Gostava de pensar que San Diego era uma cidade pacata, a minha cidade pacata. Enquanto todos os outros avaliam por suas ideias comuns e banais. E se dependesse de mim, naquele dia ficaria por inteiro na janela, observando e tornando notas.
Eu adorava observar, apesar de ser talvez, um pouco sinistro.
Gostava de poder abrir a janela e sentir o cheiro de fora, colocar um banquinho junto à mim e sentar nele, e apenas observar a rua.
Nela podia sempre ver Dona Maryam regar suas belas plantas no pequeno jardim, o senhor de meia idade e mau humorado sair com sua família pela manhã, os gritos do casal Findlay, a menina doce que entregava folhetos de Testemunhas da Jeová, acompanhada pelo irmão.
O vizinho super-gato que botava o lixo enquanto, seu pai corria, e a loira ricaça que seduzia o pai do “vizinho gato” com aqueles seios apertados em decotes e moletom, correndo também. Era aquilo.
Tudo aquilo se consistia nas minhas manhãs de sábado. Eram assim, e eu adorava, mas para ali, acabar a rotina era o processo para a derivação do meu funcionamento interno.
E com o nariz ainda fungando, tomei o banho de água morna para aliviar tanto a cabeça e o estresse .
Puxei para o meu corpo um vestido, florido e de renda, e com um colete jeans branco.
Seria mais horrível que aquilo?
Bastava para mim, mamãe passar o TODO O DIA comigo, então na noite anterior ,ela bateu a porta do quarto e avisara que não poderia sair de minhas jeans. Devia aparentar a doce Gaby , e eu estava pronta.
Por esse facto, por assim dizer, desci as escadas até a sala. Encontrei o café de manhã na mesa. Mamãe queria estar pronta para ajudar Dona Katherine, haviam combinado para as nove e meia, era tão gentil de sua parte e agradecia por isto.
- Bom dia, mãe.
- Oi Gabriella.
Sorriu. Talvez por constatar que estava devidamente vestida como queria, sentei e comecei por me servir.
- Não estamos tão encima da hora, então vamos passar primeiro no mercado. Procurar um presente.
- Ok, legal!
Falei, nem um pouco entusiasmada. Meu habitual com aquela mulher.
Depois que saímos do mercado, fomos até a casa de Janet. Bem perto também.
Ambas recebidas bem, muito bem , na verdade. Mamãe sumiu da minha visão com a mãe de Jan. E eu e ela subimos, quase que passamos o dia todo em seu quarto, se não fosse por primas dela chegarem.
A Família parecia grande, o que me preocupava de certa forma, não sou antisocial mas detesto ter muita gente por perto.
- Mamãe disse que eles vão entrar já.
Janet entrou no quarto, pela milésima vez eufórica parando o barulho das garotas, na cama. Mas desta vez trazendo uma caixa em suas mãos.
- Então posso descer?
Perguntei já me levantando da poltrona em que estava sentada. Evidentemente, ela notou meu aborrecimento mas ela não largaria meu pé se eu não me desse bem com suas primas.
Quer dizer, eu falava uma ou duas palavras com elas. Sou tímida demais e acho que nem preciso de bastantes amigos, não sou tão espontânea assim e sorrir sempre acaba comigo.
- Ah não, mamãe pediu para eu deixar isso no sótão. Mas eu tenho que pegar algo e você leva lá.
- Eu nem sabia que essa casa tem sótão, e certamente não sei onde é.
Ela suspirou e depositou a caixa nos meus braços.
- Eu sei ué. Kendra vai com você, e meninas desçam.
Ok, minha amiga poderia ser o ser mais irritante da face da terra, mas era minha amiga certo? Estava reconsiderando nossa amizade.
- Gaby, vamos logo! Quero descer também.
Kendra me puxou e saímos do quarto para subir mais outra escadaria, mas o que me preocupou de verdade ela por ela ter me chamado pelo meu apelido. Eu não gostava assim tanto e todos sabiam disso.
O que poderia fazer, era uma estranha que não apareceria mais em minha vida. Botei a respiração no lugar quando chegamos na porta, ela me recebeu a caixa das mãos tão rápido que nem notei.
- Você segura a porta por mim? – meu cenho franziu e ela logo sorriu pegando ainda na porta – É que está porta tem ainda alguns problemas, se fechar ficarei trancada.
Assenti e peguei na maçaneta. Kendra colocou a caixa lá dentro e minha atenção estava na minha unha com esmalte saindo.
- Sabe? Uma vez fiquei aqui trancada com o Michael, eu tinha que me controlar por Janet estar lá também. Mas no final de tudo roubei um beijo dele quando Janet dormia – ela riu e olhou para mim – Meu primo é bem lindo, na verdade muito lindo. Talvez ele pensa que aquilo já me passou.
Kendra riu ainda mais alto, com certeza achando graça naquilo. E realmente para ela era, mas só conseguia imaginar primos juntos. O que na época até então acho nojento, e praticamente, Kendra não me conhecia porquê contar logo à mim?
Será que Michael Jackson, irmão mais velho de minha amiga, seria assim tão gato, lindo e todas aquelas baboseiras ditas por adolescentes da minha idade?
Foi nisso que pensei antes de descer e até despois, imaginando um rosto e um corpo esculpido.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.