avançar. Jimin estava parado, não conseguia se mover. A mente flutuava por um universo paralelo, mas tornou a pousar na Terra antes que fosse tarde demais. Empunhou a lança com as duas mãos, e para a sua surpresa, parecia mais leve do que nunca. Soltou uma das mãos e fez um giro de 360 graus. Era coisa da sua mente?

Os soldados vinham rápido, pareciam mais ansiosos do que determinados e foi um fato conclusivo para Jimin montar um ponto fixo de ataque. Girou a lança e firmou o pé direito um pouco mais à frente do corpo. Um baque ruidoso estremeceu em seus ouvidos, como o som de algo sendo rasgado — pele dilacerada. A lança foi em cheio no queixo de um dos traidores, a cabeça tombou para trás e saltou para sobre os que vinham atrasados.

A sensação era horrível, tinha um gosto horrível, e o cheiro sequer precisa ser comentado. Sentia os músculos distenderem, a pressão nos ombros torna-se sufocante e as lagrimas ardiam em seus olhos e nariz.

Eram soldados do reino. Lutaram ao lado de seus pais, até mesmo de Jimin.

Como podem ser tão ingratos!

As lagrimas não o permitiam ver mais nada, era como se a lança se guiasse sozinha. Jimin agradecia por isso — embora soubesse que era ele ali, estava encolhido em algum canto de sua mente. Chorava aos berros, enquanto o corpo seguia em piloto automático.

Jungkook virou-se para ele e o que via fez brotar um sorriso no canto de seus lábios — o mesmo que engoliu antes mesmo que saltasse para a realidade. Jimin virava como um louco, ora parava para tomar ar. Chutava os mais próximos e girava a lança entre os dedos como se fosse um pequeno pedaço de graveto. Os corpos iam saltando, outros recuavam, e aquela fúria parecia embebedar o ar. O garoto era incrível.

A chuva despencava. O céu rugia assombrosamente, e o dia parecia ficar ainda mais escuro. As gotas doloridas pareciam transformar tudo. Soldados não eram mais soldados, Jungkook não era mais Jungkook e Jimin não era mais Jimin, eram apenas mais um emaranhado de mistério. Invisíveis na escuridão.

De repente, Jimin olhou na direção de Jungkook, como se os olhares fossem magnetizados. O contato — não físico — pareceu durar uma imensidão. Era uma viagem profunda no olhar um do outro, como se a realidade adormecesse por longos segundos. Um toque quase febril, cortado por um reflexo instantâneo do corpo de Jimin despencando no chão lamacento. Um soldado lhe atingiu o pescoço com o escudo. A lança saltou de seus dedos e ele caiu no solo.

Distante. Sem importância. A lama saltou sobre o seu cabelo e rosto e todos os sons se fizeram lentos e longínquos. Jimin podia sentir tudo girar lenta e dolorosamente. O mundo se esvaindo; sons, cores... O corpo estava embarcando em uma viagem sonolenta. Podia sentir apenas o som da respiração ecoando em seus ouvidos. Vozes sendo afogadas pela escuridão. Então, uma luz, radiante e azulada, envolvia todo o seu corpo como uma barreira de aço. Laminas golpeavam sua pele, sem causar danos em absoluto. Corpos começaram a despencar ao seu redor, e uma mão agarrou a sua. Seus olhos se abriram sonolentos e Jungkook também estava com a mesma cor, radiante e espectral. Estava protegendo-o? Ele passou um dos braços por debaixo dele e o levantou como se tivesse menos da quinta parte de seu peso atual.

— Não vou segurar por muito tempo. Temos que correr — gritou Jungkook.

Jimin ainda não estava de todo lucido, suas pernas trabalharam autônomas novamente, cortavam a floresta às pressas. Lenta, a luz ia se esvaindo. Jimin olhou por sobre o ombro e a chuva de flechas que estava em formação o fez correr ainda mais rápido quanto o homem ao seu lado. A adrenalina começara a escorrer por sua garganta e inundar todo o seu corpo. Estava quente. Um sorriso alucinado se formou em seus lábios, era histérico e atraente — aos olhos de Jungkook. As mãos se soltaram, mas seguiram ombro a ombro até que os soldados começaram a ficar para trás.

— Eu preciso parar — o ar começara a pesar, o corpo gritava e as pernas de Jimin começaram a tremer. Foi ficando para trás aos poucos, então parou recostado em uma arvore. Seus pulmões eram perfurados pelo oxigênio.

