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História O Herdeiro do Fogo - Quarenta e seis


Escrita por: bleedingrainbow e grouwundzero

Capítulo 46 - Quarenta e seis


[Katsuki Bakugo]

Quisera eu ter dormido direito, eu acho, mas só de ter dormido creio que estou em vantagem. Era como estar entrincheirado em uma muralha sem a opção de trocar turnos. Acordava de susto em meus próprios sonhos de guerra e foi pior quando sonhei com paz. Sonhar com Kirishima por talvez menos de um minuto me fez acordar e não querer sair da cama, pela primeira vez desde que me lembro. Eu não tinha motivação alguma para aquilo e era ridículo, mas parecia ainda mais inútil querer seguir em frente agora. 

Era cedo ainda, eu noto pela claridade do sol à minha janela, o tom na fresta que se projeta do outro lado do quarto. Ainda assim, muito tarde para meus hábitos. Levantei-me da cama de todo jeito. Noite retrasada tinha enfiado meus bens em uma sacola, os mesmos que atirei para todo lado no meu frenesi. Bom, porque não sei como reagiria se tivesse agora que guardar itens como o broche e minha capa preta com vermelho.

Lavei o rosto e troquei de roupa. Comi um pouco, a contragosto. Saí para o campo de treinamento com um peso em meus ombros impossível de aliviar, o próprio ar que eu respirava um fardo.

Todoroki me viu, acenou com a cabeça e continuaram todos treinando. Peguei Lorde detrás de minha casa, porque não quis devolvê-lo ao estábulo ontem, e fui andar com ele, cogitando ir para a cidade mas me contentando em dar outra volta dentro dos muros que não pelo riacho ou pelo carvalho. Fui colher maçãs para esse meu companheiro e levei algumas para o calado Tokoyami que me esperava na janela de casa quase sempre.

Acho que era isso que eu tinha a esperar. Logo eu deveria retornar à minha rotina, sob o comando de Todoroki, imediatamente ao lado de Yoarashi. Se eu seguisse como um cão perdido eu me deixaria morrer de fome. Posso até supor que depois de me deixar aproveitar essa indulgência nojenta a mim mesmo como um luto de lamentável autopiedade, Todoroki vai me mandar voltar a treinar. 

Não imaginei o pequeno alvoroço que se instaurou quando voltei. Era como uma preparação agitada para uma visita, vi até mesmo as trombetas serem retiradas de suas caixas. Tão logo me aproximei e a Senhorita Utsushimi me viu, atravessou pelos cavaleiros apressada na minha direção.

— O que diabo está acontecendo aqui? — Desci do meu cavalo e deixei as rédeas na mão dela.

— O mensageiro real anunciou uma visita das famílias reais ainda essa manhã. Já devem estar vindo. 

Visita?

— É, também estranhamos muito! Acho que não era para eu estar ouvindo, mas eu ouvi mesmo assim e, olha, parece que o senhor ficará no comando aqui no quartel enquanto o senhor Todoroki e Yoarashi irão para uma missão específica. Deve ser muito importante.

Ela se retirou depois de entregar a notícia como uma fofoca e eu me senti congelar. 

Eu me encheria com a humilhação de ser deixado de novo como o reserva, a roda sobressalente da carruagem, agora não apenas por Midoriya, mas por Todoroki e Yoarashi do mesmo modo. Só que eu já estava tão distante de qualquer espírito de cavalaria àquela altura que eu prestei atenção em outra parte do discurso.

As duas famílias reais.

Isso significava o príncipe herdeiro do Reino de Ashido e sua futura esposa?

Ele viria aqui? Aqui mesmo, depois de ter sido cruel o suficiente para ignorar as minhas tentativas mais desesperadas e humilhantes de pedir-lhe um mínimo de atenção, de exigir-lhe uma satisfação que não me devia, esse mesmo maldito viria aqui nos ver, era isso?

Eu sequer sabia o que pensar. Utsushimi me chamou para que eu botasse minha armadura leve comemorativa como os cavaleiros todos deveriam fazer e ela que colocou para mim pela primeira vez em muito tempo. Ela perguntava onde eu estava com a cabeça e Todoroki me olhava de soslaio, nenhuma brecha para que ele pudesse me dizer qualquer palavra em privado ou a sós. Apenas li o que ele queria me dizer, e suponho que era um pedido de silêncio. Um pedido de calma e que eu ficasse para trás. Ele botou o dedo em riste à frente da boca quando ninguém mais estava vendo.

Assenti em um determinado momento para ele. 

Não pretendia fazer nada. Não pretendia arruinar tudo para os cavaleiros nem obrigar Todoroki a lutar contra mim ou ter que tentar me castigar.

Meu coração, contudo, demandava mais do que pelo que eu era capaz de responder, ao que os vi se aproximarem, trombetas em outra parte da realidade no momento para mim.

[Eijiro Kirishima] 

As trombetas anunciando nossa chegada soaram. Minha cabeça doía, latejava a ponto de bagunçar meus sentidos, mas me forcei a manter uma postura adequada e a erguer um leve sorriso que fosse. Em outro contexto eu estaria eufórico ao ver os cavaleiros alinhados, vestindo suas armaduras e em suas montarias, mas agora, apesar de ainda ser algo muito belo, só queria que acabasse logo. Meu pai só precisava fazer um anúncio breve e todos o obedeceriam, só isso e acabou.

Na primeira linha, a mais próxima a nós, estava Sir Todoroki, o comandante. À sua direita, Sir Yoarashi, e à sua esquerda… era ele.

