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História O Médico Louco - O caçador de naipes


Escrita por: Almafrenz

Notas do Autor


Olá! Eis a atualização deste sábado, divirtam-se!
Lembrem-se de dar atenção especial à mensagem contida no final do capítulo ;)

Capítulo 6 - O caçador de naipes


Fanfic / Fanfiction O Médico Louco - O caçador de naipes

Sherlock amanheceu com a sensação de que sua cabeça havia se chocado contra um trem em movimento e seu corpo esmagado pelas rodas. Depois de três tentativas frustradas de erguer-se da cama, o homem obteve razoável sucesso arrastando-se de modo desordenado até o banheiro onde engulhou até vomitar o ácido estomacal para depois deixar-se cair sentado, trêmulo e suando frio ao lado do vaso sanitário. Estava se sentindo péssimo e a lembrança de que John não atendeu o seu pedido na noite anterior o deixava pior ainda.

Segundos depois de sentar-se ofegante no pé da parede ao lado do vaso sanitário, Sherlock percebeu a pressão do seu corpo cair de forma acelerada e um estranho formigamento tomar conta de suas extremidades. Não havia comido nada no dia anterior e essa negligência estava cobrando seu preço. Se John estivesse com ele... esse foi o seu último pensamento antes de perder os sentidos.

            Na escuridão em que mergulhou, mornas lembranças da companhia do médico militar de olhar manso e caráter firme o rodeavam como uma declaração abnegada, clara e sincera de amor que buscava entrelaçar-se em sua alma em busca de abrigo e familiaridade. Sherlock refletiu sobre suas próprias objeções e negações a respeito de tal sentimento muitas vezes julgado como sinal de fraqueza. Esse pensamento o fez sentir uma crescente e estranha sensação de vergonha por não reconhecê-lo como bem-aventurança, por não abraçar sem reservas esse amor e essa lealdade oferecida de forma tão honesta, em razão de sua compulsão de defesa egoísta ante a surpresa, confusão e medo de perder o controle, de sentir dor e dependência. Ele nunca sentiu necessidade de ninguém e ninguém nunca tinha se ofertado a ele de forma tão completa e uma parte chata do seu cérebro não podia deixar de acusá-lo de ser um tolo por não observar isso e realizar o devido sacrifício para manifestar sua aceitação de tudo que implica esse sentimento tão amplo que é o amor.  

            Sua demora teimosa de reconhecer a própria incoerência do seu comportamento o estava afastando do homem que amava, sim, ele o amava e nunca tinha dito isso. Ele ouviu essa declaração repetidas vezes de várias formas, John nunca poupou oportunidade para declarar-se e demonstrar a profundidade do seu sentimento, mas o detetive nunca disse, muitas oportunidades vieram e passaram e ele não disse. E ele planejava seguir sem dizer. Mesmo agora plenamente ciente da profundidade do seu sentimento, ele ainda não se sentia disposto a declará-lo verbalmente. A assustadora ideia de desnudar sua alma por completo, expor-se oferecendo-se inteiro numa declaração de amor incondicional, o assustava mais do que errar uma dedução em um caso de grandes proporções. Preferia se esconder no implícito, ainda não se sentia confortável com a exposição de sentimentos. Aceitar John em sua vida íntima, em sua cama e em seu corpo o estava iniciando nessa matéria caótica.

            Depois da constatação pura e simples de covardia, as lembranças doces do médico deram lugar a um cenário que fez o homem recuar estarrecido sentindo suas costas baterem numa fria parede de um amplo quarto materializado em seu delírio. Diante dele havia uma ampla cama no meio da qual dois amantes moviam-se de forma frenética e lasciva, gemendo indecorosamente e se buscando de forma quase primal. Sherlock assistiu, petrificado, John satisfazendo-se no corpo da ex-namorada ruiva, ambos revolvendo lençóis, chutando travesseiros, atracando-se, mudando de posições, fazendo ruídos de impacto e excitação que liberava um enjoativo odor libidinoso no ambiente que era registrado de forma cada vez mais asfixiante por Sherlock até tomar o aspecto insuportável de iodo hospitalar fazendo-o despertar sufocado para descobrir-se deitado em seu sofá na sala e ouvir uma voz familiar ao seu lado.