— Não podemos parar agora — comentou Jungkook — Eles logo nos alcançarão.

Jungkook sentia o peito se retrair a cada respiração. O ar queimar seu corpo como se fosse fuzilado a cada inspirar, mas tinha em mente que ainda não era o suficiente, tinham que se afastar muito mais que aquilo para poder garantir a liderança naquela corrida mortal.

— Eu não aguento.

Estava pálido, todo o sangue do rosto parecia suprimido pelo cansaço. Uma das mãos pressionava a barriga com força e estava claramente lutando contra outra dor, além da que a corrida exagerada lhe causara.

Gritos foram ouvidos. Uma onda fria correu o corpo de Jungkook, como um rodamoinho de emoções. Os dois se entreolharam. O Park pálido e sem forças, os enormes olhos azuis cintilando à luz mordaz do próprio medo.

— Passe o braço pelo meu pescoço — ordenou Jungkook.

O Park arregalou os olhos e cambaleou dois passos para trás.

— Ah, não. Você não vai me carregar. Não existe nada tão humilhante.

Jungkook lhe deu um sorriso encantador. E lhe estendeu uma das mãos.

— Se ficar, terei que lutar por você. Não acha mais humilhante? — deduziu.

Jimin fechou os olhos e suspirou internamente. Um caçador não poderia parecer tão encantadoramente cordial a este ponto, poderia?

— Certo — estendeu o braço ao lado do corpo e Jungkook se enfiou entre ele.

O Park não conseguia ver aquilo, a vergonha lhe roubava todas as forças que já não tinha. Sentiu aqueles braços passando embaixo de seus joelhos e logo o chão desapareceu abaixo dos pés. A cabeça repousou em um dos ombros de Jungkook e ele podia sentir-se explodir em mil pedados de tanta vergonha.

Não saberia dizer exatamente como se sentia tão mal, embora soubesse que o corpo ainda não estava completamente curado. O cansaço fez o glorioso trabalho de tornar ainda mais insuportável a sua luta com a própria carne, mas foi algo que não poderia impedir que acontecesse.

Estavam correndo, na verdade, Jungkook corria — impressionantemente rápido, por sinal. Jimin mantinha os dentes trincados, algumas fisgadas o contemplaram ainda que suspenso do solo, o movimento involuntário do corpo fazia com que tomasse um caminho um pouco mais doloroso do que poderia ter se continuasse caminhando, se conseguisse, é claro.

— Você consegue ficar em pé? — questionou Jungkook. Estavam parando agora.

— Claro.

Jeon pousou seus pés no chão com calma e olhou para a arvore à sua frente.

— Acha que pode subir?

Jimin ergueu os olhos e engoliu seco.

— Não vou conseguir — disse espantado.

— Vou te ajudar, não se preocupe. Preciso apenas saber se ainda consegue se manter em pé.

Jimin olhou em seus olhos e deu um passo à frente. A dor o forçou a trincar os dentes, mas deu sorte de a coluna não sucumbir no momento. Poderia manter-se em pé sem demais dificuldades, mas subir uma arvore como aquela seria impossível em seu estado. Um dos braços de Jungkook lhe envolveu pela cintura e ele o guiou até o tronco da arvore. Jimin recostou suavemente e viu o caçador puxar alguns cipós nas arvores adjacentes. Foi rápido e preciso. Não precisou questionar nada, visto que ele parecia certo o suficiente de que estaria fazendo tudo como que havia planejado.

Voltou a ele e lhe entregou uma das pontas do cipó. Ainda não compreendia muito bem o que ele estava fazendo, mas viu que começou a amarrar a outra ponta na própria cintura, então, compreendeu tudo.

— Vou subir e puxa-lo.

Jimin assentiu.

Jungkook puxou as lâminas da cintura e se lançou no tronco da arvore. Jimin não suportou segurar o sorriso. Jeon Jungkook com certeza era o arquétipo de um homem selvagem. Sabia exatamente cada um dos tramites para sobreviver majestosamente em meio a toda aquela guerra de folhas e troncos gigantescos.

Os gritos dos soldados estavam ficando mais alto agora. Estavam perto, muito perto.

Jimin sentiu um pequeno puxão do cipó em sua cintura e ergueu os olhos. Jungkook gesticulou com as mãos, insinuando para que se aproximasse da arvore. Não foi preciso tocar no tronco, o príncipe foi içado rapidamente e logo alcançou a mão que o Jeon lhe estendia.