Katsuki, a pintura borrada em minhas lembranças, quem imagino quando penso em casa. Ele usava sua armadura preta… já vi essa armadura antes, onde foi? Onde a vi? Sim, é- é ela! É a armadura, aquela armadura, a mesma que usou no baile, no meu aniversário, quando me esperava ao pé da escada, a mais linda de todas e que o veste perfeitamente. Estava montado em Lorde, o cavalo mais adorável que já conheci e que nos levaria em direção à liberdade, correndo para fora das muralhas o mais rápido que podia... Meu coração acelerou, travando uma batalha contra as correntes que o mantinham apático, Riot começava a se agitar, nada incontrolável, apenas mais alerta do que quando a peguei mais cedo. Porém não tinha forças para contê-la e muito menos para acalmá-la.

No instante em que nossos olhos se encontraram, senti como se tivesse sido golpeado com toda a força do mundo em meu estômago. Todo o ar em meus pulmões simplesmente desapareceu, foi arrancado à força, e minha cabeça rodava enquanto era inundada por memórias e mais memórias, uma torrente sem fim de informação. Coração sobrecarregado, prestes a explodir com tantos sentimentos que o tomavam de uma vez. Confuso, desnorteado, tentava buscar significados mínimos que me dessem qualquer luz do que estava acontecendo… Katsuki… sim, ele tem as respostas que preciso… foco, o que você vê? Vejo tristeza, muita tristeza em seus olhos, raiva, sinais de noites mal dormidas. Ombros curvados, pesados, assim como eu, ele tinha um reino inteiro sobre suas costas. O que isso quer dizer? É real? Se tudo o que vivemos foi de fato um sonho, por que me olhava assim? Meu peito ardia como uma queimadura, estava frio mesmo sob o sol intenso da tarde. Riot estava cada vez mais agitada, ouvia pessoas me chamando, mas pareciam tão distantes que nem valia a pena responder. De todo modo, mesmo se estivessem próximas, sequer conseguiria.

Tentei articular um pedido de desculpas pois sentia que se não o fizesse, algo muito ruim aconteceria, mas antes que pudesse, minha visão ficou turva. Meus olhos começavam a se fechar, e só me lembro de estender a mão para ele, para Katsuki, porque dessa vez ele está aqui e algo me diz tudo vai ficar bem… depois, sou capaz de dizer ao certo o que aconteceu, de repente estava escuro, e frio.

[Katsuki Bakugo]

Na tarde de ontem, uma flecha foi acertada no meu peito. Sangrou devagar e eu me deixei enfraquecer sem conseguir estancar, como se apenas visse pano atrás de pano encharcar de vermelho e não parar em nenhum momento. 

Vê-lo ali diante de mim foi como arrancar a flecha do meu peito e me sentir jorrar para fora. A dor foi como nenhuma que já senti, sorrateira, arrancando-me a vitalidade de forma traiçoeira. Tirando-me a vontade de lutar antes mesmo de me derrubar no chão.

O príncipe, em roupas elegantes de nobreza, mais distante de mim a cada metro que se aproximava. O príncipe; nem mesmo Kirishima, que dirá Eijiro.

Todoroki saiu com seu cavalo de entre eu e Yoarashi e foi até o rei, as trombetas ainda ecoando na minha percepção.

O sorriso que Kirishima dava me perturbou até o último suspiro de meus pulmões e tudo na postura dele parecia uma miragem trêmula em um deserto. Eu não sei se me hipnotizei demais, ou se era como uma palavra que você repete tanto que ela começa a soar estranha mesmo sem nenhuma mudança sequer de entonação, mas ao que ele se aproximava, eu notei a diferença.

Opaco.

Eijiro estava opaco.

Quando estava perto o suficiente, não me sobrou qualquer dúvida. Não, não estava certo. Onde estava a cor das suas bochechas coradas? Onde estava o viço rubro de seus cabelos e a firmeza de seus ombros que já enchiam a bata? Seu sorriso de verdade, cadê? Lorde resfolegou quando Riot deu alguns passos incertos, incomodada. Um passo para frente, outro para trás, e acho que não foi apenas por isso que Kirishima pareceu oscilar sobre ela. Minha respiração começou a encurtar e meus olhos o escrutinavam ricocheteando nos cantos das órbitas, desesperadamente. 

Nossos olhos se encontraram e não existia mais nada. Ao redor, dentro dele talvez. Era como um único grito de socorro no fundo de um poço fundo demais. 

Por Miruko, por todos os regentes, quando foi que substituíram os dois rubis de seus olhos por pedras foscas tingidas de vermelho e ninguém percebeu?

Os dedos dele perderam a solidez nas rédeas e uma das mãos saiu dela. O gesto esboçou na minha direção e eu bati com o pé na lateral do corpo de meu cavalo. 

Acelere. Agora. Agora.

Os olhos dele se fecharam e em um piscar dos meus eu estava ao lado dele, meu cavalo exatamente ao lado da Riot. Em um eco de brados e gritos, ele caiu em meus braços, sem som algum, inconsciente. Ouvi a mim mesmo chamando “EIJIRO!”, um som abafado por um alto relincho de Riot. Ouvi mais gritos, estridentes dessa vez, da princesa e da rainha provavelmente. E abracei Kirishima contra mim, inconsciente, certo de que eu lutaria contra um exército que quisesse tirá-lo de meus braços, mas me renderia de joelhos ao primeiro que me garantisse que ele iria ficar bem. 

Desci do cavalo com Kirishima em meus braços e corri para a primeira sombra que havia de uma árvore, na entrada dos barracões. Coloquei-o sobre a grama, deitado, e tirei minhas luvas para checar seu pulso e para averiguar se estava respirando. 