– Prontinho, Sra. Hudson, o Sherlock está de volta ao mundo dos vivos. – John declarou jogando um algodão úmido sobre a mesa perto do sofá para em seguida guardar o frasco de líquido de odor forte dentro de sua maleta.

– John... – Sherlock murmurou buscando firmar a vista no homem que havia se erguido.

– Sra. Hudson, eu sei que é uma missão quase impossível, mas tente fazer o Sherlock comer alguma coisa, ele desmaiou por conta de jejum prolongado. A senhora o conhece, se alguém não ficar de olho, ele se esquece de comer por tempo perigosamente longo. – John recomendou à senhoria que balançou positivamente a cabeça compreendendo o pedido.

– Você não poderia ficar e ajudar? – A mulher perguntou esperançosa.

– Não, não posso, sinto muito. Além disso, o Sherlock é grandinho, não precisa de uma babá 24 horas. – o médico disse com um riso irônico assumindo sua distinta postura militar para virar-se e sair da sala.

            Mas antes que o loiro conseguisse dar a sua virada costumeira, sentiu dedos longos agarrarem seu pulso fazendo-o voltar-se para o homem no sofá.

– Por favor, John... Fique. – o detetive pediu encarando-o com olhos ainda desorientados.

– E por quê?

            “Por que eu te amo”, Sherlock pensou, mas o que seus lábios permitiram sair foi:

– Por que precisamos um do outro.

– Ah, precisamos? Está dizendo que eu não posso viver sem você? – John rebateu com uma ponta ácida na voz.

– Estou mentindo? Vai dizer que não sente minha falta, não sente necessidade, mesmo depois do nosso encontro na sua sala ontem? Aquilo foi bom, não foi?

            De repente a velha teimosia e arrogância tomava conta do espírito do detetive e o que era para ser uma conversa de pedido de desculpas virou uma guerra de egos.

– Eu não acredito que estou ouvindo isso. – John murmurou rindo amargamente. – Quer saber? – John perguntou retoricamente libertando o pulso com um puxão leve, não precisava de muita força, o moreno estava fraco. – Agora compreendo que eu era apenas um substituto para seus cigarros! Achou mesmo que eu iria vir correndo para seu apartamento depois de uma transa? Pelo amor de Deus, Sherlock! Eu não faço sexo com você por simples desejo, por apego ou por necessidade puramente carnal, eu faço porque amo você! No entanto você é incapaz de entender isso, afinal você é um sociopata, não é mesmo?

– Sociopata altamente funcional. – Sherlock corrigiu.

– Que seja! Isso não muda o fato de que você não sente! Apenas usa e manipula! – John gritou.

            Sherlock o encarou meio assustado com o surto do homem, o detetive abriu e fechou a boca buscando qualquer resposta para as acusações, mas a pesada acusação que o médico cravou nele o deixou atordoado.

– John... entenda... – o detetive tentou argumentar.

– Cala a boca! Não quero mais ouvir suas justificativas lógicas sobre sentimentos, já chega. Já entendi que você é bloqueado para esse tipo de coisa. Afinal, sentimento é uma fraqueza, não é? Tudo bem! Reconheço que o erro foi meu, eu criei expectativas além do que você estava disposto a oferecer.  – o loiro falou virando-se para a mulher parada na porta. – Sra. Hudson me desculpe pela gritaria, fique de olho nele, ele precisa se alimentar, já estou de saída, tenha um bom dia. – o médico se desculpou retirando-se.

            Sherlock moveu-se no sofá sentando-se lentamente para em seguida apoiar a cabeça nas mãos e murmurar cansado:

– Eu não entendo, eu pedi para ele ficar, não era isso que eu tinha que fazer? – perguntou olhando para a senhoria ainda parada na porta.

– Oh, Sherlock... você não entende nada de sentimento de amor, não é?

– Sentimento? Não. Amor? Também não. – respondeu agitando os cachos negros do seu cabelo ouvindo vozes internas contrariar furiosamente suas respostas verbais.