Eles correram agachados pelo imenso galho, tendo os rostos insistentemente riscados pelas folhas ásperas da imensa copa. Jungkook o guiou pelo trajeto sinuoso e pararam com os ombros colados.

Por uma pequena abertura das folhas, viam os soldados passarem correndo com escudos e espadas afiadas. Arqueiros vinham mais lentamente. As flechas fielmente guardadas nas cordas tencionadas dos arcos — pareciam prontos para o ataque. Mas, mesmo que tentassem, não conseguiriam vê-los ali. Embora corressem um risco gigantesco de serem atingidos por um raio, estando àquela altura, Jimin precisava admitir que não existia esconderijo melhor.

A decida foi um pouco mais tranquila. Esperaram tempo suficiente para que os soldados desaparecessem pela floresta, então retornaram ao solo.

— Para onde vamos agora? — perguntou Jimin, erguendo os olhos estreitos para o caçador. A chuva dera uma piora tremenda. Agora tornara oficial, era impossível manter os olhos abertos.

— Vamos para oeste. Atravessamos as corredeiras, e então estaremos perto.

— Como pode saber se tudo não está diferente? Passou dois mil anos longe dessas terras — protestou Jimin.

Jungkook sorriu, os dentes saltando como uma bela placa de cerâmica fina por entre os lábios.

— Sei que pode parecer estranho, mas eu sempre segui os meus instintos e eles nunca erraram.

Jimin franziu o rosto, sorrindo.

— Instintos? Seria próprio de um caçador deixar-se levar por eles?

Ele sorriu ainda mais largo, embora Jimin não conseguisse ver suas expressões muito bem, por conta da chuva torrencial. O caçador se aproximou lentamente e olhou por sobre seu ombro. Mais um raio rasgou o céu e o trovão escorreu para dentro de seus ouvidos.

— Todos possuem seus próprios instintos. Disse apenas que os meus nunca me traíram — Jimin assentiu e viu o sorriso morrer em seus lábios e suas expressões voltarem a se tornar sombrias — É melhor que não fiquemos parados. A chuva está turbulenta. Pode piorar ainda mais e nos impedir de chegar próximo das corredeiras.

Jimin voltou a assentiu e se pôs a caminhar, mas a duvida ainda brincava em sua cabeça.

Caminhavam lado a lado, agora. Jungkook não se preocupava em tomar a dianteira, tampouco parecia estar presente em seu próprio corpo. Estava sério, a cabeça olhava para frente fixamente e os olhos se perdiam em algo mais.

— Está tudo bem? — perguntou Jimin.

Jungkook suspirou internamente e o encarou ainda perdido.

— Está tudo ótimo — voltou a olhar para frente.

— Não é o que parece.

— Estou apenas pensando, nada que lhe diga respeito.

Ele revirou os olhos.

— É fantástico como consegue ser tão amável e odiável em certos momentos.

Jeon sorriu sem desviar os olhos do caminho.

— Realmente sinto muito. Creio que não esteja acostumado a lidar com pessoas como eu — não estava mais sério, o deboche era quase tão deslavado que Jimin se perguntou o porquê de ainda tentar se preocupar com ele.

— São raros os homens do seu nível. Acredite, já conheci menos odiáveis.

Jungkook riu internamente.

— Fiz uma promessa de que o ajudaria — iniciou, o sorriso morreu no mesmo instante — Não sou do tipo que foge de um acordo, mas não digo que sou obrigado a lhe fazer companhia em seus momentos de solidão. — Jimin sentiu o rosto queimar — Como eu sou ou deixo de ser não lhe diz respeito, e se realmente quiser que esse acordo renda frutos, espero que compreenda que a sua vida não me interessa nem um pouco. Farei o que estiver ao meu alcance para que fique seguro, mas não sou seu servo tampouco um criado para que o fique carregando por todos os lados.

Jimin ficou furioso.

— O que insinua com isso? — se exaltou — Nunca quis que me fizesse companhia, também não te vejo como um servo. Naquele momento não precisava ter me carregado, eu podia caminhar muito bem sozinho.

Dessa vez, ele o encarou. Os olhos queimavam.

— Sozinho? — zombou — Não suporta ficar em pé. Tem se posicionado como uma criança desde o início.

— Uma criança não te encontraria onde ninguém mais conseguiria — Jimin lançou desafiador.