— Camie, traga água e a caixa de unguentos! O restante, fique longe! — Bradei para ambas as famílias reais, no mesmo tom com que trataria qualquer ser vivo naquele momento. A mão minha que lhe checou o pulso afrouxou as amarras de suas roupas em torno de seu pescoço, para garantir sua circulação. Seu pulso estava lá, mas parecia fraco. — Eijiro, você consegue me ouvir?

O único que eu deixei se aproximar foi Todoroki. Ele se ajoelhou do outro lado de Kirishima e também sem luva encostou em seu pescoço.

— Ele vai ficar bem agora, eu garanto, mas, Bakugo, olhe para mim. —  Foi o único momento em que olhei para outra pessoa que não Kirishima. Horrorizado, assisti os olhos de Todoroki parecerem se fechar por um momento também. Quando ele puxou seu braço de volta, apoiando-se em seu punho fechado, foi como se seu próprio corpo pesasse demais. O que estava acontecendo? — Use a poção de raiz élfica da montanha nele para ajudar e fique com ele até que ele acorde. Preciso sair daqui agora.

Ele se levantou, se apoiando na árvore que agora nos dava sombra, um punho ainda cerrado. Não entendi absolutamente nada, mas se ele dizia, eu iria aceitar. A minha resposta era a única possível.

— Certo. Eu não vou a lugar nenhum. — Respondi ao que ergui as pernas de Kirishima, puxando-a por sob seus joelhos. Apoiei-as sobre o meu antebraço, mais altas, para lhe recuperar a circulação normal de sangue. 

— Inasa! —  Foi alarmante Todoroki chamar por Inasa, não Sir Yoarashi, por algum motivo. Não que fosse incomum em outro contexto, por óbvio, mas não quando éramos cavaleiros perante o rei. A própria voz de Todoroki que não estava em seu normal, arrastada e profunda como se lhe custasse e ele simplesmente se afastou de todos nós para a parte de trás do barracão, passos rápidos, mas incertos, que não condiziam nem um pouco com sua firmeza absoluta de sempre, sua graciosidade. Jamais sequer vi Todoroki perder o equilíbrio em toda minha vida.

O que está acontecendo, por tudo o que é mais sagrado?

Queriam se aproximar do príncipe, queriam saber o que tinha acontecido. Desciam de seus cavalos e eu ouvi a voz de Yoarashi rugir para que todos mantivessem distância. 

O caos que nos rodeava parecia um eco daquele dentro de mim, a sanidade só permanecendo porque eu precisava dela agora, pela segurança deles, pela segurança de Eijiro. Eu também queria saber o que tinha acontecido, estava enfurecido com Todoroki que não pôde me dar respostas ao mesmo tempo em que temia pela própria integridade dele perante o que quer que tenha acontecido. Mas, mais importante do que qualquer coisa, queria que Eijiro abrisse os olhos agora. Foquei apenas nele, segurando seu rosto. Tudo o mais eu poderia lidar. Ele só precisava retomar os sentidos e abrir os olhos de novo nos próximos segundos.

— Eijiro! Eijiro, você está me ouvindo? Abra os olhos, ande, agora!

[Eijiro Kirishima]

Sentia como se estivesse debaixo d’água, fria e escura como um lago no inverno. Todos os sons abafados e distorcidos, se tentasse pedir por socorro ninguém me ouviria, seria em vão e eu acabaria por me afogar. Sentia um único toque quente, como se alguém estivesse tentando me levar de volta para a superfície a todo custo, mas sendo impedido pela pedra em meu peito, que puxava a nós dois cada vez mais para baixo. Estava afundando e sabia que não teria volta caso atingisse o leito, nunca mais conseguiria emergir. 

Só conseguiria voltar para a superfície quando me livrasse do peso, quando quebrasse a corrente em meu pescoço. Precisava estar leve para conseguir ao menos boiar. Tentava lutar e me debater contra essas amarras mas nada parecia adiantar, eu não tinha o menor controle sobre nada do que estava acontecendo, nunca tive controle. Não fui capaz de me libertar sozinho. Já sentia meus pés tocando a areia no fundo, via a forma humana da minha consciência, aquela que me disse que tudo não passava de um sonho, uma elfa branca, frágil e delicada, que me abria os braços e me convidava para repousar em seu colo. Começava a cogitar desistir, até que, magicamente, senti minha caixa torácica ser aberta em um único movimento e, o que quer seja que estivesse lá dentro, ser arrancado. 

Reconheci o toque em meu rosto, antes mesmo de reconhecer a voz. Katsuki me chamava e eu nadei o mais rápido que podia em direção à praia. Estava congelando, precisava do meu sol. Aos poucos, mesmo com os olhos fechados, a claridade do dia me incomodava. Sentia a grama em minhas costas. E, mais importante, sentia ele ao meu lado. Respirei fundo, recuperando o oxigênio, e suspirei aliviado, meu primeiro reflexo foi estender minha mão e colocá-la sobre a sua, mesmo sabendo que isso me custaria uma energia que não tinha. 

A comoção ao redor era ensurdecedora. Ouvia gritos, conversas e até sussurros, pessoas tentando se aproximar e sendo afastadas. Eu estava tão confuso e desorientado quanto qualquer um, e abrir os olhos, mesmo que apenas um pouco, não ajudou em nada. Vi meu irmão além de assustado, meu pai parecia em choque, e os demais eram simplesmente informação demais para que eu pudesse processar agora, sequer conseguia me lembrar o que aconteceu. Devagar, virei minha cabeça na direção da única pessoa que realmente estava comigo, Katsuki, ele era como um oásis e só de ver seu rosto por alguns segundos eu já respirava aliviado. 

— K-Katsuki… O que- O que foi? — perguntei baixo, ou melhor, tentei.