– Então você está perdido. – A senhoria disse comprimindo os lábios com visível desgosto. – vou trazer algo reforçado para você comer e vou ficar de olho, viu?

– Ótimo, o John me abandona e deixa um cão de guarda para vigiar meus hábitos! Maravilha! – Sherlock protestou atirando-se no sofá e enrolando-se para encarar o encosto.

            Ao descer as escadas, Sra. Hudson encontrou-se com Lestrade um tanto curioso caminhando no sentido das escadas do 221B.

– O John voltou para casa?  Eu acabei de vê-lo entrar num táxi antes de conseguir encostar com meu carro. – o inspetor informou em meio a sua pergunta.

– Infelizmente não... esta manhã estranhei uns sons de vômito vindos do apartamento deles, então fui ver o que era e encontrei o Sherlock desacordado no banheiro e chamei o John para ajudar. Foi só o Sherlock ficar consciente e os dois voltaram a discutir, eu não entendo esses dois, eles se amam...

– Amor é uma coisa complicada, Sra. Hudson... – o inspetor concluiu. – vou subir, preciso tratar sobre um caso com o Sherlock.

– É mesmo? Poderia esperar uns minutos para levar algo para ele comer, assim posso usar você como vigia.

– Vai me fazer de babá?

– O senhor sabe como é o Sherlock. Um gênio para muitas coisas, mas um menino para outras. – a mulher declarou entrando em seu apartamento.

– Tem razão. – Greg concordou rindo e seguindo a mulher.

            Minutos depois o inspetor da Yard entrou no apartamento de Sherlock depositando uma bandeja de alimentos na mesinha perto do sofá onde o homem estava enrolado de frente para o encosto.

 – Não quero falar sobre o John. – Sherlock falou sem virar para Lestrade.

– Eu não disse nada!

– Mas pensou.

– Ok, nada sobre o John, que tal comer agora? Sra. Hudson vai invadir sua sala a qualquer momento para fiscalizar essa bandeja, é bom começar o trabalho de esvaziamento dela agora.

            Sherlock suspirou audivelmente e sentou-se de frente para a bandeja pondo-se a comer. Ele realmente estava com fome e seu corpo protestava por falta de nutrição, ele tinha que reconhecer a necessidade de energia para continuar a investigação do caso recentemente posto diante dele, sua situação com John iria ter que esperar.

            Depois de comer, tomar banho e trocar de roupa, Sherlock Holmes sentou-se diante de um Lestrade ansioso por qualquer novidade que o detetive pudesse oferecer ao caso que estava fazendo-o quebrar a cabeça em dezenas de pedaços sem nenhum proveito.

– Você já tem alguma ideia de como chegar ao assassino de Rebeca Allen? – o inspetor perguntou impaciente enquanto assistia Sherlock encarar a poltrona vazia de John Watson.

– Tenho. – o homem respondeu sem tirar os olhos da poltrona vazia.

– Como?

– As compras. – Sherlock respondeu suspirando.

– Como é que é?

– Oh, céus... é algo tão simples que estou espantado que a polícia ainda não tenha tentado. – Sherlock comentou com enfado. – Allen foi ao supermercado fazer compras, lembra? Ela efetivamente esteve no estabelecimento, estava falando com a irmã ao celular enquanto escolhia coisas, mas ela não trouxe as compras para sua casa na noite de sua morte! Ela escolheu os itens, mas algo a fez desistir deles e voltar correndo para casa! Não percebe o ponto?

– Que ponto? – Lestrade perguntou franzindo a testa.

– Céus! Esse fato poderá nos dá algo sobre o assassino! – Sherlock disse se erguendo de forma ágil e elegante do seu assento. – Preciso ver a gravação do circuito interno de segurança do supermercado entre as dezenove e dezenove e vinte daquele dia, o que quer que tenha apavorado Rebeca, apareceu durante suas compras.

            Quarenta minutos depois, o detetive e o inspetor estavam diante do arquivo de imagens das câmeras de segurança do supermercado onde, segundo a irmã da professora assassinada, Allen esteve fazendo compras antes de morrer.

– Olha, ali não é o John? – Lestrade apontou no monitor.