Para a sua surpresa, o caçador parou de caminhar. Ele não sabia ao certo o que aconteceria, mas de qualquer forma, não imaginava que ele aceitaria aquilo com tanta facilidade. E quando ele virou lentamente, o coração praticamente sambou em seu peito.

Ele o olhava em silêncio, os olhos estavam levemente estreitos e os músculos contraídos, fazendo parecer que estava um tipo de "modo de defesa". Sorriu debochado, encarou o chão por um momento e voltou a encará-lo e começou a caminhar em sua direção.

— Realmente espera por uma resposta? — sua voz intencionalmente rouca pareceu penetrar cada poro da pele de Jimin até atingir seus vasos sanguíneos e congelar cada centímetro que percorriam no seu corpo.

O caçador parou a centímetros do seu corpo, certificando-se de estar o mais sério possível. Inclinou levemente a cabeça para o lado e arqueou uma das sobrancelhas. Aquilo parecia uma espécie de provocação, mas ao mesmo tempo, era diferente. O Park não sabia explicar, mas algo brilhava por detrás daquelas retinas. Jungkook parecia ter tudo perfeitamente formulado para jogar em cima de Jimin, quando precisasse.

— Peço apenas o mínimo de respeito. — Jimin arqueou o queixo em protesto, demonstrando a força que seus dedos trêmulos não conseguiam.

Eles estavam frente a frente, olhando um nos olhos do outro. Qualquer um que os visse romantizaria uma discussão conjugal quando, na verdade, o brilho de seus olhares tinha o seu propósito negro. Os intuitos supérfluos de ambos eram aprisionados naquele brilho e mesmo que tão desnecessários, ambos possuíam orgulho demais para deixar algo assim morrer em silêncio.

— Pois bem — o caçador sorriu solenemente sem mover nenhum músculo do rosto além da boca. — Se acha que com seu jargão conseguirá o meu respeito, esqueça. — Jimin franziu o rosto. — Não lhe considero uma criança pela mera comparação com a infantilidade de uma, mas sim, pela covardia que carrega nas costas.

— Eu não sou covarde — rebateu Jimin, por entre os dentes, movimentando os dedos como se tramasse algo em sua mente.

— Claro que não — ironizou — O motivo por você não ter o meu respeito é justamente esse. Qual rei recorreria a segundos para retomar seu reino? Ou então, recorreria a alguém completamente odiado pela própria família? — ele aumentou o tom de voz e se aproximou ainda mais, diminuindo suas distâncias à centímetros — Você tem medo. Não é capaz de assumir nada porque é um inútil. Teve uma vida toda de luxos e milhares para atender os seus desejos, e agora não sabe o que fazer. Antes que venha pedir o meu respeito novamente, procure o verdadeiro significado dessa palavra. Não! Procure o que é preciso para uma pessoa recebe-lo; verá que está longe de um dia conseguir o meu.

O Park estreitou os olhos e os lábios se entreabriram. Parecia em estado de choque, mas a fúria que sentia tornara-se tão grande que poderia explodir a qualquer momento. Então ele respirou fundo e fechou os olhos. Não ia chorar, as lagrimas correram de sua fúria, mas precisava se manter tranquilo, afinal de contas.

— Não sou imortal como você — abriu os olhos e eles brilharam ardentemente, antes que começasse a metralhá-lo — Eu perdi toda a minha família; lutei contra todos os soldados que deveriam estar fazendo a guarda do palácio; lembro de ter o coração perfurado por uma espada; despenquei de uma torre; acordei sendo ricocheteado pelas rochas nas corredeiras do rio Marfels; cai pela cachoeira; inspirei uma maldita fumaça seca que quase me levou a morte; fugi dos demônios no cemitério da floresta onde estava e cai de 300 metros para te tirar daquele maldito lugar.

Jungkook não disse nada. O encarava da mesma forma.

— Devo ter quebrado umas 3 ou 4 costelas, no mínimo, mas quem se importa, não é verdade? Jeon Jungkook nunca sentiu dor, não é mesmo? — disse calmamente, lutando contra a própria raiva. — É muito fácil para você dizer que já sofreu de tudo. Muito mais fácil chamar os outros de fraco quando a dor deles não se iguala a sua. Realmente sinto muito por terem te lançado naquele lugar, não vejo destino mais terrível do que esse, mas não fui eu o culpado. Também sinto por não ser habilidoso com os assuntos que envolvem a vida na floresta. Eu sou um príncipe! Obviamente não fui criado para aprender a escalar arvores, mas você não vê isso. Acha que estou brincando quando sinto dores, mas não sabe 1% de como eu sou de verdade.