[Katsuki Bakugo]

Soltei o ar em um suspiro e acho que sorri de alívio junto. Só por um momento ao ouvi-lo chamar meu nome, mas ele ainda estava pálido demais. Sua mão segurava a minha em seu rosto. O que fizeram com você, Eijiro?

— Você parece que perdeu os sentidos por um momento. Consegue se lembrar de onde está?

— Meu querido Eijiro, você está bem? — Ouvi a voz irritante, alta, da princesa Ashido, junto a um “Eijiro, meu filho!” do rei e não poderia imaginar combinação mais odiosa. Fazia com que eu quisesse apontar-lhes a espada para que não ousassem se aproximar, e cheguei a olhar para trás e colocar a mão na bainha.

Eles nem desceram dos cavalos, à exceção do príncipe herdeiro, que pareceu, surpreendentemente, o mais corajoso e resoluto de todos ali, ainda que sua expressão estivesse aterrorizada. Acredito que os demais nem conseguem se pôr de pé por conta própria. Não precisei tomar nenhuma atitude, ao que a figura enorme de Yoarashi se posicionou entre nós dois e as famílias reais. 

Se ele não estava com Todoroki, era porque tudo estava sob controle, eu posso me assegurar. E se ele estava ali, era justamente porque foi ordem de nosso comandante. 

Ambos estavam do meu lado, eles sabiam que tinha algo errado. Que eu tinha que proteger o príncipe.

— Vocês vão me impedir de me aproximar? — O rei encarou-o e vociferou, no processo de descer de seu transporte.

— Com todo o respeito, Vossa Majestade, — Yoarashi se curvou perante o rei respeitosamente — primeiros socorros não devem estar sujeitos a hierarquia. De imediato restauraremos nossa posição tão logo todos os procedimentos forem seguidos.

— Hm. — Ele grunhiu desgostoso. — Falando em hierarquia, onde está Sir Todoroki?

— Trará nossa carruagem para que possamos transportar Vossa Alteza até os médicos do palácio em segurança. 

Foi quando me manifestei, segurando a mão de Eijiro. 

— Eu irei acompanhá-los na carruagem, Vossa Majestade, até que possamos garantir que Vossa Alteza Príncipe Eijiro Kirishima está em segurança.

— Nós podemos cuidar disso muito bem sozinhos. — O rei me respondeu, ríspido.

— Devo reforçar o pedido, senhor. — Foi Yoarashi quem disse, ao que se curvou mais ainda, mas não arredou de sua palavra. — É um apoio relevante a qualquer um em situação de resgate poder contar com quem o resgatou. Até sabermos o que ocorreu, é o melhor protocolo. Rogo por sua compreensão, estamos treinados para lidar com emergências!

Acredito que para não sair de sua postura perante a família real aliada, para que eles não o vejam perder a autoridade, o rei assentiu. 

Pelo olhar que recebi, eu estava não apenas desinvestido cavaleiro como também preso no momento em que isso acabasse.

— Pois bem. Andem logo com isso! Temos que tratar meu filho o quanto antes! — Ele vociferou.

Eu não me importava, já gastei preciosos segundos nessa discussão absurda. À distância a senhorita Utsushimi junto a outro cavaleiro, ela com a caixa de unguentos e o outro indo encher um recipiente de madeira com água, mas eles levariam mais momentos para chegar.

— Desculpe por isso. Não se preocupe agora, vai ficar tudo bem. — Baixei o tom, olhando para Eijiro ainda sob meu corpo e apoiando sua cabeça. Resolvi reiterar algumas perguntas para averiguar sua confusão. — E então, consegue se lembrar onde está? Sabe meu nome?

[Eijiro Kirishima]

Pode ter sido apenas uma impressão, mas posso jurar que a primeira coisa que vi foi ele sorrindo para mim, e isso era tudo o que eu estava precisando. Ainda não estava completamente acordado, mas me esforcei para ficar atento no que Katsuki falava. Além de ouvir sua voz, precisei seguir os movimentos de sua boca para conseguir entender bem. Falou que perdi meus sentidos, o que não tenho nem como tentar negar, e também me perguntou se me recordava de onde estava. 

Tentei olhar em volta na intenção de me localizar, mas de nada adiantou. Para onde quer que olhasse, tudo o que via eram pessoas e mais pessoas nos rodeando, todos a uma distância segura. Procurei em minha memória confusa e estava com a resposta quase na ponta da língua, quando minha linha de raciocínio foi interrompida por uma voz alta e estridente. Era Mina, quem mais poderia ser? Depois dela ouvi meu pai me chamar e sua voz parecia genuinamente preocupada. Há anos não o ouvia assim. 

Parei de acompanhar a cena no momento em que Sir Yoarashi retornou. Sabia que estavam discutindo sobre o que fariam a seguir e eu definitivamente não me importava com isso. Na verdade, a única coisa que me importava no momento, era me manter acordado já que minhas pálpebras voltavam a se fechar sozinhas. Talvez só estivesse muito cansado e precisasse descansar por alguns minutos.

O que me impediu de adormecer foi ter Katsuki de volta, falando comigo. Se conseguisse, com certeza teria sorrido ao ouvi-lo dizer que tudo ficaria bem. Posso estar confuso e um pouco perdido, mas de uma coisa me lembro perfeitamente bem: ele nunca falaria algo só para me agradar, tampouco mentiria para mim. Se dizia, era porque acreditava.

— Comandante Sir Bakugo...  Katsuki. — Apertei bem de leve a parte da armadura onde minha mão ainda repousava — E eu estou… — Demorei alguns segundos para retomar de onde Mina me interrompeu — No quartel?  Ainda estamos no quartel?