– Sim, é ele. Devia estar escolhendo seu chá. – o detetive respondeu de forma monótona querendo não dar muita atenção à imagem do loiro lendo cuidadosamente o rótulo dos produtos na prateleira.

– Mas essa é a sessão de geleias e não chás. – Lestrade corrigiu.

– Ah... – Sherlock piscou rapidamente apurando a vista para notar um pote de conteúdo vermelho translúcido sendo posto por John em seu cestinho de compras. – ele devia estar tendo ideias exóticas.

– Tipo o quê? – o inspetor olhou para o moreno de forma confusa.

– Nada, esqueça.

            A gravação seguiu com John saindo da sessão para o surgimento de um rapaz ruivo que parou de frente aos pacotes de chá, ficando de costas para a câmera, demorando uns instantes manuseando atentamente um pacote de chá para depois colocá-lo em seu cesto junto com mais alguns outros da mesma marca, saindo imediatamente no mesmo sentido pelo qual o médico havia ido.  Rebeca apareceu cinco segundos depois realizando suas escolhas para depois tomar o rumo do caixa onde John encontrava-se cinco pessoas à frente, discutindo com a registradora eletrônica.

– Ele discutiu com uma máquina? – Lestrade perguntou contendo o riso.

– Ele às vezes faz isso. – Sherlock respondeu atento às pessoas na fila.

            Na frente de Rebeca, havia uma senhora aposentada de aproximados setenta e cinco anos, segurando seu cesto de maçãs, trigo e ovos. Iria fazer torta para os netos no fim de semana, Sherlock deduziu. Adiante havia duas adolescentes de mesma idade, dezesseis anos, segurando algumas revistas femininas e tentando usá-las para não deixar muito à mostra às pessoas na fila a quantidade absurda de camisinhas que estavam adquirindo para experimentar com os namorados. A quarta pessoa mais próxima da registradora era um homem de quarenta anos, calvo e iludido com a perspectiva da loção capilar espremida entre a alface e as batatas em seu carrinho, fosse de fato fazer seus cabelos ralos avolumarem-se. O quinto, o homem às costas de Watson era um rapaz ruivo que parecia magro por conta da camisa escura e larga dos Holliston, carregando uma cesta lotada de pacotes de chá, biscoito e algumas cervejas.

            Sherlock observou o rapaz ruivo olhar atentamente para John e suas infrutíferas tentativas de registrar seu pacote de chá, o moço olhou para o comprimento da fila atrás dele alongando a vista até onde Allen estava tamborilando impacientemente os dedos em seu cesto de compras, e depois voltou a olhar para John por mais alguns segundos antes de afundar a mão entre os pacotes de chá que havia posto em seu cesto e passar no leitor de código de barras oferecendo o seu para que John pudesse deixar a fila fluir. Em seguida, o rapaz registrou as próprias compras, seguido pelo homem calvo, as duas adolescentes taradas, a senhora aposentada e finalmente Rebeca Allen que registrou suas compras, pagou pelos itens e saiu com suas sacolas.

– Não entendo. – Sherlock resmungou se afastando do monitor. – Ela concluiu as compras e saiu com as sacolas normalmente, nada aconteceu dentro do supermercado, mas ela não chegou com as compras em casa... por quê?

– Ela pode ter largado no caminho, pode ter sido abordada pelo assassino e saiu correndo deixando as compras para trás. – Lestrade sugeriu considerando uma ótima hipótese.

– Sim, ela largou as compras no caminho, mas não foi abordada pelo assassino, ainda não, se eles tivessem se encontrado no caminho ela teria morrido no caminho, não teria tempo de ir correndo para casa tentar conseguir um voo às pressas e arrumar a mala de qualquer jeito para fugir de um mal iminente. – Sherlock disse numa enxurrada ininterrupta de palavras. – Ela viu alguma coisa e não foi o assassino... mas o quê? – disse ele começando a andar para fora da sala. 

– Onde você está indo?

– Caminhar.

– Estou vendo, mas para onde?