— Certo — finalizou Jungkook. Indiscutivelmente mais frio que uma pedra de gelo.

— Não, não tem nada certo — Jimin ergueu o queixo e olhou em seus olhos — Se quer realmente se ver livre de mim, vá em frente. Lhe dou a liberdade. Não sei o que me levou a pensar que poderia contar com alguém como você, mas agora vejo que me enganei e realmente sinto muito por isso, poderia ter me poupado tanto esforço.

Jimin viu seu olhar oscilar. Jungkook respirou internamente e suas expressões foram se esvaindo, logo era apenas ele ali: um rosto sério, sem expressões e com um olhar tão penetrante quando a lança que deixara para trás.

— Certo.

Jimin franziu o rosto.

— Só dirá — Jungkook ergueu uma das mãos e ele se calou.

— Você está absolutamente certo — finalizou o que havia dito.

O Park arregalou os olhos, ainda mais confuso do que estava.

— O que disse?

O caçador inclinou a cabeça para o lado e respirou fundo novamente.

— Você não me conhece e eu não te conheço. Não tinha como eu saber que havia passado por tudo isso, assim como você nunca saberá pelo que eu passei. Creio que foi errado da minha parte criar um prejulgamento de você, visto que o comparei ao seu pai e não a quem de fato é. Peço que me desculpe. Acho que podemos resolver isso de uma forma mais civilizada daqui para frente.

— O que disse? — repetiu Jimin, perplexo.

— Disse que talvez possamos nos dar uma segunda chance. Dessa vez sem julgamentos. — Jungkook sorriu largamente e Jimin o viu estender a mão para si. — Jeon Jungkook, caçador de Nebralya.

Jimin não conteve o sorriso. Apertou sua mão olhando em seus olhos.

— Park Jimin, sucessor do quadragésimo terceiro trono de Nebralya — disseram a ultima frase juntos e voltaram a caminhar, rindo um para o outro.

— E para onde estamos indo, caçador? — perguntou Jimin.

— Vamos fazer uma visita a um velho amigo meu — sorriu ladino, com um olhar divertido. — Ele me roubou algo muito importante.

Park franziu o rosto.

— Quem seria capaz de roubar você?

— Várias pessoas. Faça as contas de quantos me odiavam e continuam até os dias de hoje. Mas o mago foi o único que conseguiu.

Uma onda de ar frio fez gelar as expressões no rosto do príncipe. Ele disse mago? Seria o mesmo mago? O pai de Jimin?

— O mago. Todos diziam que eu era filho do maior mago da Terra. Seria esse o que está tentando dizer?

Jungkook sorriu, dessa vez não tinha nenhuma emenda maliciosa em seus atos, apenas um sorriso — o mais tranquilizador que poderia dar.

— Ele não é o seu pai, fique tranquilo. Não pode ser o seu pai.

— E como pode ter tanta certeza? Quem é ele então? — perguntou Jimin em um fraco acesso de desespero.

— Deveria perguntar isso a Taehyung — respondeu gentilmente.

— Ele está morto.

— Não, não está. — Jungkook aproximou-se de igual e olhou no fundo dos intensos olhos cristalinos do Park. — O meu irmão jamais o deixaria morrer. Taehyung é poderoso demais, além de ser um homem indomável. É mais fácil que tenha colocado Sungkeun em uma coleira e agora esteja usufruindo do trono com sua nova mascote.

Jimin já não sabia o que pensar, estava tão confuso que já não conseguia discernir o que sabia do que lhe acabara de ser dito. Ele embrenhou os dedos pelo cabelo e puxou rapidamente para trás, tentava separar uma informação da outra, mas estava cada vez mais difícil.

— Porque está falando essas coisas?

— Porque você é uma vítima nessa história e, quando chegar a hora, saberá que tudo isso foi armado para acontecer a mais de dois mil anos. Eu fui o único que tentou impedir que acontecesse, mas falhei — seus lábios se tornaram uma linha e o olhar encarava tudo que não fossem os olhos de Jimin. — Agora você vive as consequências e me sinto no dever de ajudá-lo.


Notas Finais


Eu realmente não sei de onde tiro tantas coisas assim... Devo ter algum tipo de problema.

Novamente, me desculpem pela demora e, também, por qualquer erro.

Agradeço a cada um que leu até aqui. Vocês são incríveis.

Até o próximo capítulo.


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