[Katsuki Bakugo]

Comandante, claro. Era isso que eu era, no máximo, porque ele estava sendo gentil, ou ainda estava muito confuso. De todo modo, eu era Sir Bakugo. 

Não importava. Não agora. 

— O comandante dessa bandeira é Sir Shoto Todoroki. Ele já vai trazer seu transporte e nós iremos em segurança para o castelo. Respire um pouco apenas, fiquemos todos em silêncio um pouco. — Asseverei para que todos ouvissem enquanto segurei uma mão de Kirishima entre as minhas duas, deixando-o deitado e sem mais perguntas, apenas conferindo se ele se manteria acordado. 

Um minuto talvez de um burburinho baixo nos arredores. Parecia que a cor voltava às bochechas de Kirishima, mas não sei o que via em seus olhos. Era um pouco aterrorizante de olhar, então eu desviava, porque não vinha ao caso. Eu só tinha que garantir que ele estava acordado. Logo mais a senhorita Utsushimi se aproximou, o cavaleiro Shoda auxiliando-a trazendo o recipiente com a água, ela com a caixa debaixo do braço. Acredito que não precisaríamos de nenhum unguento, mas vou pegar a poção de raiz élfica. Ela não esperou por indicações, apenas abriu a caixa e tirou panos de dentro enquanto o outro cavaleiro esperou à distância, deixando-a agir.

— Consegue se sentar? Não se force. — Perguntei a Kirishima.

Ela sabia o que devia fazer, não era a primeira vez nem seria a última que ela via alguém perdendo os sentidos, mas geralmente isso acontece em dias quentes ou após muito esforço, o que não era o caso. Ela separou um copo com água limpa e me alcançou; com o resto da água, molhou alguns panos e colocou sobre os pulsos de Kirishima, outro em sua nuca. Fiz mais algumas perguntas.

— Vossa Alteza comeu alguma coisa hoje? Vem se sentindo assim nos últimos dias? 

Com meu braço livre, apoiaria as costas de Kirishima, caso ele consiga se sentar. A outra mão aguardaria com o copo de água para quando ele conseguisse beber. Na última frase, contudo, mesmo tentando soar despretensioso, tentei enfim fitá-lo nos olhos.

[Eijiro Kirishima] 

Ir em segurança para o castelo. Sim, antes queria voltar o mais rápido possível para o castelo, mas agora, não mais. Claro que deitar em minha cama seria bem mais confortável do que a grama, mas pelo menos agora o tinha aqui comigo. Sim, sei quem é o comandante atual dessa bandeira, no entanto, para mim, esse posto sempre pertenceria a ele. Deixaria para discutir isso outra hora, decidi seguir sua ordem e permanecer em silêncio. Me mantinha acordado pois sabia que se dormisse, perderia a sensação do toque de suas mãos na minha.

Logo uma senhorita se aproximou e como Katsuki permitiu, ela com certeza é de confiança. Carregava debaixo do braço uma caixa e era seguida por um jovem cavaleiro que carregava um balde de água. Assenti com a cabeça em resposta a pergunta que me foi feita e, com a ajuda que me oferecia, me sentei, o braço dele apoiava minhas costas e me permiti me recostar um pouco.   

Alcancei o copo com água e dei alguns goles antes de devolvê-lo. Começava a me sentir um pouco mais alerta agora que não estava mais deitado, mas ainda é cedo para dizer que estava apto a sair andando por aí. 

— Sim, me alimentei bem antes de sair… mas já faz três ou quatro dias que ando me sentido mal. 

— Eijiro, mal é pouco. Nunca te vi assim. — Por incrível que pareça, foi meu irmão quem falou. Prosseguiu, mas dessa vez não falava comigo, se dirigia diretamente ao Katsuki — Ele mal anda comendo ou dormindo. Não conversa sem ser obrigado, parece uma assombração andando pelo castelo. Sugeri que não- 

— Tamaki, já chega. — Meu pai o interrompeu e meu irmão se calou na mesma hora. Até mesmo deu um passo para trás. — Se estava tão mal, por que não me avisou? 

— Deveria ter percebido. — Meu irmão murmurou alto o suficiente para que pudesse ser ouvido, mas baixo para que não soasse como se estivesse se impondo. Se olhares pudessem matar, acho que Tamaki não estaria mais entre nós pela forma com que meu pai se virou. Pensei em concordar com ele, mas não queria transformar isso tudo em um desastre ainda maior, então, optei por pegar o copo mais uma vez, e beber mais água.

[Katsuki Bakugo]

Assisti à pequena cena e, como em diversas vezes ultimamente, estaria entretido se fosse em outra situação. Não estava com paciência alguma para os dois trocarem farpas à minha frente, mas acho que era a primeira vez que eu ouvia a voz do príncipe herdeiro do reino, e foi para defender seu irmão.

Basicamente desde o dia seguinte ao aniversário, era isso? No dia seguinte ao anúncio de seu casamento e à sua fuga.

Lembrei-me do que Todoroki disse: “é bem provável que isso está acontecendo, que ele esteja sofrendo, porque te ama”. Isso poderia ser suficiente? Esse sofrimento tirou de mim, logo de um guerreiro como eu, a vontade de lutar, então não admiraria se tirasse o brilho até de um raio de sol como o Eijiro. Se ele sentisse o mesmo que sinto por ele, poderia ser. Ainda assim...

— Entendo. Por ora apenas descanse, tudo bem, Alteza? 

A carta estranha em letra de outrem; quem poderia conhecer esse nosso segredo dessa forma? A ausência de respostas quando entrei em contato. O entorpecimento em todo seu ser e o fato de que Todoroki também pareceu sentir, a ponto de me pedir para usar poção de raiz élfica para descobrir.