– Tenho que refazer o caminho da vítima, ela voltou para casa a pé por que queria incluir essa caminhada na rotina de exercícios que a nutricionista havia prescrito naquele dia, foi isso que a irmã dela disse, não foi?

– Foi.

– Então ela usou a calçada do lado direito, pois é a que fornece o melhor caminho para sua casa e nesse trajeto, viu algo que a assustou e fez tentar uma fuga desesperada.

            Dito isto, Lestrade colocou-se a seguir Sherlock que ia caminhando a passos largos olhando para todos os lados, de alto a baixo buscando todos os ângulos possíveis de análise da rua, da calçada e imóveis próximos, até que de repente parou fazendo Greg quase colidir com suas costas.

– Viu algo? – o inspetor perguntou olhando avidamente para onde Sherlock encarava.

            Na janela de um imóvel fechado adiante na esquina havia uma reprodução do desenho de um coração cortado ao meio por uma linha vertical e a palavra “você”, feito com tinta spray vermelha.

– É parecido com o desenho na parede do quarto da vítima, com exceção da palavra. – Lestrade comentou.

– Sim, e perfeitamente visível deste ponto. Um sinal que passaria despercebido por qualquer pessoa que não soubesse do que se trata, mas Allen sabia. Então isso nos dá a certeza de que a pintura de mau gosto na parede do quarto da vítima possuía algum significado.    

–O que quer dizer?

– O assassino demonstrou saber qual naipe Allen estava guardando. Às de Copas representado por um coração solitário no cartão. O intrigante é que ele não pareceu interessado em resgatar a carta, ele não a queria de volta, seu interesse era matar a guardiã do item... isso não parece lógico. – Sherlock murmurou para si postando as mãos unidas à frente dos lábios.

– Se o desenho não era uma distração, como você pensou no começo, o que era então?

– Uma mensagem... – o detetive falou arregalando os olhos cristalinos como se algumas ideias se conectassem em sua mente deixando algo mais claro. – Ele deixou aquilo para alguém do mesmo modo que deixou o desenho naquela janela para a vítima, mais alguém está envolvido nesse mistério, não acabou com Allen, outra pessoa está correndo risco por saber de algo que a morta também sabia. Ele as está caçando! – Sherlock concluiu desferindo uma palma excitada no ar.

– Por que um assassino iria alertar suas vítimas de que estão sendo caçadas? Não seria muita burrice? – Lestrade destacou.

– Não quando se é um caçador de coelhos entocados em arbustos. Ele utilizou uma tática muito simples: desestabilizar emocionalmente para fragilizar suas presas. As pessoas apavoradas não raciocinam direito, cometem erros básicos para escapar da morte certa. São como coelhos tentando se camuflar no descampado sob o olhar de um predador calculista. Se quer pegar um coelho, faça-o correr e denunciar sua localização.

– Mas ao que parece, há algo com o tal baralho que você achou.

– Seguramente.

– E você já descobriu o que é?

– Tenho uma suspeita e remonta às práticas de sobrevivência de militares na Segunda Grande Guerra. – Sherlock respondeu sorridente pondo-se a marchar novamente com Lestrade em seus calcanhares.

            As chuvas de final de outono em Londres eram surpreendentes. O sol podia estar dando o ar da graça, morno e agradável e de repente nuvens cor de chumbo fechavam o céu e grossas cordas d’água despencavam varrendo todos das calçadas e praças. John correu como pôde para evitar chegar encharcado na recepção do Barts e chegou junto com Sarah que entrou meio que aos pulinhos sacudindo seu guarda-chuva rindo enquanto observava John tentar não escorregar por conta das solas de seus sapatos molhados. John sorriu junto sentindo-se estranhamente mais leve com o som e a visão do sorriso da ruiva. Ela era agradável, ele tinha que admitir.

– É um perigo sair sem guarda-chuvas essa época do ano. – Sarah comentou.

– Eu sei, eu esqueci o meu na minha sala aqui no Barts hoje mais cedo quando recebi uma ligação avisando que um amigo meu estava precisando de ajuda médica.

– Algo sério?

– Não, nada demais. Ele vai sobreviver se comer direito. – John respondeu com um riso meio cansado.