Magia. Veneno. Hipnose. Havia tantas possibilidades e eu quase… não, eu desisti. Eu desisti, como a merda de um covarde. 

— ...eu vou ficar do seu lado. — Acrescentei, baixo para que ele ouvisse apenas, de preferência, mas não para parecer ser um segredo com dúbias intenções.

Todoroki disse que agora Kirishima irá ficar bem, o que quis dizer com isso? Aliás, onde ele está? Não veio guiando a pequena carruagem de transporte que tínhamos e se aproximava agora e não estava em nenhum lugar dentro de minha vista. Disse que tinha que ir, por quê?

Merda. Espero que esteja bem.

Surrupiei sem que vissem um frasco de poção da caixa de unguentos e botei no bolso.

Ouvi, atrás de nós, alguém do séquito real reclamar que eles não deveriam ter feito qualquer coisa sem trazer as próprias carruagens e pensei que, realmente, hora esquisita para demonstrarem que sabem cavalgar. Então ouvi mais algo sobre as carruagens oficiais estarem preparadas para viagem. 

A viagem dos Ashido de volta? Isso ocuparia todas as carruagens do palácio?

O nosso transporte que se aproximava rápido não era nenhuma carruagem real, mas tampouco chegava a ser uma carroça, então acho que estaríamos bem o suficiente assim. Contudo, eu sei que tínhamos transportes maiores e melhores, por que essa? 

Então estreitei os olhos. Ela era pequena o suficiente para que talvez apenas duas pessoas pudessem acompanhar o príncipe confortavelmente, e eu entendi.

— Sir Shoda, Kaibara, juntem seus grupos de cavaleiros para fazer a escolta da realeza e da própria carruagem. Eu acompanharei Vossa Alteza dentro da carruagem. 

Ajudei Kirishima a se levantar e o amparei na lateral de meu corpo, segurando-o firme para levá-lo até lá. Eu o ergueria nos braços para que subíssemos e honestamente só queria pegá-lo no colo, subir em um cavalo e sumir pelo reino com ele em meus braços, mesmo depois de tudo, mesmo com o que eu decido. Por isso eu precisava saber: foi mesmo escolha dele de se decidir, sofrendo ou não, que não poderia ir comigo, ou eu falhei quando prometi protegê-lo e isso é tudo culpa minha?

De todo modo, se alguém está envenenando ou encantando Kirishima, essa pessoa vai pagar com a própria cabeça. Pode ser mesmo Vossa Majestade.

[Eijiro Kirishima]

Algo dentro de mim se contorcia toda vez que o ouvia se dirigir a mim como “Alteza”. Não parecia certo, não era certo. A minha vontade era a de pedir para que me chamasse apenas de Eijiro como sei que já fez um dia, ou pelo menos acho que fez. Ainda era cedo demais para confiar cegamente e dizer que tenho certeza absoluta de que tudo foi real e não um sonho meu. Mas de todo modo, posso deixar para pensar melhor nisso quando estiver bem e com a cabeça no lugar, teria dias para discutir comigo mesmo, agora, podia me dar ao luxo de ter em quem me apoiar… de ter alguém ao meu lado.

Olhava longe e via a carruagem se aproximar. Não queria ouvir discussões a respeito dos motivos pelos quais não viemos com carruagens, acho que só de pensar em viajar já seria o suficiente para me fazer perder os sentidos novamente, que dirá imaginar o propósito dessa viagem.  

Katsuki deu as últimas ordens para seus subordinados e então me ajudou a levantar. Minhas pernas ainda tremiam um pouco, por isso precisei de amparo para chegar até a carruagem e também para subir. Sem me apressar ou me forçar, ele me acompanhou, usou seu corpo para dar estabilidade ao meu e não poderia ser mais grato. A sós dentro daquele cubículo minúsculo, me senti confortável como não me sentia a dias apesar de ainda evitar contato visual. 

— Muito obrigado por tudo…

[Katsuki Bakugo]

Eu estava sozinho com ele e nem sei processar o que sentia. Queria beijá-lo e socá-lo, queria abraçá-lo e sacudi-lo, e a única da plétora de sentimentos que não tinha um contraponto era que eu tinha que protegê-lo. Franzi minhas sobrancelhas à frase gentil e adorável dele.

— Poupe-me disso. — Segurei o rosto dele com uma mão e com ela apertei entre seus dentes pela bochecha. — Abra a boca e bote a língua para fora. Quero saber se você foi envenenado por algum dos parentes ou servos da sua noivinha, já que você come e cheira qualquer coisa que botam na sua frente.

Ele não ofereceu resistência e averiguei o estado de sua língua em busca de sinais de envenenamento. Parecia normal, acredito. Apenas pálido.

— Você não está com o amuleto de prata, não é, seu imbecil? — Coloquei a mão no peito dele por um momento e não senti nada sob as roupas. — Aquilo te ajuda contra encantamentos, por que você é tão tonto? 

[Eijiro Kirishima]

Não que eu estivesse esperando gentileza e carinho, mas o que ele fez me pegou completamente desprevenido, ainda mais com meus reflexos lentos. Em um instante, estava sentado à minha frente, e no outro, apertava minhas bochechas com certa força para me obrigar a abrir a boca. Fiz exatamente como pediu, boca aberta e língua para fora, deixei que me analisasse. 

Duvidava que tivesse sido envenenado. O rei e a rainha nunca fariam isso, Setsuna gosta de mim e Mina é minha noiva. Se bem que, parando para pensar, a única coisa que bebi sem ser provada antes, foi o chá que Mina me trouxe. Também duvidava que tivessem colocado um encantamento em mim, mas da ultima vez também não percebi até que a situação estivesse crítica, e admito que as coisas pioraram bastante depois de tirar o amuleto. 

Não acredito que fui envenenado e enfeitiçado de uma vez. Acho que dessa vez mereço ser chamado de tonto. Por que tirei o colar? Aquela corrente era como se fosse parte do meu corpo, não a tirava para nada, como foi sair do meu pescoço? 

[Katsuki Bakugo]

Na minha outra mão, um dos frascos da caixa de unguentos que Utsushimi nos trouxe, o qual surrupiei sem que notassem. Era de nosso arsenal, uma das mais raras que conseguimos, receita élfica que Todoroki conhecia, a que ele sugeriu que eu usasse. Tendo em vista o que eu via, eu teria lembrado dessa poção mesmo sem Todoroki sugerir. 

Ofereci para ele.

— Beba isso daqui. Se você estiver com algo estranho no corpo, vai te ajudar a repelir. Pode ser que te dê um pouco mais de cansaço e até vômito, mas é uma poção pra ajudar o corpo a reagir rápido expurgar venenos e corpos estranhos, dependendo muito, até magias. Se não estiver acostumado com o que comeu hoje cedo, é bem capaz que vomite também. É feito de raiz élfica e pó de cogumelo luminoso, parece um pouco uma poção de estamina, mas definitivamente não é. Pode até te derrubar um pouco, mas passa em algumas horas. Mas se alguém está tentando te fazer algum mal, você logo vai saber e podemos ter como reagir.

Estiquei para ele o frasco, não o faria beber à força, obviamente... ou talvez fizesse, se fosse necessário, mas não agora. Queria saber se ele acreditava que tinha alguma razão para ter sido envenenado ou encantado. Era apenas tão difícil de perguntar qualquer coisa, formular qualquer coisa. Eu precisava ser prático. Preciso.

[Eijiro Kirishima]

Katsuki ainda segurava meu rosto enquanto falava sobre a poção que tinha em mãos. Não consegui acompanhar muito bem o que estava falando, foi muita informação, muito rápido. Mas continuei olhando para ele como se estivesse entendendo tudo, e até mesmo deitei um pouco minha cabeça em sua palma. Tudo o que podia pensar era no quanto senti falta desse toque. 

Ele me estendeu o frasco com a raiz élfica e eu voltei a abrir minha boca, esperando que me desse a poção. Cheguei a prender a respiração, antecipando um gosto amargo que nem sei se viria.

[Katsuki Bakugo]

Encarei a cena por um par de segundos e então ri, borboletas intrusas alçando seu voo preso dentro de meu ventre. Ele se inclinou em meu toque como um gato, nenhuma reserva, e depois abriu a boca de novo como se para que eu desse a ele a poção daquele jeito.

— Idiota. — Falei e segurei-o pelo queixo para sustentar delicadamente seu rosto. Já que ele estava mesmo enfraquecido, então que seja. Eu o faria. Virei devagar todo o conteúdo do frasco em silêncio para que ele bebesse, o gosto sendo algo quase doce com amargo de um jeito muito enjoativo.

Com meu polegar limpei o canto da boca dele e suspirei. Era cruel demais como ele que me tinha na ponta dos dedos e no fundo eu não queria odiá-lo, se sequer conseguisse. Não queria descobrir uma verdade que me obrigasse a fazê-lo.

— Prenderam você em algum lugar ou te obrigaram a alguma coisa? Você recebeu as mensagens? Você sabe que eu sei cuidar de mim mesmo e nenhuma ameaça me afeta, não sabe?

[Eijiro Kirishima]

Ele riu e tudo dentro de mim se aqueceu. Quando me chamou de idiota, foi a primeira vez em dias que sorri de verdade, apenas um sorriso simples e fraco, mas ainda um sorriso. Seu toque em meu queixo era gentil e firme ao mesmo tempo, me mantinha no lugar enquanto bebia devagar a poção. O gosto era doce, um pouco amargo também, além de enjoativo e grosso, mas ainda assim não me causava repulsa. Espero nunca mais ter que beber de novo, mas uma vez não iria me matar. 

Com o polegar, limpou minha boca em um gesto de cuidado, até mesmo de carinho. Senti minhas bochechas esquentarem um pouco, acho que a poção já começava a fazer efeito. Pensei em agradecê-lo mais uma vez, nem que fosse para levar uma bronca por isso, contudo, antes que pudesse, Katsuki já foi direto aos assuntos importantes. Entendo, além dessa viagem, não teríamos muito mais tempo sozinhos. 

— Me prender? Não, não estava preso e também não me obrigaram a nada além de participar de alguns encontros. Quanto às mensagens… — Fiz uma pausa para tentar me lembrar de alguma coisa, mas não adiantou muito. Me recordava de trechos turvos e pássaros em minha janela mas nada de mensagens. O mensageiro sequer compareceu no castelo nos últimos dias. Minha cabeça começava a doer de novo, e por isso decidi parar de me esforçar. — Eu não… Não me lembro. Posso ter recebido alguma coisa mas não me lembro agora. — respondi fechando brevemente os olhos e apertando a ponte do meu nariz, um truque que meu irmão me ensinou para fazer a dor passar.

[Katsuki Bakugo]

Ele estar confuso assim de fato só podia querer dizer duas coisas e ambas me enfurecem. Ou ele estava fingindo e se fazendo de bobo para não precisar me encarar e lidar com o que fez, ou alguma coisa realmente externa fez com que ele se bloqueasse do exterior ou ficasse tão dopado que nada lhe fixava na memória. Eu não conheço tantos venenos zumbificantes que pudessem passar despercebidos, a mudança de personalidade seria clara a qualquer um que se importasse. Só que parecia bem claro que foi possível notar, os demais que não seu irmão só não se importavam o suficiente ou eram os responsáveis.