– Gostei do nosso encontro ontem. Podemos repetir hoje, se você quiser. – a mulher falou enquanto ambos caminhavam no sentido dos vestiários.

– Eu gostei também, foi muito divertido. Acho que podemos repetir a dose, então sim, combinado. Hoje depois do expediente. – John pontuou com um grande sorriso.

– Ótimo, até mais tarde então! – Sarah despediu-se indo para o vestiário feminino de onde Molly estava saindo.

– Eu ouvi bem? Você está saindo com a Sarah? – a patologista perguntou curiosa.

– Estou, mas não desse jeito que você está pensando. Nós somos amigos e ela me apresentou um Pub muito legal na noite passada, o Camel, você conhece?

– Oh, sim, é um lugar agradável.

– Pois é, eu gostei de lá, me ajudou a esquecer alguns problemas, eu e Sarah bebemos e conversamos a noite toda ontem. – John explicou.

– Ah... entendo. Você ainda não falou com Sherlock esses últimos dias?

– Falei com ele hoje de manhã, na verdade, falar não é bem a palavra, acho que brigamos novamente. – ele comentou sentindo-se subitamente muito angustiado. – Bem, eu vou me trocar para seguir com o expediente, até mais.

– Até. – Molly respondeu observando o médico sumir pela porta do vestiário masculino. – Quem vai ser o primeiro a dar o braço a torcer? – murmurou para si afastando-se. 

            O dia avançou rápido e logo o vestiário masculino voltou a encher-se de profissionais trocando seus trajes, uns entrando outros saindo de seu expediente no Barts. John chegou cedo e trocou-se no meio do movimento alegre dos demais colegas de trabalho.

            Quando o médico chegou à recepção, encontrou Sarah aguardando com seu morno sorriso acolhedor e ambos seguiram para o seu programa noturno no Pub Camel. No final daquela noite, depois de algumas cervejas e muita conversa, a dupla saiu do Pub e entrou em um táxi. John estava tonto e sentindo-se incrivelmente leve, não lembrava a última vez que tinha se embriagado tanto assim, mas estava se sentindo bem, arriscaria dizer que sentia-se feliz como se o álcool tivesse dissolvido lembranças ruins de sua mente.

            A sua percepção seguinte foi a de entrar em um quarto diferente do seu na pensão para estudantes de medicina, deitar numa cama muito macia, cheirosa e quente, sentir um doce perfume floral invadir suas narinas e um beijo aveludado entrar em contato com seus lábios. Aquele toque e aquele perfume eram diferentes do que ele estava acostumado, não era o cheiro pungente e almiscarado de Sherlock, nem seu beijo possessivo e voluptuoso, a mão delicada que afagava seu rosto era diferente da mão de dedos longos e firmes que o prendiam na cama para arrancar a sanidade dele. Não. Nada ali era de Sherlock, e ele não queria nada nesse momento que não fosse Sherlock.

– Sherlock... – ele murmurou como se o homem fosse se materializar sob sua invocação bêbada.

            O perfume, o beijo e os afagos desapareceram dele quase que imediatamente após o nome murmurado e então a inconsciência o engoliu. 

            Na manhã seguinte, John abriu os olhos com grande esforço sentindo a cabeça pulsar de dor.

– Meu Deus... acho que fui atropelado... – o loiro resmungou sentando-se na beira da cama.

– Não, apenas bebeu demais. – uma voz feminina corrigiu da porta.

– Sarah? – John subitamente sentiu-se muito acordado e alerta percebendo que a cama em que estava pertencia à médica. – Eu e você... 

– Não, não aconteceu nada. Se terminar de acordar vai perceber que ainda está com toda a roupa que estava vestindo ontem à noite, com exceção dos sapatos, eu não queria você manchando minha cama com lama. – ela respondeu com um pequeno sorriso complacente.  

– Oh, claro... ainda bem... Quero dizer, ainda bem que não desrespeitei você, olha, me desculpe, eu dei trabalho para você e agradeço que tenha me deixado dormir aqui, foi muita gentileza sua...

– Sem problemas, John. Quer café?

– Seria ótimo.