Sei que não era hora de pressioná-lo, mas eu não conseguia evitar. Já sentia minha garganta apertando, meu peito queimando.

— Não se lembra mesmo? Sua família pegou você na manhã seguinte do seu aniversário? Não lembra de alguma coisa estranha que tenha sido dada a você? Inferno, aproveite que estamos à sós e me ajude ao máximo, quero saber se isso tudo foi escolha sua ou se estão te manipulando esse tempo todo!

[Eijiro Kirishima] 

Minha resposta não o agradou em nada, na verdade, acho que só o irritou. Ele rugia à minha frente e tenho certeza que sequer notou que o fazia. Claro que queria ajudá-lo e falar tudo o que sabia, a questão é que, além do básico, ainda não conseguia me lembrar de muita coisa. Posso sim ter recebido mensagens mas não consigo me recordar de lê-las. Não me lembro se fui pego ou não, muito menos se recebi algo estranho. Os últimos dias foram todos atípicos, o que dificultava ainda mais encontrar acontecimentos suspeitos. 

— Katsuki, de verdade, eu não… — Quanto mais pensava, mais minha cabeça doía e mais minhas pálpebras pesavam. A mesma sensação que tive segundos antes de perder os sentidos pela primeira vez. Logo, tudo estava escuro de novo, mas dessa vez, não sentia que estava afundando e nem o peso em meu peito, era como se eu tivesse apagado apenas por estar cansado demais.

[Katsuki Bakugo]

Sem conseguir responder, acho que ele acabou me respondendo. Se a poção estava fazendo efeito, isso significava que alguma coisa estava de fato interferindo na sua autonomia ou reação normal. Segurei-o para que não caísse para trás, mesmo que acabasse só se escorando nas paredes da carruagem, trincando meus dentes, enfurecido.

Talvez não fosse um veneno, ou ele teria provavelmente vomitado. Ainda vou aguardar por febre e outras purulações, todavia, mas é um bom sinal, dentre todos os sinais péssimos que isso indicava. Isso porque não ser algo letal não quer dizer que não possa ser alguma forma de sedativo que o mantivesse inerte, e eu não vou deixar ninguém sequer encostar nele novamente até ter minhas respostas. De todo modo, deitei Kirishima de lado em minhas pernas para que não se engasgasse enquanto inconsciente com qualquer fluido corporal, apoiei sua cabeça mais alta e coloquei a outra mão em seu pescoço para continuar conferindo seu pulso a viagem toda. Estável, mais forte do que estava quando desmaiou a primeira vez. Ele logo estaria consciente. 

A carruagem corria rápido e logo chegamos ao palácio, onde eu desceria com Eijiro inconsciente nos braços, novamente.

— O que aconteceu dessa vez? — A princesa de Ashido esganiçou à distância.

— Ele perdeu os sentidos mais uma vez. Ele precisa descansar. — Respondi, mantendo-o firme em meus braços e andando na direção dos portões. 

— O que você fez com ele? — Foi o rei quem acusou, às minhas costas, e por bem que eu estava com os dois braços segurando Kirishima ou eu teria desembainhado minha espada por reflexo. 

— Acredito que eu estava há pelo menos dez metros de distância da primeira vez que aconteceu, e não tive qualquer contato com ele antes disso, ao contrário de qualquer um nessa corte.

Não liguei se soou que eu os acusava. Enfurecido como eu estava, me via disposto até a repetir a acusação, deixá-la muito clara. Nesse momento, todavia, o príncipe Tamaki deu um passo e tomou a dianteira diante de seu pai e da noiva de Kirishima, exasperado apelando a eles.

— Por Nana, onde estão com a cabeça? Sir Bakugo sempre nos protegeu e está se botando em risco por Eijiro, d-deixem-no fazer o que sabe!

Não esperava, queria ou precisava da defesa do príncipe herdeiro, quanto mais uma cuja determinação começou a esvanecer no final, mas ela era bem-vinda. Talvez Kirishima não fosse o único com um mínimo de decência nessa corte absurda. Nem os olhei enquanto andava adiante e sentenciava.

— A menos que tenham a resposta e saibam o que está acontecendo, o que sugiro é que vossas magnificências mantenham distância, porque pode muito bem ser contagioso. Eu me isolarei junto a ele e reagirei para ajudá-lo se for necessário, e em algumas horas devemos ter as respostas.  Agora abram espaço e me digam onde ficam os aposentos do príncipe. 

Tomei a dianteira enquanto servos abriam as portas. A pergunta sobre onde ficava o quarto dele foi apenas para manter as aparências, porque eu me lembrava bem. Andei até lá com os servos me acompanhando um pouco de longe, e eles abriram a porta para um quarto que eu já conhecia, da noite da súcubo.

Deixei-o em sua cama. Tirei suas botas e o cobri. Kirishima não tinha febre nem suador, mesmo que corasse cada vez mais e sua pulsação parecesse acelerar além do normal, ainda que não o suficiente para que fosse uma preocupante taquicardia. 

Ele reagia bem. Estava dando certo.

Médicos com máscaras foram mandados logo em seguida, ao que foi ordenado que levassem ao quarto do príncipe tudo o que fosse necessário para tratá-lo. Trouxeram sua tina de banho para o quarto, colocaram ervas meio inúteis em alguns potinhos e botaram unguentos em seus pulsos. Era óbvio que eles estavam sem saber o que fazer com aquelas reações estranhas, então deixei que tomassem atitudes inúteis desde que não aumentassem o risco para ele.

Sentei-me ao lado de sua cama, segurando seu pulso para conferir-lhe os batimentos o tempo todo. E, como era o que me restava, esperei.

 



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