– Vem, acabei de passar um bem forte que vai servir para sua ressaca. Sorte sua hoje ser sábado. Você não tem plantão no sábado, tem?

– Não, ainda bem.

            Depois de tomar café com a médica e desculpar-se mais uma dúzia de vezes, John saiu da casa da Sarah. Não quis pegar um táxi, preferiu caminhar um pedaço do caminho até chegar numa praça arborizada com bancos de madeira às margens de um lago amplo e escuro. Não havia sol e as copas das árvores balançavam sob a força de um vento leve que fazia o Acúmulo de precipitação nas folhas caírem como um remendo de chuva fria.

            John sentou-se em um dos bancos úmidos e ficou encarando a água do lago sem de fato percebê-lo. Ele refletia sobre a sucessão de aborrecimentos que teve nos últimos dias e se valia mesmo a pena valorizar o seu desejo de casar ou sufocá-lo para receber apenas o que Sherlock podia lhe oferecer. Seria prudente anular sua aspiração? Isso não cavaria nele uma futura mágoa que poderia envenenar o seu amor pelo detetive? Ou seria apenas uma tola teimosia sua insistir nessa ideia romântica que o estava privando da companhia de alguém que ele amava? Tudo isso eram suposições que ele temia serem reais.

            Um vulto escuro capturado pelo canto do campo de visão do seu olho direito o tirou dessas reflexões o fazendo virar a cabeça para melhor enxergar o indivíduo que simplesmente desapareceu entre as árvores. Era a quinta vez em alguns dias que ele tinha a mesma visão e a sensação de estar sendo observado. Após esse pensamento, o centro do seu campo de visão captou novo movimento entre as árvores adiante. Não dava para definir o sexo ou altura da sombra que esgueirava-se por entre os troncos, mas o fato é que ele não podia estar ficando louco, tinha mesmo alguém ali além dele e parecia estar de olho nele.

            John ergueu-se encarando o conjunto de árvores a dez metros adiante vendo a sombra afundar e desaparecer. Por algum motivo que o loiro não parou para compreender, suas pernas moveram-se céleres na mesma direção em que o vulto afundou. O que começou com passos apressados evoluiu rapidamente para uma corrida afoita árvores adentro em busca da identificação da pessoa que o observava. John desejava a todo custo saber quem era e por que o estava observando e seguindo.

            Seus pés deslizavam nas camadas de folhas úmidas e seus pulmões doíam pelo esforço de buscar inflar e desinflar com o mesmo dinamismo e necessidade que seu coração disparado bombeava seu sangue agitado pelas veias. Ele correu desviando galhos baixos e pedras soltas até captar o vulto mais à frente, esgueirando-se com uma agilidade invejável. John não poupou fôlego, avançou mais para dentro, mais para frente, cada vez mais perto, bem perto e então, sentiu um forte golpe incapacitante em sua traqueia, cortando-lhe subitamente o ar fazendo-o perder os sentidos em segundos e cair mole na folhagem sob as copas das árvores.


Notas Finais


Eita, John foi desacordado com um golpe na traquéia! Quem será esse vulto? Alguma teoria? Será o que vai acontecer com o nosso médico favorito?
MEGA NOVIDADE PARA LEITORES QUE DESEJAM INTERGIR ENTRE SI SOBRE ESTA FIC:
Pessoal, a nossa amiga, a leitora Kamikaze Reira, fez um grupo de Whatsapp com a finalidade de reunir pessoas que amam Johnlock e estão acompanhando a leitura da terceira temporada (O médico Louco) das minhas fanfics e desejam interagir debatendo sobre teorias e impressões de leitura enquanto os sábados não chegam, de modo a tornar a espera menos perceptível. Quem desejar participar pode mandar seu contato telefônico para o email: [email protected] que eu irei passar para a nossa querida Kamikaze que terá prazer em adicionar você ao grupo que ela criou. (não pude colocar o número do telefone dela em razão do Spirit bloquear isso, eu tentei, mas eles removeram...) Desde já, sejam bem-vindos aos debates via Whatsapp, uma chuva de pétalas de flores de cerejeira irá recebê-los, divirtam-se ;)


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